sexta-feira, maio 27, 2005

Aviso ao PS 2

Ouçam o Medina Carreira!


Não há pachorra nenhuma para as mesas redondas televisivas protagonizadas por porta-vozes partidários. Eu nunca compraria um carro em segunda mão ao Senhor Coelho, nem a nenhum dos outros e outras vozes de carreira que povoam, até à náusea, os intermináveis blocos noticiosos dos nossos canais audiovisuais. Eles falam sobre tudo como se soubessem do que falam e sobretudo não suspeitassem que nós sabemos que a sua única função ideológica é a de serem simplesmente demagogos mediáticos. Como demagogos que são nunca pensam pela sua cabeça, mas pela cartilha de ocasião do respectivo partido. No caso, os porta-vozes supostamente independentes do centro (PS e PSD) propõem basicamente meias-medidas: subir impostos devagarinho, mexer com muito cuidado nas despesas sociais e cortar simbolicamente alguns privilégios escandalosos. Os porta-vozes comunistas, esquecendo que falharam em toda a parte por onde andaram, insistem alegremente nos seus estafados cardápios maniqueístas (‘os ricos que paguem a crise!’). Os bloquistas (incluindo Francisco Louçã) continuam a revelar uma confrangedora falta de imaginação, num momento em que bem poderiam inovar em matéria de estilo de acção política e metodologias programáticas. Quanto à direita propriamente dita, não existe e ainda bem (mas por quanto tempo?)

Por uma questão de transparência, seria bom que as televisões e os jornais (e os porta-vozes informais eles próprios) esclarecessem em que condição emitem as suas putativas opiniões. Se, como me parece, não fazem mais do que ocupar tempo de antena partidário (ainda que disfarçado de opinião crítica), quem cobra pelo serviço: o opinador, ou o partido de que faz parte? Visto da perspectiva correcta, deveriam ser os partidos a pagar tais tempos de antena, não é verdade? Pelo menos no que toca aos canais públicos, este sistema pantanoso significa apenas mais um subsídio encoberto aos partidos políticos — pago pelos impostos de todos nós!

Vem tudo isto a propósito da cacafonia mediática em torno do anunciado relatório Constâncio e das correspondentes decisões do governo de José Sócrates. Do que ouvi, apenas Medina Carreira, na entrevista de esta noite ao José Gomes Ferreira (um excelente profissional), resumiu simultaneamente o essencial da crise em que estamos e o essencial das medidas a tomar. Dentro de 10 a 15 anos, se nada de sério se fizer, o Estado irá à falência. As medidas anunciadas por José Sócrates são necessárias mas muito insuficientes.

Estou completamente de acordo com Medina Carreira quando afirma ser necessário reduzir drasticamente, e já, o peso do Estado na sociedade portuguesa. A solução, tal como ele aflorou na dita entrevista, existe, pode e deve ser adoptada, a partir do momento em que se esclareça a sociedade portuguesa da verdadeira dimensão do problema.

Um país de 10 milhões de habitantes (menos que uma qualquer grande cidade mundial), 80% dos quais encostados ao litoral, precisa de 315 câmaras municipais? Não, não precisa. Um país desta dimensão precisa de 250 deputados para legislar a sua vida? Não não precisa. Um país destes precisa de 700 mil funcionários públicos? Não, não precisa.

Para governar este país bastam:

1 governo ágil e profissional, com 7 ministérios:

— Finanças
— Economia (secretarias de Estado: Obras Públicas, Indústria, Agricultura, Pescas, Comércio, Transportes e Mobilidade, Turismo)
— Educação (secretarias de Estado: Cultura, Desporto, Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico)
— Ambiente e Território
— Administração Interna
— Defesa
— Justiça.

4 regiões autónomas: Lisboa, Porto, Madeira e Açores

1/3 das câmaras municipais actualmente existentes

1 parlamento com metade dos actuais deputados

350 mil funcionários públicos (1)

Para resolver o problema do estacionamento selvagem (e de caminho o excesso de consumo automobilístico, consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa) bastaria condicionar a compra de qualquer automóvel à existência prévia demonstrada, por parte do comprador, do correspondente lugar de estacionamento próprio na localidade onde reside. Tal como sucede no Japão...

Quanto à dependência energética, uma medida apenas: reduzir para metade, nos próximos dez anos, a nossa dependência energética do exterior.

O resto, seria, ou deveria ser, uma forte sociedade civil, consciente dos desafios, dos limites e das suas possibilidades.

Mas haverá ainda gente interessada em discutir estes temas? Temo bem que o número de agarrados ao orçamento do nosso pobre Estado seja já demasiado elevado... e não haja retorno possível à racionalidade democrática.

