domingo, janeiro 23, 2005

Socrates 5


Poderemos, desta vez, desfazer o bloco central que há 30 anos nos governa? Duvido. Os pequenos partidos, quando menos se esperava, continuam a decepcionar.


O Sapo e os principais partidos da actual disputa eleitoral (à excepção do Bloco, que recusou, e bem, aceitar o convite palhaçada do pior portal do mundo) anunciaram com pompa e circunstância que, desta vez, a batalha política se estenderá, qual virose entusiasta, à blogosfera. Uma visita relâmpago aos ditos blogues deu-me a pura imagem do analfabetismo tecnológico e comunicacional do nosso espectro partidário. O blogue de Santana Lopes, coitadinho, continua na incubadora e em branco, 48 horas depois de posto no ar. Os do PS, PCP e PP exibem umas notinhas de circunstância, supostamente assinadas pelos respectivos líderes, e ainda, para já apenas no blogue do PS, alguns despachos noticiosos cinzentos da respectiva máquina eleitoral. Como alguém já escreveu, isto não são blogues. De facto, são apenas sintomas de uma enorme indigência cultural. Não, não vos passo os links para coisa tão vergonhosa. Alguém terá um dia que acabar com a absurda protecção dada ao cartel PT-Telepac-NetCabo-Sapo-Diário de Notícias-e-quejandos... de que iniciativas mentecaptas como esta são exemplo.

Mas vamos ao resto da campanha. Depois de um exasperante silêncio PS (para já não falar do tristíssimo episódio Paulo Pedroso — uma vergonha!), eis que finalmente as Novas Fronteiras anunciam as principais intenções do partido melhor posicionado para formar Governo depois das eleições: crescer; reduzir a dependência energética dos combustíveis fósseis (e importados); emagrecer e aumentar a eficiência e transparência da Administração Pública, com base em regras declaradamente razoáveis, criar os famosos 150 mil postos de trabalho durante a próxima legislatura, rever os critérios de privatização da Saúde, reorientar as prioridades estratégicas da Educação (domínio generalizado de um segundo idioma e insistência nas disciplinas tecnológicas), avançar com a co-incineração dos resíduos perigosos, retomar o programa Pólis, e... convocar um referendo sobre o Aborto. Creio que os destaques ficaram por aqui. Temas, para já, intocados: a Justiça (uma ferida que continua a sangrar), a Burocracia, os Impostos, a Corrupção e aquilo a que chamaria problemas de Cidadania (carros em cima dos passeios, cartazes publicitários e partidários colados à toa e em toda a parte, pandemia futebolística, despolitização massiva das gentes, consumismo desmiolado, persistência da promiscuidade entre o Estado e meios de comunicação, reprodução endogâmica das elites e persistência das redes clandestinas de partilha do poder, etc.) Subscrevo, em abstracto, todos os destaques. Não creio, porém, que sem uma reforma drástica do sistema da Justiça e um ataque em força à inércia burocrática deste País, qualquer reforma possa avançar.

Devemos, no entanto, reconhecer que a descida das intenções de voto no PS, nomeadamente por causa da trapalhada Paulo Pedroso e da grande falta de à-vontade, rigidez e contradições exibidas pelo candidato a Primeiro Ministro, pode, depois do dia de hoje, iniciar uma esforçada corrida para retomar o tão desejado patamar da maioria absoluta de um só partido. A melhor ajuda vem, aliás, da mais completa falta de ideias exibida pelos restantes competidores, começando pela tourada eleitoral em que se transformou a campanha do PSD, e acabando na completa desilusão causada pelas campanhas de Francisco Louçã e Paulo Portas. O debate entre eles, na SIC, foi confrangedor!

Creio que faria bem ao sistema político português que estes dois pequenos partidos crescessem. Evitar-se-ia, finalmente, os malefícios evidentes do consistente e efectivo bloco central que há demasiado tempo nos governa (mal). Mas para isso, é essencial que estes partidos trabalhem. Isto é, que sejam capazes de desenhar modelos programáticos alternativos, originais, com substância, credíveis (mesmo quando são radicais). Ora disto, nada vimos até ao momento. Paulo Portas regressou inesperadamente aos trocadilhos e às graçolas jactantes. E Francisco Louçã, por sua vez, parece apavorado com a possibilidade de vir a ser Ministro, e faz tudo para desmerecer tal hipótese. Agarrado ideologicamente aos temas do aborto, do emprego e da guerra, para já não falar da manifesta alergia do Bloco ao Tratado Constitucional da União Europeia, esqueceu-se do principal: gizar uma visão própria do Mundo, definir um programa mínimo de actuação política para os próximos 10 anos, e estabelecer os limites de uma possível colaboração institucional com o Partido Socialista no caso de este vencer as próximas eleições sem maioria absoluta. Deixando-se ficar atolado na maré dos princípios e das divergências, o Bloco poderá crescer um bocadinho, mas acaba, no fundo, por abrir caminho à maioria absoluta do PS. O bloco central, agora na modalidade já experimentada pelo PSD, irá, como se vê, continuar.

