sábado, outubro 11, 2003

Outro PS por favor 1

Escândalos de corrupção e pedofilia afundam o Partido Socialista.


Paulo PedrosoO-A-M
blog #16
Sábado, Outubro 11, 2003

1. Precisamos de ponderação em vez de histeria mediática.

A leitura de um instrutivo livro sobre a pedofilia e os seus mitos recentes, que recomendo vivamente [«Harmful to Minors, The Perils of Protecting Children from Sex» -- Judith Levine, 2003], leva-me a reflectir sobre a actual histeria mediática em volta do escândalo Casa Pia no sentido de uma maior racionalidade analítica. Nos Estados Unidos, segundo o estudo citado, tudo aponta para que os casos de violência sexual não familiar que conduzem ao rapto e assassinato de crianças não atinja anualmente um valor superior ao compreendido entre 1 em 364 mil e 1 em um milhão de crianças. Por outro lado, ainda nos Estados Unidos (em Portugal, como se sabe, não há estatísticas fiáveis de nada), o número de detenções por violações e outras ofensas sexuais foi aproximadamente, em 1993, de 1% de todas as prisões realizadas. Também se sabe que a histeria securitária em volta dos tabus sexuais, estimulada pelos média e invariavelmente potenciada pela Direita social e política, por alguns grupos feministas conservadores em matéria sexual, e ainda por agrupamentos religiosos sumamente hipócritas, tem pressionado os poderes políticos a agirem de forma precipitada e irresponsável, se não mesmo ilegítima. Sabe-se que neste tema sensível da Justiça internacional, num mundo onde as crianças e os jovens com idade inferior a 18 anos são «adultos» para estudar, são «adultos» para trabalhar, são «adultos» para consumir, são «adultos» para cumprir penas de prisão por terem entrado ilicitamente num sistema informático (ainda que sem produzir estragos), e ainda são «adultos» para vestirem uma farda militar e participarem numa guerra, tem havido frequentemente excesso de zelo mediático, policial e jurídico no específico âmbito dos chamados casos de pedofilia. Montagem de provas e de testemunhos, provocações policiais (muito comuns na Web), chantagens económicas, profissionais e políticas, têm por vezes servido para forçar o desenlace de investigações sobre ocorrências sexuais criminalizadas, abusos sexuais efectivos e crimes conexos, no sentido de uma pré condenação pública à revelia do normal funcionamento das instituições competentes estabelecidas pelos Estados de Direito desde há muito. Ora isto é civilizacionalmente intolerável.

Dito isto, e no caso vertente, nada aponta, porém, no sentido da cabala propalada por altos dirigentes do Partido Socialista no calor da espectacular detenção de Paulo Pedroso. Pelo contrário, a Justiça Portuguesa, conhecida pelas suas cautelas proverbiais na abordagem da criminalidade oriunda dos chamados colarinhos brancos (onde se incluem tanto o poder económico como o poder político estabelecidos), só muito improvavelmente actuaria, no caso vertente, de forma aventureira. Ou melhor dito, a probabilidade de uma actuação descuidada (tanto na investigação policial, como na instrução do processo) parece-me muito baixa. Houve um continuado «abuso sexual» de menores na Casa Pia (embora possamos discutir se esse «abuso» envolveu consentimento ou implicou violentação da vontade das vítimas). Houve montagem de uma rede clandestina para o efeito. Esta rede dedicou-se, não apenas a viabilizar os abusos, mas muito claramente também ao tráfico e exploração sexual de menores, tendo por clientes figuras públicas, cujo anonimato esteve sempre obviamente em causa, exigindo as necessárias garantias, que só uma organização criminosa poderia, em princípio, assegurar. Quem foram os clientes desta rede? Carlos Cruz? Paulo Pedroso? Jorge Ritto? Ferro Rodrigues? Que sobre eles paira uma suspeição pública, é daquelas evidências que não necessita de argumentos! E quem foram os coniventes desta mesma rede? Pois todos aqueles que, sabendo da sua existência, mesmo não tendo usufruído dela, nada fizeram para a sua denúncia e desmantelamento.

Porque havia indícios mais do que suficientes, o Juíz de Instrução impôs a medida de coacção máxima aos suspeitos entretanto constituídos arguidos deste monumental processo judiciário e jurídico: Carlos Silvino, João Ferreira Diniz, Hugo Marçal, Jorge Ritto, Carlos Cruz e Paulo Pedroso. Note-se que não estamos a lidar com um processo judicial envolvendo um caso de pedofilia singular, protagonizado por um indivíduo e uma ou duas vítimas, sobre o qual poderemos aventar a hipótese de uma confusão de protagonistas ou um falso testemunho ditado por uma vingança. O que temos pela frente é uma rede de pedofilia, dedicada à exploração sexual de menores, da qual foram clientes muitas dezenas de pessoas, algumas delas figuras públicas, que reiteradamente abusaram sexualmente de menores, pagaram directa ou directamente pelos «serviços» prestados, e que sabiam perfeitamente das ilegalidades em que estavam envolvidas. A probabilidade de estes indivíduos poderem provar a sua inocência ou inimputabilidade diante de uma compilação de factos e testemunhos séria e solidamente organizada parece-me pois muito escassa. Os advogados têm aliás demonstrado que lhes resta apenas uma única via estreita de actuação: lançar o descrédito sobre a investigação, sobre a instrução e sobre o julgamento, arrastando o processo de incidente processual em incidente processual, até que alguma milagrosa solução (processual ou política) venha esvaziar o caso de substância jurídica nos casos politicamente mais sensíveis. Tentaram afastar o actual Juiz de Instrução do Processo e tentarão daqui para a frente afastar o actual Procurador da República. Para tal, pressionam tudo -- por exemplo, as regras do segredo de Justiça -- e todos, incluindo partidos políticos, tribunais, orgãos de comunicação social, Governo, Parlamento e Presidência da República.

Apesar da evidência dos indícios, e da gravidade das ocorrências (trata-se de desmantelar e punir uma rede criminosa na qual estão envolvidas altas personalidades da vida pública e política portuguesa!) não vejo que seja necessário, do lado das vítimas e dos seus defensores, pressionar as instituições e embeber a opinião pública de pré-juízos, nomeadamente com marchas brancas e iniciativas congéneres. Em vez de procedimentos de intoxicação psicológica, venham donde vierem, precisamos de mais transparência informativa, de diálogo competente e do respeito absoluto do segredo de Justiça. O caso deve seguir os seus trâmites, o acompanhamento público deve manter-se particularmente activo, e quem infringir o segredo de Justiça deve ser incriminado. Há um manifesto interesse público na substância deste caso, mas para que esta venha a ser efectivamente conhecida importa cuidar da forma do Processo. O Ministério Público tem assim um gigantesco desafio à sua frente.

