domingo, julho 16, 2017

PCP quer entrar no Governo


Uma ideia lógica, mas tardia?


Jerónimo de Sousa: “O PCP sempre afirmou que fará parte de um Governo que corresponda a avanços, uma interrupção com a política de direita. Propomos uma política alternativa, patriótica e de esquerda, com grandes eixos centrais no plano económico, social, europeu. Insisto nesta ideia, o PCP será Governo se o povo português quiser”. DN, Lusa 16 DE JULHO DE 2017 09:00.

O padre Jerónimo tem o missal da Frente Popular cada vez mais à vista de todos. Álvaro Cunhal chamou-lhe Patriótica, na boa linha estalinista do socalismo num só país (1). Ao contrário dos outros padres, não segue a máxima que garantiu a reconhecida longevidade do Crisitianismo: a César o que é de César, a Deus o que é Deus.

Assim sendo, pela promiscuidade evidenciada entre o Padre Nosso marxista-leninisa-estalinista, as infiltrações no aparelho de estado (sobretudo nos braços judicial, educativo, e cultural), a força, embora declinante, nas burocracias sindicais e nas autarquias, somadas à não despicienda receita fiscal do Estado e da União Europeia de que vivem, sobra-lhes cada vez menos credibilidade e consistência. Ou seja, tal como o marxismo-leninismo em geral, o PCP foi um breve sonho de inverno. Até os santos pastorinhos e Nossa Senhora de Fátima os ultrapassaram, em audiência local, mas sobretudo no plano do internacionalismo militante!

As declarações de Jerónimo de Sousa à Lusa, em 16 deste mês, têm no entanto um significado na espuma dos dias que convém analisar. Desde logo, exprimem um desejo há muito reprimido da nova geração de dirigentes comunistas. Por outro lado, ultrapassaram uma vez mais o Bloco no que é a evidente estratégia desta frente de extrema-esquerda que Francisco Louçã (2) persegue desde que o conheço: converter os socialistas burgueses e pequeno-burgueses do Partido Socialista ao verdadeiro socialismo revolucionário de Léon Trotsky.

Desde que a Geringonça nasceu, apesar do seu oportunismo desesperado, que defendo a sua formalização numa verdadeira frente popular pós-moderna. Defendi e defendo, sim, a constituição de um governo de coligação entre o PS, o PCP e o Bloco, onde o PS seria claramente predominante, mas onde comunistas e socialistas revolucionários teriam pastas ministeriais de relevo em domínios como a educação, a cultura, o emprego, o ambiente, a agricultura e o poder local.

Só assim podemos fazer a prova do algodão das esquerdas!

E só assim, também, haverá lugar a uma refundação do corrompido, decadente, e incompetente sistema partidário que temos.


NOTAS

  1. O chamado socialismo num só país resulta de uma teoria contra-intuitiva do marxismo-leninismo, desenvolvida por Nikolai Bukharin, em 1925, e adotada por Estaline na sequência das sucessivas derrotas das revoluções socialistas na Europa. A discussão teórica desta polémica levar-nos-ia muito longe, mas importa aqui reter que o revisionismo da revolução socialista mundial preconizada na consigna Proletários do Todo O Mundo, Uni-vos! gozou de alguma plausabilidade num país como a Rússia, dada a sua extensão territorial e autonomia energética. O socialismo num só país chamado Rússia exigiu, todavia, uma condição a priori: jamais ser uma democracia, mas tão só uma ditadura burocrática (propagandisticamente apelidada de ditadura do proletariado), onde o antigo czar fora substituído pelo presidente do comité executivo do comité central do partido único que comandava o estado e toda a sociedade russa. O velho despotismo asiático russo, dirigido por uma aristocracia rural e por um príncipe absoluto rodeado de cortesão e burocratas, tão bem caracterizado por Karl Marx, não deu lugar a qualquer forma de socialismo, mas apenas à transição forçada (na realidade, acelerada e brutal) de uma secular sociedade campesina para uma sociedade industrial. Ou seja, o que a burguesia fraca e essencialmente clientelar da Rússia não soube, não quis, não pôde fazer, isto é, introduzir o capitalismo na Rússia, fizeram-no Lenine, Trotsky e sobretudo Estaline, ainda que em nome de uma liturgia completamente degenerada. O resultado foi, sobretudo depois da derrota de Hitler, um arquipélago continental (a URSS) politicamente herdeiro do cesarismo autocrático que sempre predominou na Rússia, onde se fez a experiência, não do socialismo num só país, mas antes do capitalismo de estado num só país. Este começou por falhar desde o início da Revolução Russa (1917), isto é, desde o assassinato do czar e da família próxima, prolongando a miséria e o sofrimento de milhões de pessoas até ao colapso da União Sociética em 1991. O capitalismo de estado num só país procurou alternativas alargando o espaço vital da Rússia até às capitais do que viria a ser conhecido como Europa de Leste. A descida desta cortina de ferro estalinista, como lhe chamou Churchill (1946), foi ainda uma maneira de acelerar a entrada da revolução industrial em países atrasados sob todos os pontos de vista. A guerra e a indústria de guerra a isso ajudaram. Mais tarde, a mesma receita estendeu-se à Ásia (protagonizada pela China e pelo seu principal líder, Mao Tsé-Tung), e o mundo bipolarizou-se de vez, entre duas formas de capitalismo: uma democrática, caracterizada pela separação institucional de poderes (legislativo, executivo e judicial), pela liberdade de expressão, de organização e de iniciativa, e sobretudo pela afirmação dinâmica do Estado de Direito, outra, cesarista e burocrática, onde nunca houve qualquer expressão de democracia, nem de liberdade. Sabemos bem como o capitalismo de estado, cesarista, burocrático e despótico, num só país, ou mesmo estendido a mais de metade do mundo demográfico viria a fracassar redundou num estrondoso fracasso. A prova do nove viu-se no colapso da antiga União Soviática. A prova real será em breve observada na China, quando os picos do crescimento (demográfico, energético e financeiro) originarem o colapso do mandarinato sediado em Pequim. A tensões externas que realmente afetarão a China começaram onde menos se esperava: na Coreia do Norte. Regressando a Portugal, parece evidente que o querido Governo Patriótico de Esquerda desejado por Jerónimo de Sousa, por maioria de razão, se não é uma forma de puro oportunismo destinado a segurar a relação parasitária que o PCP mantem há décadas com o aparelho e os orçamentos de estado, então será uma de duas coisas: ou uma perigosa fuga em frente pressionada pela desagregação da classe média (o populismo tem várias máscaras), ou então, o início de uma lenta reconversão ideológica do partido que ainda hoje se confunde com Álvaro Cunhal. Perceberemos em breve, certamente depois da spróximas eleições autárquivas, o que poderemos esperar das palavras de Jerónimo de Sousa. 
  2. Como não renunciou publicamente a esta forma de fé, presumo que o Professor Francisco Louçã, além de conselheiro do estado burguês que temos, continue a ser um dos principais dirigentes da obscura IV Internacional.



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