Alguém terá que ter a coragem de propor uma nova agenda de prioridades civilizacionais para o futuro (de espanto e pavor) que nos espera no horizonte temporal de uma, duas ou, no máximo, três décadas. Não sei se já repararam que o maior jogo de guerra da história humana já começou. Não sei se já repararam que o motivo dessa guerra é muito sério (trata-se de dominar as principais reservas de petróleo e de gás natural do planeta, num quadro de ruptura eminente do actual paradigma energético nas sociedades industriais). Não sei se já repararam que a actual Administração americana pode muito bem protagonizar a transformação decisiva dos Estados Unidos no mais perigoso agressor mundial. Não sei se já repararam que a população portuguesa e europeia parou de crescer e envelhece a um ritmo insustentável. Não sei se já repararam que há centenas de milhar de casas vazias por essa Europa fora, incluindo obviamente Portugal, e que, portanto, se esgotou de vez o modelo do desenvolvimento derivado da construção civil. Não sei se já repararam nas consequências nefastas que o apetite de recursos energéticos e de matérias primas e alimentares, por parte dos EUA, da China e da India, tem actualmente, não apenas em África, México, América Central e do Sul, mas também no Canadá e na Europa! Já pensaram o que nos sucederá a todos no dia (provavelmente azul e completamente inesperado) em que se verificar o grande crash energético? Multipliquem-se, primeiro por 2, depois por 4, e depois ainda por 10, os actuais gastos mensais em gasolina e começaremos a ter uma pequena ideia do pesadelo que se avizinha. Se fizermos uma lista da quantidade e variedade de produtos, de que dependemos diariamente, oriundos da transformação do crude e do gás natural, então a sensação de desespero tornar-se-à quase inevitável. Proteger todos os recursos, mudar de economia e mudar de vida são as únicas e inevitáveis agendas políticas que poderão mitigar a dolorosa metamorfose que se avizinha, sorrateira mas inexoravelmente, como um maremoto bem mais terrrível do que aquele a que assistimos no mês passado. Os pequenos partidos bem podiam começar a discutir serenamente estes assuntos.

Notas

— Começa a ser descarado o apoio da SIC ao PSD; ao menos, assumam-no sem falsos objectivismos!
Margens de Erro, de Pedro Magalhães, um blogue a não perder sobre análise comparativa de sondagens.
— A reacção supostamente homofóbica de Francisco Louçã à hipocrisia vitalista de Paulo Portas, quando este se proclamou defensor da supremacia fetal sobre a vida humana constituída (como se o seu opositor fosse defensor da morte), tem causado algum espanto entre uma parte da comunidade homossexual. No entanto, a comunidade gay deveria perceber duas coisas muito simples: que a indignação de Louçã foi genuína e politicamente ajustada à provocação de Portas; e que a hipocrisia de Portas não merece qualquer solidariedade cor-de-rosa. Primeiro, saia do armário, e depois faça política coerentemente!

O-A-M #67 23 Jan 2005 [actualizado 24 jan 05]

quarta-feira, janeiro 05, 2005

Cavaco Silva 1

Cavaco Silva

Os pedófilos continuam à solta, arrogantes e, pelos vistos com poder. Dos fracos não reza a história e parece que um destes irá parar a Primeiro Ministro sem saber ler nem escrever. O naciturno demitido continua a levar estaladas e a delirar. Teremos mesmo que votar no Bloco? Que venha o Cavaco, porra!