2. Precisamos doutro PS

Em Política o que parece é! E o que parece, neste caso, parece muito grave: o porta-voz de um dos pilares partidários do actual regime democrático é suspeito de pedofilia; e sobre o próprio Secretário-Geral e líder da Oposição chegaram também a pairar suspeitas semelhantes, que o tempo não dissipou inteiramente. Nenhuma destas personalidades foi acusada de nada. Mas existe uma pesada dúvida na opinião pública (i.e. entre os cidadãos eleitores) sobre a integridade comportamental destas duas individualidades. Manda a lógica cultural da democracia que, perante dúvidas tão perturbadoras, os dois se tivessem imediatamente demitido dos respectivos cargos políticos. Foi assim em casos de muito menor gravidade, embora escandalosos, que atingiram múltiplas personalidades políticas: Miguel Cadilhe, Carlos Borrego, António Vitorino, Murteira Nabo, Armando Vara, Isaltino de Morais, Pedro Lynce e Martins da Cruz. Todos eles, perante a dúvida instalada na opinião pública, fizeram o que se esperava que fizessem: demitiram-se (ou foram demitidos). Não foi assim no caso Paulo Portas, não foi assim no caso Fátima Felgueiras e não foi assim no caso dos políticos directa ou indirectamente implicados no escândalo de pedofilia da Casa Pia.

Vejamos este últimos casos um por um.

Paulo Portas não foi constituído arguido de coisa alguma em relação ao caso da Universidade Moderna. No entanto, a investigação jornalística mostrou à saciedade que o seu comportamento enquanto gerente da Amostra fora mais do que reprovável e moralmente incompatível com o exercício de um cargo governamental. A sua permanência no governo de coligação tornar-se-ia, depois deste episódio, na lenta agonia do PP e do seu líder. O futuro do político chegara ao fim, mas pior do que isso, o seu lento declinar acabará por apagar o PP do mapa partidário português.

Fátima Felgueiras foi constituída arguida num caso de corrupção com contornos nitidamente partidários, contemplando assim ilícitos que não se circunscreveram apenas ao âmbito dos benefícios pessoais. Muito antes de o escândalo ter dado lugar à acção do Ministério Público, i.e. quando o Partido Socialista ainda era Governo, o então Presidente da Assembleia Municipal de Felgueiras, Barros Moura, demitiu-se depois de conhecer alguns dos factos comprometedores que viriam mais tarde a servir de base para a ordem de detenção. O Partido Socialista, cujo aparelho era então liderado por Jorge Coelho, nada fez. Ou melhor, deu escandalosa cobertura política ao que se afigurava já, nomeadamente por via das investigações jornalísticas, como um caso sério de possível envolvimento da Presidente da Câmara em actos de corrupção. Os caricatos episódios que se seguiram produziram uma profunda mossa moral no edifício do Partido Socialista.

Paulo Pedroso foi detido em pleno Parlamento pelo Juíz de Instrução encarregue do processo Casa Pia, tendo-lhe sido imposta a medida de coacção máxima (prisão preventiva), sob suspeita de participação em práticas sexuais com menores. Em vez de, perante a gravidade da situação, ter suspendido imediatamenmte as suas funções de deputado e o seu cargo de porta voz do PS, até que o caso fosse cabalmente esclarecido, ficámos ontem (dia 10 de Outubro) a saber que tal decisão havia sito tomada, não por um imperativo ético-institucional, não por uma óbvia obrigação moral, mas aparentemente apenas devido à impossibilidade física de continuar a exercer ambas as actividades! De facto, assim que o Tribunal da Relação deferiu o Recurso interposto sobre a sua prisão preventiva, ficámos todos a saber -- estupefactos -- que o deputado e o núcleo duro da actual Direcção do PS pretendiam o seu regresso às lides partidárias e parlamentares, antes mesmo de terminar a instrução do processo que lhe fora movido pelo Ministério Público. Em vez de ir para casa, Paulo Pedroso foi para o Parlamento, como se o motivo da sua prisão e da acção legal que corre contra ele fosse político! O Parlamento viu-se assim, depois da libertação de Paulo Pedroso, literalmente vandalizado pelo entusiasmo socialista, numa manifestação de boçalidade democrática só comparável à famosa exaltação dos socialistas de Felgueiras em volta da sua querida autarca. O Partido Socialista vai pagar muito caro este desaforo e esta estupidez.

O líder do Partido Socialista, Ferro Rodrigues, sobre o qual não deixou de pairar uma nuvem de perplexidades e interrogações sem resposta, tem-se comportado em todo este processo de forma absolutamente lamentável. Não percebeu que a única decisão decente a tomar, face às proporções do escândalo e das suspeitas públicas, teria sido a imediata suspensão das suas funções parlamentares e partidárias, em nome do esclarecimento público e jurídico do caso em que se vira envolvido. Não percebeu ou não quis perceber que o PS teria atravessado esta crise doutra forma se a direcção dos seus destinos tivesse sido entregue ao Conselho Nacional, o qual nomearia novo porta-voz das suas decisões, mantendo-se sem Secretário-Geral até que um congresso extraordinário, a convocar, elegesse novo líder. Ao invés, manteve-se no poder como um dirigente assombrado pelas mais perturbadoras dúvidas. Culminando tamanha desgraça, Ferro Rodrigues recebe em apoteose Paulo Pedroso na Assembleia da República, e no dia seguinte acusa os média de propagarem uma agitação populista roçando perigosamente o comportamento típico da Extrema Direita. É incrível o modo como o Secretário-Geral do PS amplifica e radicaliza uma inoportuna e recente deixa do Presidente da República (implicitamente alusiva ao Processo da Casa Pia) sobre os perigos de «populismo justicialista». Como se não houvesse vítimas, como se não houvesse uma rede criminosa por desmantelar, como se Paulo Pedroso, entre outros, não fosse efectivamente arguido num caso tão espectacularmente escandaloso e prejudicial à imagem do Poder em Portugal. Como se tudo isto fosse um «fait divers» (expressão empregue por Ferro Rodrigues a propósito das ovações a Paulo Pedroso na Assembleia da República no dia em que foi libertado da medida de prisão preventiva)...

Registo um entranhado machismo no modo como muitos dos dirigentes do PS vêm lidando com esta situação. Defendendo à toa os seus correligionários, sem olhar o problema no seu conjunto, ou mantendo um silêncio táctico sobe o assunto, em ambos os casos parece evidente a sua sobranceria jacobina, como se de facto imperasse entre nós (e só os ingénuos não soubessem) duas igualdades perante a lei: a da gentinha coitada sem instrução, sem meios económicos, sem influência, e a da gente fina, onde corre a linfa protectora da consanguinidade dos poderosos. Registo o comportamento exemplar do Juíz Rui Teixeira. Registo o infeliz comportamento do Presidente da República, neste como noutros temas quentes da nossa actualidade. Registo a pressa e o aventureirismo de Ana Gomes (a quem sempre vou dizendo que da boca de Ramos Orta ouvi um dia dizer que apenas havia conhecido um verdadeiro Ministro de Negócios Estrangeiros Português, Durão Barroso...). Registo, por fim, a atitude de Estado do Primeiro Ministro, que a manter-se, permitirá aos Portugueses a esperança de ver todo este imbróglio resolvido, doe a quem doer.

