quinta-feira, janeiro 13, 2011

Good bye Wall Street



Afinal Portugal não é o Lehman Brothers

Cavaco admite "grave" crise política e Alegre fica "perplexo"

Professor de Economia, homem de números, Cavaco Silva fez as contas: já tinha falado 12 vezes numa "crise política, económica e social". Certo. Mas o que não tinha dito de forma tão directa e clara era admitir o cenário de "crise grave". Ainda que pela dupla negativa. A frase, dita ontem no almoço-comício na Guarda, é muito clara e serve de aviso ao Governo para os cenários pós-eleitorais, caso se mantenha em Belém. Cavaco prepara o terreno para o que der e vier.

Depois de, na véspera, em Castelo Branco, ter desafiado o Governo a explicar melhor as medidas de austeridade e de "sacrifícios" impostos aos portugueses, o candidato foi mais duro. "Não podemos excluir a possibilidade de ocorrer uma crise grave em Portugal, não apenas no plano económico e no plano social, mas também no plano político", considerou — Público, 13/01/2011.

Cavaco é um provinciano imprestável e potencialmente perigoso na actual conjuntura! O que ele sabe de economia já a mim me esqueceu (que nem sou economista). Se não serviu até agora para nada, a não ser para criar o tal monstro administrativo do Estado, também não servirá, no futuro, para coisa alguma, ou a quem quer que seja (pois até nos seus investimentos domésticos é uma desastre). Esta criatura sem olhar está rodeada (aliás prisioneira) dum bando de piratas ainda pior do que a Tríade de Macau. Esta, ao menos, parece ter entendido duas coisas óbvias: que a crise portuguesa é um dos muitos reflexos da crise energética e de endividamento mundial (1); e que em vez de ler religiosamente o Wall Steet Journal e o Economist, ou tremer sob a batuta das três agências de notação nova iorquinas, é melhor prestar mais atenção ao que se publica no Spiegel online, no Daily China, e no China View (da Xianhua News Agency), ao mesmo tempo que se comparam as notações das manas Fitch Ratings, Moody's e Standard & Poor's com as da chinesa Dagon.

A guerra não declarada que americanos e ingleses lançaram contra o euro, em defesa dos seus falidos impérios e moedas de vento, sofreu ontem uma derrota histórica, com a colocação surpreendente de dívida soberana portuguesa nos mercados internacionais (80% dos títulos foram comprados por outros europeus, chineses... ), que o leilão de dívida pública espanhola de 13 de Janeiro consolidou. Portugal era o bater de asa que poderia deitar o euro a perder. Mas a asa não bateu —e isto, por mais que odeie escrever o resto desta frase, foi mérito do Pinóquio.
O Albert Maersk, o mais recente porta-contentores da classe "post panamax", da companhia dinamarquesa Maersk, que a partir de 2014 passará pelas novas enclusas do Canal do Panamá. A redução de custos de transporte será da ordem dos 30%.
 (C) In an elaborate ceremony attended by President Martinelli and most of the Cabinet, the Panama Canal Authority (ACP) announced that the consortium led by Spanish firm Sacyr had won the $3.2 billion contract to build the third set of locks, centerpiece of the once-in-a-century Canal Expansion project. This award marks an increased tide of Spanish influence in Panama. President Torrijos had established very close ties with the Spanish Royals, attending a ceremony in Madrid in his honor during devastating floods last November, during which Spain announced a gift of two helos to Panama. The Spanish government also established a regional crisis response center in Panama. In early June, President Martinelli visited the King of Spain, and the Spanish delegation at President Martinelli's inauguration, led by Prince Felipe, was very well received (ref A). We strongly suspect that the financially troubled Sacyr was able to offer a surprisingly low price due to backing from the Spanish government. — in Wikileaks.
 Sócrates fez jogging nos quatro continentes, numa maratona teimosa em busca de compradores e futuros investidores no nosso país. Explicou certamente ao mundo que Portugal e Espanha iriam estar em breve, de novo, no centro geográfico das trocas mundiais, e que isso mesmo fora já bem compreendido por Lula, Putin e Hu Jintao. Se não, porque é que a China pensa financiar um novo canal marítimo entre o Pacífico e o Atlântico, pelo meio da Nicarágua? Se não, porque carga de água Washington ficou furioso e conspirou contra o consórcio espanhol-italiano, liderado pela Sacyr (2), que ganhou o concurso internacional e está neste momento a construir as novas enclusas do Canal do Panamá? Se não, porque foi Vladimir Putin a Berlim dizer à querida chanceler alemã que a Europa ia de Lisboa a Vladivostoque? Se não, porque quer a China ligar a sua rede ferroviária à Europa (3) Se não, porque vai a China financiar a conclusão do caminho de ferro entre o porto atlântico angolano de Benguela e os portos índicos, tanzaniano, de Dar-es-Salem, e moçambicano, de Nacala? (4) Dívida soberana da União Europeia? Peanuts!

Eu fiz umas continhas de somar e cheguei à seguinte conclusão: a dívida externa do Reino Unido, mais de 9 biliões de dólares, é superior à dívida externa somada dos PIIGS (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha), pouco mais de oito biliões de USD. Sobre que realidade escrevem então os escritores fantasma do Economist?! A dívida externa dos EUA, por sua vez, supera os 13 biliões de USD. Em que pesadelo estava ontem o senhor Paul Krugman quando espirrou no seu blogue este comentário lacónico e estúpido:
I’m with Calculated Risk here: it says something about the sheer desperation of the European situation that Portugal’s ability to sell 10-year bonds at an interest rate of “only” 6.7 percent is considered a success. If you think about the debt dynamics here — the burden of growing interest payments on an economy that is likely to face years of grinding debt deflation — an interest rate that high is little short of ruinous. But it is, indeed, not as bad as people were expecting last week; hence, success.

A few more successes and the European periphery will be destroyed. — Paul Krugman. "Pyrrhic Bond Auctions", January 12, 2011.

O crescimento na Alemanha disparou. Em breve poderão fabricar BMWs a hidrogéneo em Portugal (I'm kidding ;) A economia mundial vai crescer a uma média superior a 3%, ou seja, o preço do petróleo vai disparar até aos 100USD/barril. Portugal tem imensos problemas pela frente. Cito cinco :
  • endividamento excessivo
  • presença castradora do Estado e dos governos na economia e na vida dos cidadãos
  • excesso de impostos (5)
  • corrupção, sobretudo induzida pelo actual sistema partidário
  • afunilamento do sistema partidário
Mas tudo isto, que é pesado e muito preocupante, não nos deve toldar a visão. Há uma guerra contra o euro, que não é movida pelo Irão. De que lado está o traste Cavaco nesta guerra? De que lado está o senhor Passos de Coelho nesta guerra? Virei socialista, outra vez? Não. Continuo a pensar pela minha cabeça.


    NOTAS
    1. O que não desculpa os pecados graves do capitalismo burocrático e da nomenclatura que se apoderaram do país em nome de um regime democrático desfigurado.
    2. De que a antiga empresa portuguesa especialista em barragens, Somague, faz parte.
    3. "China To Connect Its High Speed Rail All The Way To Europe" — Inhabitat.
    4. For over a century, various Western colonial powers have tried to link the two African coasts. De Angola a contra costa (from Angola to the other coast) dreamed the Portuguese. Upon independence, civil war and chronic instability prevented any progress and that dream was all but forgotten. Now a new power from the East believes that this is the right moment to invest in that old dream. This is not without precedent. In the 1970s China built, at the request of Tanzania and Zambia, the Tanzan Railway, a massive 1,800 kilometer line linking landlocked copper-rich Zambia to the coast of China's long time ally Tanzania. Beijing built the railway at great cost to the PRC and after every Western country rejected the two African states. The Tanzan Railway would allow the PRC to move important commodities to the coast in a much faster and cheaper way substantially cutting down costs. The rail link would also benefit African nations and contribute to foster regional trade.
      Three decades later, China may reap some rewards for it continued relations Tanzania. Along with this gesture, China would only have to upgrade the existing line and connect it to the Bengela railway, which it already rehabilitated for the Angolan government. For the first time the continent may be linked from coast to coast, which may pave the way for potential economic benefits. — "China Building Africa's Economic Infrastructure: SEZs and Railroads". By Loro Horta. The Jamestown Foundation
    5. O argumento de que em Portugal há uma economia informal que não paga impostos, para justificar o terrorismo fiscal em curso, é um mau argumento. O dinheiro negro do mundo representa 2 a 5% do PIB mundial; a riqueza alojada em paraísos fiscais, regulamentados e piratas, representa qualquer coisa como 26% da riqueza existente no mundo, ou seja, uns 15,3 biliões de USD. Por sua vez, as economias informais no mundo não chegam aos 14% do PIB mundial. No Sul da Europa (Grécia, Itália, Espanha e Portugal), a economia que escapa aos impostos andará entre 20% e os 25%. Não é aqui, por conseguinte, que a porca do sobre endividamento das nações torce o rabo! Mas num monstro muito mais assustador, chamado mercado dos derivados financeiros —cujo potencial de desastre poderá andar à volta dos 600 milhões de milhões de dólares, isto 10 vezes mais do que a riqueza total criada anualmente no mundo inteiro! Vamos pois evitar dar atenção ao disco partido da demagogia populista dos partidos.

    sábado, janeiro 08, 2011

    Carris de Lisboa odeia turistas

    Eléctrico 28. Foto @ Marcelo Almeida (LINK)
    Um país de salteadores

    Os bilhetes de Eléctrico comprados ao condutor subiram de 1,20€ para 2,50€. Ou seja, uma ida-e-volta entre o Cais do Sodré e a Graça fica mais cara (5€) do que uma ida-e-volta entre a Graça e a Praia de Carcavelos num BMW. Que tal exportar o Pinóquio Sócrates e os administradores da Carris para a Sibéria?