Depois do terramoto de 1755 a Europa nunca mais foi a mesma. Se Deus tratava assim os seus mais dedicados e submissos servos, ficava provada à evidência que, das duas uma, ou aquela enteléquia não passava de espuma metafísica, ou seria um ente sádico consumado. Como de nenhuma destas alternativas poderia decorrer a prova da existência divina, o melhor seria mesmo enterrar o respectivo dogma e começar a reduzir os vendilhões do templo à sua expressão mais simples. Napoleão, e antes dele Henrique VIII, compreenderam-no perfeitamente, e começaram assim a heroica tarefa de dar a César o que é de César (e depois ao Povo o que é do Povo), limitando com clareza os latifúndios, até aí escandalosamente vastos e laicos, dos vários cleros em exercício. A ironia permaneceu: enquanto isto se passava na Europa além Pirinaica, permitindo a essa Europa desemburrar e preparar-se para a liberdade democrática, pelas Espanhas, ao contrário, persistiram o poder, as mordomias e o atavismo cultural dos anafados vigários do Senhor. O resultado está bem à vista na pantomima em que se transformou a chamada política à portuguesa: continuação da interferência indevida da hierarquia católica na vida laica do País; endogamia persistente no seio das castas dominantes (onde continuam a predominar Ordens, Irmandades e Obras clandestinas); subsidiodependência; analfabetismo (literal e funcional); autoritarismo estatal e burocracia; corrupção; bloqueio mental generalizado; pequenez e, osso realmente duro de roer, uma incurável pandemia de social-porreirismo, irresponsabilidade cívica, laxismo e estupidez.

A democracia foi uma choldra durante a Primeira República. A democracia continua a ser uma choldra na Segunda República. No intervalo entre ambas ocorreu um espirro de ditadura de aldeia, isolacionista e fervorosamenmte católica (apesar da Concordata). Os condes de Abranhos dominaram sempre e continuaram a dominar enquanto houve mesadas generosas para gastar, longe da ralé de pé descalço, ranho no nariz e massa cinzenta atrofiada. O pior agora é que Papá faliu, as árvores das patacas secaram e parece que o Além vai deixar de subsidiar a nossa proverbial pacatez. Vêm aí os Espanhois?! Não, vem aí toda a gente!

Vamos ter novas eleições. E a pergunta pertinente é: servirão para algo? O PSD, entregue como está, a uma pandilha de “teddy boys” corre o risco de ser partido ao meio depois das eleições, indo uma das metades parar ao cesto de Paulo Portas, e a outra, ao regaço de Manuela Ferreira Leite. O PP de Paulo Portas tem aqui a sua grande chance de crescer até aos 10-15%, sobretudo se souber apoiar Cavaco Silva. O Bloco, cujo líder teve entretanto o cuidado de extinguir o PSR, pode igualmente crescer em movimento simétrico ao do PP, bastando para tal manter um discurso político europeu actualizado, por contraposição aos tiques primitivos de que enfermam boa parte dos restantes políticos em todo o restante espectro político. O Partido Socialista, se não conseguir derrotar a manobra provocatória de Paulo Pedroso, acusado uma vez mais de pedofilia, só que desta vez, em tribunal, pelo confesso Bibi..., bem pode começar a descontar da sua contabilidade eleitoral umas boas dezenas de milhar de votos, a começar pelo meu. O PCP já não conta, ou contará cada vez menos. E o pseudo partido dos salamaleques, capitaneado por esse indescritível pedaço de asno chamado Manuel Monteiro, não passa de um erro de casting televisivo. Resumindo, somos bem capazes de ter pela frente o cenário seguinte: um PS de novo em minoria, i.e. maioria relativa [20.02.2005], na Assembleia da República, dilacerado pelas suas actuais contradições internas (que a avaliar pelo caso Paulo Pedroso, têm que ser muito sérias e preocupantes); Santana, completamente estirado no tapete da noite eleitoral, murmurarndo umas frases astrológicas indecifráveis; e dois inesperados vencedores: Paulo Portas e Francisco Louçã. Deste último dependerá, muito provavelmente, a estabilidade governativa até ao fim do novo e curto ciclo governativo do Partido Socialista.

Alguém sugeriu que eu estava a delirar. É bem possível. Mas também é possível que os meus raciocínios façam algum sentido, e nesse caso, esperam-nos tempos muito curiosos. Se assim for, que mil novos partidos e organizações políticas floresçam por esse País fora. Precisamos todos de uma grande varridela cultural e de sangue novo à frente das engrenagens que fazem mexer esta praia solarenha e preguiçosa. Seria bem bom que isto, em vez dos pactos podres sugeridos por Jorge Sampaio, e das miragens de Salvação Nacional estremunhadas por Mários Soares, acontecesse antes do desejado Cavaco Silva ascender ao poder.
O-A-M #66 04 Janeiro 2005

sexta-feira, dezembro 31, 2004

Europa

Rapto de Europa, fresco, Palacio de Cnossos, 1700 AC

Lisboa está bem mais perto de Istambul do que parece.