AC-P

Notas
1 — O presidente do INA, Valadares Tavares, em artigo publicado na edição de 10 Jun 2005 do Expresso, propõe uma redução de 20% no número de funcionários públicos no espaço de duas legislaturas. Seria um bom começo, sobretudo se esse número fosse conseguido como resultado da supressão de serviços redundantes, ineficazes ou meramente dispensáveis, e ainda pela fusão e concentração de todo o tipo de instâncias burocráticas. Neste sentido foi também a posição da equipa do actual Ministro das Finanças durante o debate de ontem na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República, transmitido pelo respectivo canal televisivo (um dos poucos canais obrigatórios da repetitiva TV Cabo).
11 Jun 2005
AC-P

O-A-M # 75, 27 Maio 2005

sexta-feira, abril 01, 2005

Aviso ao PS 1


Promessas para cumprir


Conhecimento, Cultura, Entretenimento
Inaugura amanhã em Léon (Espanha) mais um museu de arte contemporânea. Custou 33 millones de Euros. Ocupa 21.178,15 m2, sendo de 9.700m2 a superfície construída. No tempo que durou a construção do edifício (2002-2005) foram gastos 5 milhões de Euros na aquisição de obras de arte. Não se pense, porém que estamos diante de um caso isolado. Muitos outros museus e centros de arte contemporânea foram recentemente inaugurados em Espanha. Apenas alguns exemplos de referência obrigatória: o Museo Picasso, em Málaga, a Fundación Jose Guerrero (2000), em Granada , o MARCO (2002), em Vigo, o ATRIUM (2002), em Victoria, o Museo Esteban Vicente (2002), em Segovia, Caixa Forum (2002), em Barcelona, Centro Parraga (2004), em Murcia, e a expansão do Museo Centro de Arte Reina Sofia, de Jean Nouvel (2005), em Madrid. E há mais exemplos em perspectiva: Gijón, Corunha e Córdoba. Em Portugal: népias. Ou antes, uma vergonha chamada Casa da Música.
Seria bom que o actual governo se pusesse a trabalhar num livro branco sobre as diferenças gritantes entre os investimentos culturais em Espanha e Portugal, em vez de se deixar tentar, uma vez mais, pela novela da invasão espanhola (como parece anunciar a sujeira em volta do negócio da venda da Lusomundo).
Eu já escrevi uma vez e volto ao mesmo: a socieade do conhecimento que aí vem é indissociável da cultura. Caminhamos para uma cultura cognitiva, e nisto estará uma das futuras vantagens comparativas da Europa face ao resto do mundo. Quem ainda não percebeu isto e continua a confundir desenvolvimento, com crescimento económico insustentável e construção civil, vai necessariamente conduzir o nosso país à desgraça. É preciso considerar o investimento cultural uma prioridade. E como tal prioridade terá que ser tratada por profissionais realistas e competentes, não por "inside traders" manifestamente incapazes. Precisa-se, basicamente, de muito mais dinheiro, de muito menos burocracia, de parcerias sólidas com a sociedade civil, de estratégias claras e transparentes e de marketing. Em suma, tudo o que actualmente não existe.

O-A-M #74, 01 Abr 2005

domingo, março 27, 2005

PSD reage

António Borges não vai deixar o PS em paz


Marques Mendes é o político de aparelho melhor colocado para ganhar o próximo congresso do PSD. De facto, não vejo como é que Filipe de Menezes, que não consegue manifestamente falar bom português, possa suplantá-lo no próximo conclave de aparatchics. Este juízo não passa aliás de senso comum. Pensa-o toda a gente que segue minimamente a televisão, e não vejo como poderia António Borges ter opinado de modo diferente quando Judite de Sousa lhe perguntou o que pensava sobre a futura liderança do PSD

Falta apenas saber se Marques Mendes será ou não um líder de transição. É bem possível que não resista aos efeitos da derrota eleitoral das próximas autárquicas. Mas também pode suceder que entre ele e a tendência liberal moderada formada em volta de António Borges e outra gente de peso no PSD haja uma aliança tácita com vista a suportar os próximos quatro anos de poder PS — minimizando os estragos e, se possível, capitalizando com eficácia os inevitáveis deslizes de José Sócrates.
A boa notícia desta nova conjuntura no PSD é a promessa de uma oposição adulta ao ciclo de governação que agora começa. O PS precisa dela. Para não cair na tentação, uma vez mais, dos jobs for the boys, e também para evitar a governamentalização do que deve ser deixado à iniciativa privada e à cidadania.

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O-A-M #73 23 Mar 2005

quarta-feira, março 23, 2005

Hora de Lisboa

Sasha by Baruca. Copyright © 2004-2005.

Com Durão em Bruxelas, Mourinho em Londres e Sócrates em Lisboa, bem podíamos estar mais optimistas!


A imagem que acompanha este artiguinho foi desenhada pela minha sobrinha de 18 anos. Pertence a uma categoria de arte chamada Anime, que não consta ainda do universo cognitivo dos nossos museus de ‘arte contemporânea’ (demasiado atentos aos restos da arte do séc. 20 e respectivos especuladores), mas que pode muito bem servir para compreender a missão do Governo que acaba de ver aprovado o seu programa de legislatura.
Ao contrário do que a floresta dos privilégios, da burocracia, do compadrio, da endogamia, da corrupção, da preguiça, da ignorância e da estupidez continua a pretender fazer-nos crer, existe entre nós a energia suficiente para colocar este País diante das suas responsabilidades históricas. Basta, para tanto, tomar um pouco de atenção aos sinais. O mais recente, insistente e óbvio, é a tempestade mental que atravessa grande parte dos decisores e opinadores portugueses desde a última campanha eleitoral. Nunca, como agora, parece ter existido tanta coincidência de pontos de vista sobre os males que nos afligem. Os efeitos obsessivos desta irmandade teórica agitam a generalidade dos canais mediáticos. Fala-se dos poderes corporativos que tolhem a nossa produtividade, e da falta de transparência dos processos produtivos e sociais. Numa palavra, chegou a hora de perceber que a mesada da História acabou. Os ciclos coloniais chegaram ao fim. O ciclo emigratório chegou ao fim. O ciclo do trabalho barato chegou ao fim. O ciclo do turismo bronco e trapaceiro chegou ao fim. O ciclo da integração europeia chegou, para nós, ao fim. O ciclo da energia barata chegou dramaticamente ao fim (e os portugueses pouco ou quase nada fizeram para precaver esta situação.) Enfim, o actual governo socialista sabe que o estado de graça facultado pelos eleitores corresponde muito mais ao medo generalizado de encarar os sérios desafios que temos pela frente, do que a uma verdadeira crença na redenção miraculosa dos nossos pecados culturais. Seja como for, há alguns sinais positivos no ar.

