quinta-feira, agosto 26, 2004

Women on Waves 1

Aborto: a coragem de agir


Women on Waves rumam a PortugalOAM
#40
26 Agosto 2004
O navio da Organização Women on Waves zarpou do porto Den Helder (Holanda) no passado dia 23 de Agosto rumo a Portugal. Esta viagem de apoio à implementação de leis justas sobre a interrupção voluntária da gravidez (IVG) tem origem num apelo e num convite feitos sucessivamente pela Psicóloga Cecília Costa e pelas Organizações Não te Prives, Youth Action for Peace, UMAR e Club Safe.
O nosso País, por influência hipócrita e malévola das hostes mais reaccionárias da Igreja e dos partidos de direita (PP e PPD), continua tendo a lei do aborto mais vil de toda a Europa.
Numa sondagem do Jornal de Notícias, publicada a 26 de Agosto, ficámos a saber que 63% dos Portugueses acolhem favoravelmente esta viagem solidária e activista da Organização Holandesa. É um bom indicador, mais um, do sentimento maioritário que vem crescendo contra os efeitos desastrosos e venais da Direita no Poder.
Parece que o Sr. Portas quer, a este propósito, puxar dos seus ridículos galões de Ministro da Defesa, por um lado, pedindo explicações ao Governo Holandês sobre esta acção cívica, e por outro, ameaçando intimidar as pessoas que decidirem acorrer aos diversos portos onde o Women on Waves atracar. Como se não bastasse, uma qualquer alegada Organização Pró-vida recomenda acções de vandalismo de Estado contra o Womens on Waves! Vamos a ver no que vai dar mais esta provocação da Direita do Sr. Portas e do Sr. Santana Lopes.
É tempo de mostrar ao pequeno provocador do regime (Paulo Portas) que o seu tempo de governante tem prazo. Como?
— Indo ao encontro do Women on Waves, para saudar a iniciativa e dar-lhe um apoio bem visível.
— E recorrendo a todos os meios de esclarecimento público possíveis: Blogs, SMS, telefonemas e mensagens de correio electrónico dirigidas ao Ministério da Defesa, ao Primeiro Ministro (apesar de estar em férias...), ao Presidente da Assembleia da República e ao Presidente da República.
O importante é que cada de nós pense na insensatez da actual situação; na vergonha de termos uma lei e um Estado tão cretinos em matéria tão importante; no facto de mais de 20 mil mulheres Portuguesas abortarem clandestinamente em cada ano que passa, sujeitando-se a perigar a sua própria vida, a agravar ainda mais a tensão psicológica inerente a uma IVG, e sujeitando-se a ser perseguidas policialmente, julgadas e condenadas a pesadas penas de prisão.
O importante é que cada um de nós se mobilize para conversar com os amigos sobre este assunto, e por si só ou em grupo, decida fazer alguma coisa. Não custa nada enviar um mail com duas linhas de protesto aos principais responsáveis deste País.

QUEREMOS UMA LEI DA INTERRUPÇÃO VOLUNTÁRIA DA GRAVIDEZ, DEMOCRÁTICA E JUSTA!
FIM À HIPOCRISIA DA DIREITA!
FIM À CLANDESTINIDADE E EXPLORAÇÃO DAS MULHERES QUE ABORTAM!
FIM À HUMILHAÇÃO!

Links:

segunda-feira, agosto 23, 2004

Ciber politicos

Com vai a nossa partidarite electrónica?


m.alegre: sitio WebOAM
#39
23 Agosto 2004

Passei a tarde de Domingo a visitar as estratégias Web dos três candidatos à liderança do PS. O resultado foi algo decepcionante. E foi-o por três causas distintas: o das opções informáticas; o da fraca usabilidade e deficiente qualidade da escrita para Web; e o da rarefacção e assimetria dos conteúdos. Esperava que a Web Política surgisse finalmente nesta competição intra-partidária como uma pedrada no charco preguiçoso das nossas práticas eleitorais. Esperava que o exemplo das Presidenciais norte-americanas, actualmente em curso, exercesse maior influência no modo como os três candidatos aderiram à peculiar fricção digital que caracteriza a tecnosfera. Continuo a pensar, apesar do que vi, que o oportunismo enquistado nas articulações aparelhísticas do PS só irá começar a ceder quando as suas óbvias entorses cívicas forem claramente expostas à opinião pública; e quando os eleitores socialistas (os fieis, os estratégicos e os tácticos) começarem a exercer uma influência séria na vida interna do Partido Socialista. O PS, ao contrário do que afirma jacobinamente João Soares, não é nem deve ser um partido de militantes, mas um partido de eleitores — o que faz toda a diferença! Esperava muito mais pica destes ciber-candidatos. Mas vamos, então, às ditas causas...

