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sábado, dezembro 19, 2020

Um parlamento para gaivotas

 

Ana Marques Maia/ Público
video still (pormenor)

 

Projecto de Resolução n.º 807/XIV/2ª

Recomenda ao Governo a criação de um Grupo de Trabalho para dar resposta ao crescente conflito entre gaivotas e humanos

A crescente ocupação humana dos espaços naturais tem vindo a criar algumas situações de conflito entre os humanos e os animais, usualmente com perdas para estes últimos. São inúmeras as espécies que têm sofrido decréscimos populacionais devido a interacções negativas, por perda de espaço para nidificarem, se alimentarem e descansarem. No entanto, algumas espécies têm conseguido adaptar-se aos espaços urbanos, podendo, contudo, esta adaptação resultar em situações de conflito.


A proposta legislativa da deputada não inscrita Cristina Rodrigues é um passo em frente no que poderia ser uma alteração histórica da Assembleia da República: um parlamento dos seres animados e inanimados que tornam a vida humana possível, e habitam na chamada zona crítica do planeta. 

Há demasiados deputados no nosso parlamento: 230. 170 seriam suficientes. Podemos até afirmar que para defender os interesses particulares dos portugueses, 100 pessoas eleitas seriam mais do que suficientes. Os outros 70 representantes seriam deputados e deputadas de outras formas de vida: corais, minhocas, lémures, sapos, polvos, gaivotas, abelhas, ursos, cavalos, salmões, lobos, cães, linces, gatos, canários, pombos-correio, papagaios...; mas também araucárias, pinheiros mansos e bravos, oliveiras, sobreiros, azinheiras, magnólias, roseiras, hibiscos, ervilhas de cheiro; mas também a água doce, o mar salgado, os rios, o fogo, as praias, vales, montanhas, desertos e noites. Estas individualidades, quase sempre entes coletivos e simbióticos, estariam pois representadas no órgão legislativo máximo do país por direito próprio. Como? Por exemplo, através de gémeos idênticos (identical twins). Estes representantes estariam de algum modo ligados a atores e jogadores inteligentes, ciber-humanos, dotados de ultra-sensibilidade e enorme espírito de responsabilidade e colaboração. Neste parlamento das coisas (causas) os trabalhadores assalariados defenderiam as suas causas (as suas coisas), tal como o fariam os empresários, os muito pobres e os muito ricos, as rolas migrantes, as gaivotas e os cagarros de São Jorge, os linces da Serra da Malcata, as lagartixas, as lagoas saudáveis e as lagoas em processo de eutrofização avançada, as nuvens e o mar.  

A ideia de um parlamento das coisas (things, cousas, do latim causă, causa) foi proposta por um filósofo francês chamado Bruno Latour. Sempre me fascinou a sua ANT (Actor Network Theory). Devo, porém, confessar que não aprofundei a ideia lendo ou escutando este autor de modo sistemático, seja por recear alguma deceção, seja por preferir divagar livremente sobre aquela repentina iluminação. A influência universitária deste pensador híbrido é hoje muito significativa, nomeadamente na proposta de novos paradigmas para a ação cognitiva e política, por exemplo, através do que designa “thought exhibitions”, as quais certamente ajudam a compor a didascália da sua filosofia, mas pouco acrescentam, em minha opinião, aos problemas teóricos e práticos da arte contemporânea e pós-contemporânea. Leibniz (1714), Gabriel Tarde (1893), James Lovelock (1965-72), Lynn Margulis (1971), Donna Haraway (1984), e obviamente Jean-François Lyotard (1979), herdeiro do pós-humanismo revolucionário e marxista (L’Inhumain, 1988), são referências importantes no pensamento de Latour (1987).

A questão identitária que re-emergiu tão fortemente no início deste século, sobretudo como causa e consequência do 11 de Setembro, é uma representação da impossibilidade material e humana de uma modernidade global, de uma efetiva democracia global, de uma verdadeira liberdade internacionalista dos povos, em suma, é uma imagem da crise que nasce da grande religião laica falhada, o marxismo. Esta pretensa ciência anunciou o enterro das velhas religiões e a libertação dos povos de todo o mundo. O destino e o caminho somariam uma nova totalidade construtivista. Mas como os sonhos da razão nas gravuras de Francisco de Goya, os muitos herdeiros de Hegel fartaram-se de gerar monstros. 

Estamos há já algum tempo a entrar numa outra fase da luta de classes, no sentido matemático e lógico da expressão. No horizonte, pressentimos um conflito de interesses subjetivos e objetivos de enormes dimensões. Desta vez, porém, os humanos não são os únicos atores da guerra de classes, nem sequer os principais protagonistas desta agonística territorial e identitária. Agora é a vez da revolução alastrar às ‘coisas’ em geral, às causas em geral. Haverá, porventura, uma convulsão animista de proporções bíblicas. Os demónios e os anjos enterrados regressarão com toda a sua força, penetrando-nos, pobres arrogantes, até ao mais ínfimo das nossas células e membranas.

Gaia, ao contrário do green business as usual, não é o ‘planeta azul’, não é um ‘organismo’, mas antes uma propriedade emergente da interação entre organismos, como Lynn Margullis bem argumentou. Na feliz formulação de uma estudante sua, “Gaia is just symbiosis as seen from space”. 