Religião e autoritarismo caminharam de mãos dadas em ambas as culturas ao longo dos séculos. O nosso Catolicismo contra-Reformista e o Islamismo deles não são assim tão diferentes. O sangue Fenício e o sangue mourisco correm há muito nas nossas veias (e nas deles). A predominância cultural céltica que marca, ao longo dos tempos, o desenho da identidade Lusitana, Galega e finalmente Portuguesa, nomeadamente contra a expansão Maometana, não ignora nem renega a brisa de civilização e poesia trazida até à Península pelo Islão. Cairíamos, infelizmente, num grande logro, se não víssemos as semelhanças que há entre uma boa parte da Turquia e Portugal. Espero que o PS, o PSD, o PP e o Bloco de Esquerda entendam estes factos elementares, e não percamos todos, enquanto País, a oportunidade de patrocinar a lógica e necessária integração da Turquia na Comunidade Europeia.
Faço igualmente votos para que venhamos a ter brevemente uma Constituição Europeia, cuja redacção e conteúdo se devem restringir ao essencial. E o essencial é: definir a Europa como uma poderosa comunidade de cidadania livre e democrática, racional, sustentável, solidária e defensora da utopia humana.

O-A-M #65 31 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 29, 2004

Embaixador arredio

Ilha Phuket

Quem já alguma vez passou pela desagrável experiência de precisar do seu Embaixador, Encarregado de Negócios ou simples Cônsul, sabe que eles nunca estão... Nem sei mesmo para que lhes pagamos. Não seria melhor acabar de vez com mais esta fantasia de Estado?


A SIC já lá está, a TVI e a RTP também, tal como a AMI e outras organizações de apoio e solidariedade, mas o Embaixador Português na Tailândia, que dá pelo nome de João Lima de Pimentel, não. Pior ainda, ouvimo-lo fazer declarações radiofónicas (não sei se televisivas também), sobre a evolução da tragédia provocada pelo maremoto que atingiu mais de sete países asiáticos, entre os quais a Tailândia, onde por sinal, se registavam já informações sobre turistas portugueses mortos e desaparecidos. O senhor embaixador estava, ao que parece, de férias. Mas não é precisamente nas épocas de maior afluência de portugueses à Tailândia que o diplomata lá deve estar?! Pelos vistos, não. E além do mais, ao senhor Embaixador não lhe apetecia passar o ano novo em Banguequoque, no meio daquela trapalhada toda.

Fiquei estupefacto com a displicência do homem. E mais ainda com a eufórica “célula de crise” capitaneada, muito tu cá tu lá, pelo jornalista assessor Carneiro Jacinto (enquanto o atendedor de chamadas em Banguecoque revelava em litania atroz a incompetência do próprio serviço). A fantástica “máquina” do MNE, anunciada em prime time televisivo pelo Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros poderia ter sido uma ideia hilariante dos plagiaristas do Herman, mas infelizmente foi apenas mais uma demonstração da imbecilidade terminal do actual Governo. Seria difícil uma encenação mais caricata em volta de um Embaixador tão imprudente (preguiçoso e inconsciente!). Será que o intocável ouviu alguma vez falar da dimensão simbólica das representações e dos gestos diplomáticos? Passar-lhe-à pela mente vaga que os portugueses atingidos pela catástrofe, os seus familiares em Portugal e todos nós que vivemos vicariamente a tragédia alheia, esperavamos algo mais dos diplomatas — e sobretudo do seu sentido de Estado — do que um pequenino encolher de ombros?

Foram precisas 48 longas horas, ou mais, para que alguém deste Governo indigesto acordasse do turpor em que se encontra e, abanado insistentemente pelos média, lá tomasse a decisão de despachar o diplomata temeroso para a região. Que vergonha! Que inépcia! E as palavrinhas do PM! Coitado, também ele ficou sem férias... como se alguém tivesse direito a férias antes de cumprir um ano de contrato!