Tenho vindo a reparar nos surfistas que afluem à praia de Carcavelos (onde vivo há mais de trinta anos), na crescente comunidade artística que dá pelo nome de Anime.PT, ou no acréscimo evidente do número de doutorandos que esperam por melhores dias. Embora a endogamia espelhada nas nossas intituições e nos média mostrem o contrário, o país mudou e continuará a mudar rapidamente nos próximos anos. A este Governo, como aos políticos em geral, compete, sem mais adiamentos, preparar o terreno de acolhimento para tais energias. Serão estas, e não as clientelas instaladas, que nos poderão conduzir ao aumento da célebre produtividade. Mais e melhores artistas, mais e melhores cientistas, mais e melhores profissionais, mais e melhores desportistas, são algumas das metas ao nosso alcance e temos a obrigação de atingi-las no menor tempo possível.

Ao confrontar alguns conhecidos paquidermes corporativos, José Sócrates e o Governo deram o tom inequívoco da vontade política reformadora que os levou ao poder. Depois do interregno do inenarrável Santana Lopes, espero, esperamos todos, que Portugal comece finalmente a funcionar numa lógica cultural baseada na igualdade de oportunidades, na responsabilidade, na competência, na gestão por objectivos e na rotatividade funcional das pessoas, façam elas o que fizerem. A limitação de mandatos deve estender-se a todos os domínios do poder, seja ele político-institucional, académico, partidário, corporativo-patronal ou sindical (não é, senhor Dr. Carvalho da Silva?) A transparência de processos, também. Só assim poderemos esperar que o melhor das novas gerações contribua a tempo e horas para o rendimento do sistema.
A conjuntura actual apresenta uma configuração algo propiciatória. Durão Barroso foi para Bruxelas dirigir a Comissão Europeia, abrindo por outro lado a porta ao regresso do Partido Socialista (renovado) ao Governo. José Sócrates, Barroso e Maria João Rodrigues, uma das principais obreiras da Agenda de Lisboa e actual conselheira especial do primeiro-ministro luxemburguês, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, estão, no essencial, de acordo com a necessidade de espevitar a dita Agenda, aprovada em Lisboa quando António Guterres presidia ao mesmo Conselho. A crise energética, a necessidade de reformular radicalmente o modelo estratégico do desenvolvimento europeu (mais cognitivo, menos consumista, mais ético, menos liberal e mais sustentável) e a simplificação dos processos de decisão e organização democráticas, são as prioridades essenciais deste velho continente. Só depois virá a necessidade de uma política de defesa comum, em sentido estrito (uma visão estratégica de geometria variável serve, para já, o interesse geral europeu.)

Face a este cenário repentino e tão dinâmico, os partidos da Oposição que se sentam na Assembleia da República vão mesmo precisar de fazer um retiro espiritual. O PSD de Marques Mendes irá certamente mudar. O PP parece que vai mesmo desaparecer. Resta saber o que se irá passar nas fileiras do Bloco de Esquerda e do PCP. A era da política como táctica acabou. Ou vai ser ridiculamente imprestável nos próximos quatro anos. A Oposição tem pois que se preparar para exercer de forma criativa e responsável os seus contraditórios. O que dela todos esperamos são ideias e não bloqueios. Afirmar, como hoje (23.03.2005) ouvi a um deputado do Bloco, na SIC Notícias, que o âmbito das nomeações partidárias para o aparelho de Estado deve incluir os Directores-Gerais, brada aos céus! Não, Senhor Fazenda, as nomeações políticas têm que se circunscrever aos membros dos governos e nada mais! No Estado, tudo o resto deve ser conseguido pelo mérito sucessivamente confirmado de uma carreira profissional claramente definida e exigente. E mais: para evitar a instrumentalização partidária dos cargos directivos, aquilo que há a fazer é introduzir limitações temporais aos exercícios das funções (por exemplo, 8 anos em cada direcção de serviços, direcção-geral, etc.), e submeter as carreiras profissionais a uma avaliação regular.

