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domingo, outubro 25, 2015

Primavera angolana?

Luaty Beirão, ativista luso-angolano
Foto: autor desconhecido

Quem é Gene Sharp? Que anda Luaty Beirão a ler?


Francisco Louçã disse em tom cândido num programa televisivo que Luaty Beirão e os seus vinte e um companheiros e companheiras foram detidos por suspeita de estarem a preparar um atentado contra o presidente José Eduardo dos Santos e o derrube do regime angolano. O vídeo obtido por um 'infiltrado' (palavra de Louçã) entretanto mostrado a alguns diplomatas mostrava o referido grupo numa discussão sobre ações, manifestações e outro tipo de protestos públicos, de natureza pacífica, nomeadamente à semelhança das primaveras árabes (ainda nas palavras usadas pelo ex-líder do Bloco de Esquerda).

Por sua vez, Catarina Martins, a nova estrela do Bloco, disse às televisões num tom igualmente cândido que Luaty Beirão fora preso por estar a ler um livro. Que livro seria?

Provavelmente um destes:

  1. Da Ditadura à Democracia: Uma Estrutura Conceitual para a Libertação
  2. Poder, Luta e Defesa: Teoria e prática da ação não-violenta
  3. On Strategic Nonviolent Conflict: Thinking About The Fundamentals
  4. Self-Liberation, A Guide to Strategic Planning for Action to End a Dictatoship or Other Opressions
Ou todos estes, e ainda algum outro da vasta bibliografia de Gene Sharp, o maior teórico vivo da resistência pacífica e das revoluções coloridas, bem como das mais recentes e trágicas primaveras árabes.

Comprei e li alguns destes livros há já dois ou três anos. Percebi então como boa parte das rebeliões pacíficas pós-modernas, nomeadamente todo o folclore anti-globalização, segue meticulosamente os ensinamentos, vastos e igualmente detalhados, de Gene Sharp. 

Tal como os manuais do terrorismo sionista, por sua vez inspirados nas táticas de terror do IRA, instruíram boa parte dos movimentos guerrilheiros anti-colonialistas em África (MPLA incluído), talvez se possa afirmar agora que Gene Sharp desenvolveu a mais importante arquitetura teórica da guerra civil pacífica dos tempos pós-modernos. 

A diferença entre os dois paradigmas é evidente: enquanto as táticas modernas assentavam e assentam ainda no uso da violência extrema e no terror, as táticas promovidas por Gene Sharp assentam na retórica dos direitos humanos e da democracia, na ideia de resistência pacífica e no uso intensivo e programado dos meios de comunicação de massas, nomeadamente as redes sociais, para enfraquecer e derrubar regimes não-democráticos.

Esta nova teoria da ação política militante, mas não militar, tem-se revelado muito eficaz em vários teatros de guerra assimétrica, onde, além das ações diplomáticas e militares, convencionais e não convencionais, têm confluído também as táticas, dispositivos e ações públicas de protesto e/ou resistência desenhadas por Gene Sharp. 

Resta saber quando e como esta guerra pacífica é mais do que isso, e acaba ou não por fazer parte de uma guerra assimétrica maior, cujos promotores deveremos, pelo menos, reconhecer, sob pena de nos deixarmos envolver e manipular pela dimensão psicológica e cultural dos factos criados e das suas calculadas projeções virtuais.

The Albert Einstein Institution: non-violence according to the CIA 
Non violence as a political action technique can be used for anything. During the 1980s, NATO drew its attention on its possible use to organize the Resistance in Europe after the invasion of the Red Army. It’s been 15 years since CIA began using it to overthrow inflexible governments without provoking international outrage, and its ideological façade is philosopher Gene Sharp’s Albert Einstein Institution. Voltaire Network reveals its amazing activity, from Lithuania to Serbia, Venezuela and Ukraine. 
by Thierry Meyssan
VOLTAIRE NETWORK | 4 JANUARY 2005 

O governo angolano identificou certamente um padrão de comportamento e ação por parte do grupo de ativistas anti-regime, hoje simbolizado por Luaty Beirão, mas que tem outros protagonistas bem conhecidos, como o jornalista e opositor declarado do regime, Rafael Marques.

