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terça-feira, outubro 11, 2011

Dexia vende lixo a preços de luxo

Terceira grande falência bancária europeia, paga pelos contribuintes!

E a pergunta que ocorre fazer é esta: se a mesma receita for aplicada aos países e bancos falidos que estão na lista escondida da insolvência europeia, quem impedirá uma mais do que certa insurreição democrática contra o assassínio fiscal da Europa?

Uma insolvência de mais de 100 mil milhões de euros, mas como é um banco, não se fala mais nisso!

Há uma coisa chamada derivados financeiros “over-the-counter” (OTC), isto é, contratos de futuros realizados fora de qualquer escrutínio público, e que na sua maioria estão albergados nas caves incógnitas dos bancos! O valor nocional destes negócios imperceptíveis, segundo o Bank of International Settlements (BIS), era em 2010 da ordem dos 600 biliões de dólares (1), e o valor comercial bruto destes mesmos contratos andava pelos 21 biliões de dólares. Ou seja, há um mercado de apostas agressivas, em grande medida especulativas, ou fazendo mesmo parte de gigantescos esquemas Ponzi, que vale qualquer coisa entre 1/3 e 10x o PIB mundial. Este enorme buraco negro financeiro, para onde se precipitam as várias bolhas especulativas depois de rebentaram (bolhas imobiliárias, bolhas soberanas, bolhas cambiais, etc.),  é o principal vórtice da crise sistémica em curso. Não há, pura e simplesmente, liquidez suficiente no planeta para tapar este buraco. E no entanto, é preciso tapá-lo antes de se poder reabrir a janela do crescimento.

Over-the-counter (OTC) derivatives are contracts that are traded (and privately negotiated) directly between two parties, without going through an exchange or other intermediary. Products such as swaps, forward rate agreements, and exotic options are almost always traded in this way. The OTC derivative market is the largest market for derivatives, and is largely unregulated with respect to disclosure of information between the parties, since the OTC market is made up of banks and other highly sophisticated parties, such as hedge funds. Reporting of OTC amounts are difficult because trades can occur in private, without activity being visible on any exchange. Wikipedia.



Enquanto a gritaria se focaliza nos suínos soberanos do sul da Europa (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), alguns bancos (BPN, Dexia, Erste?) abrem colossais crateras no sistema financeiro europeu sem suscitar, paradoxalmente, qualquer alarido. Os bancos colapsam e os governos criam espontaneamente do nada a liquidez virtual necessária para serenar as situações. Mas será que conseguem sarar estas enormes feridas abertas, ou apenas estancam momentaneamente a sangria, rezando para que a hemorragia fique por ali?

Dizem que o problema é tão só um problema de confiança dos agentes, e de retoma do crescimento. Sem a primeira, a circulação monetária abranda, aumenta o risco de emprestar e de investir, e aumentam também as dúvidas sobre a rentabilidade dos investimentos e a consistência dos projectos económicos; sem crescimento, por sua vez, a riqueza estagna, não se reproduz, e portanto seca a fonte de alimentação da própria liquidez do sistema (ainda que, ao contrário do que o obreirismo serôdio de Cavaco Silva quer fazer crer, o crescimento americano e europeu das últimas quatro década tenha sido muito mais estimulado pelo consumo e pelo endividamento do que pela produção de bens transaccionáveis!)

Como sair deste círculo vicioso?

Uma vez que o panorama da crise não é uniforme à escala mundial, uma das soluções possíveis é levar os países excedentários nos respectivos orçamentos públicos, comércio, produção industrial e reservas financeiras e cambiais, a absorverem, ainda que indirectamente, parte das dívidas soberanas e parte dos activos especulativos envenenados que ameaçam destruir o sistema bancário americano e europeu. Esta solução, acompanhada de um corte de cabelo de 50-60% nas expectativas de rendimento de uma boa mão cheia de especuladores privados e institucionais, e de brutais programas de austeridade, bem como da reforma dos grandes governos ocidentais, é talvez o único caminho que poderá estancar o cancro e criar espaço para uma reestruturação ordenada da globalização.

Este caminho implica, porém, uma transferência inexorável de poder para os BRIC, sem o que estes países considerariam o resgate dos Estados Unidos e o resgate da Europa como derradeiras manifestações imperiais de colonialismo. Estará o Ocidente disposto a passar por esta espécie de inesperada humilhação? Só para satisfazer os planos imediatos da Alemanha, creio que não. Mas neste caso...

Tendo em vista as actuais tendências demográficas mundiais, o pico do petróleo e o fim da energia barata, e ainda os efeitos crescentes das alterações climáticas, parecem-me evidentes quatro coisas:
  • a hegemonia do dólar chegou ao fim;
  • o modelo especulativo do capitalismo financeiro também chegou ao fim;
  • o modelo de crescimento baseado no consumo e no endividamento implodiu;
  • a globalização neoliberal fracassou e perdeu legitimidade.
Vamos pois ter que verificar a origem efectiva das dívidas e pagar apenas as que foram legitimamente contraídas. Vamos ter que negociar prazos razoáveis para a liquidação das dívidas justas e repudiar as dívidas especulativas, impondo aos especuladores o tal haircut de 50-60%. Finalmente, depois de repartir os prejuízos da crise com alguma equidade, teremos que exigir uma refundação global da economia e do direito dos povos à felicidade.

Entre uma fase e outra os governos, como o nosso, têm basicamente três obrigações:
  • honrar os contratos soberanos com os credores;
  • reformar drasticamente o Estado e rever todos os contratos leoninos feitos contra o interesse público;
  • lançar um vasto programa de emprego público temporário orientado para as prioridades estratégicas da nossa economia. 
Não se trata de criar mais burocracia, mas de esvaziar o Estado do excesso de burocracia, criando ao mesmo tempo oportunidades temporárias de trabalho para centenas de milhar de cidadãos. O tempo do governo ou do Estado como lender-of-last-resort esgotou-se na própria crise do endividamento soberano. A única missão construtiva que neste momento dramático só o Estado poderá desempenhar com sucesso é a de empregador de última instância (employer-of-last-resort). É por aqui, e não conspirando contra o actual governo como o têm vindo a fazer o actual presidente da república, a oposição parlamentar e os milhares de parasitas desta democracia populista (de que um Expresso cada vez mais indigente se arvorou em megafone), que chegaremos a algum porto minimamente seguro.





NOTAS
  1. Apesar das confusões sistemáticas que Cavaco Silva faz entre milhares de milhão e biliões, em Portugal (e não só) é assim: um bilião é um milhão de milhões, ou seja 10E12, enquanto que mil milhões, como a expressão indica, são 10E9. No entanto, sempre que vemos escrito billion (EUA, RU, etc.) ou bilhão (Brasil), o número em causa é um milhar de milhão 10E9. Para mais informação sobre esta confusão frequente na nossa imprensa e entre os nossos economistas (!) ver este artigo na Wikipédia.

ACTUALIZAÇÃO: 11 Out 2011 16:22