sábado, agosto 27, 2016

Que futuro para as frentes populares pós-modernas?

Francisco Louçã, líder trotsquista da IV Internacional

Francisco Louçã, um trotsquista pragmático?


Louçã saúda Governo por manter a Caixa pública 
PÚBLICO/LUSA 27/08/2016 - 18:16 (actualizado às 18:58) 
O antigo coordenador do BE, Francisco Louçã, elogiou este sábado o Governo por ter mantido a Caixa Geral de Depósitos 100% pública, acusando Banco Central Europeu e Comissão Europeia de estar ao serviço de interesses particulares, noticiou a Lusa.

Marx nunca defendeu bancos públicos (1). Pois estes são, obviamente, uma contradição nos termos. Lenine, sim. Mas este oportunista do marxismo teve uma missão precisa na Rússia do início do século XX: industrializar um estado continental secularmente despótico e imperial que continua essencialmente na mesma depois de Lenine, de Estaline e dos czares que se lhe seguiram e que modernizaram a Grande Rússia.

Doutro modo não se entenderia porque motivo a Europa e os Estados Unidos continuam a considerar a Rússia, e o seu novo czar, Putin, como inimigos.

Afinal, os estados da antiga União Soviética, incluindo a Rússia, deixaram formalmente de obedecer ao dogma comunista, não é verdade?

O comunismo soviético e o comunismo chinês (maoismo) são formas laicas de religião e servem, como todas as religiões, para cimentar o poder do Estado. Esta é aliás a causa da incapacidade dos farrapos da esquerda ocidental entenderem o papel do Islamismo na tentativa de criação de um novo império islâmico, ou seja, de refazer o Islão.

A visão retardada das esquerdas oriundas do leninismo, do trotsquismo e do estalinismo (2) sobre o fundamento ideológico das democracias ocidentais —colocando as 'vanguardas' burocráticas e partidárias à frente das maiorias demográficas reais e do princípio fundamental da liberdade de circulação de ideias, pessoas, capitais e bens— há-de condená-las infelizmente a mais um calvário, a mais um martírio intelectual e a mais um sacrifício orgânico.

A repetição da História (as frentes populares pós-modernas de hoje sucedem-se às trágicas frentes populares que antecederam o fascismo e a Segunda Guerra Mundial) é ainda, e uma vez mais, o resultado de uma estagnação teórica, de uma fuga em frente, e de um desejo oportunista de poder.

O atol de contradições que tem vindo a precipitar as esquerdas num sincretismo ideológico circunstancial reflete a incapacidade de reconhecerem a armadilha ideológica onde cairam e de onde continuam sem saber como sair. A superação do capitalismo, nomeadamente em nome de uma utopia, que as religiões e a ideologia comunista em geral congregam, não é assimilável a nenhuma das experiências comunistas conhecidas: União Soviética, China, Jugoslávia, Albânia, Cuba, Vietname, Cambodja, Coreia do Norte. Todos estes caminhos serviram eventualmente para a chegada destes países à economia de mercado, à especulação financeira, à corrupção generalizada, mas não ao capitalismo, nem à democracia, nem à liberdade. E assim sendo, jamais poderiam, podem, ou poderão servir de candeias, ou atalhos, para qualquer país europeu ou americano chegar a um estado pós-capitalista, seja este uma miragem, ou, como creio que poderá ser, uma interceção entre o melhor que o capitalismo tem e a reciprocidade e equilíbrio sociais que se foram perdendo ao longo dos últimos doze mil anos.

Ultimamente, talvez desiludido com as aporias da chamada democracia direta, tenho-me interessado pela putativa origem antropológica da Utopia de Tomás Moro: as Irmandades do Divino Espírito Santo nos Açores, fundadas ideologicamente nas teorias do filósofo e abade cistercense Joaquim de Fiore.

Com um património único —e vivo!— aqui tão perto, bem poderemos recuperar o pathos da utopia sem precisar de massacrar a honestidade intelectual e a gramática política com leituras interesseiras do marxismo.

Já agora, a propósito da 'boutade' do senhor Louçã, vale a pena olhar para os números:

— o financiamento da banca privada ao Estado português, ou seja, o financiamento da dívida pública portuguesa desde que a geringonça tomou o poder, subiu de 50 para mais de 70 mil milhões de euros. Subiu de 90 para 131,6% do PIB, entre 2011 e junho de 2016).

Imagine, senhor Louçã, o que seria se não houvesse banca privada!

