sábado, junho 11, 2005

Arrastao

Carcavelos: praia a saque?

Praia de Carcavelos: arrastão ou provocação policial?


Enquanto António Costa dormitava ao som melodramático do bardo presidencial, uma multidão de pretos, negros, ou afro-lusófonos (1), com idades entre os 16 e os 20 anos, presumivelmente oriundos de bairros inumanos da periferia lisboeta (Amadora, Sintra, Cascais, etc.), desencadearam uma onda de assaltos, agressões e pânico entre os banhistas brancos que gozavam umas horas de Sol e mar na minha praia de sempre: Carcavelos. O número de atacantes estimou-se nas centenas e actuaram impunemente entre as 15 e as 18 horas, em toda a extensão da praia, continuando posteriormente a sua acção predadora pela Av. Jorge V, estação de Carcavelos e comboios. Os revoltados eram, como disse, negros e jovens. Os atacados foram, como disse, brancos de todos os matizes, tendo o incidente tido início num ataque violento contra um cidadão ucraniano. Estes são os factos e não vale a pena disfarçá-los com retóricas politicamente correctas que apenas revelam tibieza, cobardia e hipocrisia intelectual.

Esta cópia do modelo brasileiro conhecido por ‘arrastão’, pelo número e grau de organização, coloca-nos diante de um problema muito sério, que as agências de turismo internacionais não deixarão de explorar, e que merece ser discutido publicamente. Foi ou não o ataque desferido na praia de Carcavelos uma manifestação de ódio racista? Foi ou não o arrastão de Carcavelos resultado de uma operação meticulosamente preparada, e neste caso, como podemos analisar a completa inabilidade preventiva da polícia? (2) Estamos ou não a assistir ao início de uma guerra civil atomizada, fruto de uma política de imigração oportunista e irresponsável, cujos patamares de agressividade poderão escalar bem mais cedo do que alguns gostariam de prever? E se amanhã surgir um verdadeiro líder de extrema-direita a reclamar uma resposta olho por olho, dente por dente, de quem é a culpa?

Numa situação de crise económica, liberalismo selvagem e desemprego sistémico, as primeiras vítimas da miséria e da humilhação social e cultural tendem a ser todas as minorias étnicas que o poder político foi deixando entrar no País sem uma verdadeira estratégia de contingentação, acolhimento e protecção. Isto é, as minorias oriundas de África, da América Latina (sobretudo brasileiros) e da Europa de Leste. O liricoidismo ideológico que imputa aos portugueses uma natural ausência de preconceitos racistas não passa disso mesmo: de uma mentira piedosa. Se há pão para todos, Afonso de Albuquerque e o Catolicismo, sobretudo por razões tácticas, ensinaram-nos a ser tolerantes, e não claramente segregacionistas, com as demais raças. Todavia, quando faltam o emprego, tecto, o pão, os snickers da Nike ou o telemóvel de última geração, as coisas podem mudar rapidamente de figura! Se ainda por cima empurrarmos as várias minorias para ilhas étnicas de matiz concentracionário (o caso da Cova da Moura é a este título exemplar), então estaremos mesmo a preparar um caldo de cultura inevitavelmente explosivo.

No caso que nos toca, a rebelião não nasce de uma radicalização religiosa da humilhação social prolongada que, por exemplo, na Alemanha, França, Holanda ou Reino Unido, tem sido imposta às minorias turcas, argelinas e asiáticas que nesses países há décadas fazem os trabalhos mais duros ou rotineiros que os indígenas educados desses paraísos civilizacionais se recusam a fazer. Em Portugal, onde a maioria dos imigrantes é felizmente católica, o problema é outro. Se não houver uma acção inteligente e sistemática do Estado e dos governos face ao problema, sul-americanos, africanos e europeus de Leste, e sobretudo portugueses descendentes destas ondas migratórias, ao serem as primeiras vítimas das crises sociais (precisamente porque os preconceitos étnicos e racistas existem, de parte a parte), tenderão a reagir como puderem. Unidos pela miséria e pela humilhação, verificarão depois que há mais alguma coisa a uni-los: precisamente, a cor da sua pele, do seu cabelo ou dos seus olhos... Para os mais aptos, o mundo do crime (contrabando, tráfico de estupefacientes, armas e objectos roubados, e a exploração sexual) será cada vez mais atraente. Se continuarem acantonados em bairros sem lei, o vislumbre de micro-sociedades com leis próprias, desafiando o Estado e a sociedade dominantes, aparecerá como um cenário cada vez mais tentador. Numa palavra, se nada se fizer, teremos muito em breve nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não apenas cópias fidedigmas dos arrastões de Copacabana, mas verdadeiros contra-poderes sociais dominados por bandos de criminosos, tal como ocorre nas tristemente famosas favelas brasileiras.