Desde que abandonei o Trotskismo, por volta de 1980, votei consecutivamente no PS. E também votei duas vezes em Jorge Sampaio. Duvido que o volte a fazer nos anos mais próximos. Até porque, no imediato, não terei outra alternativa ao dever de agir civicamente num caso que, de dramático, ameaça transformar-se em monstruoso. Outro PS por favor!

Em tempos escrevi que o fim da bonança Comunitária traria consigo uma grave crise a este País. Pois já começou. -- ACP

Sobre o mesmo tema:

O Dilema dos Prisioneiros e os perigos da sub-optimização, in O Antonio Maria
Rede pedófila, defesas perigosas, in Blog de O Antonio Maria
Acórdão do Tribunal da Relação, in O Independente

¶ 10:58 PM

sábado, outubro 04, 2003

Discussão da tanga

Os jogos da sedução erótica tendem para uma transparência cada vez maior.


SirenssecretsO-A-M
blog #15
Sábado, Outubro 04, 2003
 
Até em França se vai tornando problemático gerir a erotização global em curso - fruto de uma socialização daquilo a que Anthony Giddens chama a "sexualidade plástica" -, hiper estimulada pelos omnipresentes e capilares canais mediáticos e por uma cultura a que eu chamaria, ora de consumo imaginário, ora de consumo criativo.

A polémica rebentou entre as direcções de algumas escolas secundárias, alunas, pais e Ministério da Educação, em volta da tanga: uma cuequinha minimal (o famoso fio dental), que deixa as nádegas completamente à vista. Sucede que entre as jovens francesas, seguramente estimuladas pelas equações televisivas do género "o que é bonito é para se ver e além disso quem sabe se não seremos catapultadas um dia destes para a fama num qualquer ambicionado Big Brother", usar uma tanga, "une string", "a thong", e uns Jeans pelas ancas (deixando apreciar o que a dita cuequinha exibe provocadoramente) é o máximo!

Para alguns, socialistas moralistas incluídos, este entusiasmo feminil conduz a reduzir a mulher a um traseiro, o que não deixa de ser uma imagem desmiolada da nova fêmea do séc.21. Para outros, mais institucionalmente vigilantes e preocupados, há o dever de avisar as moças para as consequências potenciais deste género de exibicionismo erótico (provocações verbais, assédio sexual e violações). Recomenda-se, pois, uma conversa franca e esclarecedora com as raparigas sobre a necessidade de contextualizar o uso da moda, por exemplo, de modo a evitar desestabilizar sexualmemte os ambientes supostamente frios da concentração intelectual inerentes aos perímetros académicos.

Eu tenho, porém, uma teoria sobre estes exibicionismos: homens e mulheres de carne e osso têm cada vez mais que competir com os modelos mediáticos e digitais que afluem massivamente contra cada um de nós. Numa sociedade em que a sexualidade não reprodutiva ganha uma prevalência definitiva sobre a sexualidade reprodutiva e os seus tabus, os jogos da sedução erótica tendem inevitavelmente para uma transparência textual e iconográfica cada vez maior. O problema é, uma vez mais, o de saber gerir a Complexidade. E também, o de saber gerir a transição de uma sociedade sexualmente reprimida e obscurantista para o reino da sexualidade plástica, socialmente assumida como um jogo entre iguais. -- ACP

Referências:

+01: a sugestão deste artigo veio dum mail de Nilo Casares s/ o artigo do Le Parisien, de 03/10/ 2003, " Pas de string à l'école", assinado por Stéphane Sellami.

+02: aconselho vivamente a leitura de "The Transformation of Intimacy", de Anthony Giddens.


sexy string

¶ 1:01 PM

quarta-feira, outubro 01, 2003

Pornografia doce

A família tradicional, matrimonial e reprodutiva, entrou em crise e nada parece poder evitar o agravamento da mesma.


LuciaO-A-M
blog #14
Quarta-feira, Outubro 01, 2003

Se repararmos na evolução populacional e moral das sociedades industriais e pós-industriais verificamos uma tendência implacável para a baixa da natalidade, para o envelhecimento da população e para a recessão da heterosexualidade estrita. A reprodução da espécie deixa lentamente de ser uma prioridade da própria espécie. As causas principais desta modificação filogenética são a diminuição drástica da economia agrícola de subsistência, o fim progressivo da economia familiar nas cidades, a proletarização da mulher e o alargamento dos períodos de educação escolar obrigatória. A família tradicional, matrimonial e reprodutiva, entrou em crise e nada parece poder evitar o agravamento da mesma. A percepção da família como um contrato cada vez mais temporário, do qual decorrem sucessivas reconstituições do agregado, dando origem a todo o género de originalidades jurídicas, meta-parentais e afectivas, origina, por outro lado, uma revisão progressiva dos tabus sexuais em que assentaram as ideologias e condutas humanas no decurso dos últimos milénios, bem como a redefinição cultural da função sexual e do erotismo. Também neste ponto, o século em que acabamos de entrar promete radicalizar algumas novidades comportamentais, de algum modo já anunciadas nas últimas décadas do século XX.

O crescimento e a aceitação social progressiva da homossexualidade masculina e feminina conduziu directamente à noção, hoje plenamente partilhada, de que a liberdade sexual é uma conquista razoável, e que, por conseguinte, o direito a uma sexualidade alternativa deve passar a constar dos direitos constitucionais do cidadão. À pergunta sobre os limites desta liberdade, ninguém parece, por agora, disposto a responder. Mas lá chegaremos, mais cedo do que se espera.

A primeira separação metodológica a operar neste debate é a diferença entre consentimento, exploração e coacção. Os dois últimos termos dizem respeito ao universo da moralidade e da legalidade democráticas, devendo ser tratados no mesmo plano político e jurídico de todas as causas relativas à integridade física, económica, social e moral das pessoas. No universo do consentimento, pelo contrário, reside a discussão interessante e fecunda que possamos vir a ter sobre a nova sexualidade. A primeira ideia a caminho de se tornar pacífica é a de que o sexo, quer dizer, a prática sexual, além de dever ser uma actividade livre, consentida e gratuita, pode ser ao mesmo tempo, embora num plano subjectivo e emocional distinto, objecto de actividades profissionais e económicas diversas. A polémica aqui resume-se ao debate sobre a necessidade da descriminalização, regulação e legalização da prostituição.

Numa era em que a sexualidade não-reprodutiva se tornou omnipresente ninguém consegue explicar porque consideramos normal esmagar os neurónios do adversário num combate de box, ou matar touros num espectáculo público, ao mesmo tempo que se condena a prestação de serviços sexuais. A objecção da SIDA não vale, na medida em que atravessa todos os regimes da actividade sexual sem excepção.

Legalizada a homossexualidade masculina e feminina, assim como a bissexualidade, fica por clarificar quais as concordâncias e reservas mentais relativamente às chamadas perversões sexuais que estão para lá do coito anal e do coito oral, hetero ou homossexual. Que resposta daremos, por exemplo, aos tabus do incesto, da pedofilia, da zoofilia, da coprofilia e do sado-masoquismo, entre outros?