    Deve ser assim que o autarca António Costa quer menos carros na cidade!

    Alguém me disse, entretanto, para ter calma, porque "este preço é apenas praticado na tarifa de bordo. Os turistas provocam atrasos gigantes por comprarem os bilhetes a bordo. Nos pré-comprados os preços não diferem dos restantes meios da Carris".

    O dinheiro dos turistas é, porém, melhor do que o nosso (na sua maioria importado e emprestado), porque é uma exportação de serviços sem sair de casa. Como tal, devemos atrai-lo com carinho e sabedoria, não com taxas de inflação anuais superiores a 100%. Seja como for, os outros bilhetes terão subido 15%, muito acima da inflação... Mas não foram reduzidas, que saibamos, algumas despesas muito desnecessárias, com comissários políticos e outra criadagem de luxo :(

    E já agora, terá o Alegre ou algum dos demais colegas de hemiciclo comprado algum dos novos, verdes e extraordinários bilhetes pré-comprados da Carris, da CP ou do Metro? Um por cada meio de transporte, claro! Experimentem alçar o traseiro dos Mercedes que vos oferecemos, e provem, nem que seja por um dia, a realidade inconcebível da vossa administração!

    Por fim: será constitucional criar um regime de excepção para o bilhete comprado a bordo com dinheiro, impondo-lhe um regime criminoso de hiperinflação? Quem disse que um estado, mesmo falhado, pode penalizar desta forma o dinheiro vivo? Quem disse que um estado, mesmo falhado, pode exigir dum viajante ocasional, por exemplo vindo do Porto, ou de Barcelona, que pague por adiantado viagens que não irá fazer? Ou mesmo que as venha a fazer, quem disse que um estado, mesmo falhado, como o nosso manifestamente é, pode forçar os cidadãos a fazerem compras antecipadas de títulos de transporte, sob pena de, se se atreverem a comprar um bilhete a bordo, lhes espetarem com uma tarifa assassina?

    Não sei, em suma, com que sonham os advogados desempregados. Há tanto que fazer, para endireitar este falhado país!

    sexta-feira, janeiro 07, 2011

    China-Ibéria

    Península Ibérica mais próxima da China
    O resto da Europa, especialmente, França e Reino Unido, não deixaram boas memórias na China. Os americanos provocam continuamente. A imprensa inglesa e americana é hostil.

    Xangai, Torre Xangai, da empresa Gensler (São Francisco)
    “Si China va mal, el mundo sufrirá las consecuencias” — CHENG SIWEI, Presidente do Foro Financeiro Internacional.

    A recente visita a Portugal do presidente Hu Jintao, e a visita a Espanha, já este ano, do vice-presidente e indigitado sucessor de Hu Jintao, Li Keqiang, na sequência das quais a China tornou claro que não deixará cair o euro, nem a Europa, por mais insistente que seja a ofensiva americana, inglesa e israelita contra a União Europeia, são eventos da maior importância, mas a que a desmiolada imprensa de cócoras que temos não tem dado a atenção devida, entretendo-se antes com o folclore montado pelo Clube de Bilderberg e pelo pessoal do Nobel.

    A China não só decidiu comprar títulos das dívidas soberanas da Grécia, Portugal e Espanha, como, sobretudo em Espanha, anunciou, pela voz do provável sucessor de Hu Jintao, toda uma estratégia de cooperação económica, tecnológica e cultural com a Península Ibérica. Compreende-se. A Espanha é a quarta economia da Europa (e o nosso maior credor, investidor externo e parceiro comercial) e tem uma vasta experiência no Sudeste Asiático e na América Latina, à qual acresce naturalmente a experiência que Portugal tem não só nestas mesmas paragens, como ainda em África. Ambos os países, Portugal e Espanha, são países atlânticos e mantêm em geral boas relações com as suas antigas colónias. Entre estas ex-colónias há países há muito independentes, como o Brasil, o Chile e a Argentina, e há outros que o são há menos de quarenta anos, como Angola, Moçambique, Cabo Verde, São Tomé e Príncipe, Guiné-Bissau e Timor. Quase todos, porém, possuem importantíssimas reservas naturais, essenciais ao respectivo desenvolvimento, mas também necessárias ao crescimento rápido e em larga escala de países como a China.

    Vale pois a pena dar a devida importância ao artigo publicado pelo actual vice-presidente da China no El País, de que só consegui encontrar a versão inglesa publicada pelo jornal chinês English.news.cn. Nele se aponta o caminho que a China irá percorrer durante o seu previsível consulado à frente dos destinos da mais populosa nação do planeta e segunda economia mundial — a qual, segundo o Economist, até 2019, ultrapassará os Estados Unidos.

    Para termos uma noção dos problemas e das oportunidades que esta cooperação ibero-chinesa comporta, bastará referir este dado: a China irá transferir para o meio urbano, até 2020, qualquer coisa como 200 milhões de almas. Serão cerca de 400 novas cidades com 500 mil habitantes cada!

    China and Spain: A brighter future through win-win cooperation
    English.news.cn   2011-01-03 19:06:23
    by Li Keqiang

    BEIJING, Jan. 3 (Xinhuanet) -- "China and Spain: A brighter future through win-win cooperation", published by the Spain's newspaper "ElPaís", was written by Chinese Vice Premier Li Keqiang.

    “Every year, over 10 million farmers are moving into cities, and the trend may well last for years. It will generate tremendous investment and consumption demand, and will turn China into one of the biggest emerging markets in the world.”

    “...China is a solid champion of green economy. Many of the concepts and technologies that originated in developed countries, like circular economy, clean energy, low-carbon technology and sustainable development, have been more and more accepted by the Chinese business community and the general public, and have been applied in many aspects of their work and life.”

    “China's development will bring enormous opportunities of cooperation to Spain and other countries in Europe and beyond.”

    “There is much for China to learn from Spain's development experience and practices. At the same time, China, with its huge population and big market, will bring Spain tremendous business opportunities. Looking ahead, China-Spain cooperation is bound to grow in both width and depth. To divide something by 1.3 billon may be discouraging. But it is definitely encouraging and even exciting to multiply something by 1.3 billion. If each of the 1.3 billion people in China would buy a bottle of olive oil or taste a few glasses of wine, the demand will outrun Spain's annual supply. And if only a few in every hundred Chinese would travel to Spain every year, no hotel room in Spain will be left vacant. And for Spain’s transport, telecommunications, banking and insurance sectors, some of their biggest future customers would be Chinese. China supports Spain in the series of economic and financial adjustment measures Spain has adopted, and is convinced of the certainty of full recovery of the Spanish economy. China is willing to explore, together with Spain, the positive and effective forms of cooperation. China is a responsible long-term investor, both in the European financial market and in the Spanish financial market. China has confidence in Spain's financial market. It has purchased Spanish Treasury bonds and will buy still more.”

    Só não entende quem não quiser.

    POST SCRIPTUM — a TAP iniciou em Outubro passado ligações aéreas entre Lisboa e Pequim-Xangai, em regime de codeshare com a Air China. Tarde, mas acordou!

    quinta-feira, janeiro 06, 2011

    O pico da tragédia

    Não é preciso lançar o pânico. Mas é preciso uma solução

    A China extrai 95% da produção mundial de metais raros, e já começou a açambarcar e a restringir as exportações — Telegraph.

    Bens alimentares batem preços recordes em todo o mundo
    Os preços dos bens alimentares atingiram em Dezembro um máximo histórico por todo o mundo, alertou ontem a FAO, a organização das Nações Unidas para a agricultura e alimentação. O índice que reúne 55 matérias-primas alimentares negociadas nos mercados internacionais subiu em Dezembro para 214,7 pontos, o valor mais elevado desde a criação desta série estatística em 1990. O anterior recorde (213,6 pontos) remonta a Junho de 2008, em plena crise de alta de preços dos bens alimentares, o que gerou uma vaga de protestos nos países mais pobres de África e Ásia. O açúcar e o milho foram os que mais encareceram. A FAO alertou ainda que "continua a existir potencial para os preços dos cereais subirem". — DN, 6 jan 2011.

    Rare Earths: China´s not-so-secret secret weapon
    "… Without an immediate fix of China rare earths,  Japan´s automotive, electronic, military, scientific, medical and even green industries  were suddenly facing  imminent collapse." — Alan Parker, Toronto SUN, Thursday, January 6 2011.

    World faces hi-tech crunch as China eyes ban on rare metal exports
    Beijing is drawing up plans to prohibit or restrict exports of rare earth metals that are produced only in China and play a vital role in cutting edge technology, from hybrid cars and catalytic converters, to superconductors, and precision-guided weapons. — Ambroise Evans-Pritchard, Telegraph, 24 Aug 2009.

    Pico Alimentar: tenho insistido, de acordo com um número crescente de analistas e de observadores sérios, no estado objectivo de emergência para que caminhamos todos. A convergência entre o Pico Petrolífero, o Pico Demográfico e o Pico Alimentar, de que o Buraco Negro dos Derivados Financeiros e a crise sistémica financeira mundial são epifenómenos, imporá inevitavelmente uma dramática desorganização social nas várias escalas da organização humana: global, regional, nacional, e local.

    Consequências a curto prazo: à medida que os países produtores de matérias primas (nomeadamente energia, minerais convencionais e raros, e cereais) se forem apercebendo dos sinos da escassez, interromperão ou condicionarão drasticamente as exportações.