Opções informáticas
jsocrates: sitio web Neste ponto, as opções não são nada alternativas, nem “modernas”, à excepção do Blog de Manuel Alegre, feito com o Movable Type e animado por Helena Roseta e José Magalhães, e que poderia, apesar da sua frescura, ter sido menos preguiçoso no desenho e concepção do respectivo ‘template’. Na realidade, os três domínios Web usam (na Web de Manuel Alegre) e abusam (nas páginas de José Sócrates e de João Soares) das tecnologias — e sobretudo dos pacotes comerciais — da Microsoft.
Esta empresa, como todos sabem, tem actualmente um gigantesco processo contra a Comunidade Europeia por causa da Guerra das Patentes em volta da criação computacional e informática. Esta empresa exerce um predomínio comercial absolutamenhte ilegítimo, imoral e inexplicável junto do Estado Português. A famosa fuga de informação sobre as putativa existência de ADM no Iraque, que viria a propiciar o suicídio (ou assassinato) de David Kelly, teve origem numa fragilidade típica dos produtos Microsoft, neste caso no Word (cujos rascunhos subsistem invisivelmente arquivados no DOC final). Os produtos desta empresa têm, como toda a gente sabe, mais buracos de segurança que um queijo Gruyère. Estados, regiões, cidades, grandes e pequenas empresas, por esse mundo fora, começaram há já algum tempo a declinar os cantos Evangelistas do Sr. Gates. Muitos deles passaram, ou estão em vias de passar, para o outro lado da barricada, na guerra informática em curso entre os defensores do Código Secreto e os defensores do Código Aberto (Open Source). E o mais importante, no caso que aqui analisamos, é isto: para publicar documentos na Web não se precisa, para nada, das soluções engatadas da Microsoft.
Os resultados de usarem e abusarem do Microsoft Visual Studio estão à vista no modo como, por exemplo, alguns browsers correntes se recusam a ler os chamados caracteres especiais incluídos nos documentos XML do Sr. Sócrates. Nesta matéria, Senhores candidatos, menos seguidismo, mais contemporaneidade técnica e táctica, e um nadinha de radicalismo, seriam bem-vindos.

Usabilidade e escrita para Web
Ler documentos escritos num livro ou numa revista de papel não é a mesma coisa que ler (e não VER, como aparece anacronicamente no site de M. Alegre) esses mesmos documentos na Web, numa agenda electrónica, ou num telemóvel. Embora a arrumação de ideias e de conteúdos seja mais cuidada no Sítio de Manuel Alegre que nos outros dois (rarefeita na DOT COM! de José Sócrates, e gongórica na página de João Soares), a verdade é que todos revelam desconhecimento absoluto das noções elementares de comunicação na tecnosfera, a que há muito damos os nomes de USABILIDADE e ESCRITA INTERACTIVA. Assim como estão, os manifestos e as moções não chegam a lado nenhum! E sabem porquê? Em primeiro lugar, porque foram ali enfiados com grande desprezo pela funcionalidade e elegância próprias do HTML, e com um lamentável exibicionismo Microsoftiano (dos pacotes Visual Studio e Word ao insuportável Power Point). Em segundo lugar, porque foram publicados na Web, não para serem lidos, mas para que a gente os imprima e depois leia no intervalo do almoço! Ora não é nada disto que se espera de uma guerra de candidaturas animada na Web. E não sendo animada, não suscitando atenção junto de quem se espera que surta efeito, em primeiro lugar, i.e., os internautas, para que serve? Para inglês ver?
Uma nota ainda sobre os formulários de apoio e votação. Se posso votar consecutivamente num mesmo candidato, aumentando artificiosamente o seu score (caso patente na página de João Soares), ou se posso inscrever apoios fictícios, inflaccionando alegremente a corte virtual dum candidato (caso patente na página de José Sócrates), então estamos a brincar à Net. E isso é péssimo, tanto para os Digitais que navegam nas suas águas, como para os Analógicos que vierem a saber da marosca.
A possibilidade de rentabilizar politicamente alguma vantagem competitiva, esperável deste tactical media, parece de momento condenada. Esta perspectiva pouco ou nada afectará a campanha aparelhística de Sócrates. Pouco poderá acrescentar ou diminuir às hipóteses de Soares. Mas, curiosamente, poderá fazer toda a diferença na campanha de Manuel Alegre. Este candidato, tal como antes o malogrado Sousa Franco, caíu bem junto de uma opinião pública farta de jovens ambiciosos sem palavra. Eu compraria um automóvel em segunda mão ao Manuel Alegre. Aos seus rivais, muito provavelmente, não.