Antes mesmo que as sociedades pós-modernas estejam preparadas para discutir estas questões, a pornografia deflagrou como uma verdadeira bomba mediática diante de todos nós (adultos e crianças). Em Portugal, por exemplo, um canal com direito de transmissão comercial numa televisão participada pelo Estado exibe regularmente filmes pornográficos "hardcore". Tal como noutros países, em que este fenómeno também ocorre, e tal como sucede na Internet, os "sites" e canais pornográficas são os responsáveis "invisíveis" do sucesso comercial de muitos iniciativas empresariais "inocentes". Assistimos, aliás, ao nascimento de inúmeras actividades profissionais dedicadas à eliminação dos tabus sexuais e à defesa declarada da criatividade erótica. Os ginásios de libertação sexual sucedem-se à moda dos consultórios eróticos já disseminados pela generalidade dos média. Mas tal como ocorre no universo do tráfico ilegal de drogas, os grandes "trusts" da exploração sexual tentarão manter as suas quotas de expoliação, militando nos labirintos oportunistas do poder, a favor do proibicionismo sexual .

A sobre-exposição erótica actual, de que a tendência para a progressiva aceitação social da pornografia é o melhor reflexo, coloca alguns desafios interessantes à arte contemporânea. O erotismo sempre foi uma prerrogativa das artes. Estas tinham, por assim dizer, uma autorização especial para lidar com a exposição dos corpos e a representação da líbido. Porém, com a predominância do Informalismo, da Abstracção e em geral do puritanismo iconoclasta na arte moderna, o artista vanguardista afastou-se daquele território privilegiado da representação poética e do erotismo, deixando-o entregue à fotografia, ao cinema e à televisão - lugares novos da representação, onde se acumulam os domínios linguísticos, outrora bem delimitados, da imitação mais ou menos imaginária do mundo, da sua cópia aparente, da informação e da produção de estranheza... A rejeição da líbido praticada pelas vanguardas puritanas vale o que vale uma tendência afinal breve e superficial da estética ocidental. O século em que acabamos de entrar vai assistir ao varrimento completo dalgumas das tendências mais implosivas da Abstracção e do Conceptualismo, ressuscitando pedagogicamente o saudável erotismo e a saudável anarquia do dadaísmo, de que o Situacionismo de Guy Débord foi a última grande manifestação. A arte que aí vem ressuscitará ainda a crítica radical e subjectiva do mundo, retomando a lógica inicialmente corrosiva da Arte pop, protagonizada, entre outros, por Richard Hamilton e Öyvind Fahlström, artistas quase sempre subestimados pelas pseudo-histórias da arte do século XX. A pornografia tem efeitos terapêuticos e pode mesmo ser tomada como uma modalidade de filosofia radical, centrada na carne, na percepção e nos fantasmas da imaginação. Como pudemos deixar de considerá-la um assunto sério da arte? -- ACP

Nota: texto publicado em 2001 no cat. "De-Game". -- ACP

¶ 7:52 PM

terça-feira, setembro 30, 2003

Adrian Lamo

O FBI prende ‘pirata’ informático



Papel electrónico

Até agora a imagem electrónica precisou de tubos catódicos, de écrãs de cristais líquidos ou mais recentemente de paineis planos de TFT. Pois bem, uma notícia interessante para as artes visuais: vem aí o papel electrónico! Em Eindhoven, na pequena mas activa Holanda, a Philips trabalha a grande velocidade no desenvolvimento de um papel capaz de mostrar imagens digitais, fixas ou movimento! [in Scientific American] -- ACP

¶ 2:21 AM

Adrian Lamo: super hacker perseguido pela Justiça americana.

A paranóia securitária da pandilha Bush, sob a qual corre um imenso rio de corrupção e mentira, ameça de forma cada vez mais reaccionária a liberdade de imprensa nos EUA. Desta feita, sob o chapéu do Patriotic Act, o FBI ameaçou os média norte-americanos de sanções, caso se atrevam a noticiar documentadamente a ordem de busca e prisão emitida contra o super hacker Adrian Lamo, responsável por algumas das mais notáveis (e cooperantes) intrusões nos sistemas informáticos (basicamente sites e intranets) de empresas tão notórias quanto o Yahoo!, Excite@Home e Blogger. O gigante de telecomunicações WorldCom agradeceu mesmo a Adrian Lamo o facto de este lhes ter revelado (e depois ajudado a tapar) alguns buracos de segurança no seu sistema, os quais poderiam permitir, por exemplo, aceder às intranets de instituições financeiras tão importantes quanto o Bank of America, o Citycorp, ou o JP Morgan! Vale a pena seguir a notícia e a discussão. E pôr as barbas de molho quando acedemos às nossas contas bancárias via web. Eu faço-o, mas tomando várias precauções. [in The Register] -- ACP

¶ 4:02 AM

O-A-M
blog #13
Terça-feira, Setembro 30, 2003

domingo, setembro 14, 2003

Pedro Cabrita Reis 2

Estatuária e cinismo: da pseudo autoria aos artistas fantasmas.


O-A-M
blog #12
Domingo, Setembro 14, 2003
IMG: AC-P

A mal explicada história do monumento ao alcaide da Maia.

Ao contrário do que ocorre nas mais importantes actividades artísticas contemporâneas, todas elas integradas no "modus operandi" económico-financeiro, comercial e tecnológico do capitalismo (arquitectura, cinema, televisão, música, jogos electrónicos, ...literatura), as artes plásticas, as chamadas "artes visuais", parecem ignorar sistematicamente o importante dossiê da autoria e respectivos direitos. Enquanto uma cabeleireira tem o direito a ver o seu nome na ficha técnica de um filme de Joaquim Leitão, o tradutor inglês de uma novela da Clara Pinto Correia tem que aparecer devidamente assinalado em cada exemplar impresso, o arquitecto que desenvolva criativamente um dado projecto assinado por Manuel Gaça Dias deverá surgir como co-autor do mesmo, um disco dos Madredeus pressupõe a explicitação dos nomes dos vários componentes da banda, dos nomes dos autores das músicas, dos nomes dos autores das letras, dos nomes do produtor e da etiqueta do editor, já no caso dos artistas oriundos das Belas-Artes, a coisa parece continuar a funcionar de um modo menos que medieval e muito corporativo. Não me refiro obviamente a meros assistentes, que limpam pinceis, atendem telefones, amassam o barro, preparam telas, ou duplicam DVDs. Estamos a falar de especialistas e de intérpretes que, por um motivo ou outro, são chamados ao desenvolvimento de um dado projecto criativo, com determinadas exigências técnicas, formais e criativas, que o autor da obra não domina ou não pode executar sem o apoio de outros saberes. Tirar um molde e produzir uma escultura de fibra de vidro para uma instalação do Julião Sarmento, ou executar uma pintura mural de acordo com uma maqueta do mesmo autor, seria ou não muito diferente de tocar uma partitura de Mozart para piano? Já imaginaram a Maria João Pires prescindir do seu nome e autoria na interpretação de uma peça do dito compositor? O "Thriller", de Michael Jackson, teria sido o mesmo "thriller" sem Quincy Jones? Poderia alguma vez ter chegado às prateleiras das lojas sem a explicitação autoral do seu mítico produtor?

