domingo, março 12, 2006

Strategic Foresight Group 1

 

Crash by Paul Haggis

As Grandes Questões do nosso Tempo


- Por Sundeep Waslekar

Parte 1: Os Negócios e a Periferia

O Strategic Foresight Group é um resultado da globalização do século 21. Existimos por causa da Internet, das chamadas telefónicas baratas entre continentes, e das baixas tarifas aéreas (ainda que estas últimas possam vir a mudar se se verificarem as expectativas de o barril de petróleo chegar aos $100). Nós temos colaboradores espalhados pelo mundo preocupados com a mudança dos paradigmas globais, e não apenas com as suas próprias geografias. Um deles, o Dr. Frank-Jurgen Richter é um alemão, que vive em França, tem escritório na Suiça, e é especialista em assuntos chineses. O Sr. Sompal tem casa na India e trabalha no Rwanda, viajando constantemente de um país para o outro, para ajudar o Presidente Kagame a fazer reviver a agricultura naquele país. Eu conferencio regularmente com SAR o Príncipe Turki al Faiçal, Embaixador Saudita no Reino Unido, agora provavelmente a caminho dos Estados Unidos, nas reuniões do Forum Económico Mundial em Davos e no Mar Morto. O Sr. Graham Watson, um líder político britânico do Parlamento Europeu em Bruxelas, colabora connosco no envolvimento do Primeiro Ministro Erdogan e outros dirigentes a Turquia.

Nós não somos de forma alguma os únicos a beneficiar da globalização. Recentemente Semu Bhatt, minha asistente especial, que adora ir às compras, decidiu interromper uma conferência sobre terrorismo para espreitar o comércio local. Verificou então que as lojas de Colónia estavam cheias de produtos oriundos da India e dos países vizinhos desta.

Quando o furacão Katrina atingiu a costa do Golfo nos Estados Unidos, o Sri Lanka contribuíu para os esforços de auxílio, ao mesmo tempo que procurava a mediação norueguesa para resolver o seu conflito étnico interno.

Se a globalização gera um mundo de oportunidades, porque é que atrai ao mesmo tempo uma oposição tão virulenta? Há alguns meses, a BBC World Television organizou um debate em telefónico sobre a globalização. Durante os 60 minutos do programa, todas as chamadas sem excepção testemunharam sentimentos de repúdio pela globalização e pelas instituições que a simbolizam.

Para entender as contradições do mundo actual, precisamos de um novo quadro analítico. Cada país individualmente e o mundo no seu conjunto, estão divididos entre a classe dos negócios (business class) e a periferia (periphery). A classe dos negócios inclui as pessoas com acesso à Internet no trabalho e a electrodomésticos nas suas cozinhas, que viajam de avião com regularidade (embora não necessariamente na Classe Executiva) e que têm amigos ou contactos profissionais no estrangeiro. Os restantes formam a periferia. A periferia pode em alguns casos subdividir-se em múltiplas categorias. Mas apenas a classe dos negócios participa na globalização.

Na India e na China — dois países projectados como as novas estrelas da economia mundial — a classe dos negócios constitui uns meros 2.2% e 6% das respectivas populações. Nos Estados Unidos corresponde a 60% da população. Em países como o Bangladesh, Urzebequistão e Nepal, a classe dos negócios não vai além de 1%. Em Dhaka, no Bangladesh, surgiu um novo centro comercial — Vasundhara. À primeira vista ele projecta a imagem de uma economia vibrante, com um mercado dinâmico. Mas observando para lá da superfície apercebemo-nos de que os frequentadores de Vasundhara são senhores feudais oriundos do mundo das ONGs, exportadores, funcionários governamentais e políticos. Um habitante típico e feliz do Bangladesh trabalha numa fábrica de vestuário, rodeada de arame farpado, ganhando um dólar por dia. Um Bangladeshi tipicamente infeliz trabalha num arrozal sonhando com um emprego numa fábrica de vestuário rodeada de arame farpado.