NOTAS
  1. É verdade que o Manifesto do Partido Comunista (1848) defende o monopólio estatal do crédito sob a forma de um banco nacional. E também é verdade que o atual sistema bancário chinês (PBC), e o crescente papel dos principais bancos centrais do capitalismo (FED, BoJ, BCE, BoE) na criação imparável de dinheiro virtual para ensopar as suas dívidas galopantes, privadas e públicas, estão a destruir os bancos privados, sobretudo os pequenos e médios, numa espécie de aproximação paradoxal ao dictat do Manifesto. Mas o ponto é que, neste particular, Marx foi arrastado por Engels e pelas circunstâncias a escrever (ou melhor, a subscrever) o que o seu raciocínio não tinha ainda amadurecido. Na realidade, criar dinheiro do nada (de meras expetativas e apostas no futuro) é o que fazem todos os bancos sempre que emprestam dinheiro, pois não é o dinheiro deles, nem o dinheiro dos depositantes que colocam em circulação quando realizam operaçoes de crédito. Ou seja, os bancos comerciais registam os depósitos como dívidas aos depositantes, e os empréstimos como responsabilidades e uma exposição aos devedores, a quem depositaram dinheiro criado literalmente do nada. Se a economia real, da produção e das trocas, perder velocidade, os bancos sofrem a contingência de acumular imparidades (os créditos emitidos tornam-se de difícil cobrança ou mesmo incobráveis, e as garantias sofrem erosão de valor). Não obstante, as suas responsabilidades perante os depositantes, em princípio, não desaparecem, salvo se falirem e não houver proteção pública, ainda que parcial, dos depósitos. Os limites impostos à massa monetária assim criada dependem dos governos e das suas políticas financeiras, nomeadamente através das entidades responsáveis pela emissão de moeda e pela regulação bancária. Mas não só! A lógica intrínseca do capital exige que haja correspondência entre o valor do dinheiro e o valor das coisas, ou seja, trocas comerciais entre povos com territórios, especializações produtivas, organizações sociais, regimes de poder e moedas distintas. Num circuito fechado não é preciso comércio, nem dinheiro, nem bancos. E é por isso que a ex-União Soviética, o Japão e a China puderam escapar, ainda que parcialmente, à lógica capitalista do valor. A URSS e a China devido à dimensão dos seus territórios, o Japão através de uma desvalorização artificial da sua moeda que, a troco da manutenção dum forte setor de exportações de bens industriais, inventou um esquema internacional de especulação cambial—o yen carry trade. Mas esta ilusão de que é possível um mundo sem bancos privados não passa disso mesmo, de uma ilusão. São as balanças comerciais que, em última instância, determinam o valor do dinheiro de cada país. E é por isto que Marx, no calor da Comuna de Paris e das ideias de Engels, sob a pressão da nascente Ligue des Communistes (1847), imaginou um mundo sem bancos privados. Só que esse mundo, para ser real, teria que corresponder a um estado mundial único, ou seja, ao regresso da aldeia primitiva, onde não havia comércio, nem dinheiro, nem bancos. Daí as ideias de promover o internacionalismo proletário, e a revolução permanente. Os resultados foram, como se sabe, desastrosos em toda a parte onde froam experimentadas. Transformar a população mundial num exército industrial comandado por uma vanguarda messiânica foi, de facto, uma péssima ideia!

    As receitas mais duras do Manifesto foram escritas por Frederick Engels, ainda que de uma forma mais matizada, e não por Karl Marx, que andaria assim o resto da sua vida às voltas com as aporias geradas por este pecado original: pensar que a religião vai à frente da História, quando apenas serve para lhe desculpar os pecados.

    Os extratos que seguem servem para demonstrar o meu ponto: não foi Karl Marx quem engendrou a ideia de submeter o sistema financeiro capitalista a um monopólio estatal dominado pela vanguarda auto-proclamada duma massa humanoide bruta a que chamaram proletariado.

    ## Written: October-November 1847

    (i) Limitation of private property through progressive taxation, heavy inheritance taxes, abolition of inheritance through collateral lines (brothers, nephews, etc.) forced loans, etc.

    (ii) Gradual expropriation of landowners, industrialists, railroad magnates and shipowners, partly through competition by state industry, partly directly through compensation in the form of bonds.

    (iii) Confiscation of the possessions of all emigrants and rebels against the majority of the people.

    (iv) Organization of labor or employment of proletarians on publicly owned land, in factories and workshops, with competition among the workers being abolished and with the factory owners, in so far as they still exist, being obliged to pay the same high wages as those paid by the state.

    (v) An equal obligation on all members of society to work until such time as private property has been completely abolished. Formation of industrial armies, especially for agriculture.

    (vi) Centralization of money and credit in the hands of the state through a national bank with state capital, and the suppression of all private banks and bankers.

    (vii) Increase in the number of national factories, workshops, railroads, ships; bringing new lands into cultivation and improvement of land already under cultivation – all in proportion to the growth of the capital and labor force at the disposal of the nation.

    (viii) Education of all children, from the moment they can leave their mother’s care, in national establishments at national cost. Education and production together.

