terça-feira, dezembro 02, 2014

Que fazer depois desta democracia?

Kleroterion — sistema de seleção aleatória dos representaes da democracia em Atenas

Os partidos instalados são o problema mais sério do regime 


A crise democrática em Portugal degenerou numa gangrena que em breve atingirá o coração do regime, quero dizer, a liberdade.

Portugal, a Europa ocidental e os Estados Unidos, os ditos países emergentes, em suma, o mundo inteiro está confrontado com a imposição objetiva de um novo paradigma energético, demográfico, cognitivo, tecnológico, económico, social e cultural que nada tem que ver com aquele que, pelo menos no Ocidente, conhecemos durante os últimos duzentos anos, mas que neste momento começa a desabar em cima de todos nós.

As erupções e as implosões mais espectaculares e catastróficas encontram-se, porém, à nossa frente, contrariando o mal disfarçado otimismo dos múltiplos centros de poder e decisão incapazes de lidar com a crise sistémica em curso.

Não vale pois a pena alimentar as discussões indígenas como se fossem pérolas nossas, da responsabilidade do partido laranja, ou do partido cor-de-rosa, ou dos sem-vergonha que entopem os canais de televisão.

A corja rendeira e devorista, bem como o rotativismo partidário do regime, são certamente responsáveis pelo grau de degradação e corrupção das nossas instituições, pela destruição aceleradíssima das classes médias, e pela pobreza quase inacreditável de mais de 80% da população portuguesa — praticamente ignorada até ao início deste século.

Mas não tenhamos ilusões, a gravidade estrutural desta situação é ainda mais vasta do que a da mediocridade do nosso país.

Ou seja, sem prejuízo da condenação e castigo que a nomenclatura que rapou Portugal das suas reservas materiais e morais merecem, é preciso imaginar o futuro numa geografia muito mais ampla (de facto, global) e num quadro conceptual partilhado, bem informado, racional, profundo e sistemático.

Temos que abandonar o partidarismo oportunista, cuja similitude com o clubismo futebolístico dá bem a medida da miséria civilizacional e cultural a que chegámos. Não é só no futebol que o país desceu por inteiro à terceira divisão. Na política também!

Portugal já perdeu o essencial da sua autonomia financeira e económica.

Os principais bancos que operam no nosso país já não pertencem à burguesia portuguesa. O mesmo será em breve verdade para as principais empresas. Um país assim indigente é cada vez mais uma espécie de região autónoma sem autonomia, da Europa e do mundo. Por esta circunstância é irrelevante saber que partido, dos que hoje existem, está no poder. O rotativismo é uma farsa democrática, agravada agora pelo facto de o bolo orçamental estar a encolher a uma velocidade assustadora, sobretudo para quem dele fez sua fonte primeira de abundância e poder pessoal ou tribal.

As alternativas partidárias que entretanto apareceram são incipientes.

Ou não têm uma voz clara e credível, ou dão sinais de um populismo requentado que a poucos seduz. É pois improvável que não consigam conquistar a atenção da cidadania e, por outro lado, dificilmente arrancarão votos aos que vivem, de uma maneira ou doutra, das migalhas distribuídas pela partidocracia vigente.

A abstenção ativa nas próximas eleições continuará a ser provavelmente o sintoma mais claro da crise profunda que atravessamos. Se assim for, estarão criadas as condições para a emergência consistente de uma região cognitiva e cultural na sociedade portuguesa predisposta a discutir um plano de salvação da liberdade e racionalização do futuro, pois a democracia que conhecemos está a ir pelo cano de esgoto abaixo, ao fim de 40 anos de ilusão.

O diagrama com que fecho este post é a súmula da revolução por fazer.

1 comentário:

JS disse...

"... As alternativas partidárias que entretanto apareceram são incipientes.
Ou não têm uma voz clara e credível, ou dão sinais de um populismo requentado que a poucos seduz...."

E continuarão a ser incipientes senão contra-producentes.
A opção, enganadora, de continuar a votar em mãozinhas e setinhas, em não-fiscalizáveis eleitoralmente "deputados", é um embuste perpetuado, a todos os níveis, pelos "rendeiros" do regime.

Os portugueses têm direito a escolher, e sobretudo rejeitar, numa lista de candidatos do seu circulo eleitoral, uninominalmente, quem preferem.
Isso é: responsabilizar alguém, um político, pela forma como exercerá o seu mandato. Simplesmente.

O presente sistema eleitoral, partidocrático, apenas cria pseudo-políticos, personagem amorfas, eleitoralmente não-sancionáveis, que aparecem despudoradamente a falar (com um tom de políticos de pleno direito) do bem comum. Ridículo.

O presente sistema eleitoral, alheador da necessária participação cívica, entre outras curiosidades, "elege" como segunda figura de um Estado, por vezes até representante número um de esse Estado, personagens que nunca tiveram o seu nome num boletim de voto Nacional, ao contrário de (esse sim uninominalmente eleito) quem substituiem.
Representam do País personagens que:
Nunca se exposeram, convenceram e foram consequentemente eleitos, os mais votados representantes num qualquer círculo parcial, ou do todo, eleitoral da Nação.
Nunca foram, sequer, o segundo mais votado de uma lista eleitoral Nacional.
Nunca nenhum cidadão, em eleição nacional, lhe conferiu uma, sequer, modestinha, cruz.
Nunca tiveram sequer um (honroso) último lugar em um qualquer círculo nacional.

Curiosamente tal sistema político "Cooperativo" tão sub-repticiamente criado, e mantido(!) pelas "elites" políticas actuais, era um dos alvos preferidos das então, ao "Antigo Regime", oposições.
Dir-se-ia que os "pais desta democracia" apenas queriam o poder.
E para isso, inspiradamente, (há bons precedentes), "constituiram" uma sagrada Constituição que apenas forja permanência insancionável no poder...