Notas
1 — Nos Estados Unidos a palavra negro, ao contrário da palavra preto é considerada insultuosa quando usada para designar um indivíduo de origem afro-americana. Em Portugal, dependendo de quem utiliza o termo, qualquer das expressões acima empregues pode ser considerada politicamente correcta ou insultuosa. O termo empregue pelos próprios, no nosso país, é quase sempre ‘preto’, e não ‘negro’. O uso de qualquer dos termos neste blogue não tem, obviamente, qualquer intenção discriminatória, servindo apenas a necessidade de nomear sem hipocrisia indivíduos de uma determinada origem étnica ou rácica.

2 — Só um ingénuo poderia acreditar que as nossas polícias não têm agentes infiltrados nos principais bairros problemáticos da capital e arredores, e informadores infiltrados nos próprios gangs que se dedicam aos florescentes negócios do contrabando, contrafacção, tráfico de estupefacientes, prostituição, pequenos assaltos urbanos e... organização de ‘arrastões’. Só este facto explica como foi possível os corpos especiais de intervenção policial chegarem à praia de Carcavelos 20 minutos depois de dado o alarme. Mas este mesmo facto levanta uma dúvida: como é possível que os responsáveis pela ordem pública não tivessem tido conhecimento antecipado de uma operação com semelhante envergadura (número de actores envolvidos) e grau organizativo? Ou será que deveremos ler toda esta surpresa como um aviso premeditado dos lobbies policiais ao poder político, face às ameaças que pendem sobre os direitos adquiridos por estes corpos especiais da Administração Pública? E se assim fosse, não estaríamos perante uma manobra corporativa de matiz efectivamente golpista? António Costa precisa de todo o apoio para tirar isto a limpo e agir em conformidade. Alia jacta est...

3 — Algum tempo depois, viemos a saber que o arrastão teria sido mais virtual (quer dizer, teledramático) do que real. Houve problemas, a polícia veio (há quem afirme mesmo que o esquema nasceu na corporação...), a coisa demorou algum tempo a acalmar, mas depois, as televisões, como um enxame, não falaram de outra coisa, histericamente, durante horas e dias a fio! Seja como for, um aviso aos políticos profissionais: é urgente definir uma política de imigração e uma política de integração, racionais e justas. [5 Ago 2006]

O-A-M #78 11 Junho 2005

segunda-feira, junho 06, 2005

Europa referenda

Chirac e Schroder bebem por qual Europa?

A Multidão Europeia quer votar!


Recebi esta msg do artista holandês Peter Luining:
"ohnoqt@yahoo.com wrote:
'How do you explain the fact that a large majority of people who voted as you did (no), are very fond of populist, raciste and conservative ideas?'
Polls after the French vote show that this explanation is wildly incorrect:

Key paragraph:
'According to SOFRES [a polling institution], the "no" voters made their decision because "this treaty will exacerbate unemployment in France" (46%), "to show they're fed up with the current situation" (40%), "a 'no' vote will make it possible to renegotiate the treaty" (35%), "this treaty is too neoliberal" (34%), "this treaty is particularly difficult to understand (34%), "Europe threatens France's identity" (19%) or "because of Turkey" (18%). Among these reasons, issues of social protection and opposition to neoliberalism are clearly far ahead of xenophobic tendencies and worries about national sovereignty. This is confirmed by the IPSOS poll, according to which the three main reasons for the "no" vote are dissatisfaction with the current economic and social situation in France (52%), the view that the proposed treaty is "too neoliberal" (40%) and confidence in being able to get a better constitution after a renegotiation (39%). One last proof that at the heart of the "no" vote is the desire for another sort of Europe: according to most of the polling institutions, a very large majority of "no" voters (64% according to CSA) want France to ask for a new European constitution to be written.'"
Li entretanto o artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes". Aí encontrei alguns outros dados muito interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no Estado Providência.

