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domingo, dezembro 09, 2012

Basta, diz Camilo

Um dos estádios falidos do Euro que os portugueses estão a pagar com desemprego e empobrecimento.

Basta!, de Camilo Lourenço —uma leitura de Natal

“...os empresários portugueses, com raríssimas excepções, vivem de dívida.” — Camilo Lourenço.

Os estádios falidos do Euro e a gestão ruinosa de José Sócrates são marcas indeléveis do colapso de Portugal na primeira década do século 21. O livro de Camilo Lourenço descreve com meridiana clareza e uma prosa amigável os meandros desta nossa desgraça, mas também dez linhas de força que, se conjugadas a tempo e horas, nos ajudarão a reencontrar o equilíbrio das nossas contas públicas e privadas e uma nova mentalidade económica.

Este livro, com um desenho gráfico excelente, que só peca pela apressada revisão a que teve direito (esperemos que nas 2ª e próximas edições, gralhas e gráficos sejam corrigidos), é frontal e coloca-nos a todos no centro dos problemas, evitando a demagogia das oposições felizes e das culpabilizações fáceis. Embora pudesse ter dedicado um pequeno capítulo ao contexto global da presente crise sistémica, tal como fez com a brilhante síntese sobre Portugal e o Euro, a verdade é que a descrição das causas endógenas da dramática situação em que nos encontramos é tão certeira quanto as medidas que propõe para estancar a hemorragia e preparar o país para uma nova era de equilíbrio e alguma prosperidade.

“... em 36 anos (...) Portugal pediu ajuda externa três vezes. A primeira em 1978, a segunda em 1983 e a terceira em 2011. Nos três casos, as razões que nos levaram a pedir ajuda para não cair na bancarrota, foram praticamente as mesmas (...). Se as razões para o resgate foram praticamente as mesmas, a pergunta que se impõe é: por que razão não aprendemos com os erros?” (CL, op.cit. p. 58)

A minha resposta a esta pergunta foi dada num texto sobre o fim do império português, que começou a ser criado em 1415 e que terminará de vez, no sentido do entendimento coletivo da nossa história, em 2015, ou seja, seiscentos anos depois. Curiosamente, a China esteve mergulhada num grande isolamento durante todo este mesmo tempo, prevendo-se que recupere o seu protagonismo pleno, precisamente, em 2015 (1).

Mas a pergunta de Camilo Lourenço não deixa de nos interpelar a todos, e sobretudo aqueles que tendo sabido transformar o golpe militar de 25 de Abril de 1974 numa revolução democrática, não souberam depois construir uma verdadeira democracia económica, política e cultural.

“... o facto de não haver propostas políticas de mudança da situação actual não nos deve impedir a nós, sociedade civil, de pensar alto sobre o problema. Ou seja, devemos ser nós a apontar que aspectos é necessário mudar para termos, na segunda década deste século, um crescimento semelhante ao da segunda metade da década de 80 e inícios da de 90. Por onde começar então? Não tenho dúvidas em apontar o dedo a um sector: o Estado.” (CL, op.cit. p. 61)

Não estamos isolados, e por isso Camilo Lourenço propõe que

“Os países do centro da Europa, com destaque para a Alemanha, deviam pensar num plano global de reconversão das economias do Sul. Isto é, além dos programas de ajustamento que estão a ser aplicados em Portugal e Grécia, devia haver um programa de reestruturação das economias do sun belt” (CL, op.cit. p. 131)

E no que toca ao trabalho de casa, depois de, nas suas palavras, termos realizado mais reformas estruturais nos últimos dezasseis meses do que nos últimos vinte anos —flexibilização da legislação laboral, lei do arrendamento mais equilibrada e regras de licenciamento amigas da atividade económica—, defende linhas de ação claras para mudar as mentalidades e o país:

1—Modernizar uma Administração Pública obsoleta; 2—Simplificar o Sistema Fiscal e a Administração Tributária; 3—Acabar com a gratuidade da Educação e da Saúde; 4—Combater a Justiça cara e de fraca qualidade; 5—Acabar com o concubinato Estado-empresas; 6—Reduzir o excesso de dívida nas empresas; 7—Fazer das exportações o motor do crescimento; 8—Considerar a produtividade como a verdadeira medida da riqueza; 9—Aumentar imperativamente a competitividade da nossa economia; 10—Potenciar o nosso relacionamento com África e, finalmente, para possibilitar tudo isto, 11) Reformar a geração de Abril!

Como ele próprio escreve, naquele estilo metafórico bem anglo-saxónico,

“Portugal tem três motores que fazem crescer a sua economia: o consumo (público e privado), o investimento e as exportações. Destes três, dois pararam em pleno voo. E não há combustível para os voltar a pôr a trabalhar. Resta o terceiro, as exportações, que não se têm portado nada mal nos últimos anos.” (CL, op.cit. p. 241)

Mais claro, quase sempre certeiro, e menos provocatório, não podia ser.

Depois do diagnóstico, a terapia, ou seja aquele óleo de fígado de bacalhau que ninguém quer tomar, ou melhor, que a maioria da população, e sobretudo dos eleitores, está disposta a engolir, tem engolido, e não quer deixar de engolir agora, para não ter que engolir uma dose de cavalo mais tarde, mas que os devoristas do regime, de Mário Soares a Otelo Saraiva de Carvalho, passando pelo estalinista serôdio Arménio Carlos, e o antigo devoto salazarista, Diogo Freitas do Amaral, afastam como o demónio foge da cruz!

As estatísticas publicadas neste livro sobre a pandilha da Justiça são o cutelo que deveria cortar este mal corportativo pela raiz. Acontece, porém, que como tenho vindo a defender, sem uma nova assembleia constituinte que escreva outra Constituição, dificilmente se conseguirá desatar o concubinato corporativo plasmado no ridículo compêndio constitucional que temos —mil vezes ultrapassado, à direita e à esquerda, mas que serve sempre, nas alturas próprias, para defender as posições da corja devorista. Nada mais ridículo no regime partidocrata e demo-populista que temos do que a circunstância de o PCP ser ser sempre o maior detrator das revisões constitucionais por vir, e o maior defensor da Constituição que está. Isto diz tudo sobre a hipocrisia e corrupção que levaram a democracia portuguesa, por três vezes em três década sucessivas, à bancarrota.

Camilo Lourenço defende um pacto de regime entre o PS, o PSD e o CDS-PP para vencer os enormes desafios criados pelas sucessivas deformações que a democracia portuguesa foi acumulando desde que foi instaurada. Acredito que na emergência que se aproxima (o peso do serviço da dívida em 2013, 2014 e 2015 —19, 18 e 16,6 mil milhões e euros— será dificilmente suportável) quem estiver em Belém acabe por exigir dos partidos do chamado arco da governação (na realidade apenas têm desgovernado) um pacto, ou até, um governo patriótico de salvação nacional. Mas duvido que chegue, ou que não prenuncie até o esgotamento intransponível do regime e a necessidade imperiosa da sua mudança imediata.

O mais tardar em 2015 a sociedade civil terá que estar preparada, do ponto de vista cognitivo e psicológico, para impor uma Nova Constituinte que escreva uma Nova Constituição. E não serão apenas os partidos existentes que serão chamados a este desafio. Toda a sociedade civil será convocada!

NOTAS
  1. Leia-se a este propósito este post, e este.