sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Portugal nuclear 1

Hubbert Prediction

O fim do banquete petrolífero



O relatório apresentado nos dias 7-8-9 de Março de 1956, por M. King Hubbert, Consultor Chefe de Geologia da Shell Development Company, ao Encontro de Primavera da Southern District Division of Production do American Petroleum Institute, deve ter soado como uma visão muito pessimista do que então parecia ser o nascimento de uma inesgotável fonte de energia e matéria prima, essencial ao segundo grande bang do Capitalismo. No rescaldo das grandes tragédias mundiais que foram a guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial, o petróleo e o gás natural viriam a ser os principais motores da chamada segunda revolução industrial. Foi este estudo de Hubbert —fundamental ainda hoje para entender o ciclo das três grandes fontes de energia carbónica (carvão, petróleo e gás natural)—, que primeiro previu a crise económica de 1973, que se seguiu ao pico da produção petrolífera nos Estados Unidos. Hubbert previu também a crise energética actual, desespoletada pelo cume da produção petrolífera no Mar do Norte. E previu finalmente o retomar inevitável da opção nuclear para fins energéticos quando já nada nem ninguém conseguir evitar a turbulência bélica crescente causada pelas disputas geo-estratégicas em volta do chamado "peak of oil production" — i.e. o ponto a partir do qual todo o petróleo e todo o gás natural disponíveis no planeta não demorarão mais do que escassos 30-50 anos a desaparecer do horizonte energético da humanidade.

Hubbert Bell Curve
"Se o mundo continuar a depender dos combustíveis fósseis como sua principal fonte energética, podemos esperar que o auge da produção de carvão ocorra daqui a uns 200 anos. De acordo com as estimativas actuais das reservas remanescentes de petróleo e gás natural, parece que a culminação da produção mundial destes produtos possa ocorrer dentro de meio século, enquanto que o pico da produção do petróleo e gás natural, quer nos Estados Unidos, quer no estado do Texas deva ocorrer nas próximas duas décadas" — 1956. Nuclear Energy and The Fossil Fuels by M. King Hubbert (p.38).

O pico da produção de petróleo e gás natural ocorreu nos Estados Unidos em 1970. O pico da produção petrolífera do Mar do Norte ocorreu em 1999-2001. E o pico mundial, se não ocorreu já, deverá surgir entre 2006 e 2007. Tudo somado, temos 30 a 50 anos de petróleo e gás natural pela frente, cada vez mais caro... e com muito sangue à mistura!

A opção pela energia nuclear parece, para muitos, irremediável. Chegará a tempo? Qual o preço que teremos que pagar por ela? Portugal deveria pensar, antes de tomar qualquer decisão, nas consequências terríveis que um acidente nuclear poderia ter sobre a faixa estreita de território onde vivemos. Deveria pensar, sobretudo, num mundo com menos energia e mais feliz!

Como escreve John Howard Kunstler em The Long Emergency (2005), a energia nuclear serve para muitas coisas menos para alimentar o estilo de vida ocidental dos últimos 50 anos. Não podemos fazer voar os aviões a partir da fissão nuclear, não podemos substituir o petróleo pelas energias nuclear, pelo hidrogéneo, pela energia solar, ou pelo vento, na produção de toda a espécie de plásticos, remédios e adubos de que actualmente dependemos. Em suma, o festim da era carbónica, em que nos fomos deixando embriagar desde os primórdios da Revolução Francesa, está prestes a terminar. Menos de 50 anos pela frente e uma inércia capitalista imparável (de que o consumismo e a hiper-concentração financeira são os epifenómenos mais doentios) vão conduzir-nos ao desastre. A um pequeno país como Portugal, inserido numa ilha europeia chamada Ibéria, resta-lhe a perspectiva de uma modificação drástica do seu modelo de crescimento. Isto é, uma revolução económica, política e social (em nome da razão e da sustentabilidade), capaz de controlar a derrapagem em que já entrou e evitar o pior. O pior seria, por exemplo, deixar o país resvalar para uma lenta guerra civil pelo controlo dos recursos imediatamente disponíveis, numa lógica terrível de exaustão acelerada das florestas, dos terrenos agrícolas e da generalidade dos recursos capazes de gerar receitas imediatas, até ao desaparecimento da nossa própria existência nacional. Para evitar o destino que tiveram os povos da ilha da Páscoa (ou deixar-nos envolver numa possível balcanização da Espanha), resta-nos levar a cabo uma discussão urgente sobre o nosso futuro, inverter drasticamente (i.e. através de imposições legais meta-comunitárias) o nosso estilo de vida, e construir um sistema de segurança alimentar e energético organizado em rede. O Estado e as autarquias podem e devem ser os pilares determinantes desta melindrosa operação. Mas para aí chegar terão que passar por uma reforma política radical. Precisamos de uma democracia electrónica poderosa, transparente e em rede, capaz de discutir, legislar e executar, muito para além do actual panorama de atavismo estratégico e corrupção generalizada que ameaça implodir o edifício institucional da nossa própria identidade.