Conteúdo
jsoares: sitio web João Soares quer este mundo e o outro; é ligeiro no discurso e ainda mais ligeiro nas ideias; é demasiado reiterativo; exibe um narcisismo em torno da sua pureza partidária que irrita qualquer mortal; afunda-se, resumindo, num demagógico oceano de generalidades. José Sócrates parece uma esfinge! Ele e a sua DOTCOM tiveram uma ideia luminosa: chama-se Plano Tecnológico. E nem mais uma ideiazinha para o debate; nem mais uma elucubração programática, pequenina que fosse, para o País atónito com o seu fantástico Plano Tecnológico. Nada... Sorri como Gioconda e espera que os aparatchiks façam o resto.
Finalmente, Manuel Alegre: li a sua moção, que deveria ter disponibilizado gratuitamente na Web, usando a sua linguagem própria, ie, o HTML, em vez de nos obrigar a comprar licenças Microsoft para o efeito. Até ao momento, é a única coisa produzida com pés e cabeça para o Congresso do Partido Socialista. Sem entrar na discussão dos temas, a sensação com que fiquei foi de que se trata de uma proposta de trabalho simultaneamente realista, corajosa e imaginativa. Recolhe preocupações actuais de muita gente. Reitera que as coisas não podem continuar como estão. Arrisca soluções. Revela-se combativo. Anuncia uma esperança.

É bem possível que o PS ganhe as próximas eleições, independentemente de quem esteja no comando das suas hostes. Seria uma pena que em vez de uma visão clara a nortear as energias positivas deste País, caíssemos de novo no pântano dos compromissos endogâmicos do extremo-centrismo. Temos que derrotar a Direita dos interesses. Temos que impedir a reedição do Bloco Central dos interesses. Mas temos, também, que saber evitar a Esquerda dos interesses — que também existe...

Precisamos de regras justas, de transparência e de responsabilidade.

LINKS: Manuel Alegre [Sítio] [Blog] José Sócrates [Sítio] João Soares [Sítios]

sábado, agosto 21, 2004

EUA 1

Espião da CIA denuncia o desatino da actual política externa americana


OAM
#38
21 Agosto 2004
Through our Enemies' Eyes e Imperial Hubris: Why the West is Losing the War on Terror, escritos pelo agente da CIA Mike Scheuer, compilam dados terríveis de uma política imperial cada vez mais intolerável. O radicalismo islâmico pode muito bem ser apenas a vanguarda de uma resistência muito mais vasta à ganância, à pirataria e ao autismo suicida do Senhor Bush e das pandilhas que o manobram e seguem.
Vale a pena ler o artigo do Guardian sobre o último livro de Mike Scheuer.

RSS Feed—We could have stopped him. CIA spy warns 'war on terror' could plunge US into even greater danger. Julian Borger reports. [Guardian Unlimited]

sexta-feira, agosto 20, 2004

Slow Food

Cultura e património gastronómicos: quem os defende?

rabanadas e formigos
Rabanadas e Formigos à moda de Cinfães do Douro.