A questão é mesmo capaz de vir a tornar-se juridicamente interessante, nomeadamente à luz da legislação mundial e europeia vigente, por exemplo, relativa à "co-autoria", à "obra derivada" e ainda ao chamado "droit de suite". Não tendo havido renúncia expressa aos direitos de autor, eles podem muito bem ser reclamados mais cedo ou mais tarde, bastando para tal invocar a legislação que assiste a este ou aquele co-autor "fantasma", a este ou aquele autor de uma "obra derivada".

Recentemente, Pedro Cabrita Reis (PCR) foi convidado para celebrar em forma de estátua a memória do falecido Presidente da Câmara Municipal da Maia. Da completa incongruência do resultado, quando visto à luz do perfil propagadamente vanguardista do autor, do conservadorismo intrínseco do empreendimento (aliás com antecendentes conhecidos na sua obra, embora nunca discutidos, e sequelas que porventura estarão por vir), já escrevi em tempo o suficiente (ver blog respectivo). Agora gostaria de entrar numa outra ordem de problemas, menos ideológica, mas igualmente grave - desta vez no plano ético. Refiro-me ao problema da autoria, ou melhor dito, ao problema da autoria partilhada, mas publicamente censurada.

O monumento da Maia, encomendado inicialmente ao arquitecto Eduardo Souto de Moura, que aliás lhe desenhou a base, foi parar, na parte que diz respeito à famigerada estátua, ao escultor Pedro Cabrita Reis, o qual aceitou livremente o convite e a encomenda. O desafio era pesado: homenagear um político local que dominou os destinos da autarquia desde a época em que fora deputado à Assembleia Nacional (1973), no preciso momento em que muito justamente a cidadania reclama a limitação dos mandatos dos Presidentes de Câmara e o fim do caciquismo que esta lacuna constitucional acaba por estimular, obrigaria o mais apolítico dos artistas a um extraordinário exercício de imaginação e sabedoria.

Invocar ingenuamente a legitimidade democrática efectiva do personagem e a sua função, invocar criticamente a ocasião para, por exemplo, reintroduzir polemicamente o debate da "arte pela arte", ou o debate sobre a eventual necessidade de um regresso "à ordem" em matéria de representação, tudo isto na humildade de um acto criativo puro e desinteressado, poderia ter tido pernas para andar. As barbaridades "modernas" e "abstractas" da escultura que vem poluindo o imaginário deste País democrático, desde 1974, em tudo que são praças, rotundas e viadutos pagos com os nossos queridos impostos, desde o hediondo monumento a Sá Carneiro, do escultor Soares Branco, ao indescritível pirilau de Abril saído das mãos empoeiradas do escultor José Cutileiro, passando pelo inacreditável Parque dos Poetas do Sr Isaltino, têm que ser definitivamente denunciadas como enormidades estéticas, que são. O ensino artístico precisa de uma reforma profunda (e não de verborreia cabotina e mais nepotismo); os senhores vereadores dos pelouros culturais precisam de passar exames de história de arte e antropologia estética antes de poderem candidatar-se aos cargos públicos que ocupam, ou então entregarem a responsabilidade institucional das encomendas a concursos públicos devidamente organizados; e a chamada "liberdade artística" implícita no lugar comum "gostos não se discutem" tem que sofrer uma revisão drástica, sob pena de continuarmos a ver crescer como cogumelos todo o tipo de aberrações e idiotias sob o nome indefeso da arte.

Se tivesse havido mais inteligência, e sobretudo criatividade genuína, este poderia ter sido o palco oportuno para uma necessária revisão histórica dos paradigmas mais que corrompidos da chamada "arte moderna". Não foi PCR quem elegeu sucessivamente o carismático edil, mas a população e as forças económicas da Maia. Portanto, a sua obra deveria reflectir simultaneamente aquele homem recentemente falecido e as suas circunstâncias. Deveria ser capaz de ultrapassar o artificialismo oficioso da homenagem (não houve, que eu saiba, nenhuma petição popular, e sobretudo nenhuma discussão cívica sobre o tema) e fazer da futura presença iconológica um verdadeiro memorandum sobre a nossa democracia. Deveria, no plano estritamente formal e estético, recolocar no domínio próprio das artes plásticas, essa imensa região do realismo espectacularmente sequestrada pelos média do século 20. Refiro-me, claro, ao território da imagem que é a imagem de algo, à verosimilhança, às sombras e aos reflexos da complexidade recorrentemente atraída pelos microcosmos da percepção e da inteligência. Há muito que a BD, e mais recentemente esse fenómeno global chamado Manga, segura as pontas do sudário essencial da Estética a que chamamos "figuração". Falta, todavia, enterrar os sucedâneos descafeinados e académicos do Conceptualismo (actualmente reinante na burocracia mundial das artes), e deixar que os velhos pintores e escultores, agora necessariamente pós-conceptuais, info esclarecidos, tecno competentes e generativos, restabeleçam o nexo figurativo da imaginação estética. Que grande oportunidade perdida, meu caro PCR!

O boneco não está mal feito. Mas o que ali efectivamente existe, e é da responsabilidade exclusiva de PCR, não passa de um mono académico, sem graça nem conceito. Pior ainda: tendo sido os estudos preparatórios do retrato de Vieira de Carvalho desenhados, ao que sei, por Rosa Carvalho, e a escultura propriamente dita, criada por António Carvalho e dois assistentes, tudo pousado numa plataforma arquitectada por Eduardo de Souto Moura, sobraria apenas de quem assina (sem mencionar os preciosos ajudantes e co-autores) a expectativa de uma ideia, de uma visão, de uma provocação subtil, ou pelo menos, de uma direcção consistente e inovadora da forma. Mas nada. Nada a não ser um volume de barro sem graça, passado a bronze em Barcelona. Temo infelizmente que esse nada não seja um mal apenas circunstancial, mas o vazio resultante do mais puro cabotinismo intelectual e da mais lamentável falta de inspiração. -- ACP

¶ 11:53 PM

sábado, setembro 13, 2003

Vontade e Terror

O 11S e a questão do terrorismo


Robespierre
O-A-M
blog #11
Sábado, Setembro 13, 2003

Apesar de me considerar uma pessoa de esquerda, sempre fui radicalmente contra o Terrorismo, venha ele donde vier. Defendo a prevalência do princípio da cooperação sobre o princípio da guerra na resolução dos conflitos de vontades. No entanto, creio que a Guerra, apesar do terror que infunde, apesar da devastação que produz, talvez por obedecer 'ab initio' a um princípio de racionalidade jurídica (conflito de interesses, preparação militar, provocação, escalada, declaração de guerra, operações militares, definição do inimigo, suspensão temporária do conflito, negociação, eventual resolução do mesmo e tratado de paz), acaba por ser controlável se acatar as convenções internacionais que estipulam a sua disciplina, interditando, entre outras coisas, transformar a população civil e as suas infra-estruturas vitais em alvos militares. Todas as guerras são repugnantes e intoleráveis, mas se quando ocorrerem, respeitarem, apesar da sua bestialidade intrínseca, certas regras limitadoras, então poderemos alimentar e pressionar a esperança no sentido do fim rápido das hostilidades, bem como julgar todos os que, na dita guerra, cometeram ou patrocinaram actos considerados criminosos à luz das Convenções aplicáveis.