Link 1 (Energy Bulletin)
Link 2 (Limits to Growth)
Peaking Of Oil World Production: Impacts, Mitigation, & Risk Management. Robert L. Hirsch. 2005. PDF (1,2 Mb)
World Petroleum Availability. Office of Technology Assessment (OTA). 1980. PDF (420Kb)
Exponential Growth (fac-símile). M. King Hubbert.1976. PDF (332 Kb)
On The Nature Of Growth. M. King Hubbert 1974. PDF (500 Kb)
Nuclear Energy and The Fossil Fuels (fac-símile). M. King Hubbert. 1956. PDF (2.6 Mb)

O-A-M #107 24 FEV 2006

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Coleccao Berardo

Das duas uma...


A trapalhada da colecção Berardo (cerca de 1500 obras de arte do século 20) parece-se cada vez mais com uma novela mexicana. Já se percebeu que a ministra da Cultura não quer nada com o capitalista madeirense. No entanto, de cada vez que soa o telefone de São Bento, Isabel Pires de Lima afirma apressada o seu afã em conseguir um bom contrato com o Comendador. O Primeiro Ministro, por sua vez, deixa que o seu nome seja, nesta matéria, sistematicamente invocado pelo Comendador, que pelos vistos lhe telefona por dá cá aquela palha, fazendo queixinhas da Sra Ministra. Por fim, não se percebe porque é que um homem tão rico, com uma colecção de arte tão importante, se presta a estas andanças caricatas.

Das duas uma, ou a colecção é mesmo excepcional, e não faltarão públicos que paguem os custos da sua conservação e exibição pública — e neste caso o Senhor Comendador não precisaria do CCB para coisa nenhuma — ou então, pelo contrário, a colecção fica aquém do circo intelectual e mediático que em sua volta tem vindo a ser montado — e neste caso, daria muito jeito a Joe Berardo comprometer o Estado português e uma das suas principais instituições culturais nos custos e trabalhos da sua conservação, exibição e legitimação...

A verdade é que, como se sabe (ou deveriam saber os nossos agentes culturais) os públicos da chamada "arte contemporânea" têm vindo a diminuir em todo o mundo, e nada augura uma inversão desta tendência. As excepções ocorrem apenas nas grandes instituições historicamente consolidadas da cultura moderna do século passado: MoMA, Guggenheim de Nova Iorque, Tate e Centre Pompidou. E mesmo nestes casos, só à custa de grandes orçamentos e grandes investimentos em arquitectura, publicidade e merchandizing. Estamos no século 21 e a cultura que ai vem é outra. Não creio, sinceramente, que as mil e quinhentas obras de arte do Senhor Berardo fossem capazes de, por si sós, alterar o panorama deficitário do CCB (ver nota de rodapé). E daí...