Latour e outros chamam a esta propriedade emergente, a esta simbiose, ‘zona crítica’, uma espécie de pele do planeta, ou ‘verniz’ (outra expressão de Latour) a que também se chama vida, mas de que fazem parte vida e não-vida, semi-vida e sobre-vida. 

Nesta membrana planetária única, animais modernos, animais antigos (arqueia) e proto-animais interagem com plantas, fungos, bactérias e vírus, com o oxigénio que as algas e as florestas produzem, com a água salgada, o sal e outros minerais, com a água doce dos rios, lagos e aquíferos, e por aí adiante. 

O Sol e a Lua, a força gravitacional e a rotação da Terra, ou ainda a atividade nas regiões profundas do planeta, que por exemplo se manifesta na atividade vulcânica e tectónica, e traz ouro e petróleo à superfície, está de algum modo fora do microscópio de Bruno Latour, talvez por serem coisas sobre as quais os humanos são totalmente incapazes de interferir Creio, aliás, que será esta impossibilidade de impor constrangimentos ao Sol (não há vacina possível contra as explosões do grande astro que nos aquece e é certamente o nosso único Deus) a razão pela qual Bruno Latour restringe o seu mundo de possibilidades, ficando de algum modo prisioneiro da tradição filosófica francesa do pós-guerra no seu irreprimível desejo de descoberta de um novo Leviatã, desta vez ecológico e reticular. Latour evita os telescópios, preferindo as lunetas e os microscópios. 

A metáfora do ‘parlamento das coisas’ é uma experiência mental cuja principal utilidade é demonstrar a insuficiência e até a insignificância dos parlamentos humanos resultantes de uma crise de comunicação e de colaboração entre todos os atores da Mãe Terra. Há, por conseguinte, um frenesim de vozes não humanas que os humanos terão que aprender rapidamente a reconhecer, para poderem dialogar, antes que seja tarde demais. Esta zona crítica a que chamamos vida, um rizoma de cadáveres produtivos (apesar de sempre esquisitos), rebentos, nados mortos e seres que nascem, crescem e morrem, é uma raridade absoluta no universo que conhecemos. Na nossa arrogância e medo, acreditamos que somos os únicos responsáveis pela extinção aparentemente em curso. Para salvar a pele, tudo faremos para reverter o infeliz desfecho da rã que puseram numa panela de água que foi aquecendo lentamente. Oxalá!


Nota soturna sobre o momento que passa...

A China deixou escapar o génio da garrafa. Passarão muitas décadas até que este descuido, ou ação premeditada, seja perdoada e esquecida. Espera-nos um longo inverno micro-biológico pela frente. As economias que resistirem ao colapso em curso, não terão condições nem vontade de regressar à velha normalidade. Outra normalidade nascerá deste holocausto provocado pela incúria e ganância humanas. Se algo de útil podemos fazer neste momento, é conversar sobre o que nos está a acontecer. Estamos a caminho dum colapso catastrófico e duradouro? Se já sabemos que teremos que mudar de vida, se houver vida para mudar, porque não começamos já? Os pequenos gestos contam.

Não foi o vírus que fechou os humanos em casa. Fomos nós!


Nota de esperança

A última filosofia nascida em França dá pelo nome de Realismo Especulativo. Quentin Meillassoux é o seu principal expoente. Contesta uma vez mais a filosofia kantiana do conhecimento. E retira, uma vez mais, a centralidade humana do processo cognitivo e ontológico. O evento certamente contingente conhecido por SARS-CoV-2, e o desfecho que resultar deste ‘acidente’, serão certamente dois oportunos testes de resistência a mais esta tentativa de instaurar e prosseguir uma ontologia orientada para os objetos, na qual o humano não tem lugar.


REFERÊNCIA

Bruno Latour recebeu recentemente o prémio Spinozalens, precisamente focado no seu trabalho sobre o parlamento das Coisas (1989). Eis a sua conferência dada ao receber o prémio da International Spinozaprijs Foundation.

segunda-feira, fevereiro 02, 2015

Privatizar os CTT?

Mariana Mortágua e Ricardo Salgado, dois mundos, duas eras

Uma deputada radicalmente diferente


Podemos não estar de acordo mas, pela primeira vez, vemos uma parlamentar da esquerda radical a fazer perguntas concretas e fundamentadas, de forma serena e objetiva, em vez de arengar retórica partidária terceiro-mundista. 

Podemos dar razão a Mariana Mortágua? Se a corja rendeira e devorista indígena continuar a assobiar para o ar e a corromper-se à velocidade que temos conhecido, então certamente alguém terá que dizer basta!

Privatizar os CTT, sim ou não (perguntas de Mariana Mortágua, 02/10/2013)

O problema é simples de equacionar: a dívida pública portuguesa (129% do PIB em 2013), tal como a dívida pública mundial, é descomunal, o gigantesco serviço da dívida que foi programado é tão ingerível quanto inaceitável e, em cima de tudo isto, a previsão das responsabilidades futuras não cobertas pela receita fiscal supera, segundo a OCDE, 490% do nosso PIB. Ou seja, vamos mesmo ter que vender alguns anéis, e se não tivermos cuidado, a austeridade objetiva comerá mesmos alguns dos nossos dedos!

O serviço da dívida portuguesa é o mais elevado da UE

Entre os anéis do tesouro nacional contam-se uns de ouro verdadeiro, e outros de ouro falso.

