domingo, março 13, 2011

Sociologia de bolso e Geração à Rasca

Filomena Mónica tocou num ponto sensível, mas não disse toda a verdade

Geração à Rasca, manif, Av. Liberdade, Lisboa, 12mar2011 (Foto OAM)

Os mitras, os boys e os betos

Há anos, há décadas, que venho a alertar para o facto de a correlação entre educação e desenvolvimento não ser uma relação causal. É mentira que mais ensino conduza necessariamente a uma economia mais dinâmica. Quem duvide disto, deve ler a obra que, em 2002, Alison Wolf publicou, Does Education Matter?. O consenso oficial é exactamente o oposto, ou seja, para os nossos políticos, quanto mais "educação", melhor. Não admira que as expectativas dos pais tenham crescido. Até ao dia em que, entre o espanto e a indignação, viram que, apesar de terem um diploma, os seus filhos não arranjavam trabalho. No dia 5 deste mês, The Economist publicou um gráfico no qual Portugal vem à cabeça. A coisa era tão extraordinária que me debrucei sobre ele gulosamente. Eis o que descobri: entre 2000 e 2007, relativamente ao grupo etário correspondente, Portugal teve a percentagem mais elevada de estudantes pós-graduados do mundo. Durante a última década, o número de doutorandos quadruplicou, ultrapassando países como a Suécia, a Inglaterra e os EUA. Parece exaltante, mas não é. — Filomena Mónica, Público, 13 mar 2011.

A leitura da senhora Professora é certeira, mas incompleta: ontem, na rua, a sua geração também por lá andava, e a minha, e a da minha filha, e a dos netos que não tenho! Pense e estude melhor o tema e escreva outro artigo menos salpicado de preconceitos e mais abrangente. O problema é bem mais grave do que julga.

Workers with years of education, skills, and experience face the very real prospect of being made redundant by the new forces of automation and information. — Jeremy Rifkin, The End of Work (1996).

A massificação dos sistemas nacionais de ensino foi programada a frio, nomeadamente através da liberalização e desregulamentação indiscriminada do ensino universitário e pós-universitário.

Pelo menos desde meados da década de 1970, que esta estratégia acompanha a par e passo a descida do patamar de segurança conhecido como "pleno emprego". Nos anos 20-30 do século passado este andava, na América, pelos 3% de desempregados, e foi depois paulatinamente subindo até aos actuais 6%, percentagem de desempregados considerada útil ao bom desempenho da economia capitalista, pela pressão que exerce sobre os salários, impedindo desta forma surtos de inflação que possam afectar seriamente a balança comercial e competitividade económica dos países no sector das exportações.

Por outro lado, a massificação e libertação laica da instrução pública sofreu uma radicalização decorrente da explosão dos saberes, nomeadamente científicos e tecnológicos, mas também linguísticos e culturais, a que os herdeiros tardios da Ilustração e da Revolução Francesa apenas souberam oferecer uma resistência, no melhor dos casos, académica, e em geral, puramente corporativa e sindical. A verdade é que hoje o sistema de ensino se encontra triplamente desfasado da realidade: transmite de forma incompleta e deficiente conhecimentos disponíveis no iPad de todos nós, fá-lo com custos per capita injustificáveis e insustentáveis considerando os níveis decrescentes da poupança individual, e coloca os corpos docentes da maioria dos graus de ensino perante a ameaça permanente da sua obsolescência enquanto transmissores de conhecimentos.

Cidade americana despede todos os professores!
The mayor of Providence, the capital of the US state of Rhode Island, is facing criticism after he fired all of the city's nearly 2,000 school teachers in an effort to tackle a $100m deficit.

Not all will ultimately go, but sending dismissal notices to everyone means the city can fire teachers at the end of the school year without regard to seniority.

Angel Taveras, who only took office in January, defended the move by saying it was a necessary "protective measure" to help tackle the shortfall. — Al Jazeera's Scott Heidler reports from Providence.

O avanço da ciência trouxe-nos um aumento exponencial da produtividade do trabalho e a subsequente diminuição da durabilidade dos empregos disponíveis. Agravando esta tendência, boa parte das empresas industriais e até os serviços do Ocidente começaram a deslocalizar-se para Oriente, em busca da proximidade das matérias primas ou do trabalho barato. Perante uma tal tenaz, não há qualificação que valha aos países da velha Europa e dos Estados Unidos. Na realidade, os antigos colonizadores imperiais dedicaram-se nas últimas décadas, mais precisamente desde a primeira crise petrolífera de 1973, a expedientes especulativos, à falsificação estatística, ao entretenimento educativo e ao consumismo como forma de manterem um status quo historicamente condenado.

O preço desta economia virtual e autofágica foi uma bolha de sobre endividamento sem precedentes, que os países emergentes, legitimamente, deixaram de estar interessados em financiar. Só a proximidade euro-atlântica das principais reservas mundiais de petróleo, metais e minerais essenciais, e de alimentos (Mar Cáspio, Golfo Pérsico, norte de África, Golfo da Guiné, Brasil, Argentina, Venezuela e Chile) garante, por assim dizer, um seguro de vida às decadentes economias ocidentais. Mas mesmo esta vantagem é frágil, como o demonstra a revolução social que há menos de três meses começou a varrer o continente africano.