    A China já o anunciou relativamente às terras ou metais raros, o México deixará de exportar petróleo dentro de um ou dois anos, seguir-se-à a Venezuela e o Brasil, e quando isto acontecer o Médio Oriente e o Mar Cáspio formarão o vórtice explosivo das actuais e já muito graves tensões estratégicas mundiais. Ou a guerra permanente, ou uma divisão do mundo em grandes regiões de influência —com o consequente fim da globalização e o regresso a novas formas, porventura mais articuladas, de proteccionismo—, são inevitáveis.

    Novo Tratado de Tordesilhas: a ideia de um Novo Tratado de Tordesilhas, que há muito defendo, pode tornar-se em breve inevitável. Só falta imaginar a geografia desta divisão — uma tarefa nada fácil, e que exigirá muita imaginação, que é coisa que escasseia nos toutiços da esmagadora maioria dos actuais dirigente políticos mundiais. Desde logo, uma Europa de Lisboa a Vladivostok é o que mais convém à Eurásia. Só uma Alemanha de novo irracional e suicida poderia deixar-se provocar pelo eixo anglo-americano que, uma vez mais tenta encurralar Berlim, atacando em várias frentes. A guerra contra o euro é presentemente a mais encarniçada e perigosa de quantas os serviços secretos norte-americanos, ingleses e israelitas têm entre mãos!

    Morte deste regime e refrescamento partidário: entre nós, portugueses, é fundamental que os responsáveis políticos e cidadãos atentos olhem para a realidade com olhos de ver. A proliferação de candidatos presidenciais anti-sistema (1) é um sinal claro de que o regime está podre e precisa urgentemente dum refrescamento partidário e institucional (regras simples mas eficazes anti-corrupção, fim das mordomias inaceitáveis de que gozam a generalidade dos agentes político-partidárias e a burocracia de topo, restrição da acção do Estado ao que é essencial e socialmente justificável, libertação da sociedade civil, baixa imediata da carga fiscal sobre o trabalho e as empresas, etc.)

    Um novo partido: é necessário, pelo menos, mais um partido político, formado por dissidentes da nomenclatura actual, mas para onde confluam rapidamente caras novas, e sobretudo a imensa juventude qualificada deste país, estrangulada pela situação objectiva e pelo populismo demo-burocrático dominante. Esta juventude licenciada, com os seus mestrados e doutoramentos, que hoje tem que mentir diariamente sobre a suas qualificações (não como Sócrates, que as empolou fraudulentamente, mas auto-diminuindo os seus CVs, por imposição do desqualificado tecido empresarial existente), quando perceber que o mercado da emigração está esgotado, fará a diferença. Mas precisamos de criar muito rapidamente o contexto partidário e de cidadania activa capaz de acolher esta energia explosiva em formação.

    Esquerda-Direita: esta dicotomia, há muito esgotada, é o principal véu que cobre a mentira da nossa sociedade. Por baixo existe um sórdido regime de corrupção e burocracia que é preciso desfazer e substituir por uma verdadeira democracia. A democracia que temos é cada vez mais uma democracia formal, institucional, burocrática, endogâmica, nepotista, cabotina, populista, autoritária e profundamente irresponsável, ignara e incompetente. Curar uma tal monstruosidade não vai ser tarefa fácil. Mas se o não fizermos, o corpo que esta minocracia parasita morrerá da sangria imparável que lhe vem sendo infligida há décadas.

    História: Durante todo o século 18 Portugal "importou" 850 toneladas de ouro do Brasil. Quando as estourou, nomeadamente na sequência da resistência às invasões Napoleónicas, e da independência do Brasil, expropriaram-se as Ordens Religiosas, o país foi à falência, assassinou-se o rei, e a I República concluiu o festim mergulhando de novo Portugal na bancarrota. Salazar e a sua ditadura refizeram as finanças públicas, voltando a encher os cofres de ouro (em 1974 existiam 865,936 toneladas de ouro), desta vez vendendo volfrâmio a ambos os contendores da segunda grande carnificina mundial, e explorando os quase escravos moçambicanos que eram enviados para as minas de ouro da África do Sul. Após o colapso político da ditadura e a perda do que existia ainda do império colonial (1974-1999), Portugal entrou outra vez no caminho da bancarrota, desta vez ao som de uma democracia de telenovela.

    Desde 1974, os respeitáveis governadores do Banco de Portugal foram vendendo paulatinamente o ouro que tínhamos, em nome da democracia, claro! Venderam-se 483,396 toneladas, restando agora nos depósitos da Reserva Federal americana (local para onde Salazar enviou, à cautela, o metal precioso) qualquer coisa como 382,540 toneladas (resta saber se algum deste ouro se encontra ou não comprometido em SWAPS)

    Menos mal que a venda do que resta do nosso ouro já não depende apenas da leviandade do regime, mas precisa de aprovação superior do BCE!

    NOTAS
    1. Ao contrário do que dizem os "analistas" políticos ao serviço das agendas mediáticas da nomenclatura, todos os candidatos anti-sistema são bons, e é fundamental votar em qualquer deles: Defensor de Moura, Fernando Nobre e José Manuel Coelho. Os outros são farinha estragada do mesmo saco. E a abstenção não chega!

    terça-feira, janeiro 04, 2011

    TGV: Lisboa-Madrid em 3h45mn

    Bitola ibérica até ao Caia, bitola europeia até Madrid


    Solução provável engendrada pela REFER para o "TGV" Lisboa-Madrid
    España y Portugal inician los trámites de la estación internacional del AVE

    Casi por sorpresa. España y Portugal anunciaron ayer que inician los trámites para la construcción de la estación internacional del AVE en la frontera. El primer paso es la apertura del concurso público para la redacción del proyecto de construcción. HOY.es (29-12-2010).

    A Blogosfera está finalmente em condições de confirmar o que sempre previu: a ligação ferroviária entre Lisboa e Madrid como primeiro passo da integração de Portugal na nova rede europeia de transporte ferroviário de Alta Velocidade/Velocidade Elevada.

    Mas em nome dela, aproveitamos para fazer uma aposta: a linha portuguesa de "TGV" não será de Alta Velocidade propriamente dita, nem terá bitola europeia, enquanto a linha espanhola será em bitola europeia e permitirá a circulação de composições a velocidade superiores a 200Km/h. Ou seja: o futuro "TGV", português, andará a passo de caracol entre a Gare do Oriente e Évora, mais ligeiro até Caia (1), e aqui, como a Cinderela, calçará novos sapatinhos, transformando-se no AVE e correndo então a Alta Velocidade (200 Km/h) de Badajoz até Madrid. Vamos finalmente ter um "TGV" em Portugal, e um AVE em Espanha — lá para 2014-2015!

    Por várias vezes sugerimos que a monstruosa TTT Chelas-Barreiro deveria ser evitada a todo o custo, e que o "TGV" poderia atravessar a Ponte 25 de Abril, e terminar a sua viagem na nova estação central a construir onde hoje continua o buraco da antiga Feira Popular —deixando o apeadeiro da Gare do Oriente em paz e sem mais gastos inutilmente astronómicos. Bastaria para tal que o comboio, viajando sobre linhas de bitola europeia, entre Madrid e o Pinhal Novo, procedesse nesta estação à adaptação dos seus eixos telescópicos à bitola ibérica. A REFER, pelos vistos, pregou-nos uma partida: o "intercambiador" de rodados ficará afinal na estação do AVE a construir em breve na planície do rio Caia, e não na estação do Pinhal Novo, como aqui se sugeriu mais de uma vez.

    Como se mostra no gráfico da REFER, onde sublinhámos a lilás as ligações estratégicas dos portos de Setúbal e Sines a este projecto, o principal objectivo de Madrid —evitar o seu isolamento dos portos marítimos atlânticos—é atingido. E garantido este objectivo, o governo espanhol aceita a solução atamancada proposta em segredo por Lisboa. A justificação portuguesa é conhecida: não temos dinheiro, e os movimentos de passageiros previstos não pagam o projecto.

    Na realidade, o que persiste é a miragem do novo aeroporto da Ota em Alcochete. Esta continua a ser obsessão do Bloco Central do Betão. Esta continua a ser a obsessão do Bloco Central da Corrupção. Esta continua a ser a obsessão da nossa falida burguesia palaciana e dos seus incompetentes representantes: José Sócrates e Aníbal Cavaco Silva. Nem o primeiro ministro, nem o presidente da república que temos entenderam ainda duas realidades simples: por um lado, estamos e estaremos falidos por mais de vinte ou trinta anos, e por outro, o mundo caminha rapidamente para um colapso energético global, de cujos escombros não sobrarão nem grandes aeroportos, nem autoestradas (quanto mais portagens!)

    E porque o colapso energético já começou, e começou precisamente pelo lado do petróleo, induzindo uma verdadeira crise sistémica da sociedade industrial, da globalização e do sistema financeiro virtual que foi sendo criado ao longo dos últimos 40 anos, o melhor que podemos fazer e desejar é investir os parcos recursos disponíveis numa rede de transportes ferroviários, mista, multimodal, e onde a velocidade, na realidade, deixa de ser um factor crítico para o seu sucesso. Se as máquinas se moverem a velocidades entre 100 e 160 Km/h, e a rede de pontos de paragem for suficientemente densa, talvez consigamos aliviar a principal causa da nossa ruína: a dependência dos combustíveis líquidos importados. Persistir, porém, em sonhos alimentados a petróleo e gás natural é como caminhar mais depressa para o suicídio colectivo.