Olhando para estes dois aspectos bem diversos do problema, penso que os NÃO da França e da Holanda forçarão finalmente um grande debate europeu sobre o futuro da Europa e a sua desejável identidade num mundo globalizado. Ora isto não pode deixar de ser encarado como uma boa notícia para todos nós, europeus!

A "multidão" europeia (Antoni Negri and Michael Hardt, autores deste novo conceito, usam a expressão "multitude") começou finalmente a mover-se como uma rede de "inteligência colectiva" alternativa, a qual obrigará os eurocratas e os velhos partidos políticos a redefinir os seus métodos de actuação e as suas prioridades.

Por este facto, julgo que deveremos todos exigir a realização dos referenda agendados em vários países europeus (República Checa, Polónia, Dinamarca, Reino Unido, Portugal, etc.)

A MULTIDÃO EUROPEIA QUER VOTAR!


O-A-M#77, 06 Junho 2005

domingo, junho 05, 2005

Aviso ao PS 3

Jobs for the boys 2


O PS alterou promessas eleitorais fundamentais (aumentou os impostos e promete mexidas abruptas no sistema das pensões e reformas) com base numa encenação caricata em volta do valor do défice esperado das contas públicas. Para isso, contou com a assessoria zelosa, mas suspeita, do Governador do Banco de Portugal. Ao contrário do esperado, a tónica foi para o aumento das receitas, e não para os cortes sérios na despesa pública. E quando digo cortes sérios nas despesas refiro-me, sobretudo, a uma diminuição drástica, mas faseada, ponderada e inteligente, do Estado, contemplando medidas como as que se seguem, e que me parecem inevitáveis, mais cedo ou mais tarde:

— encerramento de todos os Ministérios, Secretarias de Estado, Direcções-Gerais, Direcções de Serviços, Divisões, Institutos, Fundações e Organismos Autónomos manifestamente inúteis ou cujas funções, se não forem de todo inúteis, possam ser realizadas por outros organismos. Por exemplo, o actual Tribunal Constitucional não serve para coisa nenhuma (a não ser para alimentar de mordomias as clientelas políticas do PS e do PSD). Por exemplo, o actual Ministério da Agricultura poderia ser reduzido em mais de metade da sua esclerótica e paquidérmica dimensão. Por exemplo, os actuais Ministérios da Cultura e da Juventude e Desporto desempenhariam perfeitamente as suas funções enquanto Secretarias de Estado do Ministério da Educação. Por exemplo, os actuais Governos Civis, e a Guarda Nacional Republicana, sobrevivências do Estado Novo, não servem rigorosamente para nada, a não ser (no caso da GNR) para duplicar serviços e aumentar a descoordenação das acções, ou (no caso dos Governos Civis) para alimentar a voragem das clientelas partidárias. Etc, etc.

— reduzir drasticamente os postos de nomeação político-partidária na Administração Pública, acabando nomeadamente com todos os regimes de excepção. De Director-Geral para baixo, o acesso às posições de chefia deveria basear-se exclusivamente num sistema universal de concursos públicos.

— reduzir para metade o número das nossas representações diplomáticas (negociando ao mesmo tempo com alguns países comunitários acordos especiais de "out-sourcing" diplomático.)

— criação de duas novas regiões autónomas, dotadas de uma estrutura política e administrativa racional e eficaz, correspondentes às actuais regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.

— manutenção das restantes regiões administrativas sob a responsabilidade directa do Governo, pondo-se fim à demagógica fantochada da Regionalização. Num país com metade da população de Tóquio, só mesmo o triunfo da corrupção, da preguiça e da ganância ilimitada, poderia sustentar a peregrina ideia de aumentar o Estado e as mordomias à conta da tal Regionalização!

— redução radical do número actual de Municípios, adoptando o princípio de que a elevação a Concelho, ou a descida neste tipo de divisão político-administrativa, depende da existência efectiva de comunidades de cidadãos residentes superiores a 10 mil habitantes. As actuais Assembleias Municipais serviriam como ponto de partida da reagregação das comunidades populacionais em torno dos novos Concelhos.