Em Portugal, enquanto o PCP apoia tacitamente José Eduardo dos Santos, o MPLA e o atual regime, já João Soares (o novo porta-voz dos socialistas) e a ex-MRPP Ana Gomes, bem como os trotskistas e maoístas do BE tendem a questionar um regime cujas origens estalinistas, ou 'social-fascistas', historicamente rejeitam. Ou seja, debaixo do manto diáfano dos direitos humanos e da democracia temos, como sempre, a nudez sórdida das várias agendas partidárias.

Angola é um país artificialmente desenhado na sequência da Conferência de Berlim (1884-85), convocada com o objetivo explícito de retalhar o continente africano, sob a enorme pressão do arrogante e ambicioso prussiano que fundou do II Reich, Otto von Bismarck, e do humilhante Ultimato Britânico (1890), que acabaria com o sonho português de criar uma colónia africana ligando Angola a Moçambique — o famoso Mapa Cor-de-Rosa

Ao contrário do que possa parecer, ouvindo os argumentos levianos de quem parece nada saber do passado, isto são factos históricos recentes. Se o Mapa Cor-de-Rosa tivesse tido ganho de causa, em vez de ter sido traído pelos britânicos, hoje não estaríamos a falar de Angola, nem da Zâmbia, nem do Zimbábue, nem do Malawi, nem de Moçambique, como estados soberanos pós-coloniais, mas de uma extraordinária potência africana.

Esta nota histórica é importante pelo seguinte: a ligação ferroviária entre os portos de Lobito, em Angola, e Nacala, em Moçambique, iniciada pelos portugueses em 1901, ainda que à época com um alcance mais limitado (Caminho de Ferro de Benguela), estará em breve pronta. O país que mais investiu no fecho desta ligação estratégica chama-se República Popular da China. Basta percorrer o mapa Tordesilhas 2.0, que tenho vindo a povoar de sinais, para percebermos a importância desta notícia.

O acesso ao petróleo, ao gás natural e às demais matérias primas é vital para a China, cujo crescimento projetado para os próximos três a cinco anos andará entre os seis e os sete por cento. O Mapa Cor-de-Rosa pode, pois, revelar-se uma peça essencial da sua estratégia de crescimento e abastecimento se porventura o Médio Oriente explodir.




Infelizmente, os Estados Unidos têm procurado defender a sua supremacia mundial através de erros estratégicos sucessivos, de agressões bélicas brutais e da criação de um sem número de guerras por procuração, tudo em nome, como sabemos, da defesa do mundo livre e, mais recentemente, da democracia, embora só onde mais lhe convenha a cada momento. O exemplo mais recente desta hipocrisia vem do Departamento de Defesa norte-americano, que acaba de aprovar uma despesa de 11,5 mil milhões de dólares para fornecer navios de guerra à Arábia Saudita—link).

As primaveras árabes, tal como uma possível primavera angolana, moçambicana, ou mesmo ibérica, servem claramente os interesses estratégicos dos Estados Unidos, na medida em que perturbam ou podem perturbar o euro, a União Europeia, e a expansão económica da China em direção ao Ocidente, mas também, na própria China, em direção à livre iniciativa privada, à concorrência económica leal, à democracia e à liberdade.

A pergunta que, no caso da greve de fome de Luaty Beirão, forçosamente teremos que nos colocar é esta: a quem serve objetivamente?

Mas há também uma pergunta a dirigir a José Eduardo dos Santos:

— que pensa fazer, agora que as receitas do petróleo encolheram consideravelmente e por tempo indeterminado, para merecer o país que governa? Permitir que a pobreza de muitos e a escandalosa riqueza de alguns continuem lado a lado, reprimindo cada vez mais quem nada tem, para proteger a insultuosa riqueza pilhada de tão poucos não será certamente a melhor forma de se salvar e de salvar o futuro de Angola.