    NOTAS
    1. A melhoria das plataformas existentes, entre a gare do Oriente e o Poceirão, e entre o Poceirão e Évora incidirão sobretudo no sistema de sinalização, nos controlos automáticos de velocidade e travagem, e numa maior vigilância dos parafusos e travessas da linha, não tendo praticamente incidência na velocidade das deslocações (100 a 120 Km/h). Onde haverá ganhos de velocidade será na nova linha de bitola ibérica que será construída entre Évora e Caia (~160 Km/h). Como insistem as nossas fontes: "Na rede actual, o perfil da linha entre Lisboa e Évora permite que se viaje em conforto (embora em bitola ibérica). O problema era mesmo entre Évora e o Caia pois as soluções (antigas linhas de Évora) não permitiam nem tempos nem conforto."

      O famoso TGV Português seguirá pois, previsivelmente, este trajecto: Lisboa (Gare do Oriente/Roma-Campo Grande) / Ponte 25A / Pinhal Novo / Poceirão / Vendas Novas / Casa Branca / Évora / Caia / Badajoz-Espanha > Europa.

      Dada a crise económica, financeira e em breve diplomática mundial, aposto que o Plano Ferroviário espanhol será forçado a rever as suas metas. Das três prioridades estabelecidas: ligar as principais cidades do país com linhas de Alta Velocidade/Velocidade Elevada em bitola europeia; ligar Espanha ao resto da Europa através de três corredores de AV/VE (bitola europeia) —os chamados corredores norte, central e sul—; e migrar a restante rede nacional de transporte de pessoas e mercadorias para a bitola europeia, uma ficará de fora durante uma ou mais décadas: precisamente esta última. As principais cidades espanholas (excepto as do Norte) já estão ligadas pela rede do AVE: Madrid, Barcelona, Sevilha, Málaga, Valência, Córdova, Saragoça, Valladolid, etc.; os corredores de entrada em França serão cumpridos, a contento de Madrid, Paris, Bruxelas e... Lisboa. Já a mudança rápida das redes de internas de transporte de mercadorias, terá que esperar.

    segunda-feira, janeiro 03, 2011

    O assalto às reformas

    É preciso travar os piratas de Estado!

    E se quando aqui chegarmos os políticos nos roubarem as poupanças?
    European nations begin seizing private pensions
    The Adam Smith Institute Blog
    The Christian Science Monitor

    By Jan Iwanik, Guest blogger / January 2, 2011

    People’s retirement savings are a convenient source of revenue for governments that don’t want to reduce spending or make privatizations. As most pension schemes in Europe are organised by the state, European ministers of finance have a facilitated access to the savings accumulated there, and it is only logical that they try to get a hold of this money for their own ends. In recent weeks I have noted five such attempts: Three situations concern private personal savings; two others refer to national funds.

    Governos da Hungria, Bulgária, Polónia, Irlanda e França (!!) iniciaram um assalto sem precendentes às pensões de reformas dos seus países, entre outras coisas, para pagar dívidas de curto prazo dos respectivos dos governos e das suas imensas burocracias, salvar bancos falidos, nomeadamente públicos, e financiar os buracos dos próprios fundos de pensões e reformas, muitas destes em graves dificuldades, por terem andado a especular com juros, câmbios e derivativos financeiros, sem qualquer supervisão. É o descalabro anunciado.

    Em Portugal os ensaios também já começaram: no tempo de Manuela Ferreira Leite, o fundo de pensões dos CTT emigrou para fossa comum do Estado, na era Sócrates, até ver, o fundo de pensões da empresa privada foi empandeirado para a fossa comum do Estado, e na Caixa Geral de Depósitos, o respectivo fundo de pensões comprou a própria sede da Caixa!

    Que vão fazer os nossos burocratas parlamentares a este propósito? Tratar da vidinha deles, como sempre, enquanto as novas leis não chegam, ou tencionam discutir publicamente a destruição em curso do contrato social? Que diz o douto Louçã sobre isto? Que vai fazer ao seu PPR?

    Que tal sugerir à funcionária do Prós e Contras um debate público urgente sobre esta matéria?

    domingo, janeiro 02, 2011

    Grandes Obras

    Portugal 2010-2020 
    as três grandes prioridades de investimento chamam-se: ferrovia, eficiência energética e segurança alimentar

    in Plan Estratégico Para El Impulso del Transporte Ferroviario De Mercancías En España, 14/09/2010 (PDF)

    PS e PSD chegaram finalmente a acordo sobre as personalidades que irão coordenar o grupo de trabalho encarregado de reavaliar as Parcerias Público-Privadas (PPP): Guilherme de Oliveira Martins, mestre em ciências jurídico-económicas, independente próximo do Partido Socialista, e António Pinto Barbosa, professor de economia e fundador do PPD/PSD (1). Ambas as personalidades merecem grande respeito nas respectivas áreas profissionais, esperando-se que façam um trabalho tecnicamente competente e imune às pressões que sobre ambos pesarão enormemente, em particular, vindas do desmiolado e a caminho da falência Bloco Central do Betão — cuja miragem de salvação é o Novo Aeroporto de Lisboa, que não foi na Ota, como queriam, nem será em Alcochete, como querem e insistem todos os dias por todos os meios ao seu alcance. Nota importante: António Pinto Barbosa não é o irmão gémeo Manuel Pinto Barbosa, Presidente do Conselho Geral e de Supervisão da TAP!

    Escrevi e repito que os nossos economistas têm grandes lacunas de informação em três domínios decisivos para o futuro do nosso país: energia, transportes e segurança estratégica —nomeadamente, territorial, marítima, hídrica e alimentar. Sem a frequência de seminários intensivos sobre estes temas correm o risco de falhar, como falharam estrondosamente até agora, nas previsões, nos modelos de desenvolvimento propostos, e nas consultadorias que prestaram.

    Os casos Lusoponte, e aeromoscas de Beja —onde pontificaram as opiniões e propostas, respectivamente, de Joaquim Ferreira do Amaral e de Augusto Mateus, são a este título tristemente elucidativos: a ponte Vasco da Gama irá ser paga duas vezes pelos contribuintes, e o grande hub aeroportuário de Beja, de onde deveriam sair diariamente, segundo Augusto Mateus, toneladas de sardinhas —sim, sardinhas e carapaus!— para a União Europeia, está às moscas, provavelmente destinado a ser, no futuro, o parque de estacionamento para as aeronaves paradas da Portugália e da TAP que hoje atravancam as placas de estacionamento da Portela.

    A grande pergunta a fazer, nas vésperas da entrada do Fundo Europeu de Estabilização Financeira e do FMI num país tecnicamente falido, é esta: se nos últimos dez anos, apesar do afluxo contínuo de avultadas verbas dos fundos de apoio comunitário, Portugal esteve praticamente estagnado, que poderemos esperar em matéria de crescimento numa conjuntura duplamente marcada pela diminuição drástica do apoio comunitário e pelo colapso financeiro em curso das economias cujo modelo de crescimento (virtual) assentou basicamente na desindustrialização, nas importações, no consumo desmesurado de energia, bens materiais e serviços, e no endividamento? A resposta só pode ser uma: nenhum crescimento, salvo se algum grau de proteccionismo regressar aos grandes espaços económicos e demográficos do planeta —à semelhança do que há muito sucede no Japão, e também na China.

    A actual crise portuguesa deve ser vista, na realidade, como o ponto final do nosso modelo colonial de existência. Este modelo acabou de vez em 1974-75, mas os vícios por ele criados sobreviveram até hoje, nomeadamente na tipologia da nossa burguesia burocrática e palaciana, na presença desmesurada, paternalista e autoritária do Estado na sociedade (que as esquerdas marxistas reciclaram a seu favor), e na dependência sistemática do país e respectivas elites de uma qualquer árvore das patacas. O colapso do modelo colonial iniciado em 1415 foi progressivo. Começou com a independência do Brasil, teve outro grande abalo por ocasião da independência das possessões portuguesas na Índia, e culminou com a independência do resto do império entre 1974 e 1999. Cada uma destas perdas de território funcionou como epicentro de agudas crises económico-financeiras (1828, 1846-47, 1890-92, 1923, 1978, 1983), todas elas redundando, ao cabo de alguns anos, em graves crises de regime. O colapso financeiro de 2009-2011 terá como consequência inevitável o agudizar da crise de regime que já é patente, e a probabilidade de uma revolução institucional. O regime secular de autoritarismo burocrático, mediocridade técnica e institucional, incultura, clientelismo e dependência externa, perdeu os pilares sobre os quais assentou ao longo dos últimos seiscentos anos. Para sobreviver, Portugal precisa de se reinventar.

    E precisa tanto mais de se reinventar quanto o resto do mundo se encontra também à beira de uma dolorosa metamorfose. Ninguém nos virá ajudar pelos lindos olhos que já não temos. Dependemos agora inteiramente de nós próprios para sair do buraco onde caímos.

    O mundo, sobretudo o mundo desenvolvido e industrializado, está confrontado com três pontos de viragem potencialmente catastróficos:
    • o pico petrolífero, 
    • o pico alimentar e 
    • o pico do endividamento especulativo. 
     Resumindo: a produção de petróleo per capita decai desde 1970, a produção de cereais per capita começou a decair na década de 1980, e a bolha de derivados financeiros OTC, fruto de um modelo de crescimento especulativo pela via do consumo e do endividamento exponenciais, traduzia no final de 2009 um risco potencial de incumprimento de contratos de futuros equivalente a uns inimagináveis $615 trillions (615 biliões ou 615 milhões de milhões de dólares), quase 10x o PIB mundial (2).

    A gravidade de cada uma das curvas exponenciais acima mencionadas é por si só evidente. Mas o pior é que duas delas —a curva da alimentação e a curva da especulação resultante da criação de dinheiro a partir de castelos no ar— decorrem directamente da descoberta, exploração, abundância e esgotamento a curto prazo dos principais hidrocarbonetos que alimentaram e continuam a alimentar a era industrial e a modernidade tal qual as conhecemos desde meados do século 19 —momento a partir do qual as máquinas começaram a ser alimentadas a carvão, electricidade e petróleo.