Nestes tempos de penúria orçamental, visto e revisto o panorama das nossas Embaixadas e Consulados por esse planeta fora, talvez não fosse má ideia privatizar o MNE, abrindo às leis da concorrência a prestação do inestimável serviço público implícito na necessária representação diplomática do nosso País. Os nossos impostos não podem ser desperdiçados com a decadente e inepta aristocracia que há tempo demais se acantona no Palácio das Necessidades.

O-A-M #64 29 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 15, 2004

Instituto das Artes 1

dollarStrip

“Dêem-lhe bifes!” — terá sugerido alguém um dia, para calar a pena nervosa dum jovem crítico de arte. Deste memorável lampejo de lucidez mecenática à subsidiodependência e à subsidiomania resta um historial de 30 anos. Entretanto, esta borbulha está prestes a rebentar. Não há outra alternativa que não passe pelo domínio do famoso monstro da dívida pública.


Recebi ontem um e-mail muito irritado contra os critérios de atribuição de subsídios por parte do Instituto das Artes (caricatura terminológica do famoso ICA de sua Majestade britânica). Remeti a denúncia, como me era pedido, para as minhas listas de correio, não sem antes lançar algumas achas para a fogueira que consome inexoravelmente a amostra de Estado providencial que nos tocou viver. Assim, quando no dito mail se pedia a extinção do IA, por causa da bagunça que parece ter acompanhado a selecção de projectos a subsidiar este ano, eu acrescentei: já que estão com a mão na massa, o melhor seria editar um livro branco sobre o assunto. E que alguém o faça deixando em paz as desgraçadas artes plásticas e afins, que por junto receberam este ano menos 90 mil Euros do que o Teatro da Cornucópia (o qual só para si, servindo uma produtividade absolutamente exígua e ideologicamente cansada, receberá a módica quantia de 598.557,48 Euros! )
Um tal livro, fruto de tese inconvenientíssima dum doutorando de história de arte, deveria incidir, isso sim, no teatro e no cinema, e dar à coisa um ar sério, de quem não fez aquilo para ir parar à Culturgest ou ao CCB. Como todos sabem, o mercado vem impondo, pelos menos desde 2000, restrições orçamentais sérias em toda a vida económica do País. Qualquer produtor ou prestador de serviços (designer, arquitecto, banda de rock ou DJ) sabe como teve que reduzir os seus orçamentos e honorários para se manter dentro do mercado. Sabê-lo-ão os agentes do nosso teatro e do nosso cinema? Alguém terá muito brevemente que ter a coragem de levar a verdade a este limbo bem-pensante e melhor vivente da sociedade portuguesa. As regras duras (e injustas...) do mercado têm que começar a valer para todos. Se um galerista de arte vender menos pintura, ganhará menos, e logo não poderá trocar de carro. Se o director de uma companhia de teatro, ou um realizador de cinema, não vendem nada, deveriam adiar a construção da nova casa em Maceió! E por aí adiante...
Depois, ou de caminho, e muito antes de atacar os pobres artistas plásticos, galeristas e comissários, haveria que começar por poupar no CCB, em Serralves e no Museu do Chiado. Desde logo, sujeitando os respectivos cargos directivos e executivos especializados a concurso público internacional (no mínimo eurocomunitário). Depois, exigindo-lhes resultados. E finalmente, se não conseguissem melhorar as suas performances, operando uma reestruturação radical do sistema de museus e centros equiparados dependentes do erário público. Em tempos sugeri uma solução (ver Blog n.8), creio que razoável: concentrar todo o sistema museológico e de gestão das artes em dois departamentos: o da cultura analógica (metendo pré-históricos, medievais, modernos e contemporâneos no mesmo saco analítico) e o da cultura digital (dedicado à metamorfose da cultura e das artes nas sociedades democráticas, pós-industriais e tecnológicas). Podem ter a certeza que pouparíamos muito dinheiro e criaríamos finalmente um corpo vertebrado de funções, expectativas, ideias e resultados. Os pagadores de impostos, aturdidos pelo desemprego e pelos desvarios governamentais, agradeceriam o esforço de humildade e inteligência.

O aumento da transparência administrativa no que diz respeito à atribuição de subsídios é uma coisa boa, pois serve para moderar excessos e criar regras democráticas de acesso aos apoios do Estado. Permite, por exemplo, que se discutam publicamente os critérios de selecção empregues pelos júris, e permite também discutir os próprios critérios de selecção dos jurados. Neste particular, creio que ainda há muito por fazer. A formação de um júri, por exemplo, deve ter uma lógica representativa, e a repetição de personalidades nestes postos de decisão deve ser regulada de forma muito cuidada e transparente, de modo a não parecer que há uns jurados com assinatura vitalícia (a que correspondem, depois, uns eleitos sistemáticos que parecem também andar como um passe para subsídios no bolso.) A transparência democrática tem pois o mérito de permitir, a prazo, maior equidade e menos abusos.