— remuneração dos deputados, vereadores e presidentes de câmara de acordo com escalões de representatividade democrática (< 10 mil eleitores; < 100 mil eleitores; < 500 mil eleitores; < 1 milhão de eleitores; > 1 milhão de eleitores).

— definição do núcleo estratégico do Ensino Superior (Engenharias, Arquitecturas, Matemáticas e Computação, Biologia e Genética, Ambiente e Medicina), a ser sustentado com racionalidade e meios adequados pelo Estado, e correspondente e efectiva privatização de toda a restante fileira da formação superior (Direito, Economia e Gestão, Artes e Letras, etc.)

— imposição rigorosa dos regimes de exclusividade na Função Pública, nomeadamente nos sectores da Saúde, da Educação e da Justiça.

— fim imediato de todos os privilégios corporativos actualmente detidos por diversas Ordens profissionais em tudo o que se refere ao exercício de controlos sobre a formação e acessos dos licenciados ao exercício das respectivas profissões.

— imposição universal de prazos administrativos obrigatórios para todos os actos da Administração Pública.

— publicitação automática, sem excepção, de todos os contratos, subsídios e apoios realizados entre o Estado e a sociedade civil (indivíduos, associações e empresas.)

— responsabilização dos agentes e funcionários do Estado, bem como dos detentores de cargos públicos pelos actos ou omissões praticados, cujos efeitos prejudiquem o bem público, o Estado ou os indivíduos vítimas de má administração pública.

— fim imediato de todos os privilégios e mordomias injustificadas usufruídos pelos altos cargos da administração pública, nos governos, nas autarquias, nos parlamentos, nas empresas públicas, nos organismos públicos autónomos, etc.

— profissionalização e despartidarização imediata das representações do Estado nas empresas públicas e participadas.

— publicitação das declarações de rendimentos de todos os cidadãos residentes no País (medida anunciada que aplaudimos).

— imposição de colectas mínimas em todas as categorias fiscais (medida parcialmente adoptada, mas que necessita de ser aprofundada).

— imposição de taxas moderadoras lógicas e razoáveis no acesso aos bens públicos gratuitos, i.e. financiados pelos sistemas de previdência e segurança social.

— aumento das coimas e multas aplicáveis por infracções ao código da Estrada (nomeadamente no que se refere ao estacionamento ilegal, uso de telemóveis durante a condução, excesso de velocidade, condução sob o efeito de substâncias tóxicas e manobras perigosas).

— aumento das coimas e multas aplicáveis por desrespeito das normas ambientais em vigor.

— redução do serviço público de televisão e rádio à prestação de serviços noticiosos e educativos de interesse geral. Un canal nacional, un canal dirigido aos PALOP e um canal internacional bilingue (Português e Inglês) são mais do que suficientes para assegurar os interesses nacionais. Este serviço deveria ser integralmente suportado pelo OGE e não contemplar nenhum espaço de natureza comercial. Dizer que precisamos mais do que isto é o mesmo que dizer que precisamos de um Diário da Manhã ou de um Diário de Notícias sob alçada do Estado. A agência Lusa é mais uma gordura perfeitamente dispensável na imprescindível revisão estratégica do sistema mediático português.

Estas e outras medidas duras podem e devem ser equacionadas e discutidas. Há maior disponibilidade para mudar do que se pensa. O que não há é pachorra para aturar a arrogância do actual Ministro das Finanças e o clima de guerra civil instalado entre as classes privilegiadas e corrompidas pelo actual sistema político. O que ninguém que votou no PS aceita são as 900 e tal nomeações partidárias já publicadas no Diário da República (alguém sabe a quanto soma o montante das indemnizações previstas?), ou a nova frota de BMWs adquirida pelo Tribunal Constitucional, ou os casos Fernando Gomes, Luís Nazaré e quejandos. Jobs for the Boys 2 é um filme que ninguém quer ver (até porque as continuações são sempre piores — Marx dixit...). Os "nãos" da França e da Holanda foram apenas os primeiros avisos sérios às corrompidas democracias actuais. Algo começou a mexer na multidão de que falam Michael Hardt e Antonio Negri. O Senhor Sócrates que se cuide!