    Vale a pena seguir o crash course de Chris Martensen sobre este tema...



    E ouvir ainda Robert Hirsch a propósito do seu mais recente livro, The Impending World Energy Mess (Equal Time, audio, 50:19 mn)

    As consequências do pico petrolífero têm um alcance potencialmente catastrófico para o mundo tal qual o conhecemos desde que Eça de Queirós escreveu A Cidade e as Serras (1892/1901). Teríamos mesmo que recuar aos tempos anteriores a 1830, quando pela primeira vez um caminho ferro e um comboio movido a vapor e alimentado a carvão ligaram duas cidades, Liverpool e Manchester, para imaginar o que poderá ser um futuro sem motores a vapor, ou de explosão, e um mundo sem electricidade, nem computadores, ou telemóveis. A humanidade poderá ver-se em breve imersa numa crise global de recursos sem precedentes. Para muitos analistas tal significará o fim de quase tudo o que hoje temos de barato e assumimos como dádivas naturais da civilização.

    Antes, porém, do dilúvio, ou da grande seca anunciada, há coisas que as pessoas e os governos podem fazer para mitigar o inevitável. A primeira delas é não agravar, por falta de informação, estupidez ou ganância, os factores da crise sistémica do actual modelo civilizacional. No caso presente, e em Portugal, não agravar o nosso endividamento, não agravar a nossa dependência energética, e não agravar a nossa dependência alimentar.

    Para não agravar, ou mesmo travar o crescimento exponencial do nosso endividamento público e privado, é preciso começar por redefinir as funções essenciais do Estado, aliviando a canga de burocratas e de burocracias que pesa sobre a sua eficiência, e sobre a viabilidade económica do país —nomeadamente na forma de tempo perdido e impostos assassinos (3). Neste ponto, diria que se não formos capazes de sensibilizar as lapas partidárias do regime, haverá que criar um movimento social contra os impostos e contra a burocracia, antes que estes inviabilizem definitivamente a independência nacional.

    Para não agravar ainda mais a dependência energética do país teremos que fazer quatro coisas:
    1. diminuir drasticamente a intensidade energética da nossa economia;
    2. aumentar drasticamente a eficiência energética de indústrias, serviços, edifícios e comportamentos; 
    3. renacionalizar, pelo menos parcialmente, os recursos energéticos comuns, acabando ao mesmo tempo com os oligopólios que hoje impedem a sociedade civil de produzir e consumir em pequena escala energia fora das redes; 
    4. dar máxima prioridade ao transporte colectivo urbano, suburbano, interurbano e internacional alimentado por energia eléctrica produzida no país. As oportunidades de investimento neste sector estratégico são enormes e compensam largamente os planos condenados ao fracasso de retomar o business as usual na estafada economia baseada em combustíveis líquidos baratos (autoestradas, aeroportos e plataformas logísticas).

    Para não agravar a nossa dependência alimentar, que acarreta por si só um agravamento automático da nossa dependência energética e do nosso endividamento (comercial, público e externo), é fundamental começar por definir um Plano Nacional de Segurança Alimentar, transparente e permanentemente aberto ao escrutínio democrático e discussão pública.

    Sendo a área dos serviços aquela que previsivelmente será mais afectada pela escassez tripla de petróleo, dinheiro e alimentos, pois não tem grande coisa para dar em troca daquilo que materialmente é imprescindível à vida —comida, guarida e mobilidade física—, será fundamental desenvolver estratégias de regresso à produção! Sobretudo enquanto durar a actual aceleração dos processos de automação e robotização computacionais das prestações de serviços, num quadro já caracterizado pela impossibilidade de crescimento das dívidas soberanas e das cargas fiscais (cofres naturais da segurança social), tornar-se-à imprescindível religar os indivíduos e as comunidades à produção e transacção dos bens essenciais à vida.

    A capacidade de produção alimentar em Portugal é limitada, mas ainda assim está longe de atingir o seu potencial. A propriedade rural encontra-se atomizada. Boa parte dos proprietários rurais vive e trabalha nas cidades, em grande medida por causa da revolução industrial e do desenvolvimento das cidades. Este período está, porém, a chegar ao fim. Em vez de se gastar inutilmente dinheiro público em Novas Oportunidades perdidas, talvez seja o momento de pensar onde melhor gastar os recursos financeiros que ainda vêm de Bruxelas. Por exemplo, lançando um programa nacional de agricultura biodinâmica e biológica, capaz de adaptar tecnologicamente os processos de cultivo e produção alimentar e florestal à escassez futura de adubos e pesticidas industriais (provenientes nomeadamente do gás natural e do petróleo), ao mesmo tempo que se especializa e confere competitividade cognitiva e social à agricultura, pecuária, piscicultura e silvicultura portuguesas. Estude-se, a este propósito o caso austríaco, para perceber até que ponto um país comunitário da Eurolândia pode abolir no seu espaço nacional todos os alimentos transgénicos e escolher uma via verde para a produção alimentar e conservação dos ecossistemas. Levar a segurança alimentar às cidades, e levar as cidades ao campo é todo um programa cujos impactos na mitigação dos constrangimentos que se seguirão ao fim do petróleo barato é demasiado grande para ser adiado. A inércia corporativa do regime tem que ser combatida e vencida, custe o que custar.

    No início deste ano negro, o mais importante de tudo é evitar os jogos florais parlamentares e os teatros de sombras permanentemente instigados pelo governo, pelas oposições e pelos lóbis corporativos. Libertar a sociedade civil e salvar o país de uma morte súbita começa por aqui. O mais importante agora é discutir soluções.

    NOTAS
    1. António Pinto Barbosa
      Fiscal das contas públicas certificou irregularidades no BPP
      05.01.2011 - 17:04 Por Cristina Ferreira. Público.
      O presidente do grupo de trabalho para criar a comissão encarregue de fiscalizar as contas públicas, António Pinto Barbosa, certificou durante cerca de dez anos as contas do Banco Privado Português, que foi intervencionado no final de 2008 pelo Banco de Portugal, para evitar a sua insolvência imediata.
      Mas haverá alguém que se salve deste naufrágio? — OAM
    2. Se em vez de se considerar o valor nocional OTC dos contratos de derivados, apenas se tiver em conta o respectivo valor bruto de mercado, ou seja a expectativa razoável de ganho, ainda assim está em jogo um volume de apostas especulativas sobre taxas de juros, desvalorizações cambiais, e outros activos virtuais, equivalente a 1/3 do PIB mundial, ou seja, mais ou menos 17 biliões de euros (17*10^12€).
    3. A "esquerda" monocórdica tem a mania de invocar a fuga aos impostos como argumento favorável ao aumento da carga fiscal. Está bom de ver que o argumento é idiota. Mas insistem, não querendo entender que se se combinar uma menor carga fiscal com uma vigilância e penalização forte aos infractores (começando pelos de cima) os resultados seriam bem melhores dos que os conseguidos com o terrorismo fiscal actualmente em curso. Um burro morto não paga impostos!
    ÚLTIMA ACTUALIZAÇÃO: 6 de Janeiro de 2011 22:00

      sábado, janeiro 01, 2011

      2011 - ressaca

      Baltika no. 7
      o melhor remédio para a ressaca desta madrugada
      Exclusivo: CHICOTE

      Produzida em São Petersburgo, uma das melhores cervejas do planeta.

      Há várias maneiras de curar uma ressaca de fim de ano —a pior de todas é parar de beber!

      Os ingleses gostam muito de curar os violinos partidos que chocalham algures na cavidade craniana, e o travo a bilhetes de lotaria na boca, tomando um pequeno almoço líquido, à base de cerveja preta com dois ovos crus inteiros, ambos mergulhados num copo de meio litro bem medido (o chamado pinto). Ou então curam a monumental bebedeira com o clássico Bloody Mary. Os mediterrânicos sofisticados procuram calmamente uma esplanada e pedem um Campari com soda.

      Opções que a CHICOTE não aprecia particularmente, mas compreende, passam por beber três Coca-Colas seguidas num copo sempre cheio de gelo, ou uma garrafa inteira de litro e meio de água Fastio ou Carvalhelhos gelada, devagarinho.

      Para quem não se preocupa demasiado com o preço das coisas, sobretudo no day-after de uma passagem de ano, e está hospedado num hotel de 4 ou 5 estrelas, a receita chama-se Black Velvet: um longo copo gelado para dentro do qual deslizam a meias um Krug Brut Champagne Grande Cuvée 2005 e uma Guinness.

      Mas a escolha urbana da CHICOTE vai para o que os ingleses, especialistas em tudo o que diz respeito ao álcool, chamam the Hair of the Dog that Bit You ("um pelo do que cão que te mordeu" — outra maneira de ver o problema teórico da ressaca). Basicamente a receia é esta: volta a beber um pouco do que transformou a tua cabeça num disco voador: um copito de vinho branco ou tinto de muito boa qualidade, ou uma cerveja estupidamente gelada, mas que seja uma cerveja premium, muito saborosa, leve, sem o rabo amargo do lúpulo — em suma, uma Baltika no. 7, criada nas famosas fábricas de cerveja de São Petersburgo, mas que faz hoje parte do império de 304 marcas da dinamarquesa Carlsberg. Para encontrar esta cerveja em Portugal, basta procurar uma loja de produtos eslavos, nomeadamente russos. A loja ucraniana situada na estação de comboios de Carcavelos é um dos pontos de abastecimento regular da CHICOTE. Já por lá passámos hoje, claro!

      sexta-feira, dezembro 31, 2010

      2011 - toma!