A TAP e a RTP, por exemplo, são ouro falso. Ou seja, são exemplos de empresas públicas obsoletas, sobre endividadas, devoristas, mal-geridas do ponto de vista do contribuinte, mas muito bem geridas do ponto de vista daqueles que delas aproveitam o permanente subsídio e o crescimento da dívida pública que todos pagamos em depressão económica, falta de emprego e repressão fiscal.

Não precisamos de televisão pública, tal como há muito acabámos com os jornais diários ao serviço do governo de turno. Na era da Internet, que não é pública, TAP, RDP e RTP são como dentes do siso, cuja manutenção é caríssima e apenas servem para satisfazer as mordomias de uma nomenclatura improdutiva e sobretudo muito dispendiosa.

Os CTT são hoje uma empresa privada (1) vinculada a um contrato de concessão com determinadas obrigações de serviço público, cujo cumprimento depende da força da cidadania do país e das criaturas que elegemos para o parlamento. Os CTT dão lucro? Dão. E por isso foi mais fácil vender a empresa por bom preço, do que será vender, por exemplo, a TAP ou a RTP, ambas com centros de custos obscuros e prejuízos sistémicos.

Ficarão as pessoas menos protegidas depois da privatização integral dos CTT?

Depende dos termos da privatização. Compete ao parlamento, ao governo de turno, e à cidadania, garantir que o interesse dos contribuintes e das populações seja salvaguardado.

E a ferrovia, os portos, a energia e a água, podem privatizar-se, ou não?

Em caso de necessidade absoluta, que é o caso de um país que durante décadas se endividou irresponsavelmente, graças aos sucessivos governos populistas que elegeu, sim, desde que a propriedade das infraestruturas estratégicas se mantenha no setor público, e tão só a exploração dos serviços seja objeto de concessão a privados, salvaguardando-se ainda assim, nos respetivos cadernos de encargos, os direitos inalienáveis dos cidadãos, rendas justas e uma administração transparente, sujeita ao escrutínio permanente dos consumidores, dos governos, das correspondentes entidades reguladoras, fiscalizadoras e judiciárias, e da cidadania em geral.

Esta posição, que defendo, não deixa de ser plenamente compatível com a exigência de transparência nos processos de privatização em curso, vigilância apertada sobre os negociadores e as agendas ocultas que frequentemente manipulam estes processos contra o interesse público e benefíco de piratas estrangeiros e rendeiros e devoristas indígenas.

Ser-se radical nos dias que correm é colocar os interesses do país acima de quaisquer falsas fatalidades, mesmo que isso passe por questionar e até impugnar dívidas odiosas.

O mundo caminha, ou poderá caminhar, se as boas ideias triunfarem, para um consenso sobre a necessidade de implementar o que Steve Keen chama jubileu moderno da dívida, a par de uma aproximação monetária dinâmica à teoria e à governação económica, e ainda uma redefinição dos regimes de propriedade e investimento que minimizem as crises cíclicas do capitalismo.

  1. To develop a realistic, empirically based, dynamic monetary approach to economic theory and policy; 
  2. To develop and promote a "modern Jubilee" by which private debt can be reduced while doing the minimum possible harm to aggregate demand and social equity; 
  3. and To develop and promote new definitions of shares and property ownership that will minimize the destructive instabilities of capitalism and promote its creative instabilities.

    - See more at Steve Keen's Debtwatch

NOTAS
  1.  A privatização dos CTT foi concluída em 9 de setembro de 2014.

sexta-feira, março 06, 2009

Portugal 89

"Vai pó caralho!"

José Eduardo Martins responde com insultos a Afonso Candal

Deputado do PS insinuou interesses profissionais do PSD

06-03-2008 (Diário de Notícias) — Um debate parlamentar sobre painéis solares ficou ontem marcado por insultos do deputado social-democrata José Eduardo Martins contra o socialista Afonso Candal.

Numa peça no Jornal Nacional da TVI foi possível ver-se - apenas se ouviam as palavras do socialista e o ruído de fundo da sala - Martins mandar Candal, repetidas vezes, "para o c...".

Não, não fui eu que disse. Quem gritou por duas ou três vezes, alto e bom som, ontem, na Assembleia da República, esta invectiva pornográfica, foi o deputado laranja e ex-secretário de estado do ambiente José Eduardo Martins. O visado foi um colega rosa que acabara de insinuar ligações profissionais do deputado laranja e ex secretário de estado do ambiente José Eduardo Martins a interesses no novo caldeirão do Bloco Central da Corrupção a que se dá por vezes o nome de economia verde: reciclagem e aterros sanitários, mercado dos fundos de carbono, micro-geração, biocombustíveis, eólicas e privatização camuflada de bens públicos de toda a vida como, por exemplo, as vias rodoviárias... e a água!

Se o deputado invectivado fosse gay, o insulto poderia até ser entendido como uma simples sugestão bem intencionada. Mas não sendo, os explosivos gritos sexistas do senhor Martins tiveram, antes de mais, uma lamentável carga homofóbica. Um homem não manda outro homem pó caralho. Se quer insultar e insultar pornograficamente, manda-o à cona da tia! O insulto não deixa de ser pesado, mas não é ilegal, pois como se sabe, a homofobia explícita é crime.