O estado precário das nossas artes decorre, porém, menos da falta de subsídios, do que da sua má administração. A tendência de fundo em toda a Europa (em todo o Mundo!) é para o encolhimento do Estado providencial onde exista. Assim sendo, devemos exigir uma melhor administração, menos cabotinismo, menos clientelismo e menos endogamia. Finalmente, parece óbvio que o actual Estado providencial lisboeta ainda se não deu conta das minorias urbanas, suburbanas e étnicas que fazem hoje parte integrante e produtiva da nossa sociedade e da nossa cultura. O multiculturalismo tem que deixar de ser uma moda afectada para passar a ser um estado de activismo social e cultural efectivo. No campo cultural, como nos outros, o Estado tem que saber gastar os dinheiros de forma estratégica, e deixar, de uma vez por todas, de usar as artes como vitrina e écrã da sua vaidade politiqueira.
Esperemos que o futuro governo PS saiba mudar de agulha.

Link: Instituto das Artes


O-A-M #63 14 Dezembro 2004

quarta-feira, dezembro 08, 2004

PP na corda bamba

Enola Gay

Paulo Portas também tem uma ‘bomba atómica’ e prepara-se para a lançar... sobre o epicentro do PSD: Santana Lopes.



Conjecturemos então um pouco sobre a actual crise política... O PP de Paulo Portas sopra para os meios de comunicação social que por menos de 14 deputados não aceita levar Santana Lopes ao colo até às urnas de Fevereiro. Suspeita que a procissão vai tresandar a incenso e quer beliscar o menos possível, se não mesmo recompensar, a sua excelente performance ao longo dos dois últimos governos, papando aos pontos tanto José Manuel Barroso, como Pedro Santana Lopes. Como? Pois mantendo a sua quota parlamentar, sabendo que se o PPD de Santana Lopes aceitar tal condição, o fará mordendo a sua própria cauda (até onde, ninguém sabe...) Ou então, se a isso for levado, concorrendo sozinho, fazendo tudo por tudo para não perder votos. É aqui que está o busilis da presente crise!

Santana Lopes vai inevitavelmente perder milhares de votos, dezenas de mandatos e muito provavelmente a sua própria cabeça política. Não deixará o lugar sem esbracejar, mas será concerteza empurrado para fora do núcleo duro da PSD pelo próximo congresso extraordinário do partido laranja. Nessa altura, Paulo Portas poderia captar para a sua banda boa parte dos populistas e ultra-liberais do PSD e avançar na consolidação do seu projecto partidário. Todavia tal passo é muito arriscado, pois uma derrota pesada da tal plataforma esvaziaria de conteúdo e alcance as manobras do PP. Muito melhor estratégia, tendo em conta os objectivos determinados de Paulo Portas, seria, na realidade, avançar sozinho, em nome do trabalho feito nos governos de coligação, demarcando-se da desorientação profunda que afecta o PSD actual, mas também em nome (e esta é a segunda bomba atómica desta crise) de uma reforma estratégica da Direita portuguesa. Apostar claramente na cisão do PPD/PSD é a única via que permitirá a Paulo Portas levar a cabo o ambicionado upgrade do PP no sistema de forças partidárias português. Eu se estivesse no lugar dele não hesitava.

Post Scriptum (15.12.04) — Para não desaparecer o PP terá agora que mostrar as suas verdadeiras intenções em termos de reestruturação do campo democrático da Direita.


O-A-M #62 08 Dezembro 2004

segunda-feira, dezembro 06, 2004

Plataforma PPD


Santana sai da quinta e dentro em breve sairá de cena, para dar lugar ao verdadeiro estratega da direita portuguesa, esse mesmo: o Paulinho das feiras!