OAM
#37
20 Agosto 2004

O movimento Slow Food começou em 1986, em Cuneo, na região do Piemonte (Itália). Chegou a estar na moda durante a década de 90, mas em Portugal mal aflorou.
Os seus pressupostos continuam vivos e talvez valha a pena aplicá-los, com imaginação e alguma disciplina, ao relançamento de um Slow Food Portugal, ou algo semelhante.

Recuerdo


Em 1979 participei num evento artístico em Malpartida de Cáceres, chamado SACOM II, sob a batuta de Wolf Vostell. Um dos momentos desse festival de inspiração neo-Dada chamou-se “Comidas Olvidadas”. Provaram-se petiscos variados e raros (como umas inesquecíveis alheiras de caça e umas morcelas de arroz, preparadas pela já desaparecida Túlia Saldanha).

Este interesse pelas tradições e diversidade gastronómicas é muito antigo. Gostaria de recordar, a este propósito, a importância que tiveram, e porventura ainda têm, entre nós, as Associações de Jantaristas, as Penhas Gastronómicas e os Festivais e Semanas Gastronómicas. Estas práticas, porém, correm o risco de desaparecer sob a pressão das batatas fritas e dos ‘hamburgers’ congelados. A dinâmica perversa dos patrocínios comerciais e do lucro rápido, por outro lado, há muito que ameaçam a integridade das feiras e semanas gastronómicas.

A protecção das tradições e da diversidade dos alimentos, das bebidas e dos pratos regionais Portugueses implica uma tomada de consciência urgente. Só depois, poderemos agir e organizar uma estratégia de salvaguarda destes valores patrimoniais em vias de extinção.

Ameaças

Não são apenas as espécies animais e vegetais que desaparecem a uma velocidade assustadora. A monotonia ruidosa dos McDonald's, dos Kentucky Fried Chiken, das Pizza Hut, das Coca Cola, e quejandos, simbolizam um outro tipo de empobrecimento a que devemos fazer frente: o da extinção da diversidade gastronómica, o do atrofiamento e desaparecimento das comidas tradicionais, o do fim da cultura gastronómica como forma de convivência e hedonismo salutar.

Os processos judiciais e acções de ‘tactical media’ que, à semelhança dos levados a cabo contra as grandes empresas tabaqueiras, começaram agora contra os fabricantes de ‘fast-food’, trazem-nos a esperança de ver o tema da diversidade alimentar na agenda cultural do século 21.

A propaganda negativa contra a falta de cuidado, ou de escrúpulos, dos monopólios da alimentação e das bebidas, está aliás a dar excelentes resultados com o polémico filme de Morgan Spurlock — Super Size Me — sobre os perigos do consumo excessivo de hamburgers (artigo do Guardian).

Antecipando este despertar da consciência alimentar e gastronómica, surgiu em Itália um movimento cujo poder de sedução cultural parece imparável: Slow Food.

Movimento Slow Food: excertos (trad. livre) do sítio Web.

Slow Food, fundada em 1986, é uma organização internacional cujo fim é livrar os prazeres da mesa da homogenização da comida e da vida apressadas. Através de múltiplas iniciativas, este movimento internacional promove a cultura gastronómica, desenvolve a educação do paladar, conserva a biodiversidade agrícola e protege os pratos tradicionais em vias de extinção.

Conta actualmente com 80,000 associados em mais de 100 países.

Patrocinada pelo movimento Slow Food e pela Região da Toscânia, foi entretanto criada a Slow Food Foundation for Biodiversity, dedicada especialmente a apoiar projectos em todo o mundo, com particular incidência nos países menos desenvolvidos, onde a saga da homogeneização industrial, tecnológica e consumista pende como uma ameaça igualmente fatal.

75% da diversidade alimentar Europeia desapareceu desde 1900.

93% da diversidade alimentar Americana desapareceu no mesmo período.

30,000 variedades de vegetais extinguiram-se ao longo do século passado, e mais uma desaparece em cada seis horas que passam.