    (ix) Construction, on public lands, of great palaces as communal dwellings for associated groups of citizens engaged in both industry and agriculture and combining in their way of life the advantages of urban and rural conditions while avoiding the one-sidedness and drawbacks of each.

    (x) Destruction of all unhealthy and jerry-built dwellings in urban districts.

    (xi) Equal inheritance rights for children born in and out of wedlock.

    (xii) Concentration of all means of transportation in the hands of the nation.

    —in Frederick Engels 1847, The Principles of Communism [Marxists Internet Archive]


    ## Written: January-February 1848; First Published: late February 1848

    1. Abolition of property in land and application of all rents of land to public purposes.

    2. A heavy progressive or graduated income tax.

    3. Abolition of all rights of inheritance.

    4. Confiscation of the property of all emigrants and rebels.

    5. Centralisation of credit in the hands of the state, by means of a national bank with State capital and an exclusive monopoly.

    6. Centralisation of the means of communication and transport in the hands of the State.

    7. Extension of factories and instruments of production owned by the State; the bringing into cultivation of waste-lands, and the improvement of the soil generally in accordance with a common plan.

    8. Equal liability of all to work. Establishment of industrial armies, especially for agriculture.

    9. Combination of agriculture with manufacturing industries; gradual abolition of all the distinction between town and country by a more equable distribution of the populace over the country.

    10. Free education for all children in public schools. Abolition of children’s factory labour in its present form. Combination of education with industrial production, &c, &c.

    —in Karl Marx and Friedrick Engels, 1847, Manifesto of the Communist Party [Marxists Internet Archive]


    ## Quem escreveu o Manifesto do Partido Comunista?

    In spring 1847 Marx and Engels joined the League of the Just, who were quickly convinced by the duo's ideas of "critical communism". At its First Congress in 2–9 June, the League tasked Engels with drafting a "profession of faith", but such a document was later deemed inappropriate for an open, non-confrontational organisation. Engels nevertheless wrote the "Draft of the Communist Confession of Faith", detailing the League's programme. A few months later, in October, Engels arrived at the League's Paris branch to find that Moses Hess had written an inadequate manifesto for the group, now called the League of Communists. In Hess's absence, Engels severely criticised this manifesto, and convinced the rest of the League to entrust him with drafting a new one. This became the draft Principles of Communism, described as "less of a credo and more of an exam paper."

    On 23 November, just before the Communist League's Second Congress (29 November – 8 December 1847), Engels wrote to Marx, expressing his desire to eschew the catechism format in favour of the manifesto, because he felt it "must contain some history." On the 28th, Marx and Engels met at Ostend in Belgium, and a few days later, gathered at the Soho, London headquarters of the German Workers' Education Association to attend the Congress. Over the next ten days, intense debate raged between League functionaries; Marx eventually dominated the others and, overcoming "stiff and prolonged opposition",[1] in Harold Laski's words, secured a majority for his programme. The League thus unanimously adopted a far more combative resolution than that at the First Congress in June. Marx (especially) and Engels were subsequently commissioned to draw up a manifesto for the League.

    Upon returning to Brussels, Marx engaged in "ceaseless procrastination", according to his biographer Francis Wheen. Working only intermittently on the manifesto, he spent much of his time delivering lectures on political economy at the German Workers' Education Association, writing articles for the Deutsche-Brüsseler-Zeitung, and giving a long speech on free trade. Following this, he even spent a week (17–26 January 1848) in Ghent to establish a branch of the Democratic Association there. Subsequently, having not heard from Marx for nearly two months, the Central Committee of the Communist League sent him an ultimatum on 24 or 26 January, demanding he submit the completed manuscript by 1 February. This imposition spurred Marx on, who struggled to work without a deadline, and he seems to have rushed to finish the job in time. (For evidence of this, historian Eric Hobsbawm points to the absence of rough drafts, only one page of which survives.)

    In all, the Manifesto was written over 6–7 weeks. Although Engels is credited as co-writer, the final draft was penned exclusively by Marx. From the 26 January letter, Laski infers that even the League considered Marx to be the sole draftsman (and that he was merely their agent, imminently replaceable). Further, Engels himself wrote in 1883 that "The basic thought running through the Manifesto ... belongs solely and exclusively to Marx." Although Laski doesn't disagree, he suggests that Engels underplays his own contribution with characteristic modesty, and points out the "close resemblance between its substance and that of the [Principles of Communism]". Laski argues that while writing the Manifesto Marx drew from the "joint stock of ideas" he developed with Engels, "a kind of intellectual bank account upon which either could draw freely."[2]

    —in The Communist Manifesto [Wikipedia]
  2. Os leninismo e o trotsquismo são internacionalistas, enquanto o estalinismo é, em primeiro ligar, e estrategicamente, patriótico, ou seja, nacionalista, e só taticamente promove o internacionalismo, que utiliza, na realidade, como estratagema defensivo.
Atualização: 30/8/2016 18:28 WET

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