Entretanto, com as autárquicas no horizonte, esperemos que o Manuel Maria Carrilho ganhe a Câmara de Lisboa, pois a cidade precisa urgentemente de um programa cosmopolita ambicioso e pragmático. Até lá, vamos todos aprender inglês, porque vai ser preciso, e porque assim poderemos interpretar o pesadelo da Vânia (a.k.a. Baruca), minha promissora sobrinha:

“ this character I saw in one of my nightmares... that my boyfriend became evil and that we could transforme in whatever we whanted and I transformed into this , so i could run as fast as a feline.... but my boy friend cought me by doing the same as I.... he was blue with stripes on hes eyes, lots of muscules ”

IMG: Sasha by baruca [ http://baruca.deviantart.com/ ]
O-A-M #72 22 Mar 2005 (actualizado em 23.03.2005)

domingo, fevereiro 27, 2005

FujiApple

Fuji Apple from China

O fruto da imortalidade

A China, depois de um programa parcialmente financiado pelo Estado Chinês e pelo Japão no início da década de 70, chegou ao final do século 20 como o maior produtor de maçãs do planeta: 40% da produção mundial; e 50% da produção conjunta dos 10 maiores produtores do mundo (China, EUA, Turquia, Irão, França, Polónia, Federação Russa, Itália, Alemanha, Argentina e India). O facto só é importante porque, se exceptuarmos o chá, este é um dos primeiros símbolos visíveis da qualidade e baixo preço dos produtos chineses que chegarão, a partir de agora, com a maior naturalidade (!) às prateleiras generosas do nosso consumismo. Esqueçam as lojas de lixo chinês. A qualidade desta gente vem aí à velocidade dos Airbus A 380!

Xangai 1999
Visitei pela primeira vez a capital comercial da China numa missão muito peculiar: descobrir se existia ou não uma vanguarda estética emergente no burburinho que então se começava a ouvir em volta da chamada arte chinesa contemporânea. Fora convidado para comissariar uma bienal de arte na cidade da Maia (de facto, um subúrbio cada vez mais embebido na malha urbana da Área Metropolitana do Porto) e a minha proposta passava por uma receita simples, mas que poderia transformar o evento num dos nós que fazem a actual rede planetária de bienais de artes plásticas: convidar, do meu comissariado em diante, uma grande metrópole mundial em cada edição da Bienal da Maia. Primeiro, Xangai. Depois, S. Paulo, Nova Dehli, Mexico DF, Lagos, etc... A receita não surtiu o efeito esperado e a bienal, nas edições subsequentes, definhou no eclectismo e nas meias tintas típicos do porreirismo lusitano. Mas o ponto desta referência é outro. Durante a primeira estadia em Xangai, a mais ocidental urbe chinesa, colonizada por franceses e ingleses, nas décadas de 30 e 40 do século passado, fiquei a saber onde Ridley Scott teria ido buscar os ambientes de Blade Runner... Uma Nova Iorque de tamanho real, mas de plástico, dourada, irreal, povoada por 15 milhões de formigas humanas e alguns milhares de Volkswagen Santana, de todas as cores metálicas possíveis e imagináveis, soando a lata de brinquedo electrónico, correndo entre milhões de bicicletas, carrinhos de mão apinhados de tralha, polícias sinaleiros e bandos de transeuntes em inacreditáveis agitações brownianas. O contraste entre os ambientes requintados dos hoteis de 5 estrelas e o resto da cidade, cujos hábitos culturais (por exemplo, de higiene) continuam a exibir uma marca bem camponesa, era abissal. Visitei museus, livrarias, estúdios de artistas e universidades de arte, de arquitectura e de têxteis. O ambiente, intenso mas espartano, de uma aula de dança (onde ter lugar é já de si prova de enorme esforço e vontade), numa escola velha, muito húmida e fria, às 9h30 da manhã, ficou inscrito na memória como um sintoma desse mistério chinês que apoquenta cada vez mais o Ocidente: uma vontade enorme de superar a miséria; saltar directamente do atraso medieval e do pesadelo maoísta para a sociedade do consumo, da tecnologia e da moda. Dos artistas contemporâneos, estratificados literalmente segundo os períodos da historiografia estética euro-americana (do Impressionismo aos restos do pós-Conceptualismo, passando por um intenso período Pop, tipicamente pós-Maoista), fiquei a saber, sobretudo depois de conhecer Zhou Thieai e a sua obra, que pressentiam já as suas futuras responsabilidades num mundo efectivamente à sua espera, mas cujos protocolos de linguagem só muito superficialmente podiam ser partilhados. Depois de Tianamen, a censura política voltava a regular as consciências no vasto Império do Meio. Apesar dos esforços contra a burocracia e a corrupção, persiste um autoritarismo invisível mas eficaz. Censura-se a Internet, censuram-se os média tradicionais (jornais e televisões), pouco se sabe dos novos e dramáticos fenómenos de desemprego, perseguem-se todas as formas de agregação ideológica independente, em suma, a arte pós-contemporânea chinesa está a braços com uma verdadeira crise cultural. Contém no seu seio uma potente energia criativa, mas teme desabrochar no seu próprio território, preferindo emigrar, quando pode, para Paris, Nova Iorque, Londres ou Berlim. Este assunto já era importante em 1999, como também percebera à época o agora desaparecido Harald Sczeeman, mas passou completamente ignorado entre os portugueses. Aturdidos pela sua insignificância, preferiram continuar a fazer salamaleques ao mimetismo tardio do museu de Serralves, bem como continuar a subsidiar a insustentável estupidez do Centro Cultural de Belém.