      Ora aqui está um comentário que saiu na edição do jornal I de hoje...

      O melhor comentário (rubrica diária)
      “Não me interessa se o sr. primeiro ministro não desiste, não arreda pé, ou se mantêm firme. A mim interessa saber se ele é capaz de ser timoneiro desta nau de 10 milhões de almas? Se é capaz de escolher os melhores da tripulação de 4 milhões para servir o país? Se é capaz de afastar os que andam envolvidos em corrupções? Se é capaz de escolher quem melhore o sistema de justiça? Ou de decidir que rumo vamos escolher? Será o mar, a investigação e as PME's ou os empréstimos atrás de empréstimos? Será capaz de promover a redução do número de deputados? Será capaz de reduzir os viciados nos subsídios? Será capaz de pôr os ricos a pagar em vez de quem precisa de um subsídio de emprego? Será capaz de falar com a oposição e com os parceiros sociais? É que nesta nau precisamos de todos e não se vai lá sem se ouvir os outros.” — por António Gonçalves

      Com estes economistas...

      Milhões, bilhões, milhares de milhões e biliões
      A propósito dos "biliões" de Daniel Bessa



      A dívida externa portuguesa supera os 200% do PIB! E não os 100% que não sei quantos economistas vêm lançando para o ar mediático nas últimas semanas, depois de terem tolerado durante anos a conversa fiada dos 3% em volta do défice orçamental, como se este fosse o maior problema estrutural do país. Não é! — in O garrote da dívida externa portuguesa, O António Maria (19-11-2008).

      Uma das possíveis causas da nossa desgraça económica deriva do simples mas inacreditável facto de a esmagadora maioria dos economistas portugueses não perceberem patavina de energia, agricultura, pescas, pecuária, transportes, e mal saberem o que é uma empresa, quanto mais pagar salários da sua imaginação e suor! Outro aspecto igualmente grave da sua cada vez mais evidente ignorância, é a falta de conhecimento histórico analítico das crises cíclicas do Capitalismo (ao que parece História, Cultura e Arte são disciplinas que nunca viram ao longo das suas burocráticas vidas). Mas pior ainda: sofrem, quase todos, de uma escandalosa iliteracia terminológica! Dois exemplos:
      1. Apesar de aqui termos chamado a atenção para a dimensão real e gravidade da dívida externa portuguesa em 4 de Novembro de 2008 (A cenoura e o pau do Bloco Central), 19 de Novembro de 2008 (O garrote da dívida externa portuguesa), e no dia 10 de Dezembro do mesmo ano (Economistas lentos), chamando a atenção para a falácia da chamada "dívida externa líquida", só agora, no suplemento de economia do Expresso de ontem, o reputado economista Daniel Bessa reconhece que, afinal, o que importa reter é mesmo a dimensão colossal da nossa dívida externa bruta — a qual, segundo números do Banco de Portugal que consultou recentemente, e que se referem a 30 de Setembro último, apontam para qualquer coisa como 294% do PIB. Quando chamei a atenção para esta catástrofe iminente, em 19 de Novembro de 2008, a percentagem era de 200% — ou seja, em apenas dois anos (entre Junho de 2008 e Setembro de 2010) a dívida externa portuguesa passou de 200 para 294% do PIB. A isto chama-se crescimento exponencial. Sabem o que é? Ora vejam o vídeo que incluí acima, do excelente crash course de Chris Martenson.
      2. Como se esta manifestação de iliteracia económica não fosse já de si inadmissível, acresce a confusão que Daniel Bessa e uma parte substancial de economistas, comentadores económicos, ministros e jornalistas, continuam a fazer entre milhares de milhões, bilhões e biliões!

        Na coluna citada do Expresso desta semana Daniel Bessa confunde sistematicamente milhares de milhões de euros com biliões de euros. A confusão é grave. Pois um bilião de euros são um milhão de milhões de euros, i.e. 10E12€, ou 10^12€, ou 1 000 000 000 000€, quer dizer, mil milhões + novecentos mil milhões de euros! Já agora aproveito para recomendar um pequeno artigo sobre esta confusão, publicado recentemente pelo Jornal de Negócios.

        Colocando os números no sítio certo, é então assim:
        1. devemos ao exterior 505 mil milhões de euros (294% do PIB), entre dívidas comerciais, empréstimos contraídos no estrangeiro e investimento estrangeiro realizado no nosso país (por exemplo, espanhol e alemão), que espera naturalmente retorno e ganho;
        2. o estrangeiro, por sua vez, deve-nos, entre dívida comercial, empréstimos contraídos em Portugal e investimento português no estrangeiro (por exemplo na falida Irlanda), 325 mil milhões de euros;
        3. a posição líquida da dívida externa portuguesa é assim de 180 mil milhões de euros, ou seja, 105% do PIB (na realidade, se contarmos com as dívidas do sector empresarial do Estado, empresas regionais e municipais, e um longo etc., será bem maior!)
      Este exemplo de dupla iliteracia, de que padece também Luís Campos e Cunha, que se passou recentemente com armas e bagagens do rosa socratinta para a laranjada cavaquista, não pode deixar de preocupar seriamente o vulgar cidadão, como eu, que tende a pensar apenas na corrupção como causa de todos os nossos males, esquecendo que, afinal, a ignorância oceânica dos nossos economistas pode ser uma causa bem maior do próximo grande colapso da Lusitânia.

        quinta-feira, dezembro 30, 2010

        Europeus, coragem!

        Dólar e libra perdem guerra contra o euro
        Agora é preciso limpar os cacos, resistir ao assalto fiscal e à destruição de serviços públicos essenciais, bem como controlar os bancos e colocar as burocracias partidárias na ordem



        "We propose the creation of a harmonious economic community stretching from Lisbon to Vladivostok." — Vladimir Putin, ao Süddeutsche Zeitung (ler artigo no Spiegel Online de 25-11-2010)

        A resposta à ofensiva das moedas falidas do eixo anglo-saxónico (EUA-Inglaterra) contra o euro, na tentativa desesperada de impedir o abandono crescente do dólar como moeda de reserva mundial, parece estar em curso de forma rápida e eficaz, embora os radares da imprensa convencional captem com dificuldade e lamentável atraso esta realidade subtil mas de importância decisiva para os deslocamentos em curso das placas tectónicas do poder mundial.

        Por um lado, a SCO (Shanghai Cooperation Organization) tornou-se, de 2001 para cá (lembram-se de 2001?), numa poderosa aliança de estados euro-asiáticos. Por outro, a China começou a usar a sua moeda nas trocas internacionais com países como a Argentina, e acaba de acordar com a Rússia o abandono progressivo da divisa americana nas transacções entre estas duas potências económicas e nucleares mundiais. Esta tendência, cujo anúncio prematuro por Saddam Hussein lhe viria a custar a vida e a segunda grande invasão do Iraque pelos Estados Unidos e Inglaterra, foi retomada em Novembro passado por uma ofensiva diplomática sem precedentes de Vladimir Putin, tendo por alvo directo a Alemanha de Angela Merkel, mas visando obviamente um cenário muito mais amplo e particularmente atractivo para a União Europeia no momento em que esta enfrenta um ataque traiçoeiro e sem precedentes de Wall Street e Londres contra a estabilidade e integridade do euro. Mas mais: os emergentes BRIC, actualmente presididos pela China, acabam de incorporar formalmente no seu seio a África do Sul, transformando-se em BRICS: Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul (South Africa), na mesma semana em que sete países do Leste Europeu (1) anunciam a sua vontade de entrar na Eurolândia, apesar da crise (ou por causa dela...) Por fim, como que a provar a sabedoria de quem foge da nota verde, os dados mais recentes da economia dos USA, nomeadamente sobre a queda imparável dos preços do imobiliário, são de deixar os cabelos em pé (2).

        Mapa da área de influência da nova aliança estratégica promovida pela China

        As economias do Ocidente europeu e norte-americano estão sobre endividadas, quer no que se refere às respectivas dívidas externas, quer no que respeita às respectivas dívidas públicas. Mas o mesmo é ainda mais verdade para o Japão —onde a deflação continua a fazer vítimas, nomeadamente entre os pensionistas (3)—, não deixando de ser verdade também para muitos outros países: Austrália, Israel, Sudão, Líbano, etc. Ou seja, teremos que procurar a causa deste endividamento global em algo de mais fundamental do que as divergências —aliás praticamente inexistentes— entre sociais-democratas e neoliberais. Todos têm sido neo-keynesianos à sua maneira desde a crise petrolífera de 1973 —uns empolando mais as burocracias de Estado, partidárias e municipais, outros transformando as economias em gigantescos jogos de Monopólio, onde o dinheiro é grátis e não custa praticamente nada a fabricar (pois aflui aos mercados em formatos puramente virtuais por actos de magia electrónica e administrativa!) Em ambos os casos a receita é, por assim dizer, keynesiana: trata-se de inventar trabalho e consumo onde não existe!

        Há dois factos até agora não refutados que poderão fazer alguma luz sobre a magnitude e sincronia da actual crise sistémica do Capitalismo:
        • a produção de petróleo per capita tem vindo a decair consistentemente desde 1970, 
        • e a produção de cereais per capita começou igualmente a decair de forma aparentemente irreversível desde 1980.