Enfim, chega desta prosa bocageana que, no caso em apreço, é muito mais do que um incidente linguístico ordinário. Na verdade, o que este incidente mostra é o estado de nervosismo crescente e o descontrolo iminente das elites corrompidas do Bloco Central. O modelo neoliberal que o PS, PSD e CDS comungaram em alegre promiscuidade ao longo dos últimos vinte anos entrou em colapso. A dimensão do mesmo, e sobretudo as consequências, são ainda imprevisíveis. Mas que os cacos começaram a cair, disso não há a menor dúvida.

O incidente foi rapidamente abafado pela turma de zombies que decora o nosso parlamento —quando seria de esperar que fosse remetido para uma comissão de disciplina interna da Assembleia da República (ignoro se existe ou não) e o deputado insultante fortemente penalizado. Uma vez que os colegas deputados vão certamente assobiar para o ar, faço eu as perguntas:

  • senhor deputado José Eduardo Martins, porque se irritou tanto com a insinuação do seu adversário político Afonso Candal?
  • Tem ou não interesses profissionais e/ou económicos no sector económico do ambiente?
  • Está ou não ligado a empresa desta área?
  • Aufere ou não vencimentos, comissões ou vantagens patrimoniais ou de qualquer outro tipo de empresas ou fundações vinculadas explícita ou genericamente aos negócios do ambiente?
Eu ignoro o que se passa com o deputado laranja neste particular, como aliás desconheço completamente a história da sua vida pessoal, profissional e mesmo política. Tenho escutado as suas prestações no "Frente-a-Frente" que o Mário Crespo promove diariamente no Jornal das Nove, entre protagonistas da nomenclatura político-partidária que temos, e a impressão até era boa! Vivo, rápido nas respostas, embora invariavelmente elíptico como é a esmagadora maioria dos nossos políticos. Não estava, apesar de tudo, mal. Mas agora, depois deste incidente, a sua credibilidade caiu por terra. Ou esclarece rapidamente as dúvidas que pairam no ar sobre a sua independência política, ou vai para o rol dos socratintas sem apelo nem agravo.

O negócio do ambiente é provavelmente o mais escandaloso dossier da nossa democracia recente. Os casos da EDP, que tem um plano secreto para se apropriar do direito público da água —para isso servem as onze barragens que quer construir (1); da Mota-Engil/Martifer/Suma, que quer tudo, da construção de barragens, às auto-estradas, portos e aeroportos, do duopólio da microgeração solar ao biodiesel, da limpeza urbana ao tratamento de lixos e reciclagem; ou ainda das misteriosas fundações e empresas de consultoria onde os cozinhados do Bloco Central têm lugar —Fundação Ilídio Pinho/Fomentinvest, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento, Fundação Mário Soares, Banif - Banco de Investimento/Fundação Horácio Roque, Caixa Geral de Depósitos (2), são de pôr os cabelos em pé! Não há mesmo outra explicação para o arrastamento inconclusivo do escândalo de corrupção Freeport e para o silêncio aterrador do Presidente da República. A economia neoliberal dos parvenues lusitanos do Bloco Central faliu, mas tirar as mãos da massa e desnovelar todo este antro de desperdício, mentira e negócios muito mal explicados, quando não ilegítimos e corruptos, vai ser uma dor de cabeça para a actual nomenclatura democrática, sem excepção.

Mas como dizem os chineses, "crise" é o fim do que já não presta, mas uma oportunidade para os que começam. Que venha a nova economia!


RESPOSTA PRONTA DO DEPUTADO

O deputado respondeu a este postal assim que lho fiz chegar —como sempre faço relativamente a quem atinjo com a minha escrita. Não presumo, nem imputo nada de mal contra o advogado e deputado José Eduardo Martins. Também não faço investigação. Pelo que aceito e agradeço como boas as explicações que dá na sua resposta. Fica, porém, o aviso: todos os deputados devem declarar de forma límpida a sua carteira de interesses. E por outro lado, devem abster-se de calão impróprio no parlamento.

Caro senhor,

Não o conheço mas como faz também insinuações sobre o meu carácter e honestidade respondo às suas perguntas com prazer na expecativa de que coloque as respostas no seu blogue. Naturalmente a sua ausência e os comentários que ofendem o meu bom nome serão objecto da reaccção judicial possível, que quem não se ofende não é filho de boa gente como diz, e bem, o povo.

Sou advogado de profissão há muitos anos. Sempre trabalhei na área do direito do ambiente e tenho o orgulho de ser classificado por guias do sector com um dos melhores de Portugal.

Nunca tive qualquer intervenção política que de perto ou de longe tocasse algum interresse particular, pessoal, ou de cliente meu. Estou disponível para todo e qual escrutínio nessa matéria.

Nunca falei publicamente de nenhum dos assuntos que trato profissionalemte. Temos um código deontológico que nunca esqueci e pratico quotidianamente.

O assunto em discussão ontem era o uso de muitos milhões de euros dos contribuintes para condicionar o mercado dos painéis solares.

Indo mais longe que o código deontológico permite também lhe digo não ter nenhum cliente nessa área.

Quanto ao mais repito, não nos conhecemos, respeito a sua opinião em tudo o que não for injúrioso ou ofensivo da minha honra que não é nada romba.

Aceite cumprimentos e desculpe o uso do email profissional para onde reencaminho todos os outros para poder responder com prontidão.

