quinta-feira, janeiro 20, 2011

Estado e liberdade

Alemanha, um exemplo a seguir...

Francisco de Goya - "Saturno devorando a un hijo", 1819-1823.

 Os países emergentes não são neoliberais, e os países governados por elites neoliberais são, aparentemente, responsáveis pela decadência do Ocidente, pela maior crise financeira desde 1929, e por uma vaga de destruição de riqueza (de empresas e de empregos) sem precedentes.

Esta é uma constatação a que não se consegue escapar. O mundo anglo-saxónico do dólar e da libra procuram resolver a actual crise financeira mundial insistindo estupidamente no abuso das práticas especulativas (Subprime; mais recentemente, a tentativa de criar um mercado mundial especulativo de emissões de carbono, etc.) e inflacionistas (Quantitative Easing; desvalorização competitiva das taxas de juro dos bancos centrais —Japão, EUA, UE; emissão imoderada de dívida pública; criação de moeda sob a forma de activos ficcionais, i.e. dívida pública, etc.) A Alemanha de centro-direita, pelo contrário, insiste na necessidade inadiável de impor uma maior disciplina orçamental aos governos e suas clientelas, e uma maior racionalidade nos negócios, insistindo também na necessidade de manter e potenciar elevados níveis de criação e produção efectiva de bens transaccionáveis, renovando as indústrias, com melhores tecnologias, mas também mais eficientes métodos de gestão e partilha social dos benefícios da produtividade e da competitividade. São duas visões que, curiosamente, continuam por debater — nos adequados termos que suscitam e merecem.

As duas citações que se seguem são bem sintomáticas do universo traçado por Christoph Schwennicke no excelente artigo publicado pelo Spiegel online. Que grande parte das pressões neoliberais na Alemanha tenha sido fruto, entretanto apodrecido, do SPD de Gerhard Schröder, é toda uma ironia política que o senhor Manuel Alegre, mas sobretudo quem no PS estuda a possibilidade de suceder a José Sócrates, deveriam estudar a fundo. Pois desse estudo poderá nascer um programa eleitoral que faça sentido e possa realmente prometer futuro a Portugal.

Tomás Correia: suspende pagamento
O Montepio (...) cessou as modalidade de reforma com juros de 4 a 6% por causa da crise e do aumento da esperança de vida. Já registava prejuízo de 30 milhões. — Correio da Manhã, 2011-01-19.

Central Bank steps up its cash support to Irish banks financed by institution printing own money

The Irish Independent learnt last night that the Central Bank of Ireland is financing €51bn of an emergency loan programme by printing its own money.
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However, the figures also provide the latest evidence that responsibility for funding Ireland's broken banks is being pushed increasingly back on to Irish taxpayers. The loans are recorded by the Irish Central Bank under the heading "other assets". — Independent 2011-01-15.
 Germany and Europe Must Defy Political Trends
A commentary by Christoph Schwennicke

Germany's economy is in good shape because it resisted the fashion of neoliberalism. Europe should show the same defiance in the face of self-serving predictions that the euro is doomed. The financial and debt crises have highlighted the need for strong governments -- and for more Europe, not less.

(…)

The term "capital cover" was misleading in three ways. First, it covered up the fact that contributors must contribute fresh money of their own. Second, there was the risk inherent in the capital market. Finally, there was the question of who consistently benefits from this new system.

The risks have since caught up with the new system and, in the course of the financial crisis, brought down its apologists along with the economy. Hans Martin Bury, after serving as Schröder's right-hand man at the Chancellery, worked as an investment banker at Lehman Brothers, the firm whose bankruptcy triggered the financial crisis. Private health insurance companies face precisely the same problems -- obsolescence and financial difficulties -- as their competitors in the statutory health insurance system because, on the one hand, their hand-picked, young, healthy and dynamic clientele has become older and more susceptible to illness and, on the other hand, the return on their reserves is stagnating.

(…)
The Right Investment

The lesson to be drawn from the current experience should be not less Europe, but more Europe, a more integrated Europe, with weatherproof institutions like a European monetary fund, a common economic and social policy and -- if need be -- common bonds. Europe has more to offer and more to lose than just a common currency. It is more than a large trading zone. Continental Europe is a cultural zone with the world's most exemplary political value system. Anyone who attacks it or derides it is pursuing an interest, one that is economic or hegemonic. We should be aware of this. Even if Germany always supposedly pays more than everyone else, it's the right investment. — SPIEGEL online, 2011-01-18.
O nosso regime está no fim de um longuíssimo ciclo histórico. Um ciclo de seiscentos anos! Desde 1415, ano que levou Portugal a Ceuta, e daí a uma expansão marítima colonial sem precedentes, que duraria até à devolução de Macau à China, em 1999, vivemos uma situação privilegiada, apesar dos muitos que nunca lucraram nada com isso. Para esta reflexão, porém, importa reter um facto: o Estado foi sempre o centro do nosso universo económico e cultural. Todos dependemos dele até ao momento em que as suas inúmeras tetas coloniais secaram. À medida que foram secando, fomos caindo aos trambolhões, do Brasil para uma guerra civil e mais endividamento; do Mapa Cor-de-rosa para a ditadura de João Franco, o regicídio e a balbúrdia republicana que nos conduziria às ditaduras de Sidónio Pais e de Salazar; do 25 de Abril, aos solavancos de um regime cuja bancarrota só não foi ainda declarada porque a União Europeia nos tem posto a mão por baixo. As três últimas grandes tetas —emigração, turismo e fundos comunitários— estão em fim de ciclo, e vão provavelmente mirrar de vez até 2015. E depois de 2015, como vai ser? Ou melhor, e agora, que será feito de nós? O Estado? Qual Estado? Que novo Estado vamos querer e poder? O Estado alemão, que nunca foi outra coisa que não um think tank estratégico; ou o Estado português, tradicionalmente cabotino, arrogante, manhoso, preguiçoso, pejado de clientelas e carraças orçamentais, autoritário com os fracos e corrupto com os ricos e poderosos, em suma, faustoso, paquiderme, ignorante e cobarde? Só de ouvir o Pinóquio arranhar o seu inglês de fax, todo o meu patriotismo vacila!

Vamos precisar de Estado, dum Estado. Mas qual? Esta é a discussão de que dependerá a nossa continuidade histórica, ou o nosso desaparecimento (sim, as nações e os países aparecem e desaparecem.) Não percamos, pois, mais tempo com a tragicomédia mediática que entra pelas nossas casas dentro à hora de jantar!

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