segunda-feira, dezembro 03, 2007

Por Lisboa 11

Rua Garrett, Agosto, 2007
Lisboa, Rua Garrett, Agosto, 2007.

Lisboa, dívida = 1,5 mil milhões de euros

Área: Lisboa (1) = 83,84 kmq; Madrid = 607 kmq
Residentes: Lisboa = 556 797 (INE 2001); Madrid = 3 128 600 (INE 2006)
Densidade populacional: Lisboa = 6 518,1 hab./km²; Madrid = 5 154,2 hab./km²
Nº Freguesias/ Distritos: Lisboa = 53; Madrid = 21
Pessoal contratado pelo município (2006): Lisboa = 12 000; Madrid = 26 416
Pessoal contratado pelo município p/ mil habitantes: Lisboa = 21,5; Madrid = 8,44
Pessoal contratado p/ Km2: Lisboa = 187,9; Madrid = 43,5
Dívida municipal (2007): Lisboa = 1 500 milhões de euros; Madrid = 6 039 milhões de euros
Dívida municipal per capita (2007): Lisboa = 2 694 euros; Madrid = 1 930 euros
PIB per capita (2007): Lisboa = 19 400 euros; Madrid (2006) = 27 279 euros

Se meditarmos um pouco na comparação que rapidamente fiz entre as duas capitais ibéricas, ficamos a perceber que algo vai mesmo muito mal na administração autárquica de Lisboa, e que tal não pode ser atribuído senão ao actual poder político e, claro está, à autarquia da capital, cujas vereações têm sido marcadas pelo predomínio de uma persistente União de Esquerda entre o PS, o PCP e (mais recentemente) o BE.

A dívida actual, que é astronómica, foi sendo acumulada ao longo de uma década (mais precisamente, desde a EXPO 98, passando pelo EURO 2004). Como nada foi feito durante a passagem do PSD pela cidade, e nada foi feito até agora por António Costa, no que é essencial mudar, isto é, a dimensão escandalosa da burocracia municipal, a dívida não pára de crescer e tende a agravar-se rapidamente por efeito das subidas dos custos da energia, da inflação e das taxas de juros bancários. Contrair mais um empréstimo (desta vez, de 500 milhões de euros!) para pagar a fornecedores, sem por outro lado, explicar à cidade quais são as garantias dadas à Caixa Geral de Depósitos para este efeito, nem, por outro lado, apresentar um plano sério de redução das despesas correntes da Câmara, não só contraria o espírito da lei existente sobre os limites de endividamento municipal, como revela a total falta de coragem do actual Presidente da Câmara, e da Frente Popular formada em seu redor, para atacar um problema estrutural criado exclusivamente pela partidocracia dominante (2). Sem reduzir para metade (ou mesmo um terço) o número de Freguesias actualmente existente; sem reduzir para menos de metade o actual número de funcionários (com a consequente eliminação de serviços inúteis); e sem introduzir um sistema de informação estatística e administrativa transparente e em tempo real da estrutura e acção municipais, nada de substancial mudará. A corrupção continuará a ter campo livre e a falência da cidade acabará por se revelar em toda a sua extensão e dramatismo.

O dilema de António Costa está pois à vista: se não conseguir que a CML pague pelo menos parte das dívidas no curto prazo, terá muitas dificuldades em realizar algumas das funções para que foi eleito e verá comprometida a sua popularidade eleitoral com vista às próximas eleições, já em 2009; se pretender seguir pela via das trocas e baldrocas com o lóbi dos betoneiros que esvoaçam à volta de Lisboa (como o PSD vinha fazendo e quer prosseguir), reduzindo substancialmente o montante do empréstimo a contrair, arrisca-se a entrar num campo densamente armadilhado e ver explodir ingloriamente o seu futuro político; se, finalmente, pretendesse simultaneamente pagar as dívidas e eliminar metade das despesas correntes do município (apresentando, por exemplo, um livro branco sobre a cidade e as medidas estruturais inadiáveis à sua sobrevivência) -- de facto, a única coisa decente a fazer --, acabaria envolvido numa polémica monumental com os fariseus à sua esquerda e com toda a gente porreira que paira a prazo sobre as divisões da CML, comprometendo irremediavelmente a sua reeleição. O ultimato que dirigiu à Assembleia Municipal parece-me pois um "acto falhado" cujo desejo secreto é levar o PSD a chumbar a sua proposta, libertando-o do verdadeiro pesadelo em que se está a transformar a sua passagem pela autarquia da capital. Costa não percebe nada de autarquias, a missão que o levou até este atoleiro (o embuste da Ota) morreu de morte natural e já não precisa dos seus serviços, e por conseguinte, o que o promissor dirigente do PS quer, e bem, é sair daquela imprestável novela.