Há três protagonistas decisivos na política portuguesa actual: Cavaco Silva, Paulo Portas e António Guterres. Para além destes atractores estratégicos, vemos outros protagonistas de peso, cujas palavras e acções pesam na consciência crítica de todos nós: Mário Soares, Vítor Constâncio, Francisco Louçã, Belmiro de Azevedo, Marcelo Rebelo de Sousa e o recém chegado António Vitorino (brilhante na entrevista dada ontem a Maria João Avilez). Fora deste núcleo decisivo, as demais vozes começam a confundir-se com o ruído dos habituais comentaristas de serviço, de quem já não esperamos nada senão opiniões avulsas, pouco documentadas e expeditas, apesar de estimulantes no caso de Vasco Pulido Valente, por causa da sua incorrigível extravagância literária.

Para além disto, temos os episódios confrangedores da expulsão da Cinha, o esbracejar aflito do Primeiro Ministro na incubadora, o Senhor Barroso tirando água do seu capote de responsabilidades e a cáfila de barrosistas à beira da debandada. Ah, e o Presidente da República, que não só existe, como foi capaz de deflagrar a tal ‘bomba atómica’. Depois desta dissolução da Assembleia da República fica, por fim, aberto o caminho para o semi-presidencialismo, que Cavaco Silva aprova e saberá seguramente consolidar. Não acho mal para os tempos que aí vêm...

Paulo Portas, ao exigir 14 deputados a um Santana Lopes ainda tonto com o gancho presidencial, garante, sem ir a votos, o seu actual peso parlamentar e mantem intacta a sua estratégia de reestruturação da Direita. Para muitos, sobretudo num cenário de implosão santanista, o PP começa a ser uma verdadeira opção de vida. O que me pareceu em Junho passado parece-me agora mais evidente ainda: o PSD, sobretudo no cenário previsível duma derrota eleitoral, vai cair no regaço de Paulo Portas, que a seu tempo saberá tratar do astral de Santana com a mesma limpeza e crueldade com que outrora esborrachou Manuel Monteiro. Falta saber o que vai acontecer aos restos do PSD, uma vez renascido o velho PPD. Haverá alguém com a coragem e a autoridade suficientes para atalhar o óbvio, provocando uma cisão clarificadora entre o PPD e o PSD antes da limpeza étnica que Santana Lopes sem dúvida iniciará depois da sua derrota eleitoral?

Pensemos nas alternativas.

Em primeiro lugar, Marcelo Rebelo de Sousa. Sim, poderia ser uma alternativa de recurso, preciosa durante a primeira fase de reconstituição do PSD como futura força pendular da vida política portuguesa. Se tiver a coragem de avançar, mais tarde poderá passar a bola a Marques Mendes, que daria um bom chefe de partido e, daqui a alguns anos, um Primeiro Ministro decente.

Em segundo lugar, Marques Mendes. Sim, poderia avançar, mas estaria a queimar a possibilidade de voos futuros mais profícuos, o que para um político ainda jovem como ele, seria uma precipitação desnecessária.

Em terceiro lugar, António Borges. Não, não é sequer uma possibilidade partidária. O seu papel, caso o PS se espalhe, será suceder a José Sócrates com o beneplácito de Cavaco Silva.

Falta saber como tudo se irá passar...

Vamos muito provavelmente assistir a uma lenta agonia do PPD/PSD, com a probabilidade de um congresso extraordinário provocar a cisão do partido. Resta saber quem sairá: se o PPD do PSD, se o PSD do PPD. Uma coisa é certa: Cavaco Silva planeou e continua a planear cuidadosamente a sua estratégia presidencial, agora mais verosímil que nunca. Para a mesma ter sucesso necessita, porém, dum partido competente que o apoie. Nas eleições, terá pela frente o farrapo de Pedro Santana Lopes (prestes a sucumbir inconscientemente ao golpe de misericórdia preparado por Paulo Portas), um personagem circunstancial do PS, um candidato do PCP, outro do Bloco de Esquerda e os Ena Pá 2000!

Antes disso, lá para Março de 2005, teremos de novo o PS no Governo. Desejo-lhe sorte e ofereço-lhe alguns conselhos: +estratégia, +informação, +ideias, +flexibilidade, +mobilidade, +transparência, +coragem, +rigor, +justiça, +ousadia, +sustentabilidade, melhor educação, melhor crescimento; -ministérios, -endogamia, - compadrio, -nepotismo, -clientelismo, -elitismo, -retórica, -desperdício, -formalismo, -burocracia, -menos crescimento, -pessimismo.

Até lá, muito cuidadinho com os dois incendiários, agora à solta...

Feliz Natal para todos.





O-A-M #61 06 Dezembro 2004