The multitude is working through Empire to create an alternative global society. Whereas the modern bourgeois had to fall back on the new sovereignty to consolidate its order, the postmodern revolution of the multitude looks forward, beyond imperial sovereignty.

in Multitude, Michael Hardt e Antonio Negri

AC-P

O-A-M#76, 05 Junho 2005

sexta-feira, maio 27, 2005

Aviso ao PS 2

Ouçam o Medina Carreira!


Não há pachorra nenhuma para as mesas redondas televisivas protagonizadas por porta-vozes partidários. Eu nunca compraria um carro em segunda mão ao Senhor Coelho, nem a nenhum dos outros e outras vozes de carreira que povoam, até à náusea, os intermináveis blocos noticiosos dos nossos canais audiovisuais. Eles falam sobre tudo como se soubessem do que falam e sobretudo não suspeitassem que nós sabemos que a sua única função ideológica é a de serem simplesmente demagogos mediáticos. Como demagogos que são nunca pensam pela sua cabeça, mas pela cartilha de ocasião do respectivo partido. No caso, os porta-vozes supostamente independentes do centro (PS e PSD) propõem basicamente meias-medidas: subir impostos devagarinho, mexer com muito cuidado nas despesas sociais e cortar simbolicamente alguns privilégios escandalosos. Os porta-vozes comunistas, esquecendo que falharam em toda a parte por onde andaram, insistem alegremente nos seus estafados cardápios maniqueístas (‘os ricos que paguem a crise!’). Os bloquistas (incluindo Francisco Louçã) continuam a revelar uma confrangedora falta de imaginação, num momento em que bem poderiam inovar em matéria de estilo de acção política e metodologias programáticas. Quanto à direita propriamente dita, não existe e ainda bem (mas por quanto tempo?)

Por uma questão de transparência, seria bom que as televisões e os jornais (e os porta-vozes informais eles próprios) esclarecessem em que condição emitem as suas putativas opiniões. Se, como me parece, não fazem mais do que ocupar tempo de antena partidário (ainda que disfarçado de opinião crítica), quem cobra pelo serviço: o opinador, ou o partido de que faz parte? Visto da perspectiva correcta, deveriam ser os partidos a pagar tais tempos de antena, não é verdade? Pelo menos no que toca aos canais públicos, este sistema pantanoso significa apenas mais um subsídio encoberto aos partidos políticos — pago pelos impostos de todos nós!

Vem tudo isto a propósito da cacafonia mediática em torno do anunciado relatório Constâncio e das correspondentes decisões do governo de José Sócrates. Do que ouvi, apenas Medina Carreira, na entrevista de esta noite ao José Gomes Ferreira (um excelente profissional), resumiu simultaneamente o essencial da crise em que estamos e o essencial das medidas a tomar. Dentro de 10 a 15 anos, se nada de sério se fizer, o Estado irá à falência. As medidas anunciadas por José Sócrates são necessárias mas muito insuficientes.

Estou completamente de acordo com Medina Carreira quando afirma ser necessário reduzir drasticamente, e já, o peso do Estado na sociedade portuguesa. A solução, tal como ele aflorou na dita entrevista, existe, pode e deve ser adoptada, a partir do momento em que se esclareça a sociedade portuguesa da verdadeira dimensão do problema.

Um país de 10 milhões de habitantes (menos que uma qualquer grande cidade mundial), 80% dos quais encostados ao litoral, precisa de 315 câmaras municipais? Não, não precisa. Um país desta dimensão precisa de 250 deputados para legislar a sua vida? Não não precisa. Um país destes precisa de 700 mil funcionários públicos? Não, não precisa.

Para governar este país bastam:

1 governo ágil e profissional, com 7 ministérios:

— Finanças
— Economia (secretarias de Estado: Obras Públicas, Indústria, Agricultura, Pescas, Comércio, Transportes e Mobilidade, Turismo)
— Educação (secretarias de Estado: Cultura, Desporto, Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico)
— Ambiente e Território
— Administração Interna
— Defesa
— Justiça.