Xangai 2000
Voltei a Xangai no ano que se seguiu à bienal. Desta vez, a convite das autoridades chinesas, que retribuiram com a maior cordialidade o investimento da Maia. Foram dias de puro prazer! Tive então tempo de ver como Pudong, a antiga margem agrícola de Xangai, se transformara, em menos de uma década, num dos maiores centros de negócios do planeta. Um novo aeroporto, ligado ao centro da cidade por um serviço ferroviário de alta velocidade (35 Km em 8mn), ambos de concepção francesa, simboliza a verdadeira ambição de Xangai: tornar-se a principal metrópole comercial do Oriente! Em Pudong percebe-se o renascimento da China, feito de requinte tecno-oriental e de ansiedade cosmopolita, longe já dos rituais pautados por Hong Kong (cujo Governador acaba de ser demitido por manifesta falta de competência pós-colonial...) Como em Nova Iorque, os melhores restaurantes ficam invariavelmente depois do sétimo andar (de preferência no último) de um qualquer edifício de prestígio. Não me lembro do que comi, pois era, na realidade, gastronomia ocidental; não me lembro do ano vinícola do Bordeaux que escorreu dos nossos copos; mas lembro-me da atmosfera funcional e elegante do lugar, e dos rapazinhos chineses, impecavelmente vestidos de preto, que assessoravam com grande profissionalismo a bicha inglesa encarregada daquela sedutora orquestra. Noite dentro, uma outra Xangai emerge... Os bares cheios de raparigas de olhos sorridentes. Os ocidentais de meia idade, prontos a morrer a qualquer instante naqueles delicados braços de porcelana. As máfias da noite exibindo os seus Mercedes, Porche e Ferrari, como num episódio de Miami Vice. Mais tarde ainda, levado por algum intermediário simpático, visito as caves da mais solícita luxúria. Resisto, sorrio sempre, e ofereço cervejas Tiger aos circunstantes. Na manhã seguinte, depois de inspeccionar o buffet chinês, opto, uma vez mais, pelo pequeno almoço ocidental: ovos estrelados e toucinho fumado, sumo de laranja, água mineral, fatias de pão integral e chá preto. Os chineses que me acompanham fazem uma mistura de iguarias que não me atrevo a pormenorizar. Tinha levado comigo uns charutos cubanos comprados em Madrid (uma caixa de Famosos e seis inexcedíveis Fundadores), que partilhei com os meus anfitriões, obsessivos fumadores de cigarros.
Momentos memoráveis: um banquete chinês oferecido a três mil convidados na grande torre da televisão de Xangai, a que se seguiu um inesquecível passeio de barco no atarefado rio que atravessa a cidade. Na minha mesa há russos, alemães (se bem me lembro), três portugueses e dois chineses. Um dos chineses é uma autoridade (de província, suponho), e por cada vez que decide provar um intragável Cabernet Sauvignon made in China, faz-se silêncio, até que os russos entendam que é preciso fazer uma pausa na conversa, ou na mastigação, e brindar. Brindámos uma dúzia de vezes, pelo menos! Outro momento de antologia passou-se numa loja de chás, seguramente só para ricos, onde me foram dados a provar alguns dos melhores chás verdes da China. Ali percebi que havia de facto uma velha civilização chinesa à nossa espera. Comprei, entre explicações sucintas sobre o que faz realmente a qualidade de um bom chá (a quase ausência de cor, aroma e sabor muito delicados e duradouros...), duas porções escassas do precioso produto. Cada pacotinho de 50gr. custou mais de 15 Euros. O funcionário que me acompanhou nesta sessão de compras precisaria então de três salários mensais para pagar um quilo de qualquer uma daquelas bolinhas pálidas de chá. Fiquei depois a saber que alguns dos chás verdes, os oolong e os semi-pretos, de acesso reservado (quase sempre, por deferência muito especial das autoridades chinesas) chegam aos milhões de dólares por quilograma. E que outros há definitivamente inacessíveis aos mortais da nossa espécie, aplicando-se expeditamente a pena capital a quem ousar traficar com esta espécie de ouro leve, cultivado por mãos eleitas, nos Jardins Sagrados da China. Derradeiro facto memorável: paguei uma exorbitância alfandegária pelo excesso de bagagem provocado pelas inúmeras prendas recebidas das autoridades chinesas!

A provocação estatística de Belmiro
Esta crónica chinesa tem menos que ver com o facto de eu ter nascido em Macau, originalidade que gosto de exibir como marca de cosmopolitismo congénito, do que com a incorrígivel mania de querer emendar o País. Lutei contra a ditadura de Salazar e Caetano, fui trotskysta no momento próprio e voltei a preocupar-me com a Política quando o execrando Santana Lopes assomou ao poder deste País. Entretanto, o PS e a esquerda em geral ganharam as eleições. Ainda bem. Falta saber o que vai o Partido Socialista fazer com a extraordinária maioria que lhe foi oferecida. Num debate televisivo sobre o day after, nas difíceis circunstâncias em que nos encontramos, Belmiro de Azevedo lançou uma provocação oportuna e disse um grande disparate. Quando exclamou que, num Governo com menos pastas (por exemplo, sem secretarias de Estado) há menos probabilidade de errar, foi sibilino, confrontando José Sócrates com a necessidade implícita de explicar ao país a orgânica do futuro governo. A moral desta anedota tem sobretudo que ver com uma questão mais geral: a da necessidade de emagrecer o Estado, socorrendo-se, por exemplo, do mecanismo proposto pelo Bloco de Esquerda, chamado orçamento zero. Precisamos de menos Estado, mas também de melhor Estado. Precisamos, como dizia Manuel Alegre, de um Estado Estratégico. E precisamos tanto mais desta reformatação do Estado quanto, ao contrário do que afirmou Belmiro de Azevedo, a economia portuguesa depende muito menos dos empresários portugueses do que de uma acertada e sustentada estratégia governamental. O Estado não tem que se imiscuir nos negócios privados, é certo, mas tem que veicular regras cujo acerto depende exclusivamente da presença ou ausência de uma autêntica inteligência governamental. Se pensarmos nos casos irlandês, finlandês, ou chinês, ou ainda nos libérrimos Estados Unidos da América, constataremos que em todos eles a política governamental exerce um protagonismo decisivo na evolução das respectivas vidas económicas. O caso das maçãs Fuji é, por conseguinte, muito diferente do laissez faire sugerido pelo grande merceeiro lusitano.