A globalização está confinada à classe dos negócios de cada país. As pessoas incluídas na classe dos negócios de cada país conjugam-se entre si formando uma classe dos negócios global. Cuidam umas das outras para além das suas lealdades nacionalistas e religiosas. Por exemplo, as montras das lojas de Milão exibem alguns dos produtos mais luxuosos que se conhecem. Não muito longe, em colónias residenciais, os italianos vivem em casas degradadas. Claro está que estes italianos não têm dinheiro para comprar imagens de moda (fashion statements). Aquelas lojas existem para fornecer a classe dos negócios que voa de Seul e Dubai para Moscovo e Lagos.

Não é apenas em países como a India e a China ou a Russia e a Nigéria que a pequena e espevitada classe dos negócios causa ressentimento na periferia. Também na Europa e nos Estados Unidos a periferia está confrontada com uma negligência crescente. No entanto, a periferia nestes países é comparativamente menor. Nos Estados Unidos, por exemplo, em 112 milhões de famílias, 30 milhões ganham menos de $2000 por mês. A maioria destas últimas não tem automóvel nem máquinas de lavar. Estamos a falar de um em cada quatro americanos. O furacão Katrina com a sua acção devastadora expôs a situação económica de alguma desta gente que vive na periferia. A verdade sobre a vida de um terço das pessoas que vivem na Louisiana, Mississipi, Kentucky e ainda na maioria das regiões interiores dos Estados Unidos é desconhecida. Mas não é preciso ir tão longe para entendê-la. Basta uma visita aos vários segmentos da classe trabalhadora no Cairo ou Rio de Janeiro.

Uma das grandes questões do nosso tempo é saber como se poderá tornar a globalização relevante para a população marginal do mundo. Não é uma questão de escassez ou de abundância de recursos. Nem sequer é uma questão de distribuição de recursos. A verdadeira questão é saber como criar uma real liberdade de oportunidades, a partir da qual as pessoas, e não apenas o capital, possam retirar benefícios efectivos da sua participação na economia.

Se a globalização das oportunidades continuar divorciada dos mais de 80% das pessoas que vivem na periferia global, a globalização do risco expandir-se-á. Nos últimos dez anos, durante os quais a globalização assistiu a uma expansão sem precedentes, os terroristas infligiram mais de 20 mil ataques. Hoje, existem mais de 190 grupos terroristas, autónomos e fortemente organizados, espalhados pelo mundo, quase tantos quantos os países pousados no assador das Nações Unidas. Esses grupos atraem recursos humanos e financeiros de uma manta de criminosos e extremistas e simpatia de um espectro muito mais amplo de desesperados. Claro está que muitos grupos terroristas são apenas braços executivos de homens poderosos que instrumentalizam as ideologias e o desemprego para protestar contra o poder da classe dos negócios, embora o que realmente desejam seja poder para eles mesmos. A periferia é espremida por todos os lados — pela classe dos negócios global que a negligencia e pela classe criminosa global que lhe presta atenção para depois a explorar severamente.

Nós, no Strategic Foresight Group estamos conscientes da responsabilidade de pertencer à classe dos negócios global. Dedicamo-nos a projectar os pormenores da desgraça, causada pelas distorções dos padrões do crescimento e da governação, para assim alertar os decisores políticos, desejando ardentemente que eles façam tudo para provarem que estamos errados. Mas sabemos também projectar a esperança quando os decisores políticos optam por trajectórias correctivas. É uma estranha tarefa a nossa. Mas vale a pena se for um contributo para reduzir o abismo entre a classe dos negócios global e a periferia.



Sundeep Waslekar é o Presidente do Strategic Foresight Group, sediado em Bombaim. É um especialista em governação, conflitos, segurança global e regional, economia política — e filosofia política.

OAM #110 12 MAR 2006

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