Ora é precisamente isto que não acontece no Terrorismo - também conhecido na gíria dos estrategas militares como Conflito Assimétrico (no qual se inclui ainda a Guerrilha). Basta ler Sade para ficarmos a saber que o Terror tem sido usado pelos homens desde sempre.

O que caracteriza o Terror, o verdadeiro Terror, ultrapassa em muito o chamado Terror Jacobino, que foi sobretudo uma forma de assassinato político juridicamente disfarçado, muito copiado ao longo do século 20 pelo Estalinismo e pelo Maoismo. O Terror do Terrorismo caracteriza-se pela sua clandestinidade e pelo seu secretismo, pela eleição de alvos civis, pela sua absoluta arbitrariedade, pela sua crueldade inaudita e pela sua espectacularidade. É, em suma, o paradigma da chamada Matança dos Inocentes. Dois exemplos Portugueses: o chamado Processo dos Távoras, no aparentemente longínquo século 18, e as primeiras chacinas perpetradas em Angola pela UPA/FNLA, contra os colonos brancos, seguidas dos massacres inflingidos pelas Forças Armadas Portuguesas a populações negras indefesas, em 1961.

Os bombardeamentos aéreos indiscriminados, realizados pelos Alemães sobre a cidade de Londres; a terrível resposta inglesa (Carpet-Bombing) sobre Colónia, Hamburgo e Berlin; o Processo da Exterminação dos Judeus pelo regime Nazi; os fuzilamentos sumários perpetrados pelas tropas falangistas de Franco; o apocalipse americano no Vietnam (com o emprego do Napalm e de armamento químico variado); os genocídios no Ruanda e as "limpezas étnicas" promovidas pelo Governo Sérvio do Sr. Milosevitch, são exemplos de como o Terrorismo pode e tem muitas vezes sido empregue como sub-sistema táctico num Sistema de Forças Convencional. Até hoje ninguém se atreveu a julgar formalmente a destruição atómica de Hiroshima e Nagasaki à luz de uma teoria do Terrorismo, e no entanto, aqueles actos apocalípticos não teriam podido ilustrar melhor a definição de Terrorismo acima proposta: clandestinidade e secretismo, eleição de alvos civis, arbitrariedade absoluta, violência inaudita e espectacularidade.

O Terrorismo tem-se manifestado ainda, ao longo dos tempos, como Terrorismo de Estado. Exemplos: o assassinato ritual dos Cristãos em Roma; a liquidação, em 1941-42, de 11.176 crianças da região do Monte Kozara pela milícia católica do Governo Croata; o extermínio estalinista dos Tártaros da Crimeia; a liquidação do Partido Comunista da Indonésia durante a triste era do "assassino sorridente", Suharto; a "Operação Condor" e o envolvimento norte-americano (Kissinger) no derrube violento do regime democraticamente eleito do Chile; o genocídio praticado na população de Timor Leste pelo mesmo Estado Indonésio; o genocídio dos Curdos Iraquianos por Saddam Hussein; os ataques suicidas do Hamas, etc. Todos estes casos podem ser vistos como exemplos paradigmáticos desta variante do Terror.

Embora possamos afirmar, parafraseando Carl von Clausewitz, que o Terrorismo é uma variante da Guerra, e como tal uma modalidade peculiar da continuação da Diplomacia por outros meios, a verdade é que existe entre a Guerra e o Terrorismo um abismo inultrapassável. Na Guerra, os motivos e os fins estão à vista, assim como o conjunto de regras que deve nortear as características do conflito bélico. Há, em suma, um princípio básico de economia e racionalidade, que em grande medida se confunde com o "modus operandi" do instinto territorial que norteia a generalidade das disputas violentas nas outras espécies animais. Pelo contrário, no Terrorismo continuado, o excesso de violência, o psicologismo das acções, a sua imprevisibilidade e os sistemáticos danos colaterais que promove, impedem qualquer racionalidade na disputa. Sem base de legitimação à vista, o Terrorismo continuado tende pois a transformar-se num fim em si mesmo, resvalando invariavelmente para o sectarismo e o mero banditismo sanguinário.

Num certo sentido, poderíamos resumir a grande diferença entre a Guerra e o Terrorismo continuado a um problema de produtividade e de competição. Enquanto na Guerra estamos diante de uma agonística em que a vitória de um não pode significar a destruição completa do outro (porque isso afectaria a produtividade da disputa), no Terrorismo, o atacante promove verdadeiramente a destruição prolongada das bases de entendimento mínimo do chamado pós-guerra. Daí que sempre que o Terror deixa de ocorrer como uma táctica momentânea do Jogo da Guerra, e se transforma numa estratégia ideológica, o mesmo, rebaixado agora à categoria de Terrorismo continuado, torna-se absolutamente intolerável, ao contrário da Guerra, cuja intolerabilidade é relativa, i.e. negociável. Talvez por isto, Stockhausen tenha falado de Bin Laden e da sua "obra prima", como se da obra genial de um Anjo do Mal se tratasse.

O Terrorismo islâmico é de facto a grande ameaça aos equilíbrios geo-estratégicos actuais. Devemos, porém, circunscrevê-lo às suas reais proporções, evitando cair na tentação (por ele mesmo promovida) de confundi-lo com qualquer País, e muito menos com a generalidade dos Muçulmanos (coisa que a Administração Bush parece incapaz de entender). Assim como os franceses do século 18 descobriram que a ilegalização dos Jacobinos não era assim tão complicada, pois estes eram na realidade muito menos do que se julgava, também nós, todos os potenciais alvos institucionais e humanos da Al-Qaida e suas congéneres deveremos esperar o esvaizamento progressivo das suas redes assassinas, desmontando paulatina mas sistematicamente as fontes de alimentação das suas redes.

Alguma coisa terá entretanto que ser feita quanto às gritantes assimetrias sociais existentes no Mundo. O modelo da globalização capitalista exacerbada, autofágica e fora de controlo terá que ser rapidamente reparado, se não mesmo substituído por outro mais equilibrado e justo. A sustentabilidade do Planeta dos Homens depende dramaticamente de algumas travagens a fundo (por exemplo, no modelo do consumo estupidificado, que arrasta atrás de si fenómenos tão gigantescos como o aquecimento global e a exaustão das principais fontes de energia não renovável). Os homens, por fim, têm que chegar a acordo sobre a necessidade de implementar juridicamente a proibição universal da Guerra e do Terrorismo. Em seu lugar, porque as disputas continuarão certamente a ocorrer, teremos que colocar novos modelos de agonística, muito mais produtivos, justos e pacíficos. Creio que este, e não qualquer outra fantasia tecno-futurista, deverá ocupar as melhores energias do século 21. Não é assim tão difícil. -- ACP

¶ 2:24 AM

sexta-feira, setembro 05, 2003

Documenta

"The Next Documenta Should Be Curated by an Artist"


In this blog :

01. Antonio C Pinto
02. Olu Oguibe*
03. High Art*
04. AA Bronson*
05. John Baldessari*
06. Jens Hoffmann*


01. ANTONIO C. PINTO
antonio.c.pinto@risco.pt
Date: Thursday September 04th, 2003 03:06 PM

Should the next Documenta be curated by an artist? Why not?

