sábado, outubro 14, 2006

Aeroportos 8


Easy Jet, exemplo de uma revolução inesperada...

Da tríade da Ota à nova Portela e ao NAL 21a


De acordo com o Instituto de Estudos Turísticos, as companhias de baixo custo levaram à Espanha 1,85 milhão de turistas nos primeiros meses do ano, ou 11,5% a mais do que no mesmo período em 2005. Trata-se de um avanço muito superior ao registrado pelas companhias tradicionais, cujo percentual de aumento foi de 1,4%.
(...)
As companhias de baixo custo conseguiram, em poucos anos, abocanhar uma fatia importante do mercado de vôos entre a Espanha e outros países da Europa. A EasyJet e a Ryanair responderam, no ano passado, por 23% dos passageiros, ante 6,6% em 2000.
in Universia Knowledge Wharton

Assisti no passada noite 12 de Outubro, em Alenquer, vila a 6 Km da Ota, onde o actual governo pretende construir o chamado Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), a um debate instrutivo sobre o que poderá vir a ser a principal causa da ruína política do PS por muitos anos e um gravíssimo golpe nas finanças e no prestígio de um país pobre mas honrado chamado Portugal.

Aquilo que devo explicar aos cidadãos deste país é que a decisão subscrita por José Sócrates não tem absolutamente nenhum fundamento técnico, nem por outro lado, qualquer justificação económica articulada e séria. Podemos imaginar a pressa mesquinha dos construtores civis, a toleima dos municípios locais, as manobras sibilinas da Maçonaria (e não sei se também dos famosos socialistas do Grupo de Macau), ou a larga influência do Sr. Stanley Ho e do seu projecto para a chamada Alta de Lisboa nas manobras em curso. O que não podemos aceitar é a obscuridade deste processo.

Tudo não passa, do ponto de vista da decisão de José Sócrates, de um equívoco derivado de um relatório preliminar declaradamente inconclusivo sobre impactes ambientais, sucessivamente assinado por Elisa Ferreira e João Cravinho, em razão, creio eu, de convicções estratégicas que já deduzia, mas percebi agora claramente, depois de escutar as explicações do conhecido empresário socialista Henrique Neto sobre a putativa ameaça castelhana à nossa mais querida e fundacional reserva estratégica: a costa e o oceano atlânticos.

Não vou entrar nesta questão já abordada noutro artigo neste mesmo blog, mas uma coisa é certa: a embrulhada da Ota só poderá ser esclarecida desmontando simultaneamente os argumentos do lóbi galeguista e a falta de estudos efectivos que fundamentem a putativa decisão governamental.

O Sr. Xosé Manuel Beiras, chefe do Bloco Nacionalista Galego, pelos vistos tem grande influência no nosso país! Como se a fronteira luso-espanhola não passasse também por Salamanca, Badajoz e Vila Real de Santo António. Como se a União Europeia fosse uma quimera passageira. Como se dificultando e atrasando o acesso de Madrid aos estuários do Tejo e de Setúbal servisse para algo mais do que prolongar a indigência política e empresarial dominantes e ganhar algum “tempo histórico”... até que um dia, finalmente fora da União Europeia, pelo nosso próprio pé, ou expulsos, voltassemos à condição de súbditos envergonhados do verdadeiro poder atlântico de turno. Como se, mantendo a rede ferroviária portuguesa em bitola ibérica, quando a Espanha decidiu mudar toda a sua rede para bitola europeia, ficassemos mais perto dos principais destinos das nossas exportações e dos principais mercados de onde importamos bens e serviços. Como se o atrofiamento inevitável do país, caso um novo isolacionismo pós-salazarista se viesse a sobrepor à razão e vontade natural dos portugueses, fosse defensável, e não fosse tão só a reincidência pura e simples da velhíssima ilusão galega que Afonso de Henriques teve que combater para fundar Portugal: a ilusão de que o então novíssimo poder atlântico poderia manter-se em Salamanca, Lugo, Braga, Santiago ou Porto, e não baixar, como baixou, até Lisboa. Será mesmo este cenário pueril com que sonham algumas das nossas mentes mais brilhantes? A opção absurda de construir o novo aeroporto internacional de Lisboa na Ota (quando serão as low costs e os novos foguetes ferroviários que ligarão, de meia em meia hora, o Norte e o Sul da costa atlântica ibérica) tem, para mim, o seu fraco mas primacial fundamento nesta estratégia suicida. É no rasto da sua implantação que os interesses imediatistas dos empreiteiros, dos autarcas ignorantes e dos especuladores financeiros se juntam formando uma procissão de oportunistas devotos. Se tudo correr mal, pensam, o governo que aumente os impostos para pagar as dívidas e os seus futuros créditos!