4 regiões autónomas: Lisboa, Porto, Madeira e Açores

1/3 das câmaras municipais actualmente existentes

1 parlamento com metade dos actuais deputados

350 mil funcionários públicos (1)

Para resolver o problema do estacionamento selvagem (e de caminho o excesso de consumo automobilístico, consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa) bastaria condicionar a compra de qualquer automóvel à existência prévia demonstrada, por parte do comprador, do correspondente lugar de estacionamento próprio na localidade onde reside. Tal como sucede no Japão...

Quanto à dependência energética, uma medida apenas: reduzir para metade, nos próximos dez anos, a nossa dependência energética do exterior.

O resto, seria, ou deveria ser, uma forte sociedade civil, consciente dos desafios, dos limites e das suas possibilidades.

Mas haverá ainda gente interessada em discutir estes temas? Temo bem que o número de agarrados ao orçamento do nosso pobre Estado seja já demasiado elevado... e não haja retorno possível à racionalidade democrática.

AC-P

Notas
1 — O presidente do INA, Valadares Tavares, em artigo publicado na edição de 10 Jun 2005 do Expresso, propõe uma redução de 20% no número de funcionários públicos no espaço de duas legislaturas. Seria um bom começo, sobretudo se esse número fosse conseguido como resultado da supressão de serviços redundantes, ineficazes ou meramente dispensáveis, e ainda pela fusão e concentração de todo o tipo de instâncias burocráticas. Neste sentido foi também a posição da equipa do actual Ministro das Finanças durante o debate de ontem na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República, transmitido pelo respectivo canal televisivo (um dos poucos canais obrigatórios da repetitiva TV Cabo).
11 Jun 2005
AC-P

O-A-M # 75, 27 Maio 2005

sexta-feira, abril 01, 2005

Aviso ao PS 1


Promessas para cumprir


Conhecimento, Cultura, Entretenimento
Inaugura amanhã em Léon (Espanha) mais um museu de arte contemporânea. Custou 33 millones de Euros. Ocupa 21.178,15 m2, sendo de 9.700m2 a superfície construída. No tempo que durou a construção do edifício (2002-2005) foram gastos 5 milhões de Euros na aquisição de obras de arte. Não se pense, porém que estamos diante de um caso isolado. Muitos outros museus e centros de arte contemporânea foram recentemente inaugurados em Espanha. Apenas alguns exemplos de referência obrigatória: o Museo Picasso, em Málaga, a Fundación Jose Guerrero (2000), em Granada , o MARCO (2002), em Vigo, o ATRIUM (2002), em Victoria, o Museo Esteban Vicente (2002), em Segovia, Caixa Forum (2002), em Barcelona, Centro Parraga (2004), em Murcia, e a expansão do Museo Centro de Arte Reina Sofia, de Jean Nouvel (2005), em Madrid. E há mais exemplos em perspectiva: Gijón, Corunha e Córdoba. Em Portugal: népias. Ou antes, uma vergonha chamada Casa da Música.
Seria bom que o actual governo se pusesse a trabalhar num livro branco sobre as diferenças gritantes entre os investimentos culturais em Espanha e Portugal, em vez de se deixar tentar, uma vez mais, pela novela da invasão espanhola (como parece anunciar a sujeira em volta do negócio da venda da Lusomundo).
Eu já escrevi uma vez e volto ao mesmo: a socieade do conhecimento que aí vem é indissociável da cultura. Caminhamos para uma cultura cognitiva, e nisto estará uma das futuras vantagens comparativas da Europa face ao resto do mundo. Quem ainda não percebeu isto e continua a confundir desenvolvimento, com crescimento económico insustentável e construção civil, vai necessariamente conduzir o nosso país à desgraça. É preciso considerar o investimento cultural uma prioridade. E como tal prioridade terá que ser tratada por profissionais realistas e competentes, não por "inside traders" manifestamente incapazes. Precisa-se, basicamente, de muito mais dinheiro, de muito menos burocracia, de parcerias sólidas com a sociedade civil, de estratégias claras e transparentes e de marketing. Em suma, tudo o que actualmente não existe.