Though the problem may be elsewhere...
+ The the big issue is: why should an artwork cost more than a video game, or a movie ticket?
+ Or, why should "fine art" keep going running away from democracy?
+ Or, the 20th Century is over. Did anyone notice it?
+ Or, the only relevant art today should go cooperative, networked, instead of a dramatic choice between the Van Gogh hysterical paradigm and corporate culture.
+ The Next Documenta Should be Curated by a Network.
+ And The Next Documenta Should be about Re-Construction.


02. OLU OGUIBE
oguibe64@hotmail.com
Date: Tuesday July 15th, 2003 12:03 PM

For those of us who come from a constituency that consistently produces excellent, practising artists who are also excellent critics and curators (Fernando Alvim, Odili Donald Odita, Kendell Geers, Sue Williamson, this writer, etc) the idea of an artist-curated major exhibition is no longer radical. The upcoming first biennial of Luanda in Angola is to be directed by the conceptual artist Fernando Alvim. Of the four other individuals on his curatorial team, three are practising artists: Oladele Bamgboye (Documenta X artist and author of a book of art theory), Kendell Geers (Documenta XI artist and editor of a critical anthology on South African art), and this writer. We've been there and done that and proved that 1. it can be done competently and 2. it is not a panacea in and of itself.

The suggestion that artists should curate major exhibitions--or rather become "the" curators of major exhibitions, and that this would solve current curatorial problems is in fact quite juvenile; it proposes a solution without identifying the problem. Before proposing any group as alternatives to curators, it is essential to identify in what ways curators have come short of the demands and expectations of their calling. I do not intend to go into that here because I have already dealt with the question in widely available essays. Making light of the curatorial task has become a prevalent disease not only among disenchanted artists and spectators, but even more devastatingly, among so-called curators, and this accounts in no small measure for why they fail. It isn't exactly easy to curate a successful, decent exhibition on any scale, let alone on a major scale. As I pointed out in the ICI publication, "Words of Wisdom: A Curator's Vade Mecum", one requisite of curating is that the curator should have what Clement Greenberg would call a "good eye". A curator must not only have a good eye for the best work that fits the theme, he or she must also have a good eye for how the work plays in space, how it all comes together both conceptually and spatially, how it all makes both thematic and visual or spatial sense, like an orchestral composition.

Obviously, not everyone has a good eye, be they curator or artist. In fact, most artists working today do not even possess the eye to tell when their own work is successful, let alone determine successful works made by others. Also, having moved on from the age when curating was a mere historicist exercise and exhibitions were mere illustrations of art history, curating has become a highly intellectual and philosophical enterprise. It is not enough to put out some work or throw things together in a gallery space (the flaw, I am told, of the current Venice Biennale). A successful curatorial venture must exhibit intelligence in order for it to be remarkable. If many exhibitions fail today, it is in part because they are not informed by the subtle but sophisticated intellect able to pull works together in a memorable orchestration that speaks to the viewer. One is afraid to say that such intellect is not exactly to be found in abundance among any group. For lack of this ability many curators are no better than display assistants at Banana Republic and Payless Shoes Store, and probably ought to seek jobs in those chainstores if they are lucky enough to get hired, but I don't know many artists who would do much better. In other to make a successful exhibition the curator must show sensitivity to the work, and by sensitivity one means a careful, humble disposition to not only study and understand the work, but to respect it, also.

Many would agree that this is one area where our major curators today seem to come short. However, how many artists do we know who are disposed to show deep sensitivity to the work of other artists, enough to truly understand it and provide the ambience for it to fully realise its power? Beyond the fundamental elements of a good exhibition: the most appropriate and hopefully most powerful work within the perimeters of the theme, orchestrated in a manner that exhibits coherence or at least visual or thematic integrity, as well as sensitivity to and deep understanding of the work, there are of course other issues that have come to the fore in our globalized moment of practice, also. One of these is awareness of the inescapably polyglottal nature of our contemporanaeity. The good curator today, especially of major shows but also of minor ones, must exhibit awareness of this inherent diversity and depart the exclusionary myopia that privileged certain constituencies in art in the past and destroyed others through condescension and negligence. If curators--especially young curators--continue to fail in this area, one must point out that artists fare no better. Take for a good example this forum, "The Next Documenta should be Curated by an Artist", which on its list of invited commentators very blatantly excludes anyone of African descent. It is curated by an artist. The year is 2003. If this curatorial exercise is premonitory of the nature of the next Documenta, you can see right away why some may have difficulty with the notion of an artist curating the exhibition. As an artist-curator one understands artist's frustrations with current curatorial practice. However, a more viable approach to a solution is to advocate improvements in curatorial strategies and practice, irrespective of who curates, rather than suggest that artists would automatically curate better than practising curators. It is important now more than ever that a critical practice emerge around curatorship, one that vigorously brings it under scrutiny and helps it evolve positively.

Curating and dedicated curators have their place, at least at this moment in history. Eventually they will become redundant, and fade like the critic faded into the dustbin of history. However, they are here now and must be contended with, and our best bet is to challenge them to deliver. There are a number of others steps that can be taken, also. Some of these I addressed in my paper before the International Symposium on Contemporary Art Theory in Mexico City in 2002 ("The Curatorial Burden ). They include changes that artists must make in order to retake the initiative in their dealings with the culture industry; in order to re-empower themselves. However, taking over Documenta or Venice as curators is not among them because it is not important. On the very contrary, artists' obsession with spaces like Documenta and Venice, and their inability to think and work outside the little box of puny, sanctified moments is a crucial part of the problem. If curators today disregard artists and instead foreground themselves, it is because they've come to lose respect for artists, because they are aware of artists' subordinate position in the hierarchy of the culture industry. Artists will not change the situation or "subvert" it by asking to curate Documenta; that's beside the point. The late British rocker Ian Dury (of Ian Dury and the Blockheads) once said of Lou Reed: "Big deal! He is as subversive as a pack of chips." That's exactly what the idea on the table is; as subversive as a pack of potato chips. As long as artists grovel before curators, never saying no to exhibition offers even when they have reservations, never exhibiting any sense of integrity or principle, never aserting themselves outside the little prison of dealer-curator-biennial-New York Times listing, never taking the initiative to re-estabish direct contact with the spectator and community without being baby-nursed, insensitive, ignorant, careerist, opportunistic, even well-meaning but simply clueless curators will continue to subsume them.