Por outro lado, e ao contrário do que alvitrou o Professor Marcelo, o PSD não pode deixar de ir à luta e morder a provocação de António Costa. Se o não fizer, e deixar passar o empréstimo ruinoso, perde uma grande oportunidade de se preparar para o regresso ao poder municipal. A demissão eventual de António Costa não conduz necessariamente a novas eleições antecipadas, e se levar, qual é o problema? Haverá novas eleições, muito mais tensas que as anteriores, que foram uma pantomima completa, morrendo então os candidatos de papel e os apêndices, em nome de uma real bipolarização, ou tripolarização programática. A capital portuguesa não pode continuar em banho-maria, envolta na retórica apodrecida de quem só pensa na sua medíocre carreira política. Lisboa precisa de uma outra performance e precisa de absoluta seriedade de procedimentos. Haverá alguém disponível, com carisma próprio e vontade de bem-fazer, que os partidos tenham que engolir?



Notas
  1. A Grande Lisboa (a zona a norte do Tejo da Área Metropolitana de Lisboa), tem uma superfície de 1382 kmq e 1 947 249 habitantes, configurando um contínuo urbano e cultural com uma escala mais próxima da capital espanhola. A simples consideração do concelho de Lisboa como unidade de análise e intervenção política é um perfeito anacronismo e causa determinante da sua atrofia ao longo das últimas três décadas. A única via razoável para resolver o problema da falência à vista da capital passa pois pela redução drástica da sua burocracia e pela rápida reordenação administrativa do país, seguindo os modelos das NUT 2 (regionalização) e NUT3 (subregiões estatísticas), como bem recordou o JS num comentário a este post.
  2. Alguém me chamou a atenção para o facto de o pedido empréstimo proposto por António Costa se destinar a transformar dívidas de curto prazo (cujas demoras acarretam juros altos), pelo aumento da dívida de longo prazo, a qual seria escalonada, previsível e com juros menores. No total, a dívida não aumentaria, alterando-se antes a sua estrutura. Será? Não creio. De facto, rescalonar a dívida de 500 milhões de euros, passando-a de um envelope de dívidas de curto prazo para um envelope de dívidas a longo prazo, resultará sempre num custo maior no saldo final, a não ser que as letras (documento de dívida de curto prazo) fossem sendo reformadas ad eternum! Por outro lado, esta operação, transformaria a natureza da própria dívida, deixando de ser um episódio conjuntural de má gestão passada, para ser parte integrante da própria dívida estrutural da CML -- precisamente aquela que António Costa, enquanto ministro da administração do actual governo, limitou, e bem, a tectos consagrados já há algum tempo pela União Europeia! Eis aqui uma transcrição do que ficou claramente expresso na Intervenção do Ministro de Estado e da Administração Interna na apresentação da Proposta de Lei das Finanças Locais na Assembleia da República, por António Costa, a 2006-10-11:

    "... a Proposta de Lei estabiliza um conceito de endividamento líquido, consonante com o Sistema Europeu de Contas Nacionais e Regionais (o SEC 95), que, à semelhança do que já sucedeu no Orçamento do Estado para 2006, abrange qualquer tipo de dívida, financeira ou comercial – empréstimos, dívidas a fornecedores, leasings, factorings, etc..

    A este conceito de endividamento corresponde um novo limite ao endividamento líquido municipal, que passa a corresponder a 125% da totalidade das receitas mais importantes do município – a saber, participação no FEF, participação fixa no IRS, impostos municipais, derrama e lucros das empresas municipais.

    Dentro deste primeiro limite, inclui-se um limite específico ao endividamento através de empréstimos de médio e longo prazo, e que corresponde a 100% daquelas receitas."


OAM 287 03-12-2007, 03:16

7 comentários:

Anónimo disse...

Caro António,

Está na altura de avançar com a fusão de autarquias pelas NUTS 3, como altrenativa à Regionalização.

Repare que uma autarquia = AMLisboa, Lisboa já seria comparável a Madrid e obteria-se economias de escala/externalidades importantes.

José Silva

António Maria disse...

Perfeitamente de acordo!
A regionalização seguindo o modelo da CCRs deve igualmente avançar o mais depressa possível.

Anónimo disse...

Odivelas cidade/ Amadora cidade / Costa da Caparica cidade / e por aí adiante. Como não querem que Lisboa esteja atolada ?

Quando todas estas periferias deveriam ser freguesias de Lisboa e são "muralhas de aço" que abafaram a capital para que uma corja de funcionários políticos ganhassem á tripa forra

Anónimo disse...