        Outro ponto a ter em conta é o fim objectivo do colonialismo e do imperialismo ocidentais, que embora tenha começado a desaparecer lentamente no longínquo ano de 1823, por imposição da célebre Doutrina Monroe, que retirou progressivamente o "novo mundo" do domínio colonial europeu, acelerou extraordinariamente com os processos de descolonização na Ásia e em África depois da Segunda Guerra Mundial. A verdade é que este processo de implosão do imperialismo ultramarino iniciado pela Europa em 1415 (com a conquista de Ceuta por portugueses, galegos, biscainhos e ingleses), só agora está a chegar ao fim. Podemos ler estes sinais nas sucessivas derrotas da Europa e da América na Indochina, em África, e mais recentemente no Iraque e no Afeganistão. Podemos entender o alcance destes sinais desde 1960, quando os principais países produtores de petróleo formaram a OPEP, excluindo expressamente do seu seio grandes produtores com eram e ainda são os Estados Unidos e o Canadá. Podemos, enfim, ter a certeza de que algo de fundamental mudou, quando os países emergentes dos BRICS começaram a juntar os trapos, conscientes da sua importância global enquanto detentores de vastos territórios ricos em recursos naturais e humanos.

        De um lado, temos a velha Europa, a parte rica da América do Norte (EUA e Canadá), e o Japão, industrializados, urbanizados, e devoradores insaciáveis de recursos. Do outro, uma imensa maioria populacional pobre, pouco industrializada, pouco e mal urbanizada, e com acesso limitado às matérias-primas, fontes de energia e bens de consumo, vivendo paradoxalmente em territórios imensos, onde se encontra boa parte dos recursos vitais para a sobrevivência do modelo de desenvolvimento e crescimento criado e desenvolvido pelas antigas potências imperiais: energia, minérios, recursos alimentares e mão de obra barata.

        Era uma questão de tempo até que o mapa da divisão internacional do trabalho e do poder mudasse de geografia e de mãos. E é o que vem acontecendo de forma clara desde 1971, ano em que o presidente americano Richard Nixon descolou a divisa americana do ouro, pondo-a a flutuar num reino de arbitrariedade cambial, cujo fim negro se aproxima agora, perigosamente, do fim. O ataque indecente e traiçoeiro dos piratas de Wall Street e da City londrina contra o euro, mais não tem sido do que um último e lamentável episódio demonstrativo do que pode fazer um sistema fiduciário técnica e moralmente falido, entregue à ganância e ao crime, quando estrebucha.

        China, Rússia e boa parte dos países árabes estão fartos do dólar e dos americanos. Decidiram por isso apostar na moeda única europeia. É pois provável que não deixem cair o Euro, apesar de todas as pressões e do preço que tiverem que pagar por tal decisão estratégica. Os leilões de dívida soberana que ocorrerão na Europa ao longo de todo o ano de 2011 vão ser o verdadeiro teste de esforço à nova ordem económica e financeira mundial prestes nascer.

        Curiosamente, Putin, líder de facto de um imenso país despovoado e a caminho de uma perigosa depressão demográfica, já terá percebido que a China é um aliado de circunstância. Tornar pois possível a grande Europa de Lisboa a Vladivostoque é agora o grande desígnio "secreto" da Rússia (4), que os portugueses deverão acarinhar com o mesmo entusiasmo que deverão colocar na rápida entrada da Turquia numa Eurolândia que tem tudo a ganhar com a sua abertura a Leste. Uma nova Europa com mil milhões de habitantes e uma longa história cultural poderá fazer a diferença que falta na recomposição planetária dos equilíbrios entre as grandes regiões humanizadas. E no fim, Portugal até poderá deixar de estar na periferia —se souber transformar-se numa pequena mas importante potência diplomática mundial. Bom ano, Portugueses!

        REFERÊNCIAS
        • A V.O. de Mark Blyth on Austerity, encontra-se acessível na Videoteca deste blogue, ou no portal Vimeo.

        NOTAS
        1.  "Sept pays candidats pour rejoindre le club. Par Fabrice Nodé-Langlois". Le Figaro (27/12/2010)
        2. "Investors Attempting to Dump Bonds Push Bid Index Near Record: Muni Credit", By Brendan A. McGrail, Bloomberg, Dec 27, 2010.
          ROBERT SHILLER: "If House Prices Keep Falling This Fast, The Economy Is Screwed", Business Insider, Dec 29, 2010.
        3. Japan to cut pension benefits amid deflation. Japan Today, Tuesday 21st Dec, 08:18 AM JST
        4. Sobre isto mesmo escrevemos, a pretexto da cimeira Europa-Rússia celebrada durante a presidência portuguesa da UE em Lisboa, em Outubro de 2007, o seguinte:
          A cimeira Europa-Rússia que hoje tem lugar em Portugal, no âmbito da presidência portuguesa da União Europeia, na conjuntura explosiva que o mundo está a atravessar, tem uma importância crucial para o futuro imediato do próprio projecto europeu. Ou a Europa descola diplomaticamente da América e defende os seus interesses regionais de forma inteligente e clara, ou permanece atrelada às manobras inglesas (e agora também do garnisé francês), deixando os proto-fascistas da Casa Branca conduzirem o planeta para uma III Guerra Mundial. Mesmo que limitada, mesmo que não alastre imediatamente a todo o planeta, uma guerra de mini-nukes (contra o Irão, por exemplo) levará necessariamente a um novo Tratado de Tordesilhas, desta vez entre os EUA e a Rússia-China, por cima dos escombros materiais e ideológicos de uma Europa decapitada de qualquer protagonismo nos próximos duzentos anos. O contrário desta possibilidade passa pela existência de uma terceira posição estratégica independente, protagonizada pela Europa, em nome da racionalidade, da distensão e da cooperação mundial. Não é assim tão difícil. — in "Rússia, Vladimir Putin, um novo príncipe" (O António Maria, 25-10-2007.)

          Última actualização: 30-12-2010 12:02

        quarta-feira, dezembro 29, 2010

        Only Shoes

        "Portuguese shoes the sexiest industry in europe"

        Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

        Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

        Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS

        Já ouviram falar desta campanha? A CHICOTE, não. Mas chegámos ao seu miolo através do conhecido sítio de talentos Beance Network, onde descobrimos o excelente trabalho de Frederico Martins (fotógrafo de moda) e Fernando Bastos Pereira (estilista). O prometido Calendário Portuguese Shoes 2011 da APICCAPS, a Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos, com sede no Porto e fundada em 1975, ainda não saiu a público, mas quando sair queremos ser contemplados!

        Num país sempre visto como conservador, de tamancos, analfabeto funcional e com mulheres de buço, esta campanha promete encostar os nossos detractores à parede. E com que argumentos!

        O passo de ganso da Dominatrix que abre, cremos, o mês de Janeiro de 2011, não é, como o ano que aí vem, para brincadeiras. Ou, melhor, é só para quem estiver disposto à alta escola portuguesa de cavalaria. Por sua vez, o David criado pela dupla Frederico Martins/Fernando Bastos Pereira, é absolutamente divinal. Ficamos sem saber se estamos em Florença, se no preâmbulo de um retrospectiva de Robert Mapplethorpe. Engano nosso — são só sapatos!

        Para o ano negro que aí vem, a ofensiva dos industriais de calçado do norte de Portugal não poderia ser melhor sinal de esperança para quem imagina, para quem desenha, para quem transforma a matéria, para quem sabe seduzir as vítimas do bom gosto, e para quem gosta de Ferraris —claro!

        A CHICOTE não poderia estar mais babada com esta campanha. Podemos levá-la debaixo do braço, e entrar em qualquer sítio decente deste planeta, dizendo que vimos de uma praia à beira-mar plantada, onde há gente linda, artistas incógnitos, e trabalho. Muito trabalho pela frente. Não morremos de frio, os nossos aeroportos e portos não fecham, nem com ventos, nem com tempestades de neve, e temos a a mais genuína slow food da Europa. Welcome, and get use to it!

        Para os que ainda não sabiam, aqui ficam alguns dados para as estatísticas (APICCAPS dixit):
        • A indústria portuguesa de calçado coloca no exterior mais de 90% da sua produção, o equivalente a 1.300 milhões de euros anuais.
        • O calçado português chega, actualmente, a 132 países, nos cinco continentes. Nos últimos cinco anos, o crescimento acumulado das exportações ascende a 6,1%, isto é, três vezes mais do que a generalidade da economia portuguesa.
        • O sector do calçado em Portugal engloba 1.300 empresas, responsáveis por mais de 34 mil postos de trabalho.
        • O sector do calçado é o mais internacionalizado da economia portuguesa.
        • A APICCAPS em parceria com a AICEP e o apoio do Programa Compete, está a ultimar a mais extensa e ousada campanha de promoção de sempre, num investimento total de 10 milhões de euros.
        • A campanha Portuguese shoes the sexiest industry in europe chegará a Las Vegas, Tóquio, Moscovo e Xangai.
        • Em 2011, pela primeira vez, a indústria portuguesa de calçado vai investir na Austrália, na Índia e na Turquia.
        • Mais de 140 empresas participarão em mais de 70 fóruns da especialidade em 16 mercados distintos, numa verdadeira volta ao mundo em menos de 365 dias.
         É caso para dizer: Se Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé — CHICOTE.

        Publicado sob autorização da CHICOTE.


