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segunda-feira, novembro 24, 2014

Crimes e prejuízos


20 milhões são uma ninharia; 1% de 12 mil milhões seriam 120 milhões...


Convém recordar que o maior crime de todos foi levar o país à pré-bancarrota, nomeadamente com os negócios de grande corrupção em volta das PPP (autoestradas, barragens, etc.) e das privatizações.

Sempre se ouviu dizer que uma parte das comissões vão diretamente para os partidos a que pertence o angariador. Neste caso, já alguém investigou o badalado fundo de investimento que o PS terá na Holanda? Teve, ou não teve? Tem, ou não tem? Se tem de onde veio o dinheiro?

Os avisos foram feitos inúmeras vezes, pelo menos desde março de 2007 (Anjo caído), mas ninguém quis prestar a devida atenção. O resultado está à vista.  Os ratos, a começar pelos famosos advogados de Sócrates, fogem como piratas sobreviventes que são. Já tinham, aliás, fugido do Ricardo. Não deixa de ser revelador.

Transcrevemos a seguir parte do notável testemunho de um jornalista íntegro sobre este triste assunto.

É legítimo supor
José Gomes Ferreira
9:08 Segunda feira, 24 de novembro de 2014

A propósito da detenção de José Sócrates, recordo por estes dias vários momentos da vida política do país e do exercício do jornalismo em Portugal.
5 de Janeiro de 2009.

No final do primeiro mandato e já em ano de eleições legislativas, o primeiro Ministro aceita dar uma entrevista televisiva à SIC, conduzida por mim e por Ricardo Costa.

No decurso da conversa tensa, crispada, José Sócrates é confrontado com um gráfico do próprio orçamento de Estado de 2009, que mostra o verdadeiro impacto das sete novas subconcessões rodoviárias em regime de parceria público privada: a conta a cargo do contribuinte é astronómica, mas só comecará a ser paga... em 2014.

A reação do político é de surpresa desagradável, de falta de argumentos rápidos, pela primeira vez em muitos momentos de confronto jornalístico com a realidade das políticas que estavam a ser lançadas como "as melhores para o país", sem alternativa válida. Na mesma entrevista, Ricardo Costa questiona o então primeiro Ministro sobre o verdadeiro impacto da política para o setor energético, que estava a invadir a paisagem com milhares de "ventoinhas" eólicas. A reação evoluiu da surpresa negativa para a agressividade.

No balanço dessa entrevista, boa parte do país "bem pensante" insurgiu-se contra... os jornalistas. Os nomes que então nos chamaram estão ainda na internet, basta fazer uma pesquisa rápida.

Nesse ano de 2009, o Governo tinha lançado um pacote de estímulo à economia no valor de dois mil milhões de euros - obtidos a crédito no exterior porque nem Estado nem privados tinham já poupança interna suficiente. A maior parte do mega-investimento foi aplicada na renovação de escolas através da Parque Escolar. Uma crise decorrente de um brutal endividamento combatia-se com mais dívida.

No ano anterior, a Estradas de Portugal tinham visto os seus estatutos alterados por iniciativa do Governo. Passava a ser uma entidade com toda a liberdade para se endividar diretamente, sem limite. Ao então primeiro Ministro, ao Ministro da tutela, ao secretário de Estado das obras públicas, perguntei muitas vezes em público se sabiam o que estavam a fazer. E fui publicamente contestado por andar a "puxar o país para baixo".

Em 2007, o então Ministro da Economia cedia por 700 milhões de euros a extensão da exploração de dezenas de barragens por mais 15 a 25 anos à EDP. Os próprios relatórios dos bancos de investimento valorizavam na altura esta extensão em mais de dois mil milhões de euros.

A meados de 2009 começa a ouvir-se falar do interesse da PT em comprar a TVI. O negócio é justificado pela administração da empresa como uma necessidade de as operadoras de telecomunicações, distribuidoras de conteúdos avançarem para o controlo da produção desses mesmos conteúdos.

Por aquela altura, já os casos, dos projetos da Cova da Beira, da licenciatura duvidosa e das alegadas luvas no Freeport faziam as páginas dos jornais e aberturas nas televisões.

Por aquela altura, o jornalista e gestor Luís Marques, dizia-me que era uma vergonha nacional Portugal ter um primeiro Ministro com indícios de ser corrupto. E que a nível internacional isso também já era notado.

[...]

O tempo, esse grande clarificador, faz sempre o seu trabalho.

A suspeita materializa-se agora sob a forma de detenção e prolongado interrogatório. A imprensa, desde sempre acusada de conspiração, destapa agora indícios de inquietantes de conluios com recetadores e correios de verbas muito avultadas.

Só se surpreende quem não quis ver os sinais.

É legítimo supor que mais investigações levarão a mais resultados. É legítimo perguntar porque é que no ano 2010 aparecem 20 milhões de euros na conta de um amigo na UBS, na Suíça. E é legítimo lembrar que em Julho desse ano a PT vendeu a Vivo à Telefónica por 7.500 milhões de euros. E é legítimo imaginar que negócios desse tipo requeiram "facilitadores".
Face ao que aconteceu na história recente deste país, é legítimo a um jornalista e a qualquer cidadão interrogar-se sobre tudo isto e muito mais.

E é extraordinário ver que a maior parte do tempo de debate sobre esta mediática detenção é gasta em condenações à maneira de atuar das autoridades judiciais. como se fosse dever dos investigadores convidarem o suspeito para uma conversa amena num agradável bar de hotel, por ter ocupado o cargo que ocupou.

Não, o que está a acontecer em Portugal, com a queda do Grupo Espírito Santo e de Ricardo Salgado, as detenções de altos funcionários públicos no caso dos Vistos Gold e a detenção de José Sócrates, não é uma desgraça: é a Grande Clarificação do Regime, a derrocada do Crony Capitalism, o capitalismo lusitano dos favores e do compadrio.

É revoltante saber que o Parlamento aprovou sem hesitar todos os regimes especiais de regularização tributária, os RERT I, II e III, quando sabiam que a respetiva formulação jurídica iria apagar todos os crimes fiscais associados à repatriação do dinheiro de origem obscura que tinha sido posto lá fora. Os deputados foram previamente avisados desse gigantesco efeito de "esponja" pelos mesmos altos responsáveis tributários que me avisaram a mim...
Os mesmos RERT que passaram uma esponja sobre as verbas de Ricardo Salgado e as do recetador agora identificado no caso do ex-primeiro Ministro.

Sim, o Parlamento continua lamentavelmente a ser a mesma central de interesses.

Mas há esperança. Tal como o país está a mudar, o Parlamento também há de mudar.

A nós, cidadãos e jornalistas, assiste o direito de fazer perguntas, face a sinais estranhos que alguns políticos insistem em transmitir.

Face a esses sinais, é legítimo supor.

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