José Eduardo Martins

AbreuAdvogados
Av. das Forças Armadas, 125 - 12.º 1600-079 Lisboa
Tel: (351) 21 723 18 00 Fax: (351) 21 723 18 99
E-mail: jose.e.martins@abreuadvogados.com
www.abreuadvogados.com


NOTAS
  1. O negócio das barragens tem duas justificações ambas falaciosas: criar emprego e contribuir para a autonomia energética do país.

    Os 35 mil empregos prometidos pelo Mexia são falsos empregos, em primeiro lugar, porque são temporários e deslocalizáveis, e em segundo e mais importante, porque eliminam milhares, senão centenas de milhar de postos de trabalho potenciais e duradouros, ligados a uma economia local com enorme potencialidade, desde que não sejam destruídos os seus principais recursos naturais, únicos e não deslocalizáveis.

    O conjunto das 11 barragens previstas não produzirá, no máximo das suas potencialidades, mais de 3% da energia eléctrica consumida no país. Ora bastaria um programa governamental sério de eficiência energética em todos os edifícios públicos para poupar aquilo que as novas barragens assassinas prometem! Aliás, um plano mais vasto de eficiência energética, à escala nacional, permitiria poupar 10%, 20% ou mesmo 30% da energia actualmente desperdiçada em casas e empresas mal desenhadas, mal construídas e mal equipadas, em iluminações públicas ineficientes, e sobretudo no escandalosamente irracional sistema de transportes e mobilidade que a nomenclatura político-partidária e uma burguesia tradicionalmente preguiçosa e dependente do Estado foi alimentando ao longo dos últimos vinte anos, e que é um dos principais cancros da dívida externa portuguesa. 12% de tudo o que produzimos anualmente está já comprometido com o pagamento dos juros da nossa astronómica dívida externa. O valor bruto desta dívida, que o parlamento e os governos sucessivamente esconderam dos portugueses, ascende já a mais do dobro do nosso PIB!

    Então se o negócio das barragens —um verdadeiro cartel ilegal à luz da lei comunitária— não serve realmente para aumentar a nossa independência energética, nem para criar emprego duradouro, para que serve? Pois bem, serve para duas coisas simples e escondidas do olhar do público: para retro-alimentar e compensar o flop das eólicas (que não produzem o que a EDP prometeu aos accionistas, devido à natureza temperamental dos nossos ventos); e para privatizar paulatinamente o direito público da água e das margens dos rios e albufeiras. Este é que é o grande negócio secreto da EDP e dos poderosos lóbis que se movem em seu redor como morcegos.

    Como se tudo isto já não fosse já demasiado sórdido e a merecer que a pobre Justiça lusitana investigasse e prendesse uma centena de piratas, o famoso plano da EDP-Iberdrola, que a maioria dos economistas portugueses, ignorantes até à quinta casa do problema, aprova sem pensar, ameaça, por um lado, destruir zonas insubstituíveis do Douro Vinhateiro, classificado como Património Mundial (que dizem a Elisa e o Ricardo sobre isto?!); e por outro, submergir a cidade de Amarante, caso algum dia houvesse um acidente na projectada barragem assassina do Fridão.

  2. Banif e Caixa entram nos negócios de Ângelo Correia

OAM 549 06-03-2009 11:47

quarta-feira, dezembro 10, 2008

Portugal 59

Encolha-se o parlamento!

Os trinta e tal deputados que por sua alta recreação resolveram antecipar o fim-de-semana, já de si prolongado, demonstrando o mais completo desprezo por quem lhes paga os vencimentos, não são a excepção, mas a regra de uma casta de cidadãos que raramente cria riqueza, mas que adora apropriar-se dela.

Está na altura de encolher a Assembleia da República:
  1. menos deputados
  2. diferenciação automática dos níveis de vencimento entre deputados em regime de dedicação exclusiva e deputados em regime de acumulação com outras actividades profissionais e políticas remuneradas
  3. introdução de um sistema de avaliação da produtividade individual dos deputados
  4. gestão rigorosa dos conflitos de interesses
  5. transparência electrónica instantânea de todos os actos legislativos
  6. redução da produção legislativa e maior eficiência na regulamentação das leis
  7. descentralização da produção legislativa através de uma maior autonomia regional e municipal (que deverá chegar até ao nível da Freguesia)
E para já, devemos exigir justificações formais para as faltas dos deputados durante uma votação crucial para o País.


OAM 490 10-12-2008 11:50

sexta-feira, setembro 19, 2008

Respublica

Divórcio mais fácil? Paradoxos à Esquerda e à Direita
Lei do Divórcio aprovada apenas com alterações pontuais

17 Set 2008. O novo regime jurídico do divórcio, devolvido por Cavaco Silva à Assembleia da República em Agosto, foi hoje aprovado com alterações pontuais, contando com os votos favoráveis da esquerda parlamentar e de 11 deputados do PSD, com o PS a defender que a lei é "justa e equitativa".

As alterações aprovadas cingiram-se à clarificação, como já tinha sido anunciado pelo líder do grupo parlamentar socialista, Alberto Martins, de que só tem direito a pedir compensação na hora das partilhas quem tiver abdicado de proveitos profissionais em favor do casamento, e a consagrar que a pensão de alimentos é ilimitada no tempo. Esta última foi proposta pelo PCP e aprovada com a abstenção do PS e do PSD. -- Público.

