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terça-feira, janeiro 28, 2020

Um novo rizoma chamado MNAC

Graça Fonseca, Ministra da Cultura
Foto original: Pedro Sarmento Costa/Lusa, modificada por OAM


Por uma média de 25 mil euros por obra (19 mil euros por obra portuguesa) o Estado que nacionalizou o BPN compra por 5 milhões de euros 196 obras de arte... ao mesmo Estado. Ou seja, uma soma que na contabilidade pública e orçamental é igual a zero, suponho. 

A Parups e a Parvalorem que administram a massa falida do ex-BPN conseguem assim livrar-se de mais um dossier difícil de gerir. Leiloar as 196 obras teria tido seguramente um resultado menos expressivo, por comparação com os valores de mercado actuais da maioria dos artistas em causa, e ainda porque, em geral, os leilões de arte contemporânea são muito voláteis e penalizam frequentemente os artistas vivos. Ou seja, com esta solução, o Estado 
  • vende a si mesmo um pequeno património cultural que vai servir de acervo inicial dum futuro museu de arte contemporânea em Coimbra (mais um pólo na metamorfose em curso do já policêntrico Museu Nacional de Arte Contemporânea seria a medida mais acertada), 
  • os gestores do buraco negro gerado pelo colapso do poço de corrupção chamado BPN melhoram os resultados da sua gestão e, por fim, 
  • o Ministério da Cultura protege o mercado local da arte contemporânea e os artistas portugueses em atividade.
Já agora, é tempo de resgatar também toda a coleção da Privado Holding/João Rendeiro/Fundação Elipse/ Branco Privado Português, e resolver o imbróglio jurídico em volta da coleção do Museu Berardo. Uma vez que o Estado não consegue recuperar o metal perdido (somos nós que o estamos a pagar com uma austeridade que durará provavelmente até ao fim deste século!), recuperemos, pelo menos e para já, as obras de arte arrestadas, diminuindo assim o esbulho praticado. Estes acervos, bem administrados e expostos no que seria então um grande Museu Nacional de Arte Contemporânea em rede de norte a sul do país, começaria desde logo a render entradas e outras receitas, além de melhorar substancialmente a educação artística e o negócio turístico-cultural que continua a expandir-se no nosso país. Se Graça Fonseca prosseguir este caminho deixará seguramente uma boa marca na governança cultural deste Portugal atulhado em escândalos.

PS: Ouvi dizer entretanto dizer que a Ministra da Cultura nomeou o Delfim Sardo (que recentemente transitou da Culturgest/Caixa Geral de Depósitos para o CCB) responsável de todos os assuntos das coleções de arte contemporânea do Estado! Mas quem é este senhor? Não existem no Estado instâncias responsáveis pelo património cultural do país? Temos um estado de direito, ou uma chafarica tribal?

Referências

sábado, junho 03, 2017

Arte 'contemporânea' e corrupção

Guttguff, Making waves out of nothing..., 2017


Uma elite mal frequentada


Recordo o que pensei e escrevi há umas semanas sobre a feira espanhola de arte em Lisboa, a sua má performance em dois anos consecutivos, a arrogância dos pequenos ditadores palacianos do gosto (que sobretudo protegem negócios sem transparência), o isolamento crescente da chamada arte contemporânea, e os subsídios (perdão, as compras) generosas da EDP, da Fundação de Serralves e da CML:

— por serem todas estas instituições, entidades públicas, i.e. que vivem com o dinheiro dos contribuintes nacionais e europeus, ou com o investimento de acionistas em mercado bolsista aberto, devem-nos, a todos nós, relatórios sobre como, porquê, quando e quanto gastam do dinheiro que lhes é confiado.

A feira de arte ARCO 2017 teve menos 3000 visitas do que a de 2016 (a qual já tinha sido uma decepção: 13 mil visitantes), apesar de a eleitoral CML ter 'investido' este ano, 100.000 euros em compras de obras de arte (e o resto). Quanto investiu o ano passado, e em quê?

E em 2018, como vai ser?

Quem decide os critérios de avaliação de eventos que fracassam, por exemplo, na Câmara Municipal de Lisboa, ou no Governo?

Quantas obras de ‘arte contemporânea’ compraram a Fundação de Serralves e a Câmara de Lisboa este ano? E no ano passado? E a quem?

Quantas obras comprou a CML e a Fundação de Serralves, e a quem, nas sucessivas edições da desgraçada Feira de Arte de Lisboa, que viria a soçobrar por falta óbvia de estrutura e ‘know-how’?

Os DDT da massa estão falidos, ou a caminho da prisão. Serão os que com eles coabitaram durante décadas alguma vez capazes de extrair ilações morais e estratégicas de tão ruinosa parceria? Continuará a corte palaciana da ‘arte contemporânea’, ao comando da marcha lenta, medíocre e invisível da arte portuguesa? Só respondendo a esta pergunta, se perceberá como a dita chegou aos nossos dias com tamanha má fama, afastando do seu convívio tanta gente normal.

Sem gente normal, os políticos ficam sem pé para pôr os pés em sítios mal frequentados. Foi, por acaso, António Costa, à ARCO 2017?

E ainda, que direito assiste ao Museu de Serralves e à Fundação EDP de não revelarem o dinheiro despendido na ARCO, e a quem compraram obras de arte? Não são ambas instituições públicas? Não auferem ambas benefícios fiscais por esta mesma condição? Não são ambas subsidiadas pelos contribuintes, e pelos consumidores (no caso da EDP, na forma de rendas excessivas e imorais garantidas por todos nós)? Quem lhes confere a prerrogativa de faltar ao dever de transparência, comum a qualquer serviço público ou empresa cotada em bolsa?

Este post estava à espera de publicação no meu computador, até que a escandalosa notícia de ontem (constituição de arguidos, suspeitos de corrupção ativa e passiva, de executivos de topo da EDP e da REN) me lembrou o atraso.

Precisamos de fazer uma reflexão séria sobre a ética da arte contemporânea. Confundir a arte com o cortejo fúnebre da corrupção seria a melhor maneira de deitar o bébé fora com a água suja da banheira.