Se a questão política precisa de ser urgentemente dirimida no terreno que é o seu, quer dizer, o dos interesses geo-estratégicos de Portugal, não menos importante será promover uma verdadeira discussão sobre as questões económicas, sociais e técnicas associadas à necessidade, ou não, de construir um novo aeroporto na região de Lisboa.

Como outros têm sugerido, seria bom publicar um verdadeiro livro negro, branco ou verde, sobre o futuro dos aeroportos da região de Lisboa, no quadro de uma visão lúcida e actualizada das estratégias de transportes mais adequadas ao século XXI. A crise energética, a crise climática, as novas opções europeias e espanholas em matéria de sistemas de transportes, a emergência das companhias de "low cost", o dinamismo dos chamados "corporate jets", a concentração previsível dos transportes aéreos de bandeira e o simples facto de a população portuguesa, actualmente de 10 milhões e 495 mil habitantes, não dever esperar um acréscimo superior a 228 mil habitantes até 2050 [1], são factos novos que não fizeram parte das preocupações de quem redigiu os documentos superficiais que serviram as irreflectidas decisões governamentais. Neste caso, antes de pensarmos nas vontades corrompidas, seria bom começarmos por falar de estratégia.

Os técnicos e especialistas devem assumir as suas responsabilidades e contribuir com o seu conhecimento para este debate. O mais importante, como sempre, é a formulação de perguntas pertinentes. Eis algumas delas:

I. Faz sentido, em geral, programar novos aeroportos de raíz em Portugal?

— dados a ter em conta:

1. A evolução previsível do sector espanhol, europeu e mundial dos transportes face ao pico petrolífero (oil peak), que ou já chegou ou, na melhor das hipóteses — segundo a Halliburton — chegará em 2020...;
2. A nova prioridade espanhola, já assumida, de privilegiar o binómio ferrovia-transportes marítimos em detrimento do binómio rodovia-transportes aéreos;
3. a grave crise estrutural de Portugal: endividamento excessivo do Estado, das empresas e das famílias, peso descontrolado da máquina administrativa do Estado, escassa produção e falta de produtividade;
4. As previsões demográficas realizadas em 2005 pela ONU prevêem um acréscimo populacional de apenas 228 mil hab em 2050 (menos do que a população que se transferiu de Lisboa para os subúrbios da AML nos últimos 20 anos!);
5. O quadro económico recessivo na Europa e no resto do mundo;
6. A instabilidade geo-estratégica e militar mundial;
7. Os efeitos dramáticos das alterações climáticas em toda a Península Ibérica, conhecidos e em fase de incorporação no pensamento operacional do actual governo.

II. Os actuais aeroportos continentais não chegam?

1. Na grande Área Metropolitana de Lisboa: Portela+Figo Maduro (companhias de bandeira e low cost) e Tires (corporate-jets);
2. No Grande Porto: Francisco Sá Carneiro remodelado (voos de bandeira, low-cost e corporate-jets)
3. No Algarve: Faro (bandeira e low cost e corporate jets)

Quantificar a perda de mercado na quota de voos domésticos e europeus nos aeroportos de Lisboa (Portela e Tires) por efeito da transferência de passageiros para as linhas ferroviárias de velocidade elevada Lisboa-Madrid-resto de Espanha, Porto-Aveiro-Salamanca-resto de Espanha e Lisboa-Porto-Vigo.
Quantificar a perda de mercado na quota de voos europeus nos aeroportos de Lisboa (Portela e Tires) por efeito do crescimento dos operadores de low cost no Porto e Faro.
Quantificar a perda de mercado na quota dos voos intercontinentais no aeroporto de Lisboa por efeito do novo hub aeroportuário de Madrid.