O que diz a proposta de lei:
  1. O Divórcio por Mútuo Consentimento já não necessita de tentativa de conciliação. No entanto, se não chegarem a acordo sobre todos os «acordos complementares», o divórcio tem de ser apresentado no tribunal, para que seja o juiz a tomar essas decisões;
  2. Elimina-se a culpa como fundamento do divórcio sem o consentimento do outro, tal como ocorre na maioria das legislações da UE, «o clássico divórcio-sanção». As discussões sobre culpa, e também sobre danos provocados por actos ilícitos, ficam alheios ao processo de divórcio (podendo ser alvo de um outro);
  3. Considera-se a violência doméstica como motivo para requerer o divórcio, não sendo nessa situação necessário esperar pelo período de 1 ano de ruptura de facto; (Continua.../ Destak)

Tanto barulho por nada, ou a inversão das convicções!

O objectivo essencial da nova lei do divórcio, apresentada pela maioria PS -- desculpabilizar a vontade mútua ou unilateral de ruptura de um contrato nupcial (deixando, assim, de haver réus no estrito processo de divórcio) -- faz todo o sentido, sobretudo em sociedades urbanas onde vingou o princípio da separação e atomização dos vínculos que prejudicam a formação do Capital. A procriação e o matrimónio, em si mesmos, prejudicam a realização estrita do valor capitalista -- seja na agro-indústria, nas indústrias convencionais, no sector empresarial dos serviços ou ainda nas chamadas economias "criativas" e de "conhecimento". Ao invés, a incorporação da mulher no mercado de trabalho assalariado (ainda mais se for solteira ou divorciada) contribui para a realização desse mesmo valor.

O facto de hoje, em Portugal, a mulher ganhar menos 25% do que o homem no cumprimento de uma mesma tarefa, ou na produção de uma mesma unidade de lucro, tem origem na penalização que o Capitalismo impõe a uma estimada quebra de produtividade resultante do tempo supostamente subtraído ao trabalho pelas actividades femininas de manutenção do lar, e de gestação, parto e acompanhamento maternal dos filhos e filhas.

A consequência da lógica de acumulação capitalista do valor, e da correspondente divisão do trabalho, conduziu paulatinamente à destruição da família como unidade básica de reprodução social da espécie humana, com todas as consequência que hoje são reconhecidas e ameaçam a estabilidade política e económica de países como a Rússia, a Alemanha, os Estados Unidos e a própria China!

O facto de ainda existirem casais e famílias nas grandes urbes do mundo moderno e contemporâneo deriva de uma espécie de inércia cultural da espécie, que resiste obviamente a uma tão radical revolução ecológica! Numa sociedade capitalista ideal as diferenças de género desapareceriam de vez. A liberdade erótica seria total. O amor e a amizade seriam dificilmente toleráveis e desde logo penalizados (nomeadamente em sede fiscal.) A reprodução da espécie, enfim, deveria ser progressivamente integrada na lógica geral da reprodução capitalista do valor, nomeadamente através da gestação laboratorial de bases patenteadas de ADN, da inseminação artificial por objectivos e da industrialização da reprodução humana, à semelhança do que há muito fazemos com outras espécies animais. A rentabilização segmentada e diferencial dos activos humanos, o abate dos indivíduos improdutivos, doentes ou envelhecidos, através da generalização da eutanásia medicamente assistida, conduzem a actual lógica do Capitalismo até às suas últimas consequências.

Se meditarmos um pouco friamente nesta descrição, perceberemos como faz sentido, por um lado, libertar o contrato nupcial -- que assim deixa definitivamente de ser um contrato de propriedade! -- de constrangimentos jurídicos próprios de sociedades paternalistas ancestrais. O prejuízo eventual, ou mesmo provável, da chamada parte mais fraca (a mulher), decorrente da nova legislação do divórcio, que tanto preocupa Cavaco Silva (e que o PS parcialmente mitigou nas alterações finais ao projecto), é afinal um efeito a prazo benéfico para a sociedade capitalista no seu conjunto, na medida em que tornará mais óbvias as desvantagens do casamento e da tradicional reprodução familiar da espécie. A mulher tornar-se-à assim cada vez mais consciente das desvantagens económicas, sociais, culturais e psicológicas do contrato nupcial. Desviando-se do matrimónio e da procriação, a mulher sacrifica a sua disponibilidade produtiva mais íntima e específica, mas liberta o seu potencial de adesão integral à lógica especulativa do Capitalismo. A opção é sua, pelo menos até que o peso da economia a faça pensar duas vezes...

Se continuarmos a projectar o nosso futuro no interior da bolha conceptual e cultural do Capitalismo, não há forma de sair desta lógica. Dificilmente poderemos contestar a intenção moderna do legislador "socialista". Não vou aqui discorrer sobre as alternativas possíveis num eventual contexto pós-capitalista, pois levar-me-ia muito longe. Mas não deixa de ser irónico ver a direita parlamentar votar contra um diploma que satisfaz plenamente o coração da sua ideologia, escrito e aprovado por aqueles cujo cometimento ideológico -- certamente já muito desbotado -- aponta precisamente para a denúncia e recusa de uma sociedade onde a lógica do valor implica, pela sua própria natureza social, a destruição de toda a liberdade, incluindo a de gerir as dificuldades próprias do amor e da procriação responsável.

Que não haja donos nem réus na instituição matrimonial, pois claro! Mas sem que as sociedades assumam a responsabilidade de ajudar a salvar o amor onde ele exista ou existiu, não vejo como poderemos esperar ou pedir a felicidade humana. A humanidade tem pelo menos a obrigação de não sacrificar a liberdade, o amor e a amizade à miséria do Capitalismo!