Lisboa uma das mais competitivas metrópoles europeias?
A crise actual é antes de mais uma crise do modelo social de desenvolvimento a que nos habituámos ao longo dos últimos quinhentos anos. Desde o período das Descobertas que vivemos de uma produtividade expedita e maioritariamente alheia: as especiarias da India, os escravos de África, o ouro do Brasil, a colonização africana que se seguiu à Conferência de Berlim (até 1974), as sucessivas vagas de emigração para a América, e depois para a Europa, o turismo vândalo e, finalmente, os fundos comunitários. Esta sucessão de ciclos indolentes, essencialmente apoiados no triunfo de uma espécie de esperteza saloia, bronca e avessa ao Conhecimento e à Organização, chegou ao fim. Agora, ou mudamos ou passamos à história. O nosso destino depende, pela primeira vez em muitos séculos, daquilo a que Fernando Pessoa poderia ter chamado um factor de iluminação própria. Somos nós, e mais ninguém por nós, que teremos que saber encontrar, muito rapidamente, uma visão clara do futuro. A questão é demasiado importante para ser entregue aos economistas, ou mesmo aos políticos. Precisamos de uma origem mais forte para a solução das nossas dificuldades. A noção de povo eleitor poderia ser um princípio de solução... Por outro lado, precisamos de meia dúzia de ideias claras, simples e ambiciosas, para reencontrar o nosso caminho. A ficção do crescimento não passa disso mesmo, de uma ficção. O objectivo de Portugal não pode confinar-se a uma engenharia económica e social para a satisfação de uma minoria alargada de insaciáveis consumistas. O alvo tem que ser mais amplo e generoso. Mais inteligente e ambicioso. Mais convincente e eficaz. Não pode apostar nem na ignorância, nem na sobre-exploração dos recursos naturais e humanos, nem nas nossas proverbiais aptidões comerciais. Precisamos, isso sim, de encontrar a nossa maçã Fuji. Precisamos, por outro lado, de saber onde está o efectivo centro de gravidade do País.

ecotec: o Grande Estuário
Para governar bem é essencial fazer escolhas, decidir e executar. No caso, o futuro Governo tem toda a legitimidade para seguir em frente. Ninguém o desculpará se falhar nos sinais que vier a dar à comunidade nos próximos três meses. E que sinais poderemos esperar de José Sócrates e do seu Executivo? Francamente não sei. Mas creio saber uma coisa: precisamos de definir, no máximo, seis ou sete objectivos colectivos muito claros e mobilizadores. Quais serão eles? Apenas posso dar a minha opinião...
O principal problema da humanidade nos próximos 30 anos vai ser o problema combinado da mudança do paradigma energético e da sustentabilidade geral do sistema económico-social. Até ao final deste século, vamos ter que substituir o petróleo e o gás natural por energias renováveis (solar, hídrica, eólica, marítima, bio-diesel, despolimerização térmica e... fusão nuclear), e muito antes de 2030 poderemos assistir a verdadeiros dramas mundiais por causa das guerras territoriais em torno das regiões onde subsiste a metade remanescente da herança carbónica que temos vindo a usar intensamente desde de 1930. Se houver um curto-circuito energético global muito acentuado no decurso da próxima década, poderemos assistir à interrupção catastrófica da globalização capitalista actualmente em curso, com custos económicos e humanos imprevisíveis. Assim sendo, quer a Europa, quer cada uma das suas regiões e países tem que se preparar, desde já, para o que eu chamaria um regime de sustentabilidade forçada, i.e., no limite, cada país e região terá que se preparar para atravessar um período de seca energética e escassez abrupta de matérias primas oriundas do petróleo e do gás natural (pesticidas, remédios, vernizes, decapantes, pásticos, etc.), o qual pode muito bem vir a durar toda a segunda metade deste século!
Uma das consequências da seca energética e da extinção acelerada dos fósseis carbónicos e do gás natural será o colapso dos sistemas de transportes dependentes deste tipo de energias e matérias primas. A gasolina, o gasóleo, o ferro, os plásticos e muitos outros recursos não renováveis tornar-se-ão incrivelmente caros por volta de 2020, ou mesmo antes. Como consequência, o comércio mundial afundará numa série de crises cada vez mais profundas. Os mercados financeiros poderão, pura e simplesmente, pulverizar-se. E a probabilidade de conflitos bélicos de larga escala (nucleares, químicos e biológicos) aumentará exponencialmente. Assistiremos, em suma, a deslocações massivas de populações em direcção às grandes cidades e a todos os entrepostos comunicacionais. Prioridades para Portugal? As que se seguem, parecem-me inevitáveis.
— Preparar as grandes cidades, Lisboa e Porto, para este cenário.
— Criar redes de mobilidade humana e comercial de mercadorias altamente eficazes, velozes e sustentáveis em termos energéticos.
— Conferir poderes excepcionais de planeamento e execução às regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.
— Dar prioridade absoluta ao desenvolvimento estratégico de Lisboa nos próximos 20 anos, começando por alargar o respectivo centro de gravidade à margem Sul do Tejo (perpendicularmente ao eixo compreendido entre a Trafaria e Alcochete).
— Concentrar o máximo de recursos financeiros disponíveis em parcerias estratégicas internacionais, a sediar no nosso país, dedicadas ao desenvolvimento científico e tecnológico das energias alternativas e ao desenho experimental de sociedades pós-industriais e pós-carbónicas.