O futuro do ensino em Portugal não passa, apesar da ilusão mediática, pelo conflito que sindicatos, PCP e Bloco de Esquerda há anos alimentam contra o governo de turno. Sem a desgovernamentalização e sem a desburocratização do ensino, todas as falsas reformas serão em vão. O Estado não tem, pura e simplesmente, receitas suficientes para manter a actual ficção educativa. Vai ter por isso, muito brevemente, que optar entre o colapso financeiro e institucional do sistema de ensino, e a sua reestruturação radical, em nome da própria sobrevivência cognitiva do país. Terá forçosamente que separar o essencial do acessório, elegendo os sectores estratégicos do ensino a que o Estado deve acudir com perspicácia e meios adequados (nomeadamente subsidiando directamente o aluno e não o sistema), e deixando fora do perímetro institucional tudo o que a sociedade civil —cooperativa e empresarial— pode e deve assumir como parte da sua própria qualificação instrumental necessária e permanente. O Estado tem que se retirar de onde não faz falta, atrapalha e corrompe.

Não insultemos, pois a juventude! Não insultemos, pois, os alunos! O que falta fazer, e é muito e muito importante, foi e é da exclusiva responsabilidade do poder político e dos seus agentes, nomeadamente partidários.

4 comentários:

Nuno disse...

O seu ponto de vista é interessante. Existe um distanciamento grande entre o mercado de trabalho e as Universidades, as quais são cada vez mais caras e têm cada vez menos recursos.

Como vim da FEUP tenho talvez um exemplo de excepção, nela funciona o INESC, e em faculdades similares como o Técnico ou engenharia de Aveiro ou Coimbra existem departamentos e grupos de estudo para projectos especiais que trabalham com a indústria o que ajuda ao seu financiamento, o projecto aliás é uma matéria sempre incentivada nas engenharias.

Não penso que uma licenciatura seja uma coisa má, até acredito que os serralheiros, soldadores, carpinteiros do futuro sejam engenheiros, até porque essas tarefas dependem cada vez mais de robótica e tecnologia CNC.

O mal está no enorme peso do estado que não dá espaço às pequenas e tecnológicas empresas de progredir, a criatividade é castrada pelo nepotismo jacobino e pelos lobbies instalados, não há cunha, não há trabalho.

no dia em que isso acabar, verá que a oferta de trabalho chegará às mãos dos que têm mérito e esses não deixarão mal quem os procurar.

Até lá, resta a esperança e porque não, a luta !

António Maria disse...

Nuno,

Sim, tem razão. Precisamos de formação —de licenciaturas e de mestrados, de doutoramento e pós-docs, mas intimamente ligados às necessidades do mercado, e às ambições e rentabilidade interna efectiva da ciência, da tecnologia e da investigação. Do que não precisamos é de um país que manipula o fenómeno da aprendizagem (ou falta dela) em nome de estatísticas e fins puramente demagógicos, enganando toda a gente.

Aproveito para ressalvar um ponto importante do artigo de Filomena Mónica sobre a falta de qualidade da nossa democracia nepotista e burocrática:

"Por muito que custe ao dr. Mário Soares, o voto só é uma arma se um cidadão tiver a possibilidade de escolher o "seu" deputado. Se o voto contribuir apenas para legitimar os indivíduos seleccionados pelos marechais dos partidos, o regime fica em maus lençóis. Os políticos deveriam ter previsto que, um dia, a "geração sem remuneração" sairia à rua. O futuro destes jovens não é agradável. Nem todos sofrerão da mesma maneira, mas o que aí vem é terrível. Enquanto os betos têm a família por detrás e os boys as alavancas dos partidos, os mitras acabarão em empregos mal remunerados e no desemprego. Em Portugal, a mobilidade social é um mito."

Nuno disse...

Eu gosto da Maria Filomena Mónica (se é da historiadora que estamos a falar) e este fenómeno centralista e nepotista atravessa a história transversalmente, já era assim na monarquia constitucional, foi-o na 1ª república, no estado novo e agora no regime que conhecemos.

Há porém um senão; como estamos a reviver o "rotativismo" do fim do sec. XIX que por acaso também levou à falência do país em 1892, à imagem do passado vivemos com partidos dominados pelo caciquismo.

Os ciclos uninominais são o palco perfeito para os caciques brilharem, pois manipulam a nível regional as máquinas partidárias para conseguirem lugares elegíveis, não me admirava, no caso dos ciclos uninominais, de ver a assembleia cheia de Valentins e Fatinhas Felgueiras, Isaltinos e outros quejandos, é por isso que resisto à ideia.

Acima de tudo acho que mais importante é obrigar pela constituição, a limitar os déficits e os endividamentos, de forma a conter o peso do estado na economia e acabar com a mama às Mota Engil, às PT's, EDP's, Referes e companhia.

Dessa forma haveria espaço para o pequeno privado, o tal "self made man" emergir, o tal que dá emprego e não vive de maçonarias.

Cada vez vejo mais distante esse cenário...

tempus fugit à pressa disse...

Há anos, há décadas, que venho a alertar...isto de ser sibila não cansa?

o facto de não ter uma reactions negativa

dos 10 euros de subscrição
e das potenciais 75mil visitas anuais

ou seja quase 200 por dia..embora muitas sejam provavelmente de passagem e não de leitura

concluindo: #