[fim do texto]

terça-feira, agosto 03, 2004

Democracia Digital

A solução é simples, Dr. João Soares: proponha ao PS uma votação electrónica


15 mnOAM
#36
2 Agosto 2004

A extraordinária afirmação de João Soares sobre os salteadores do voto perdido que espreitam a próxima eleição do Secretário-Geral do PS (ver cacha ao fundo deste txt) merece, mais do que uma sonora gargalhada, alguma ponderação. De facto, não foi assim há tanto tempo que ouvimos falar da limpeza dos cadernos eleitorais do Partido Socialista. Podemos, por outro lado, imaginar a dificuldade de garantir uma total transparência eleitoral, se entretanto não houver uma definição e uma publicitação claras das novas regras do jogo. Se, como parece ter afirmado Sérgio Sousa Pinto, João Soares não tem gente suficiente para acompanhar as centenas de mesas de voto previstas, a coisa começa a ficar mesmo feia (para ele claro!)

Para este pequeno grande problema creio, porém, haver remédio seguro. Seja porque faltam militantes nas mesas eleitorais previstas, seja porque faltam mesas de voto e sedes partidárias (não sendo nada conveniente improvisar soluções mais ou menos clandestinas para este género de acto democático), seja, em suma, porque existem militantes irremediavelmente longe de qualquer mesa eleitoral, a solução mais segura e transparente para resolver este problema técnico (sejamos benevolentes...) reside na montagem dum sistema electrónico de votação. Podemos mesmo ir mais longe nesta ideia, propondo que tal sistema se alargue ao campo do debate político, nomeadamente através do lançamento dum Wikiki geral sobre o processo eleitoral e um Blog por cada um dos candidatos. Manuel Alegre, apesar do comentário rasteiro proferido no Domingo pelo tira-nódoas da actual maioria (o Professor Marcelo), adiantou-se na modernização das suas ferramentas de comunicação, lançando a tempo e horas o seu Blog.

Um tal sistema terá todavia que dar as garantias que a actual pseudo-sondagem enxertada na página de João Soares não garante. Podendo qualquer um de nós responder repetidamente (ainda que de 12 em 12 horas!) a esta sondagem, tamanha azelhice técnica permite uma óbvia manipulação de resultados. Quando participei no dito joguinho, os números foram os seguintes: 40.48% para Manuel Alegre, 17.86% para João Soares e 41.67% para José Sócrates. Somando as duas primeiras parcelas teríamos obviamente o fim das aspirações de José Sócrates. Temos que ser mais sérios, não acha Dr. João Soares?

Eu creio que Manuel Alegre, tal como Sousa Franco, nos surpreendeu e gerou uma imediata empatia, junto do eleitorado de esquerda, mas também junto daquele outro eleitorado a que gosto de chamar inteligente. Não há apenas uma Direita dos interesses. Há também, como todos sabemos, uma Esquerda dos interesses, tão ávida quanto a primeira na partilha dos bolos orçamentais, e tão ou mais irresponsável que a exangue burguesia portuguesa no abandono sistemático de uma ideia de vida e de futuro. Estamos todos demasiado desconfiados dos políticos. Não lhes damos, de facto, nenhum crédito. Aturamo-los, procurando apenas errar o menos possível nas escolhas, cada vez mais medíocres, que nos saiem na lotaria. Talvez por isso, uma personalidade como Manuel Alegre tenha surgido diante de nós como uma alternativa, no que poderíamos chamar o campo da dignidade e do compromisso desinteressado com a causa pública. Vamos ver se será capaz de levar a esperança a bom termo.

Para dizer a verdade, de momento, o meu coração inclina-se para Alegre, mas a minha cabeça, para Sócrates. Tudo vai depender do mês de Setembro. Assistimos a uma metamorfose do nosso sistema partidário. Mas assistimos também a uma reforma positiva nas dinâmicas organizacionais dos próprios partidos. O passo seguinte será o de incorporar a grande massa dos simpatizantes, consistentes ou ocasionais, na lógica formativa das maiorias que democraticamente se sucedem no interior das próprias formações partidárias. -- AC-P

Transparência.

A eleição do Secretário Geral do PS pode, e deve, ser um processo profundamente "revolucionário" em Portugal. E pedagógico também. Pela primeira vez um líder partidário será escolhido em sufrágio directo. Voto livre e directo de todos os militantes do PS. Uma mulher ou um homem um voto. Importa pois garantir transparência, limpidez e cumprimento das regras legais de voto e escrutineo. Só assim teremos verdade e democracia. São cada vez mais precisas na nossa, tão desacreditada, vida politica. Este é um objectivo por que me baterei com todas as minhas forças. Até para evitar a previsão que o S.S. Pinto me fez aqui há pouco mais de um mês:"tu vais ser roubado". [8/2/2004]

in site de João Soares

segunda-feira, julho 26, 2004

Socrates 2

José Sócrates lidera sondagens. A dois anos do poder.


