sábado, julho 11, 2015

Museu do Chiado


Uma demissão inesperada, ou talvez não


Director do Museu do Chiado demite-se em ruptura com a tutela
Vanessa Rato. Público, 08/07/2015 - 19:03 (actualizado às 20:45)

A uma semana da inauguração das novas instalações do MNAC-MC, a tutela quer revogar o depósito da Colecção SEC no museu.

“Apesar de discordar da instrução superior, assumi o compromisso de alterar o subtítulo da nossa exposição […] na condição de que o texto de apresentação da exposição pudesse esclarecer tratar-se de uma mostra baseada numa colecção integrada desde Fevereiro de 2014 no MNAC-MC”.

Num texto de 13 de julho de 2014 —Museu de Arte Contemporânea ou do Modernismo?—reiterei as minhas reservas à expansão 'contemporânea' do pequeno museu do modernismo português conhecido como Museu do Chiado, um lugar ermo e despovoado apesar de existir no coração da capital e no hotspot do turismo português. Ao longo da sua existência este museu sem meios andou sempre de Pôncio para Pilatos, sem estatuto, nem definição, nem autonomia claramente definidos pelo estado, que é seu dono e único responsável. No desvario da era socratina e da passagem por lá dum tal Pedro Lapa, assentou-se (quem? quem é que que assentou, porquê, com que autoridade?) que o Museu do Chiado, onde sempre fomos visitar obras de António Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy, ou Jorge Vieira, passaria a ser o Museu Nacional de Arte Contemporânea—MNAC, onde desde logo começou a predominar uma programação de contemporaneidade e novas tendências, com sucessivos encargos a jovens artistas portugueses e estrangeiros.

Saltava à vista que o pequeno museu dos Malhoas e Almadas fora tomado de assalto por um condottieri do pequeno e pindérico mundo da arte contemporânea local e do franchising e mercados secundários que o rodeiam. A arte contemporânea, num país pobre como Portugal, com um mercado expositivo exíguo (apesar da engenharia estatística dos públicos fabricados) passava a dispor de uma multiplicidade de espaços públicos a competir pelo mesmo vanguardismo curatorial importado e colado com cuspo: Museu de Serralves, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Museu Berardo, Museu Nacional de Arte Contemporânea, e ainda o futuro Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia da EDP. Salvo o CAM-FCG, todos estes equipamentos são financiados direta ou indiretamente com dinheiro público, afunilando inexplicavelmente o diapasão da frágil cultura museológica que sempre tivemos e continuamos a ter.

Nada disto faz sentido.

O desfecho inesperado da inauguração dos novos espaços do MNAC, que levou à demissão do seu jovem diretor, David Santos, na sequência de um braço de ferro com a tutela, tem, na minha opinião, uma causa sistémica, que é a que acabo de descrever e deriva do desnorte permanente e falta de responsabilidade política e institucional de quem tem (des)cuidado há décadas os museus públicos do país, da arqueologia à arte sacra e ao traje, passando pela música, pela fotografia, pela arquitetura e pela chamada arte contemporânea.

No episódio da demissão de David Santos esteve sobretudo em causa a pressão vinda do Museu de Serralves, e certamente também do novo vereador da cultura de Rui Moreira, Paulo Cunha e Silva, para quem a transferência da coleção de arte da SEC para o MNAC poderia sinalizar simbolicamente um recuo do protagonismo consignado e ganho pela instituição do Porto no campo da promoção qualificada da arte contemporânea, dentro e fora do país. Os cortes orçamentais já operados em Serralves levaram mesmo a instituição a organizar no âmbito do seu décimo quinto aniversário, em setembro de 2014, um jantar comemorativo que serviu também para prestar publicamente contas e angariar fundos. A escassos meses de umas eleições de desfecho incerto, tudo o que este governo não precisava era de comprar uma guerra com o Porto. Será que David Santos pesou bem o melindre político do que estava em causa ao insistir que o catálogo da exposição anunciada mencionasse expressamente que o acervo exposto, e entregue ao cuidado de Serralves por um período de trinta anos, já pertencia de direito, desde fevereiro de 2014, ao MNAC?

Este fiasco é fruto da falta de antecipação política de Jorge Barreto Xavier, o secretário de estado da cultura em funções, é fruto da insensibilidade de última hora do então diretor do MNAC, David Santos, mas no fundo no fundo é também o desfecho antecipado de uma ideia sem sentido: transformar o museu do Chiado em mais um centro de arte contemporânea sem meios, sem autonomia de gestão e cujo défice de público tenderia a eternizar-se. Não basta já vermos como o CAM da FCG tem vindo a morrer de pasmo, apenas salvo in extremis pelo seu excelente buffet?

O Museu do Chiado só será um museu visitado aos milhares se puder e souber ser um verdadeiro museu do modernismo em Portugal, transversal nas disciplinas (literatura, poesia, pintura, arquitetura, cinema, cultura urbana, etc.), com verdadeira autonomia de gestão, imaginativo na direção museológica e na programação, com suporte estatal claro e decente, com apoio camarário adequado, e recorrendo ainda a parcerias e acordos de mecenato com as empresas do Bairro Alto e da Baixa-Chiado. Se o estado não tem competência para o fazer, lance um concurso internacional para gestão privada do mesmo. O interesse público poderia ser bem melhor acautelado do que até agora, e pouparíamos o país a episódios lamentáveis como o que ainda decorre na sequência da demissão do diretor do MNAC em vésperas de uma inauguração. Até o sítio web do museu deixou de funcionar!

POST SCRIPTUM

Já depois desta opinião ter ido para a nuvem surgiu uma Petição Pública sem objeto, dirigida à presidente da Assembleia da República e ao primeiro ministro, na qual nada é pedido, mas sim se repudia o fiasco burocrático que empurrou David Santos para uma escusada e lamentável demissão. Não é uma petição, mas uma carta aberta de protesto, da qual se desconhece o primeiro subscritor: “Manifesto de Repúdio pelo Processo Conducente à Demissão de David Santos – Director do MNAC”. O protesto é compreensível, mas como acima escrevi, as causas do fiasco residem nas sucessivas más decisões sobre o Museu do Chiado. Quanto às responsabilidades por este desenlace precipitado devem ser repartidas por todos os intervenientes no mesmo: secretário de estado da cultura, diretor-geral do património cultural, e diretor do museu. Falar de ato censório a propósito deste fiasco é errado, desviando as atenções do que é essencial, ou seja, a necessidade de definir uma política museológica racional, ajustada à economia do país, e tendo em conta prioridades estratégicas outrora outorgadas, nomeadamente ao Museu de Serralves e ao chamado Museu Berardo.

Atualizado: 12/7/2015 16:59

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