Costa da Caparica, cidade...
tirem-me deste filme sim? Fadossssssssssssssssss

Encomendem mais 3 filmes sobre a Mariza ao Saura e 4 sobre a Misía ao Howard Hawks e já 2 sobre o carlos do carmo ao Zefferelli

Anónimo disse...

Parabéns pelo post pude dar largas ao meu descrédito nesta treta com algumas informações sólidas embora pense que nesta trapalhada o PSD/PP tb tem muitas responsabilidades

António Maria disse...

Não tenho qualquer ilusão sobre o PPD! Os males de que padecemos gravemente advém, todos eles, da hipertrofia do Estado e dos aparelhos partidários que temos, com especial destaque para o Bloco Central, e para as uniões de facto entre os partidos da "esquerda": PS, PCP e BE. Ao nível autárquico, temos escancarada a radiografia permanente destes males endémicos.

Chegámos, porém, ao fim da linha. Como escrevi há muito, o tempo da mesada fácil, dos filhos pródigos, da imbecilidade política, da endogamia plutocrata, da burocracia que se atrapalha a si mesma, do secretismo corrupto, e da corrupção aberta, finda com o ciclo inaugurado com a tomada de Ceuta. Mesmo antes de 2013, vamos ter que aprender a organizarmo-nos como país, vamos ter que deixar de confundir o verbo chular com o verbo trabalhar, vamos, em suma, ter que mudar de vida... e de democracia!

António Maria disse...

Recebi este comentário da Helena Roseta, que com sua autorização reproduzo:

"Claro que a CML ultrapassou os seus limites de endividamento quando se somaram as dívidas a fornecedores à dívida bancária. O empréstimo não diminui a dívida, apenas a re-estrutura em termos de prazos ( do curto para o médio ) e de juros ( juros negociados em vez de juros de mora ). Mas a CML está condenada a encetar um caminho de ganhos de eficiência. Desde 2002, pelo menos, que os orçamentos são ficcionais – à volta dos 800 milhões de euros quando só se realizam 600 ou mesmo 500 milhões. É esta queda abrupta de um orçamento de 800 milhões para 500 milhões que a CML tem de enfrentar em 2008. Acho que a questão da dívida, face a isto, não é a questão essencial.

"Quanto ao facto de ela ter ultrapassado os limites da Lei das Finanças Locais, está previsto na mesma lei poder recorrer-se ao artigo 40 ( desequilíbrio financeiro conjuntural ) ou 41 ( desequilíbrio financeiro estrutural ). Em rigor, estamos perante um desequilíbrio estrutural. Mas o artigo 40 permite que seja a Câmara e a Assembleia a liderar o processo do saneamento financeiro, ao passo que o artigo 41 faz intervir o Governo, sem que o executivo ou a assembleia possam discordar das medidas impostas.

"É neste ponto que nos encontramos. O que eu estranho, na posição do PSD, é o facto de ter aprovado as contas fechadas em Julho de 2007 ( ou seja, reconhecendo o montante das dívidas ), ter viabilizado pela abstenção o plano de saneamento financeiro, ( que já se baseava neste empréstimo ) e agora não querer o empréstimo…
Enfim, falta dizer que a dívida do município é maior, porque as contas do sector empresarial não estão consolidadas e não sabemos por isso qual é o valor final. Mas disto ninguém fala." -- Helena Roseta.

A isto disse:

Ouvi na TSF o resultado imediato da aprovação da AML: vai ser um corropio no resto do país, a começar pela câmara de Gaia!

Sabe q este tipo de problemas é bem mais grave do q parece...
Aflige as famílias e as empresas, chegou aos municípios, está instalado no governo central... e vai chegar aos bancos portugueses!

A menos q haja um milagre, vamos ter enormes perturbações em 2008.

Bruxelas, tentando a todo o custo evitar uma derrocada financeira na Europa, apressou-se hoje a autorizar o governo inglês a salvar da bancarrota (que é real e escandalosa) o já tristemente famoso Northern Rock. Duvido que consiga!

O mal destas decisões é que funcionam como um tiro de partida para o salve-se quem puder!!

Os alemães já começaram a falar de Euros de primeira e Euros de segunda, propondo abertamente "spreads" diferenciados nas movimentações financeiras realizadas no Norte e no Sul da Europa!

A única solução é manter os juros razoavelmente altos, não matar a galinha dos ovos d'ouro (i.e. os contribuintes!) e emagrecer sem tibiezas as administrações públicas. Só lá deve ficar o que é efectivamente estratégico para o país (não deixando, por outro lado, que os sectores vitais da nossa economia e sobretudo os nossos recursos sejam entregues traiçoeiramente à lógica infernal da globalização especulativa... e a Espanha!) -- oam