Para aqui chegar proponho, desde já, um objectivo táctico imediato: preparar uma candidatura aos Jogos Olímpicos de 2020 assente numa filosofia eco-tecnológica rigorosa.
No plano social, à semelhança do Banco Alimentar contra a Fome, deveríamos criar um grande Banco de Horas, dedicado a rentabilizar um recurso imenso e completamente desperdiçado: o tempo dos reformados, o tempo dos desempregados, o tempo dos que procuram o primeiro emprego, o tempo de quem gostaria de fazer algo mais, para além a sua particular rotina de trabalho convencional. O tempo da solidariedade e do compromisso civilizacional...
Sem querer ser pioneiro em coisa alguma, sempre adianto que levo estas ideias muito a sério desde há algum tempo. Em estreita parceria com o arquitecto Carlos Sant'Ana e um bom grupo de colaboradores, comecei mesmo há cerca de quatro meses um projecto cujas preocupações vão neste mesmo sentido. Chama-se o Grande Estuário e poderão acompanhá-lo no sítio web que entretanto estamos a montar para a sua melhor difusão na comunidade. LINK
Na China, o fim das refeições é frequentemente assinalado pela presença de pedaços de melancia e de maçã. A melancia simboliza a saúde e a energia, a maçã, representa a imortalidade. Curiosamente, os chineses de hoje, conscientes da cientificidade do chamado Pico de Hubbert (que atribui ao petróleo uma vida útil de 100 anos...), acabam de eleger a questão da sustentabilidade como uma das suas grandes prioridades estratégicas. Não foram os principais esbanjadores de energia e de matérias primas. Mas talvez possam vir a ser os mais importantes protagonistas no inadiável esforço de transição para uma globalização pós-carbónica e pós-consumista.

O-A-M #71 28 Fev 2005

sexta-feira, fevereiro 18, 2005

Maiorias absolutas 2

a rose is a rose

O PS a umas horas da maioria absoluta tem pela frente o terrível desafio da verdade, sobre a qual nenhum manto diáfano poderá amaciar a crua realidade das nossas dificuldades.


As últimas sondagens dão uma probabilidade altíssima à maioria absoluta do PS. Mas também dão grandes resultados ao PCP, e sobretudo ao Bloco de Esquerda, que, empatados, andarão à roda dos 7% cada um. Os partidos do Governo demissionário afundam, como se esperava, e Paulo Portas poderá muito bem avançar para uma cisão a prazo do PSD, levando consigo Pedro Santana Lopes e a sua pandilha (autarcas incluídos).
Mas como avisam Medina Carreira, Silva Lopes e Miguel Cadilhe, entre outros, a coisa não está para brincadeiras. O Estado da endogamia perdulária, da preguiça, da irresponsabilidade e da subsídio-dependência tem que dar lugar, quanto antes, a um Estado mais elegante e sobretudo mais eficiente. Os que pagam impostos não estão dispostos a suportar o descanso medíocre de quem não trabalha porque prefere a bicha dos subsídios e das bolsas sem fim. O Estado tem que se ater apenas ao que é essencial, e de forma diligente, poupada e eficaz. Temos todos que saber transformar o desemprego em desemprego criativo, i.e. em actividade e investimento. Por exemplo, um desempregado (porque perdeu o emprego, ou porque ainda não encontrou o seu primeiro posto de trabalho) poderia exercer a actividade para que está preparado a troco de um simples per diem e de um crédito de horas, cuja cobrança em tempo ulterior seria garantida por um banco de horas devidamente avalizado pelo Ministério das Finanças. As empresas, por sua vez, poderiam recorrer a empréstimos de horas de trabalho, dispondo assim de uma modalidade suplementar de financiamento das suas actividades. Em suma, tal como sucedeu na Argentina, temos que nos virar, e já! O próximo Governo, por si só, não poderá, mesmo que queira, resolver em tempo os gravíssimos problemas que temos pela frente. A herança, que dura desde a India, acabou. Precisamos, pela primeira vez, de trabalhar. E o primeiro passo a dar, da responsabilidade do futuro Governo PS, é moralizar a cidadania, acabar com as mordomias escandalosas e promover um Estado eficiente. Boa sorte Sr. Engenheiro!
PS — Só mais um aviso: a maioria absoluta é mesmo necessária à estabilidade relativa de que necessitamos para levar o nosso destino a bom porto. Está muito perto de realizar-se, mas ainda falta votar...

O-A-M #70 18 Fev 2005

quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Bloco útil

simbolo IV Internacional

Debate televisivo.
Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação.