José SócratesO-A-M
#35
26 Julho 2004

O Professor Marcelo pareceu-me murcho e inquieto no show de ontem, depois do empate do Benfica contra o Real Madrid. Mostrou-se incomodado pela unanimidade das críticas dirigidas pela generalidade dos opinadores políticos do País ao desastrado Santana Lopes. Até o Alberto João zurziu forte e feio no Paulinho, como se este não fosse um Ministro da República! Em suma, que poderá o Professor Marcelo fazer por "Santanás" (a expressão começou a correr numa reedição paródica da Nau Catrineta) perante tamanho estado de desgraça? Pouco. Mas lá foi adiantando que ninguém, nem sequer a Oposição responsável (quer dizer o PS), deveria desejar a infelicidade ao actual Governo, pois se tal viesse a suceder, as vítimas seríamos todos nós. Queria ele dizer na sua que o próprio José Sócrates, actual candidato favorito à liderança do Partido Socialista, perderia com uma interrupção abrupta do Santanismo. Sócrates, nas palavras do Professor Marcelo, precisa de tempo para definir as suas próprias ideias, as quais, pelos vistos e por enquanto (o Professor leu atentamente a entrevista dada por Sócrates ao Expresso) não existem.

Lá me dei ao trabalho de ler a Única, para conferir a opinião do Professor Marcelo com a realidade...

De facto, Sócrates não apresenta nenhum programa de Governo durante a entrevista conduzida por Cristina Figueiredo e Vítor Rainho. Mas poderia?! Olhem só para algumas (a maioria) das perguntas:

"Que recorda da infância?"; "Até quando viveu na Covilhã?"; "Como foi parar a Engenharia?"; "Quando se começou a interessar por política?"; "Qual era a sua visão do mundo aos 16 anos? Viajava?"; "A sua vida é só política? É assim tão desinteressante? Em jovem teve carro?"; "Nunca teve desilusões amorosas?"; "Até essa altura nunca foi confrontado com a morte de alguém próximo?"; "Há quem diga que aceita mal as críticas"; "Como foi parar à JSD?"; "Mas foi para a JSD por ser betinho ?"; "É um carreirista?"; "Imagina-se a fazer outra coisa sem ser política?"; "Voltou a conduzir?"; "Não admite que se urbanizou?"; "Há pessoas que o acusam de só ter imagem"; "Uma pessoa pode ser excelente político, mas se tiver uma péssima imagem não vai longe"; "Compra a sua roupa?"; "Gasta dinheiro em produtos para a pele?"; "Como se começa a interessar pelas questões do Ambiente?"; "Ainda se recorda do seu primeiro discurso? Estava muito nervoso?"; "Também fica nervoso quando tem de entrar em directo na televisão?"; "O que distingue, hoje o PS do PSD?"; "Qual é a sua posição sobre a liberalização das drogas?"; "Nunca fumou um charro na juventude?"; "Acha que os políticos ganham mal?"; "Diz que ficou marcado pelo divórcio dos seus pais. É divorciado. Acha que os seus filhos também sofreram?"; "No dia do seu casamento, chegou à portagem da auto-estrada e não tinha dinheiro nos bolsos..."; "Defende a adopção de crianças por casais homossexuais?"; "Se tudo correr como o previsto vamos ter dois candidatos a primeiro-ministro em 2006 que são divorciados'"; "Já alguma vez se olhou ao espelho e reconheceu nos seus olhos 'aquele brilhosinho' que dizia ver em Guterres e que, na sua opinião, distingue os grandes políticos?"; "Sabe cozinhar?"; "Vai à missa?"; "E ao futebol?"; "Lê banda desenhada?"; "Beleza, para si, é fundamental?"