Este assunto bem merece melhor tratamento do que a hipócrita discussão parlamentar a que teve direito.

OAM 437 19-09-2008 19:05

quarta-feira, novembro 07, 2007

OG2008-2

Nevoeiro orçamental
... 95 por cento das despesas do Estado são salários, pensões e juros."

"O primeiro-ministro veio dizer garbosamente que a dívida pública diminuía pela primeira vez nos últimos anos. E sabe porquê? Porque há um verba muito elevada, cerca de um por cento do PIB, à volta de mil e seiscentos milhões de euros, relativos a compromissos de 2007, cuja dívida pública vai ser emitida em Janeiro de 2008." -- 2007-11-04, Bagão Félix, ex-ministro das Finanças, in Correio da Manhã.

"The world is in chaos as everyone tries to deal with the obvious: the banking system of the free-spending, debt-accumulating G7 nations is now collapsing and this is due to the direction money is now flowing: to China and the oil nations. The lies about inflation are now biting very hard." -- November 5, 2007, "More Wizards Of Finance Fall Off Cliff", Elaine Meinel Supkis, in Culture of Life News.

José Eduardo dos Santos corta com BPI e ameaça fusão com BCP

"As relações entre o Governo angolano e os bancos portugueses estão cada vez mais azedas. O episódio mais recente da tensão, que parece crescer de dia para dia, passou-se, há menos de uma semana, com o maior banco privado do país, o Banco de Fomento de Angola (BFA), controlado pelo BPI. Esta instituição, que contribui com 30% para o lucro do BPI, desistiu, à última da hora, segundo disse ao Diário Económico uma fonte do Executivo de Fernando Piedade Dias dos Santos, de ser 'co-leader' de uma emissão de dívida para o Estado angolano, o que causou um enorme mal estar e motivou "uma recomendação serena" para que as empresas de capitais públicos cortassem as suas relações bancárias com o BFA." -- 2007-11-07 00:05, in Diário Económico.


Visitei no Sábado passado o Mosteiro São João de Tarouca, no decurso de uma das minhas idas e vindas ao Douro, onde procuro reavivar as quintas deixadas pelo avô paterno, que os caseiros foram paulatinamente trocando por vidas melhores e os donos quase esqueceram entre os seus muitos afazeres urbanos e distracções cosmopolitas. Passei por Fátima para uma visita rápida à nova igreja da Santíssima Trindade. A arquitectura, a escultura e as imagens colheram-me de surpresa, pela qualidade e consistência do realizado e pelas discussões teológicas e estéticas que reavivam em quem, como eu, não crendo em Deus desde a minha adolescência filosófica, não deixa por isso de ser uma criatura de fé.

Por muito que custe a alguns, o novo conjunto monumental da Cova da Iria ultrapassa em significado e forma tudo o que de simbólico foi sendo erigido pelos poderes públicos nos trinta e três anos que se seguiram à queda da ditadura. Assim sendo, temos uma dificuldade séria na esfera da legitimação estética do actual regime democrático! Uma dificuldade, por outro lado, tristemente escancarada na ruína física, política e ética em que vi transformado um dos mais importantes e monumentais testemunhos da nossa identidade nacional: o Mosteiro S. João de Tarouca.

Sob a responsabilidade patrimonial e cultural do Ministério da Cultura, aquele lugar, outrora de saber, estratégia e tecnologia, visitado ainda assim por milhares de pessoas anualmente, encontra-se literalmente ao abandono. Não fora a igreja continuar aberta ao culto, e a paixão dum voluntário que ama o lugar e nada cobra pelo seu serviço, sobre cujos ombros repousa exclusivamente a possibilidade de visitar o local e a respectiva segurança, e não teria tido a oportunidade de me indignar com mais este exemplo de boçalidade estatal, sempre invisível na paisagem árida das estatísticas e dos imbecis jogos florais com que há décadas se entretêm os nossos bem pagos, ociosos e quase sempre inúteis parlamentares.

António Guterres e Manuel Maria Carrilho, talvez por serem beirões (o Sócrates também é, mas é ignorante), ainda tentaram fazer alguma coisa pelo mosteiro, só que depois deles, e sobretudo depois da rapaziada de Macau ter tomado conta do PS e do poder, lá colocando recentemente um falso engenheiro extraído ao PSD, a cratera cultural que hoje exibe a ruína do mosteiro de S. João de Tarouca é uma das mais gritantes metáforas da imprestabilidade de quem nos governa. No interior da igreja, podemos admirar, entre outras obras de arte, o altar de São Pedro, cuja pintura a óleo, atribuída a Gaspar Vaz, um dia viajou até à Europália (Bruxelas), tendo regressado ao seu lugar sob forte escolta policial. Só não foi roubada entretanto porque nenhum gang especializado se deu conta da situação indefesa deste e doutros insubstituíveis tesouros que decoram os vários altares barrocos da igreja.

Estas realidades contrastam tanto com o reality show da discussão parlamentar em volta do documento ficcional a que chamam pomposamente Orçamento de Estado que é difícil estabelecermos uma ponte de causa-efeito entre o extremo cada vez mais descaradamente irresponsável da decisão política e as respectivas vítimas.