Can an artist do a good Documenta? Yes, if she or he has the curatorial experience, intellect, mettle, organisational acumen, vision, sensitivity toward art and artists, and integrity to do a good, major exhibition, but not simply because they are an artist. Olu Oguibe has curated for the Tate Modern and the latere in Venice among many other spaces. He is also an exhibiting artist with works in shows currently running at the Migros Museum, Zurich, the Whitney Museum of American Art in New York, and New Museum, New York. He is a co-curator of the forthcoming 2nd Biennale of Ceramics in Contemporary Art, and the Luanda Biennale in 2005. His most recent book is The Culture Game.


03. HIGH ART
FEAR OF RETRIBUTION
highart@nyc.rr.com
Date: Saturday July 12th, 2003 08:48 AM

When I first received the e-mail from e-flux with Jens Hoffmann's name and a description of the proposal I thought to myself "oh man, another self congratulatory insider circle jerk." After all, from the outside having never met the person, I view Mr. Hoffmann's life's work as the kind of insider over-analytical under-intellectual examination and propagation of "high" art. An intellectual(ism) best left for the artists. (After all the idea of curator let alone art critic is a relatively new one in the history of art.

THE DEALERS USED TO BE THE CURATORS FOR SINGLE COLLECTORS MUSEUMS. Why do you think art was popular? Because the dealers were in charge. Then I read some of the artists statements on the site from the artists. I almost fell off my chair laughing. Democracy? Freedom in thinking? Diversity? Relevance??? Is this all some kind of sick joke? Please someone wake me up from my nightmare. Are these artworlders so blind as to see that today's global artworld is a totally elitist 95% white activity? Who do they think goes to Documenta in the first place? Them and their four friends. How can anyone of these self-congratulatory masturbators think they are having any kind of influence of any kind if they are always talking to themselves. In order to realistically assess who should curate "anything" let alone "Documenta" we should first ask the purpose of the exhibition and secondly ask who the audience is. After all obviously at this point the type of art practiced in the "first world" is a highly refined, "language" type experience. Those few people who actually go to see this exhibition (less people than who go to my local deli in any given week,) pretty much know what they are going to see. A little politics, a little aesthetics, a little socializing, and very little art (there is more art in the graffiti on my building.) I vote for AA Bronson's idea, at least then someone besides the curators parents will want to go see the show.


04. AA BRONSON
aamark@rcn.com
Date: Tuesday July 08th, 2003 06:13 AM

It is strange, when Jens approached me about this project, I assumed that he was asking me for a concept for Documenta, if I were the "curator". And that is how I proceeded. However, many (not all) of the artists approached have chosen to provide a commentary on the notion of artist as curator, most with at least hesitation, if not outright opposition. As a Canadian, this seems to me quite strange. I come from a country where a network of over 100 galleries, performance spaces and other venues are all run by (and curated by) artists. I can't think of one artist in Canada who would think of questioning this tendency. Many would be thrilled to undertake curating Documenta. Of course, the Canadian artist-run scene is not connected to the art market, and to a large extent it is not connected to the international art world. So the implications (for a Canadian) are not that one is "selling out", or misusing power. Rather, the possibility of an artist or artists curating Documenta would give the opportunity for a vast opening of doors, some fresh air, and unexpected events and collisions. However, since the 'real' purpose of Documenta is to give value to art, and to make visible the power structures of the art world (originally it demonstrated to the Communist east the wealth and 'freedom' of the west), it is unlikely that the marketplace (the galleries, collectors and their attendant sycophants) would take an interest in this notion, unless a suitably complicit artist/curator could be identified.


05. JOHN BALDESSARI
"Documenta, ...?"

Curators seemingly want to be artists. Architects want to be artists. I don?t know if this is an unhealthy trend or not. What disturbs me is a growing tendency for artists to be used as art materials, like paint, canvas, etc. I am uneasy about being used as an ingredient for an exhibition recipe, i.e., to illustrate a curator?s thesis. A logical extreme of this point of view would be for me to be included in an exhibition entitled ?Artists Over 6 Feet 6 Inches?, since I am 6?7?. Does this have anything to do with the work I do? It?s sandpapering the edges off of art to make it fit a recipe.

So I suppose quid pro quo ? yes! Let?s do a Documenta led by a team of artists. Here?s an idea ? let Documenta be an exhibition using curators as raw materials.


06. JENS HOFFMANN
The Next Documenta Should be Curated by an Artist
An E-Flux Project curated by Jens Hoffmann

During a conversation between artist Carsten Höller and me in Stockholm in 2002, right after the opening of Documenta 11, an idea emerged that was based on a discussion around concepts of some of the previous Documenta exhibitions. Towards the end of the meeting one of Höller?s remarks was: ?I think that it would be challenging development if an artist would be invited to curate Documenta.? Based on Höller?s idea and formed by the thoughts expressed during the discussion in Sweden grew The Next Documenta Should Be Curated By an Artist.
Today it is nothing exceptional that curators occupy a more noticeable role in the process of producing an exhibition then some decades ago. While their task was historically related to the conservation of art works and the maintenance of a museum collection, curators began more and more to be creatively and conceptually involved in the making of exhibitions. Exhibitions became the creative principle of so-called exhibition makers who were described as exhibition directors and who became catalysts between the creative individual and society. Yet in recent years the focus has shifted and exhibitions in which art works are employed to illustrate the fixations of curators have been widely criticized. The creative and intellectual exchange between artists and curators has, however, been irreversibly changed and created a new condition in this relationship. It is on this backdrop that The Next Documenta Should Be Curated By an Artist is coming together.

The title of this project is less a demand than a question. A question that does not articulate a critique of previous Documenta exhibitions but rather investigates, in a provocative way, the relationship, which artists have to the profession of curating. Curators are showing more and more interest in setting up art exhibitions with greater creativity while artists are becoming more seriously involved in curating?note for example the participation of artists Gabriel Orozco and Rirkrit Tiravanija as co-curators of the 2003 Venice Biennial. For this project, following a continuous string of criticism from artists in regard to exhibition concepts that simply illustrate the curator?s ideas, a group of artists has been invited to reflect upon the conditions of the relationship between artists and curators. More importantly, the artists were asked to propose a brief concept of how they could imagine putting together an exhibition such as Documenta. An exhibition that would, from their particular point of view, represents an adequate form of exhibiting and presenting art within the model of a large-scale group exhibition. - Jens Hoffmann

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The Next Documenta Should Be Curated By an Artist.
Copyrights Jens Hoffmann and Electronic Flux Corporation, 2003 / design and architecture by FDTdesign. A paper back version of this project will be published by Revolver (Archiv für aktuelle Kunst) in the Fall of 2003.]

* - Thanks to E-Flux and Jens Hoffmann.
Image on top: Friedrich Appel: Das Museum Fridericianum in Kassel
(hier arbeiteten die Brüder Grimm als kurfürstliche Bibliothekare von 1814 bis 1829). Lithographie, um 1840.]

¶ 12:00 AM