As respostas, para serem lidas obviamente entre um banho de praia e umas boas fatias de melão, não poderiam, nem deveriam, esclarecer o Professor Marcelo sobre as suas angustiantes dúvidas quanto ao programa do futuro governo socialista. Até porque o mesmo, a confirmar-se, vem longe. Muito antes disso, o jovem líder tem que conquistar o coração e a cabeça do Partido Socialista. Tem que fazer germinar, no espaço e no tempo, as suas ideias gerais e convicções profundas, tendo em conta os horizontes concretos deste País (que não são nada risonhos). Não pode, do pé p'rá mão, andar por aí a esclarecer tudo e todos sobre o que vai fazer, como se todos nós já tivéssemos adquirido a ideia de que o actual Governo não existe. O Santanismo existe e a sua procissão ainda vai no adro. Vamos pois dar tempo ao tempo, para que, se possível antes das próximas eleições legislativas (mas depois da derrota esclarecedora da actual coligação — não legitimada pelo voto popular — nas próximas eleições autárquicas), o PPD/PSD exiba as suas dilacerantes mal-formações genéticas, o PP radicalize a sua acção catalizadora sobre a atarantada corte de Santana Lopes, e o Partido Socialista, por sua vez, consiga renovar-se enquanto partido político, na forma de uma organização partidária polarizada entre duas tendências politicamente claras: a social-democrata e a socialista. Estamos a assistir ao início de uma metamorfose dolorosa das duas principais forças partidárias portuguesas. Estou convicto de que a mesma, se correr bem, trará benefícios ao nosso sistema político. Mas para chegarmos a essa fase, vamos ter todos que dar uma ajudinha. Diabolizar Santana Lopes de aqui em diante não será a melhor estratégia. Talvez fosse isso que o Professor quis dizer ontem à noite. Faltaram-lhe tão só as palavras certas. -- AC-P

quinta-feira, julho 22, 2004

Socrates 1

Manuel Alegre protagoniza fim do soarismo. Partido Socialista clarifica tendências: social-democratas e socialistas.


O-A-M
#34
22 Julho 2004

Toque de finados no soarismo: depois de Manuel Alegre, grande poeta e símbolo fortíssimo da identidade PS, ter aceite protagonizar a tendência socialista que se oporá ao social-democrata José Sócrates no próximo congresso do Partido Socialista, João Soares passará irremediavelmente à história como ex-putativo herdeiro da dinastia soarista. A ideia de um Partido Socialista encavalitado entre a Social-Democracia e o Socialismo, sob a batuta de um líder bonapartista, chegou ao fim. Mais uma consequência imprevista da decisão presidencial sobre a actual crise política. De facto, como escrevi antes de Sampaio se decidir pela nomeação de Santana Lopes para o cargo de Primeiro-Ministro do recém empossado Governo, a metamorfose à vista do PSD (na direcção de um partido de Direita populista, liberal, católico e totalmente enfeudado aos interesses do que resta da exangue burguesia nacional) terá um efeito dominó sobre todo o espectro partidário.

Não sabemos o que nos reserva o futuro imediato destes ajustamentos tectónicos na estrutura partidária do País. No PS, parece todavia evidente que a sua inadiável clarificação interna, no sentido de uma divisão de forças entre as tendências social-democrata e socialista, fechará de vez o grande ciclo soarista que presidiu (às claras ou na sombra) aos destinos deste vector essencial do regime democrático português. Se nos próximos dois anos Santana Lopes fizer tantos disparates quantos são esperados (pela Oposição e por Paulo Portas), e por conseguinte se puder prever com alguma razoabilidade a vitória da Esquerda nas próximas Legislativas, seria bom para todos que fosse José Sócrates, e não Manuel Alegre, a vencê-las.

Dito isto, parece-me igualmente crucial, para o novo ciclo que hoje começa na vida do Partido Socialista, que a tendência liderada por Manuel Alegre e protagonizada, entre outros, por Maria de Belém Roseira, João Cravinho, Augusto Santos Silva e Jorge Lacão, andasse rapidamente na invenção de um discurso socialista inovador, capaz de forçar os social-democratas do PS a exercitarem um pragamatismo político à altura dos frágeis equilíbrios e carências da sociedade portuguesa. Para isso servem os poetas!
-- AC-P