terça-feira, abril 13, 2010

Portugal 179

Passo a passo...



Aos que esperam de Passos Coelho uma varinha mágica que nos traga de novo a fartura fácil do cavaquismo, desenganem-se! O cavaquismo não passou de uma inundação de fundos comunitários que não voltará.

É por isso que o novo líder laranja não tem pressa. O que há para distribuir é pouco, e o que houver para redistribuir vai ser uma arena de conflitos sociais crescentes.

A economia real deslocou-se para a Ásia nos últimos vinte anos, ficando nos Estaods Unidos e na Europa uma economia cada vez mais virtual, alimentada pelos endividamentos (deficit spending) crescentes das empresas, dos governos e das pessoas. A China, mais o Japão e a Coreia transformaram-se nas locomotivas industriais do planeta, corroendo a um ritmo alucinante os potenciais produtivos do Ocidente, nomeadamente dos Estados Unidos, da Alemanha, do Reino Unido, da França e da Itália.

Se a China —que vende bens e serviços baratos a todo o mundo— está hoje enredada na armadilha do endividamento, pelo facto de ter comprado a dívida americana para além de tudo o que seria imaginável, que diremos da Alemanha que (pela via da criação do euro-marco) alimentou nos últimos vinte e cinco anos um gigantesco mercado, a União  Europeia, com bens e serviços caros — cada vez mais caros?!

Tal como a China não conseguirá cobrar tudo o que emprestou aos Estados Unidos, também a Alemanha terá que se habituar à ideia de que uma parte substancial da Europa lhe pagará parte das suas dívidas com Sol e mar. A alternativa das grandes guerras parece-me, para já, irrealizável, além de só poder agravar, e muito, os problemas!

Na origem da crise encontram-se dois fenómenos registados estatisticamente em 1972 no relatório Limits to Growth: o crescimento exponencial da população humana mundial e o consequente desgaste acelerado dos recursos energéticos e alimentares necessários a suportar um tal crescimento sem futuro.

Já em 1956 M. King Hubbert havia chamado a atenção do governo americano para o fim anunciado da era petrolífera (Peak Oil) e para a consequente necessidade de encontrar novas fontes de energia alternativa ao carvão e aos hidrocarbonetos líquidos e gasosos (ele propôs claramente o desenvolvimento da energia nuclear).

Em Fevereiro de 2005 Robert Hirsh veio confirmar estas previsões num hoje célebre relatório encomendado pelo Departamento de Energia dos EUA, Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation, and Risk Management.

"The peaking of world oil production presents the U.S. and the world with an unprecedented risk management problem. As peaking is approached, liquid fuel prices and price volatility will increase dramatically, and, without timely mitigation, the economic, social, and political costs will be unprecedented. Viable mitigation options exist on both the supply and demand sides, but to have substantial impact, they must be initiated more than a decade in advance of peaking."

A equação energia cara+trabalho caro torna impossível a manutenção de economias competitivas num ambiente onde a própria impossibilidade de tomar de assalto as fontes energéticas mundiais (em resultado dos movimentos anti-coloniais do pós-guerra e sobretudo depois da constituição da OPEP em 1960) obrigou o Ocidente a promover a abertura multilateral dos mercados mundiais e a livre circulação de mercadorias e capitais numa lógica de modificação profunda dos termos de troca mundiais.

Sabe-se hoje que a resposta americana e europeia ocidental foi esta: exportar a economia real para os países de mão-de-obra barata, ou ricos em matérias primas energéticas e alimentares. Um dos objectivos seria levar a uma inflação crescente dos preços dos bens e serviços nas economias industriais avançadas (beneficiando assim os mercados internos), ao mesmo tempo que se pressionava uma simultânea perda progressiva do poder de compra da classe média e dos trabalhadores em geral nestes mesmos países, por via dum ataque constante aos respectivos rendimentos do trabalho. Foi o que aconteceu, embora sem os resultados esperados.

O chamado crony capitalism, que chamou a si a tarefa de realizar este trabalho sujo em nome da liberdade dos mercados, da competitividade e da flexibilidade laboral, porque apenas serviu os especuladores financeiros mundiais, com particular destaque para a cúpula formada pelos grandes bancos e sociedades financeiras americanas: Goldman Sachs, Bank of America Corp., J. P. Morgan Chase & Company, Citigroup, etc., nem sequer se preocupou com as consequências previsíveis dos seus actos.

O resultado está à vista: ao disfarçarem a destruição efectiva dos tecidos produtivos do Ocidente com um inefável manto de consumismo festivo e ensino permanente, e a promessa de uma protecção social ilimitada, esconderam uma realidade que se viria a revelar fatal: a implosão sucessiva das capacidades produtivas competitivas do Ocidente e o endividamento geral das sociedades. Este foi o Cavalo de Tróia que a ganância financeira do Ocidente comprou ao Oriente. O declínio da Europa e dos Estados Unidos parece, pois, um cenário irreversível.

Resta saber se teremos uma aterragem suave, ou com muitos acidentes de permeio.


POST SCRIPTUM — a entrevista dada por Pedro Passos Coelho a Miguel Sousa Tavares confirma a boa impressão que tenho deste candidato a primeiro ministro do meu país.


OAM 681—13 Abril 2010 11:07

1 comentário:

Jose Silva disse...

António,

Esta imagem é muito interessante:

http://static.businessinsider.com/image/4bc318817f8b9a1a44dc0200/debt-map.jpg