O-A-M #74, 01 Abr 2005

domingo, março 27, 2005

PSD reage

António Borges não vai deixar o PS em paz


Marques Mendes é o político de aparelho melhor colocado para ganhar o próximo congresso do PSD. De facto, não vejo como é que Filipe de Menezes, que não consegue manifestamente falar bom português, possa suplantá-lo no próximo conclave de aparatchics. Este juízo não passa aliás de senso comum. Pensa-o toda a gente que segue minimamente a televisão, e não vejo como poderia António Borges ter opinado de modo diferente quando Judite de Sousa lhe perguntou o que pensava sobre a futura liderança do PSD

Falta apenas saber se Marques Mendes será ou não um líder de transição. É bem possível que não resista aos efeitos da derrota eleitoral das próximas autárquicas. Mas também pode suceder que entre ele e a tendência liberal moderada formada em volta de António Borges e outra gente de peso no PSD haja uma aliança tácita com vista a suportar os próximos quatro anos de poder PS — minimizando os estragos e, se possível, capitalizando com eficácia os inevitáveis deslizes de José Sócrates.
A boa notícia desta nova conjuntura no PSD é a promessa de uma oposição adulta ao ciclo de governação que agora começa. O PS precisa dela. Para não cair na tentação, uma vez mais, dos jobs for the boys, e também para evitar a governamentalização do que deve ser deixado à iniciativa privada e à cidadania.

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O-A-M #73 23 Mar 2005

quarta-feira, março 23, 2005

Hora de Lisboa

Sasha by Baruca. Copyright © 2004-2005.

Com Durão em Bruxelas, Mourinho em Londres e Sócrates em Lisboa, bem podíamos estar mais optimistas!


A imagem que acompanha este artiguinho foi desenhada pela minha sobrinha de 18 anos. Pertence a uma categoria de arte chamada Anime, que não consta ainda do universo cognitivo dos nossos museus de ‘arte contemporânea’ (demasiado atentos aos restos da arte do séc. 20 e respectivos especuladores), mas que pode muito bem servir para compreender a missão do Governo que acaba de ver aprovado o seu programa de legislatura.
Ao contrário do que a floresta dos privilégios, da burocracia, do compadrio, da endogamia, da corrupção, da preguiça, da ignorância e da estupidez continua a pretender fazer-nos crer, existe entre nós a energia suficiente para colocar este País diante das suas responsabilidades históricas. Basta, para tanto, tomar um pouco de atenção aos sinais. O mais recente, insistente e óbvio, é a tempestade mental que atravessa grande parte dos decisores e opinadores portugueses desde a última campanha eleitoral. Nunca, como agora, parece ter existido tanta coincidência de pontos de vista sobre os males que nos afligem. Os efeitos obsessivos desta irmandade teórica agitam a generalidade dos canais mediáticos. Fala-se dos poderes corporativos que tolhem a nossa produtividade, e da falta de transparência dos processos produtivos e sociais. Numa palavra, chegou a hora de perceber que a mesada da História acabou. Os ciclos coloniais chegaram ao fim. O ciclo emigratório chegou ao fim. O ciclo do trabalho barato chegou ao fim. O ciclo do turismo bronco e trapaceiro chegou ao fim. O ciclo da integração europeia chegou, para nós, ao fim. O ciclo da energia barata chegou dramaticamente ao fim (e os portugueses pouco ou quase nada fizeram para precaver esta situação.) Enfim, o actual governo socialista sabe que o estado de graça facultado pelos eleitores corresponde muito mais ao medo generalizado de encarar os sérios desafios que temos pela frente, do que a uma verdadeira crença na redenção miraculosa dos nossos pecados culturais. Seja como for, há alguns sinais positivos no ar.

Tenho vindo a reparar nos surfistas que afluem à praia de Carcavelos (onde vivo há mais de trinta anos), na crescente comunidade artística que dá pelo nome de Anime.PT, ou no acréscimo evidente do número de doutorandos que esperam por melhores dias. Embora a endogamia espelhada nas nossas intituições e nos média mostrem o contrário, o país mudou e continuará a mudar rapidamente nos próximos anos. A este Governo, como aos políticos em geral, compete, sem mais adiamentos, preparar o terreno de acolhimento para tais energias. Serão estas, e não as clientelas instaladas, que nos poderão conduzir ao aumento da célebre produtividade. Mais e melhores artistas, mais e melhores cientistas, mais e melhores profissionais, mais e melhores desportistas, são algumas das metas ao nosso alcance e temos a obrigação de atingi-las no menor tempo possível.