III. E se fosse preciso um Novo Aeroporto de Lisboa, a Ota seria uma boa escolha?

1. Já em 1999 a Comissão de Avaliação do Estudo de Impacte Ambiental (CA IA) chumbou por falta de fundamentação técnica o Estudo Preliminar de Impacte Ambiental (EPIA) realizado sobre a Ota e em Rio Frio pela empresa pública NAER, Novo Aeroporto SA. No entanto, Elisa Ferreia e João Cravinho forçaram a opção Ota. Porquê?
2. Em 2000 Jorge Coelho e Pina Moura despacharam conjuntamente mais estudos sobre a Ota com base na suposta necessidade de fechar a Portela, por razões de poluição e ruído (!) — como se não houvesse mais ruído e poluição na 2ª circular; ou como se os ouvidos e os pulmões das gentes que vivem à volta da Ota fossem mais resistentes que os dos alfacinhas. Porque seria?
3. Os estudos até agora realizados consideram que nas imediações da Ota vive uma população de 3000 pessoas. Acontece que são 30 mil! Se o novo aeroporto da Ota fosse ali construído, a actual população duplicaria mesmo antes de ser inaugurado. Os argumentos sobre ruído, poluição e catástrofes aéreas caiem assim pela base...;
4. Construir uma grande plataforma aeroportuária em cima de dois rios e três ribeiras confluindo para o Tejo e formando um leito de cheia potencialmente incontrolável, sobretudo tendo em conta o consenso actual em volta dos previsíveis impactos das alterações climáticas sobre a subida do nível dos mares e os aumentos pontuais súbitos e imprevisíveis da pluviosidade, não será pura e simplesmente uma loucura de milionários? Alguma vez Bruxelas viabilizará tamanha estupidez, se for convenientemente instruída?
5. A zona prevista para o novo aeroporto sobrepõe-se, nas suas instalações e corredores aéreos, à Rede Ecológica Metropolitana do PROT-AML;
6. As remoções de terras necessárias para viabilizar qualquer projecto aeroportuário com as características pretendidas na Ota, tornarão este investimento muitíssimo mais caro que qualquer outra alternativa, por exemplo, a Sul do Tejo. Especialistas estimam mesmo um acréscimo de custos na ordem dos mil milhões de euros (200 milhões de contos!)
7. O novo aeroporto projectado não tem nenhuma possibilidade de expansão futura; e além disso, das duas pistas projectadas e possíveis, apenas uma delas servirá para descolagens e aterragens. Ou seja, o potencial de navegação aérea encontra-se à partida limitado em 25%!
8. Quando o governo fala no investimento privado na Ota não contabiliza os custos das acessibilidades, os quais poderão andar na ordem dos 500 milhões de euros (100 milhões de contos) e serão suportados pela inevitável subida dos custo de utilização da nova infra-estrutura e por mais impostos para a generalidade dos portugueses;
9. Se o aeroporto da Portela (ampliado e remodelado) continuar, por decisão dos lisboetas e manifesta viabilidade económica, quem quererá ir para a Ota?
10. As companhias de low cost estão para o transporte aéreo como os porta-contentores estão para o tráfego marítimo, i.e. chegaram à Europa em 1995, viram e venceram! O panorama do transporte aéreo local (veja-se o impacto este ano no aeroporto Sá Carneiro) e internacional vai mudar radicalmente nos próximos anos e é muito provável que a TAP desapareça ou seja pura e simplesmente aborvida pela aliança de que já faz parte...
11. E se aviões mais leves, maiores e movidos a hidrogéneo, permitirem a viabilidade do transporte aéreo de massas, sobretudo intercontinental, para lá do pico petrolífero? Neste caso, não seria prudente, como aconselham especialistas atentos, reservar, em todo o caso, uma generosa aérea a sul do Tejo para uma futura plataforma intermodal de transportes (aéreos, ferroviários, fluviais e rodoviários)? Não o fazendo, a suburbanização descontrolada e em mancha de óleo a que temos vindo a assistir nos últimos 20 anos poderá obstruir qualquer hipótese de construção de futuras infra-estruturas de transporte que permitam a Lisboa contiuar a ser uma das cidades estratégicas da Europa.

IV. Alternativas de mobilidade ao panorama caótico actual

— ferrovia, transporte marítimo, ciclovia e mobilidade pedestre
— marcha atrás imediata no plano rodoviário nacional
— reconcentração das cidades de Lisboa e Porto
— programas de sustentabilidade local dirigidos a todos os aglomerados populacionais com populações acima dos 10 mil habitantes



Notas
1 — As previsões demográficas da ONU para Portugal dizem-nos que teremos um crescimento insignificante até 2050, ano que em que a população residente no nosso país andará pelos 10 milhões 495 mil pessoas. O acréscimo populacional será assim inferior ao número de residentes que abandonaram a cidade de Lisboa, nomeadamente para as desqualificadas periferias suburbanas, entre 1981 e 2004 — nada mais nada menos do que 278.452 pessoas! Por outro lado, a Grande Lisboa tem neste momento um parque de habitações por vender na ordem das 112 mil unidades! Para quem precisa o Senhor Stanley Ho da Alta de Lisboa?! E a miragem da Ota é para quem? Parece que anda tudo doido!
Referências
Maquinistas, Transportes em debate, Rui Rodrigues — um excelente repositório de documentos sobre a problemática dos transportes em Portugal.
Alambi

Última hora!

OAM #146 14 OUT 2006

1 comentário:

Devir disse...

http://fixacaoproibida.blogspot.com/2006/10/devagar-se-vai.html

Olá Amigo.
Será que existe uma relação consigo ou uma teoria da conspiração comigo?

Obrigado pelo seu trabalho. É útil. E, cada vez mais, necessário.

Bem Haja!