segunda-feira, fevereiro 26, 2018

Depois desta crise—2

A nossa frota automóvel, sobretudo de mercadorias, vai passar por uma transformação radical.

“A Idade da Pedra não chegou ao fim por falta de pedra, tal como a era do petróleo terminará um dia, mas não por falta de petróleo.” — Sheikh Zaki Yamani, antigo ministro saudita do petróleo.


As conversas à volta do fim do petróleo surgem normalmente contaminadas por vícios vários. Um deles, é confundir o fim do petróleo com o fim do petróleo barato. O petróleo torna-se caro, ou porque a procura excede a oferta, ou porque os custos da sua produção e consumo excedem um certo limiar de rentabilidade económica e ou ambiental a que alguns chamam EROI (Energy Returned On Energy Invested). A maioria dos países importadores de petróleo entra em recessão (1) quando o petróleo se torna demasiado caro, provocando inflação e crises financeiras, especulação e endividamento, e mudanças de governo, ao passo que os países viciados nas suas reservas de petróleo entram invariavelmente em crise quando o preço do barril desce abaixo dum certo limiar, mas também quando este se mantém durante alguns anos em níveis historicamente elevados (2000-2014), induzindo, por um lado, inflação, e por outro, instabilidade política provocada pelas novas exigências sociais e culturais dos povos que observam, nestes períodos de enorme prosperidade petrolífera, o enriquecimento escandaloso das elites que dirigem os seus países, a par da fraca redistribuição da riqueza. Foi este último fenómeno que provocou a chamada Primavera Árabe (2010), mas também a subida de Donald Trump ao poder.

A rentabilidade do 'fracking' é cada vez mais duvidosa, e depende cada vez do endividamento bancário.

Neste momento, parece evidente que o abrandamento da procura global, e a produção americana de petróleo de xisto, são os principais responsáveis pela queda dos preços do crude. Há, porém, outro fator que os mercados de futuros começam a incorporar nos seus cálculos: o início de uma deslocação histórica na composição do chamado mix energético que alimenta a vida dos humanos à face da Terra. Isto é, a corrida às energias eólica e solar, à eficiência energética, aos novos materiais e processos produtivos, à desmaterialização da economia, e sobretudo o cada vez plausível regresso em massa do transporte elétrico!

O fim do ciclo intensivo de petróleo sucederá inevitavelmente aos dois ciclos energéticos que o antecederam: o da madeira e o do carvão. Em qualquer destes três casos, o declínio da respetiva produção e uso deve-se a vários fatores, mas três são estruturais: a novidade, quantidade e qualidade de um novo recurso emergente, e de um novo paradigma de crescimento e bem-estar, o custo relativo da produção deste último, e a produtividade que é capaz de induzir, por comparação com os que parcialmente substitui e, finalmente, a mitigação dos impactos ambientais decorrentes do uso maciço e cumulativo no espaço e no tempo das novas gerações energéticas.

Vale a pena ler sobre este tema um importante paper produzido no FMI: “Riding the Energy Transition: Oil Beyond 2040” (2).

No que ao nosso país diz respeito pode concluir-se, sobretudo dos dois quadros que retirei do referido estudo, que não só seria uma estupidez sem limite entrarmos agora numa aventura tardia de exploração de hidrocarbonetos nas costas alentejana e algarvia (deixem a guerra do gás onde está!), como parece ter chegado a oportunidade de obtermos finalmente um consenso energético nacional claramente favorável à prioridade da energia elétrica num país ainda tão dependente da importação de carvão, gás natural e petróleo. Se houver este consenso, nomeadamente entre todos os partidos parlamentares, a nossa economia poderia começar, mais cedo do que outras, a girar em volta do paradigma que promete relançar o planeta na próxima era de prosperidade sustentável. Há, de facto, uma janela de oportunidade. Mas falta o principal: diminuir o peso das burocracias que entorpecem regime, e reformar de alto a baixo o nosso paradigma fiscal parasitário. Teremos, como propõe Carlota Perez (Beyond the Technological Revolution), que taxar mais os lucros especulativos e de curtíssimo prazo do que os de médio e longo prazo, teremos que diminuir a carga fiscal sobre o trabalho, teremos que introduzir o Rendimento Básico Incondicional, e teremos ainda, proponho eu e muitos outros, que introduzir algoritmos de descentralização e transparência nos domínios económico-financeiros (cripto moedas e moedas locais), no comércio, na política e nas áreas sociais e culturais.

Repare-se como Portugal se afastou rapidamente do carvão. Poderá fazer o mesmo com o petróleo.

NOTAS

  1. All but one of the 11 postwar recessions were associated with an increase in the price of oil, the single exception being the recession of 1960. Likewise, all but one of the 12 oil price episodes listed in Table 1 were accompanied by U.S. recessions, the single exception being the 2003 oil price increase associated with the Venezuelan unrest and second Persian Gulf War.
    —in James D. Hamilton, “Historical Oil Shocks”, 2011 (PDF)
  2. Recent technological developments and past technology transitions suggest that the world could be on the verge of a profound shift in transportation technology. The return of the electric car and its adoption, like that of the motor vehicle in place of horses in early 20th century, could cut oil consumption substantially in the coming decades. Our analysis suggests that oil as the main fuel for transportation could have a much shorter lifespan left than commonly assumed. In the fast adoption scenario, oil prices could converge to the level of coal prices, about $15 per barrel in 2015 prices by the early 2040s. In this possible future, oil could become the new coal.
[...]
From wood to coal to oil, the transition patterns remain similar. Fouquet's (2010) study of the United Kingdom indicates that it takes around 50 years for energy transitions to take place. Wilson and Grubler (2011) find that global changes require 80-130 years, while Vaclav Smil estimates that it takes 50-70 years (Lacey 2010) for new resources to reach a significant level. In a similar vein, Grubler’s (1990) work The Rise and Fall of Infrastructures highlights consistent 55-year intervals between the development of the canal, railway, and surfaced road networks in the United States (Grubler 1990, p. 276).
[...]
What we envisage at the horizon of the early 2040s could be a completely transformed oil market as the result of a technological revolution in transportation. The displacement of motor vehicles by electric vehicles would take away the special role oil has enjoyed over transportation since World War II. The elasticity of oil demand would increase as it would have to compete with coal, natural gas, nuclear and renewables on the energy market. The rise of renewables could even upend the role of fossil fuels in the energy mix all together.

IMF Working Paper 
Institute for Capacity Development
Riding the Energy Transition: Oil Beyond 2040
Prepared by Reda Cherif, Fuad Hasanov, and Aditya Pande1
Authorized for distribution by Ray Brooks and Ralph Chami
May 2017


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