Ao confrontar alguns conhecidos paquidermes corporativos, José Sócrates e o Governo deram o tom inequívoco da vontade política reformadora que os levou ao poder. Depois do interregno do inenarrável Santana Lopes, espero, esperamos todos, que Portugal comece finalmente a funcionar numa lógica cultural baseada na igualdade de oportunidades, na responsabilidade, na competência, na gestão por objectivos e na rotatividade funcional das pessoas, façam elas o que fizerem. A limitação de mandatos deve estender-se a todos os domínios do poder, seja ele político-institucional, académico, partidário, corporativo-patronal ou sindical (não é, senhor Dr. Carvalho da Silva?) A transparência de processos, também. Só assim poderemos esperar que o melhor das novas gerações contribua a tempo e horas para o rendimento do sistema.
A conjuntura actual apresenta uma configuração algo propiciatória. Durão Barroso foi para Bruxelas dirigir a Comissão Europeia, abrindo por outro lado a porta ao regresso do Partido Socialista (renovado) ao Governo. José Sócrates, Barroso e Maria João Rodrigues, uma das principais obreiras da Agenda de Lisboa e actual conselheira especial do primeiro-ministro luxemburguês, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, estão, no essencial, de acordo com a necessidade de espevitar a dita Agenda, aprovada em Lisboa quando António Guterres presidia ao mesmo Conselho. A crise energética, a necessidade de reformular radicalmente o modelo estratégico do desenvolvimento europeu (mais cognitivo, menos consumista, mais ético, menos liberal e mais sustentável) e a simplificação dos processos de decisão e organização democráticas, são as prioridades essenciais deste velho continente. Só depois virá a necessidade de uma política de defesa comum, em sentido estrito (uma visão estratégica de geometria variável serve, para já, o interesse geral europeu.)

Face a este cenário repentino e tão dinâmico, os partidos da Oposição que se sentam na Assembleia da República vão mesmo precisar de fazer um retiro espiritual. O PSD de Marques Mendes irá certamente mudar. O PP parece que vai mesmo desaparecer. Resta saber o que se irá passar nas fileiras do Bloco de Esquerda e do PCP. A era da política como táctica acabou. Ou vai ser ridiculamente imprestável nos próximos quatro anos. A Oposição tem pois que se preparar para exercer de forma criativa e responsável os seus contraditórios. O que dela todos esperamos são ideias e não bloqueios. Afirmar, como hoje (23.03.2005) ouvi a um deputado do Bloco, na SIC Notícias, que o âmbito das nomeações partidárias para o aparelho de Estado deve incluir os Directores-Gerais, brada aos céus! Não, Senhor Fazenda, as nomeações políticas têm que se circunscrever aos membros dos governos e nada mais! No Estado, tudo o resto deve ser conseguido pelo mérito sucessivamente confirmado de uma carreira profissional claramente definida e exigente. E mais: para evitar a instrumentalização partidária dos cargos directivos, aquilo que há a fazer é introduzir limitações temporais aos exercícios das funções (por exemplo, 8 anos em cada direcção de serviços, direcção-geral, etc.), e submeter as carreiras profissionais a uma avaliação regular.

Entretanto, com as autárquicas no horizonte, esperemos que o Manuel Maria Carrilho ganhe a Câmara de Lisboa, pois a cidade precisa urgentemente de um programa cosmopolita ambicioso e pragmático. Até lá, vamos todos aprender inglês, porque vai ser preciso, e porque assim poderemos interpretar o pesadelo da Vânia (a.k.a. Baruca), minha promissora sobrinha:

“ this character I saw in one of my nightmares... that my boyfriend became evil and that we could transforme in whatever we whanted and I transformed into this , so i could run as fast as a feline.... but my boy friend cought me by doing the same as I.... he was blue with stripes on hes eyes, lots of muscules ”

IMG: Sasha by baruca [ http://baruca.deviantart.com/ ]
O-A-M #72 22 Mar 2005 (actualizado em 23.03.2005)