        ______________

        Ficha técnica
        Client: APICCAPS
        Photography: Frederico Martins
        Styling: Fernando Bastos Pereira
        Make-up: Patricia Lima
        Hair styling: Rui Rocha
        Photo assistant : Pedro Sá
        Retouching: LaLaLandstudios

        terça-feira, dezembro 28, 2010

        Finanças Pessoais

        2011-2020: poupar, proteger, diversificar
        principais aplicações para as auas poupanças
        1. Habitação própria — se contraiu um empréstimo para comprar a sua casa, o ideal é livrar-se tão cedo quanto possível da hipoteca. Livre-se de encargos prescindíveis e de hipotecas que possam afectar a posse do bem em consequência de uma subida empinada das taxas de juro e dos preços de bens essenciais como a energia e a água. A médio-longo prazo (10—20 anos) o Euro irá perder paulatinamente valor, os juros irão subir, e as pensões de reforma e outros subsídios verão diminuir significativamente o respectivo poder de compra. Faça um somatório de todos os encargos que tem com a sua casa (hipoteca, consumos de energia, água e telecomunicações, condomínio e manutenção geral) e simule os impactos que poderão ter nas suas receitas uma inflação real de preços e juros sobre empréstimos na ordem dos 10% ao ano. Não se esqueça que uma moeda como a Libra inglesa, por exemplo, tendo o ouro como padrão de referência, perdeu 400% do seu valor desde 1971 (Why I keep buying Silver and Gold, by Bengt Saelensminde, in MONEY WEEK).
        2. Trabalho — é um bem cada vez mais raro, e enquanto a tecnologia for alimentada por energia fóssil barata, não haverá regresso em massa ao trabalho, isto é, ao trabalho das nossas mãos, braços, pernas e cérebros. Esta realidade é ainda mais séria no Ocidente, cujas indústrias têm emigrado a ritmo acelerado para a China, a nova fábrica do mundo. No entanto, é preciso ter em conta que a energia fóssil barata está à beira do fim. Depois, só energia cara, muito cara mesmo. Preservar o pouco trabalho que há, ainda que auferindo menos dinheiro pela sua realização, vai tornar-se um questão cada vez mais crítica para as economias pessoais e familiares.
        3. Ouro e prata — o valor destes metais não pára de subir e é de crer que continuará a ser uma das melhores aplicações para a poupança que formos conseguindo. Habitue-se a fazer pequenas poupanças semanais, sobretudo nos consumos supérfluos, aplicando-as em pequenas moedas de ouro e prata. Para uma introdução ao investimento em metais preciosos, leia-se este actualizado A beginner's guide to investing in gold, publicado pelo MONEY WEEK. Não é sem motivo que a Índia comprou duzentas toneladas de ouro ao FMI em Novembro de 2009 (in The Prudent Investor).
        4. Terra — as necessidades alimentares que hoje são preenchidas com produtos variados e a preços razoáveis, sobretudo nos países ricos do Ocidente, poderão deparar-se em breve, no prazo de uma década, com falhas de abastecimento inimagináveis nos dias que correm, e uma inflação galopante. Quando esta escassez, motivada pela carestia do petróleo e do gás natural, ocorrer, ou antes, quando esta escassez inevitável se tornar visível no horizonte, a corrida às terra ricas em nutrientes, aptas a gerar alimentos, atingirá proporções nunca vistas —nem nas grandes corridas ao ouro. O momento para investir em terrenos com potencial agrícola, sobretudo nas zonas próximas dos grandes centros urbanos, é agora! 
        5. Amizade — as tensões sociais tendem a agravar-se à medida que a escassez energética aumenta, provocando a inflação e o endividamento geral dos indivíduos, famílias, nações e estados. A tentação dos governos, depois das democracias ocidentais terem degenerado em aparelhos burocráticos, populistas e minoritários, cada vez mais musculados (os estados de excepção, sob a forma de leis anti-terroristas, ou de estados de alarma, regressaram ao nosso quotidiano), é apropriarem-se, por via de leis arbitrárias (ainda que sufragada por parlamentos e dirigentes políticos cada vez mais corruptos), ou à força, da riqueza alheia. Fazem-no já sob a forma de um verdadeiro terrorismo fiscal, da desvalorização do dinheiro, do ataque directo ao Estado Social que os impostos já não conseguem suportar, e preparam-se mesmo para desencadear no futuro operações em massa de expropriação directa da propriedade privada, alegadamente em nome do interesse público. O anúncio pelo actual ministro da agricultura português, rapidamente abafado, da expropriação de terrenos florestais para posterior entrega a empresas privadas "especializadas", foi um balão atirado para o ar para estudar reacções. Mas a verdade é que o assunto estava, está e estará em cima da mesa das burocracias democráticas que, não tenho dúvidas, se preparam para a eventualidade de uma estatização forçada da riqueza, nomeadamente agrícola e florestal. É este tipo de desestruturação social, que em breve poderá tomar conta das economias a braços com a tragédia de um bem comum exausto (o petróleo e o gás natural baratos), que as sociedades civis de todos os países terão que enfrentar. Os povos que souberem criar rapidamente laços de amizade e cooperação, baseados na proximidade e na organização em rede, poderão talvez conseguir travar a barbárie, e reconduzir as nações a um novo ponto de equilíbrio. Daí a importância de promover, desde já, a acumulação dessa nova riqueza imprescindível ao futuro da humanidade: a amizade.

        sexta-feira, dezembro 24, 2010

        Ao Pai Natal

        Uma das muitas campanhas da Coca Cola que universalizaram Pai Natal

        Querido amigalhaço,

        Em vez do incenso e mirra que os Reis Magos sempre trazem no dia 6 de Janeiro de cada ano (o ouro, pelo contrário, tem desaparecido a olhos vistos!), o povo desgovernado da Lusitânia preferia outros presentes neste Natal. Aponta então:
        1. a privatização da RTP, pois, como sabes, esta televisão de propaganda governamental nada faz que as televisões privadas não façam melhor e mais barato para todos os contribuintes;
        2. a privatização da TAP, pois, como sabes, além de estar tecnicamente falida, e há muito não passar de um centro de custos do regime pago pelos contribuintes, nada faz que as companhias privadas de aviação não façam melhor e mais barato;
        3. a conservação do Aeroporto da Portela por muitos e bons anos, pois, como sabes, esta infraestrutura goza de qualidades ímpares, está muito longe da saturação (se é que alguma vez chegará a semelhante estado), e tem vindo a ser beneficiado com centenas de milhões de euros de investimentos ao longo da última década, dos quais destaco as novas 25 mangas para encosto de aeronaves, e a abertura no próximo ano da estação de Metro do Aeroporto;
        4. a privatização da CP (que não da REFER), em regime de concessão, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, e por períodos nunca superiores a 35 anos, dos regimes de exploração do transporte ferroviário de pessoas e mercadorias, pois, como sabes, a CP está falida e será por isso incapaz de responder aos novos desafios criados pelas redes europeias de mobilidade ferroviária;
        5. a privatização dos transportes urbanos, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusula de serviço público asseguradas, e por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, o Metro de Lisboa, Porto e Margem Sul do Tejo, Carris, e os STCP estão falidos, e são coutadas partidárias incontroláveis;
        6. a privatização dos portos e aeroportos, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, a competitividade destas infraestruturas é nula ou mesmo negativa, na exacta medida em que não prestam contas da sua rentabilidade ao país, e são, na verdade, mais umas tantas coutadas do regime partidocrata e clientelar que temos;
        7. a privatização das florestas de domínio público, em regime de concessão de exploração, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, milhares de hectares de floresta ardem todos os anos, boa parte dela por incúria manifesta do nosso Estado;
        8. a privatização da recuperação e exploração dos patrimónios imobiliários municipais, por concurso público internacional, com cláusulas de serviço público asseguradas, por períodos nunca superiores a 35 anos, pois, como sabes, boa parte das casas em ruína nas cidades de Lisboa e Porto, para não mencionar outras cidades mais pequenas, é propriedade municipal ou de grandes instituições e bancos, imunes, por definição, ao bom senso e às leis;
        9. a privatização integral das áreas de ensino, nomeadamente universitário, que não tenham relevância estratégica para o país;
        10. o encerramento de todas as secretarias de estado, direcções-gerais, repartições, institutos, e empresas públicas sem razão de existência e provas de vida efectivas à luz de uma necessária e urgente redefinição das funções do Estado numa sociedade, a nossa, que caminha inexoravelmente para o empobrecimento;
        11. a diminuição do número de deputados, câmaras municipais e freguesias urbanas para patamares de razoabilidade democrática e de eficiência;
        12. criação de um corredor de convergência fiscal e orçamental na União Europeia, por forma a impedir a propagação das desigualdades sociais em curso, a perpetuação de elites e nomenclaturas burocráticas no poder, e a captura das nações pelas máfias financeiras que proliferam por essa Europa fora.
        Se puseres tudo isto logo à meia-noite no meu sapatinho, não precisaremos, nem do FMI, nem de roubar os abonos de família aos casais que ganham 800 euros por mês, nem de assassinar as classes médias do meu país. Se puseres tudo isto logo à meia-noite no meu sapatinho, quando te reformares poderás vir para o meu país, que será então um jardim à beira-mar plantado, cheio de surfistas divertidos, peixe fresco, produtos biológicos pelo país inteiro, nada de nevões como os que te empurram para Sul, muito Sol até, e um povo pacífico, discreto e que não gasta mais do que tem.

        O teu amigo, Portugal.

        POST SCRIPUM

        25 dez 2010 — Sabiam que o Pai Natal que nós hoje celebramos alegremente é um dos grandes ícones do consumismo imaginado e disseminado mundialmente pela Coca Cola? Pois é, antes da Coca Cola pedíamos prendas ao Menino Jesus e aos Reis Magos!
        26 dez 2010 — Quando se escreve privatização, privatizar, privado/a quer-se sobretudo sublinhar a necessidade de libertar o bem público da sua apropriação, definhamento e mesmo destruição burocráticos, libertação essa que poderá tomar a forma de iniciativa privada (empresarial ou cooperativa) subordinada ao respeito e promoção do bem comum, de gestão temporária privada (empresarial ou cooperativa) de serviços públicos, ou mesmo de parcerias público-privadas, sempre que estas sigam regras de transparência e prudência contratual indiscutíveis.