Portugal tem uma dívida pública (isto é, uma Dívida Bruta Consolidada das Administrações Públicas) que come mais de 64% do que o país produz anualmente, e tem uma dívida externa acumulada que corresponde a quase 130% do que produz anualmente (a 22ª mais elevada entre 200 países avaliados). Ao mesmo tempo, o Estado gasta 95% dos recursos que lhe são postos anualmente à disposição, em vencimentos a funcionários, prestações de serviços, pensões e juros à banca.

A combinação é explosiva e insustentável, sobretudo se conjugarmos estas debilidades extremas com o facto de o país estar praticamente sem ouro, sem fundos de divisas e títulos seguros que se vejam (FOREX e SWF), sem estratégia nem estrutura industrial adequadas ao nosso efectivo potencial produtivo, sem rede nem política de transportes (apenas temos um ministro, que deveria estar preso, para não fazer mais asneiras!), e sem outros recursos naturais disponíveis para além da água dos rios e lençóis freáticos, do Sol e do mar. Os recursos humanos, por outro lado, são cada vez mais escassos e continuam mal preparados por comparação com os demais países que integram a União Europeia. Por fim, temos uma grave crise demográfica pela frente e o regresso da emigração em massa (ainda que camuflada nas estatísticas.) O envelhecimento das populações e a desertificação dos povoados, aldeias, vilas e pequenas cidades, a par da imparável e perigosa sub-urbanização das principais cidades do país, confluem para uma crise sistémica de proporções incontroláveis. É uma questão de tempo. Mas não de muito tempo.

Numa tão dramática situação (não estou a exagerar, creiam-me), o mínimo que se exige dos eleitos sentados no parlamento é que estudem seriamente os problemas e discutam publicamente, de forma clara e transparente, as efectivas soluções alternativas de que ainda dispomos. Se os deputados são burros e previsíveis ao ponto de se comportarem como ratos num labirinto de migalhas, e se os respectivos líderes ainda acham que podem continuar a brincar com quem os elegeu, então temos o caldo entornado! A crise instalada levará as indústrias, os bancos, o emprego e o consumo, a zeros, para gáudio temporário de alguns espanhóis e de todos aqueles que apostam na fragmentação política e social da Europa. Bateremos inexoravelmente no fundo. E quando tal vier a acontecer, não nos restará outra alternativa que não a reforma radical do actual regime político.

Precisamos urgentemente de uma democracia económica transparente, de um Estado fiável e de uma governança eficaz e responsável, incompatíveis com os níveis absurdos de desorganização, incompetência, irresponsabilidade, cabotinismo e corrupção actuais.

Numa democracia económica transparente será possível desenhar e discutir verdadeiros orçamentos públicos, que atendam a estratégias de Estado claras e estáveis e permitam a competição justa entre propostas legislativas e equipas de governação criativas, ágeis e eficientes. A fórmula actual das organizações partidárias está esgotada. Precisamos de encontrar novas soluções à altura das democracias tecnológicas em formação e da solidariedade global. Não é o fim da Política. É o renascimento da Política!

A extinção das Ordens Religiosas masculinas em 1834, traduzida na sua expoliação económica e patrimonial por parte do vencedores da Guerra Civil Portuguesa que se seguiu ao processo de independência do Brasil, serviu não só o propósito de reorganizar a administração pública em novos moldes, mais laicos e mais dependentes do poder político constitucional, mas sobretudo para equilibrar as debilitadas finanças públicas de um país falido duplamente, pela perda do Brasil (cujas compensações monetárias foram utilizadas no financiamento da campanha liberal) e pelo esforço de guerra.
"Em São João de Tarouca, todo o espólio deixado pelos Monges de Cister foi nacionalizado e vendido em hasta pública a particulares, à excepção da Igreja que se manteve aberta ao culto. O resultado desta situação foi a destruição quase total de um vasto e rico património. Como o principal meio de subsistência das populações locais que adquiriram todo o espólio era a agricultura, deu-se o desmantelamento de quase todas as edificações do Convento, para assim, se proceder ao alargamento dos terrenos de cultivo. A pedra retirada dos seus locais de origem, foi depois utilizada na construção de todo o tipo de habitações. A pilhagem foi também indiscriminada, levando ao desaparecimento de um grande espólio, que por ser de menores dimensões, proporcionava o seu transporte, após o furto. Da Igreja foi levado o conteúdo dos relicários de santos, pequenas peças, paramentária e mesmo ourivesaria. Todas as dependências do Mosteiro foram desmanteladas, pedra a pedra, até restar aquilo que hoje é possível observar. O que hoje está à vista, são ruínas, que apenas nos proporcionam uma ténue visão do que teria sido a riqueza deste monumento."
Ao ler este trecho do roteiro do Mosteiro de São João de Tarouca, veio-me à memória a actual situação das finanças públicas portuguesas e as ideias assassinas do actual governo para as estradas, as águas, os rios e o Sol que em cada dia nos ilumina e aquece. Querem pôr tudo a patacos, primeiro nas mãos dos nossos corruptos e anémicos banqueiros e construtores civis, depois, ao colo agradecido e finalmente triunfante de Madrid. Que pensará Cavaco desta cobardia promovida pela indecorosa e decadente maçonaria lusitana? Quer ser o Pilatos de tal traição, ou agirá a tempo, em defesa de Portugal?


OAM 273, 07-11-2007, 19:40