Regressei hoje de Madrid depois de uma semana algo agitada. A ETA fez explodir um engenho propagandístico a uns trezentos metros da porta principal do Recinto Ferial de Madrid, ferindo quarenta e duas pessoas com estilhaços provocados pela onda de choque. Ardeu por completo um dos arranha-céus emblemáticos da cidade (o edifício Windsor). PSOE e PP comungam argumentos e arengam picardias em volta das vantagens de votar Sim no referendo sobre o Tratado Constitucional Europeu, que terá lugar este Domingo. Os canais públicos e privados de televisão continuam a dedicar-se entusiasticamemte ao tele-lixo. A Gran Via tem cada vez mais putas e chulos africanos e latino-americanos. Os asiáticos, sobretudo chineses, continuam, como formiguinhas, a construir a China Town Madrid. A feira de arte continua no impasse. O El País dedicou duas páginas à crise portuguesa (adoram as nossas depressões!) Em suma, os restaurantes étnicos começam finalmente a oferecer alternativas decentes aos eternos calamares fritos andaluzes, à paelha valenciana, ao pulpo galego e à tortilha espanhola. Escutando uma conversa de Metro, fiquei a saber que, afinal, o alcoviteiro Santana não passa dum homossexual recalcado. A prova estaria nas tareias que o citado teria dado em todas as mulheres que foram ao castigo, excepto uma, que lhe partira o braço. “Está provado!” assegurava furiosamente o português pequenino à que parecia ser sua esposa, de meia-idade, bem fornecida de carnes, de peles e de muita laca, no regresso acalorado ao hotel, depois de uma peregrinação aparvalhada pelos pavilhões 7 e 9 do ARCO. Quando chego a Lisboa, naquele estado de semi-alucinação que caracteriza a última e terrível hora de uma condução nocturna depois de sete dias de trabalho, leio num cartaz do PS mais uma alusão soez à putativa homossexualidade do candidato a Primeiro-Ministro, pichada, seguramente, pela central de contra-informação e provocação da canalha santanista. Regresso à realidade. Fui dormir descansado.

A tarde anunciava-se magnífica. Depois de uma pescada com grelos e cenoura, sem sal e regada com azeite, fui dar um passeio pela praia de Carcavelos. Cães saudavelmente à solta. Temperatura primaveril. Corpos buscando o bronze fora de época. Gente linda. A companhia agradável dos surfistas esperando pelas suas ondas. O som do mar e do Sol. O horizonte cinematográfico. O decrépito Narciso ainda por demolir. O Ministério do Ambiente regularizando a orla, como que a pedir mais uns votos para Paulo Portas. Ouvir de novo a Cândida. Saudades súbitas da filha que deixara quinze horas antes em Madrid. A minha praia... Trocá-la por outro paraíso qualquer? Os 42 voos que saiem semanalmente para o Brasil bailam frequentemente no painel das opções anti-crise. Seria capaz de deixar a minha praia? Nunca se sabe...

O combate político das oito e trinta chegou finalmente. Atacado por uma afonia radical, o representante comunista viu-se obrigado abandonar o estúdio da RTP depois de balbuciar algumas palavras duras contra a hipocrisia da direita no que toca às pensões de reforma. O actual primeiro-ministro esteve igual a si próprio, e por isso não convenceu ninguém sobre as suas intenções (paz à sua alma política!) O futuro primeiro-ministro esteve francamente melhor do que nas aparições anteriores (mas só por uma unha negra conseguirá a almejada maioria absoluta). Paulo Portas, na pretensão idiota de conciliar a sua homossexualidade escondida, como um direito de privacidade indiscutível, com a devassa e o castigo que continua a pretender infligir às mulheres que se vêm forçadas à interrupção voluntária da gravidez, bem pode pregar às classes médias, que estas, cada vez mais empobrecidas e ameaçadas pela liberalização dos serviços de saúde, só se fossem completamente tontas, lhe dariam um voto sequer. Finalmente, Francisco Louçã, esteve a um passo dos 10% e de obrigar o Partido Socialista a uma inevitável coligação. Digo a um passo, porque para chegar a convencer-me a mudar a minha intenção de votar no PS teria que ter dito uma frase mágica: sim, se for preciso, o Bloco de Esquerda estará disposto a viabilizar os orçamentos propostos pelo futuro governo do PS, afastando por um razoável período de tempo a direita do poder, e garantindo um efeito moderador em todos os sacrifícios que vierem a ser pedidos aos portugueses na corrida económica que se avizinha.

Seja como for, Francisco Louçã foi o mais convincente líder político desta campanha eleitoral. Sempre teve uma formação marxista mais sólida do que a de Durão Barroso ou de António Gueterres. É um economista de formação. Já percebeu que o futuro que aí vem — no plano geo-estratégico mundial — é mesmo preocupante. Sabe que a sua voz vai ser marcante nos próximos anos da vida política portuguesa. Falta-lhe, tão só, arriscar-se a governar. Trotsky fá-lo-ia certamente nas actuais circunstâncias civilizacionais.

No boletim da IV Internacional (Trotskysta) pode ler-se, a propósito da transformação táctica do PSR em associação política: Le congrès a donc pris la décision de se transformer de parti en association, en ajustant l' intervention de la section de l' Internationale au changement de conditions qui avait eu lieu, et dans l' intention de donner à cette intervention une base plus solide et plus réaliste. Les textes votés répondent aussi à diverses questions politiques et d' organisation d'une actualité brûlante, en rejetant par exemple les tentations ministérialistes et en réaffirmant la validité du centralisme démocratique comme principe d' orientation du fonctionnement interne de l' association.

O-A-M #69 16 Fev 2005