Seja como for, talvez fizesse sentido o Estado português negociar com o Comendador a reabilitação de um dos muitos edifícios que possui na cidade de Lisboa, convidando para tal um jovem nome sonante da arquitectura mundial (Herzog & De Meuron, Kasuyo Sejima, François Roche, Asymptote, etc...). A zona de Santos-Alcântara seria uma excelente localização para tal operação. O Estado faria a sua parte, i.e. um novo edifício simbólico para a cidade de Lisboa, que não teria que custar mais de 6 a 10 milhões de Euros, e o Senhor Comendador comprometer-se-ia por contrato a depositar a sua colecção nas novas instalações por um período nunca inferior a 25 anos. A administração (muito tansparente) do novo espaço ficaria naturalmente a cargo de uma fundação expressamente criada para o efeito, e da qual fariam parte o Senhor Berardo e o Estado português. A direcção artística do novo museu deveria, por sua vez, ser atribuída a pessoa competente, escolhida em concurso internacional expressamente convocado para o efeito, e não a dedo, como continua a suceder no círculo endogâmico da cultura lusitana.

Com muita energia e imaginação, até poderia resultar. Como se afigura na telenovela em curso, só podemos esperar o pior. A imortalidade do Senhor Comendador está por um fio!



NOTA — A petição que corre a seu favor desde Novembro passado não conseguiu até hoje mais do que umas magras 283 assinaturas, e a exposição Construir Desconstruir Habitar (realizada com base nalgumas das melhores obras da colecção) atraíu apenas o ridículo número de 8100 visitantes (contra os 24 mil que acorreram à World Press Photo). Vale a pena ler sobre este potencial fiasco os seguintes artigos: Peças de Berardo foram um "fracasso" e Não sabemos o valor das peças da Colecção Berardo


[actualização 03 AGO 2006]
ESTAREI ENGANADO?
Ouvi hoje o comendador Joe Berardo falar, pela enésima vez na SIC, sobre a excelência da sua colecção e sobre a bondade absoluta das suas intenções. Tudo a propósito das objecções do Presidente da República sobre o decreto-Lei que cria a nova Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo. O comentário, publicado no sítio web da Presidência (um bom sinal de e-government...) sublinha o seguinte sobre o citado decreto-Lei:

“O referido diploma suscita dúvidas, principalmente no que se refere à distribuição de poderes entre o Estado e o coleccionador ou pessoas por ele designadas, no caso de o Estado Português efectuar a opção de compra da Colecção Berardo, a qual será feita, conforme previsto, de acordo com o valor de mercado.
Com efeito, mesmo após o exercício daquela opção de compra, o coleccionador continuará a dispor de poderes muito amplos de intervenção na gestão de um acervo de bens do património do Estado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, a prerrogativa vitalícia relativa à nomeação do director do museu.&#148

Do ponto de vista dos princípios da legalidade, parece claro que, no caso de o Estado vir a comprar a totalidade ou parte da colecção de Joe Berardo, a posse lhe dá automaticamente o direito de gerir e dispor da propriedade como entender. Caso diverso seria se o comendador oferecesse as obras de arte ao Estado. Nesta hipótese, sim, seria razoável haver no contrato de doação determinadas cláusulas de garantia da vontade do doador. Mas não é este o caso, pois não? Ou será que ouvi hoje, na SIC, Joe Berardo referir-se à hipótese de uma doação? Seria bom conhecer o decreto-Lei e perceber quais são de facto as intenções do comendador, antes de a comunicação social indendiar o assunto. Por mim, se houver a intenção de doar, então Joe Berardo pode e deve impôr as suas condições (pois não estou a ver como é que uma instituição tão falida e volúvel como o CCB poderá algum dia dar conta deste recado). Se, pelo contrário, a intenção é vender as obras de arte ao Estado, então eu dria que o melhor é deixar o assunto em banho-maria, até ver o que tudo isto realmente significa.

[actualização 05 ABR 2006]
NÃO PODIA TER SIDO MAIS HILARIANTE
O anúncio bombástico do novo Museu Joe Berardo de arte moderna e contemporânea, que irá instalar-se no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, que é dele (do Joe Berardo), mas também do Estado Português, em regime de comodato, até 2016. Para o comendador, vai ser o museu mais visitado do mundo (sic!) Para o comissário político Mega Ferreira, actual administrador do CCB, basta que seja o mais visitado de Lisboa (pois já seria bom se ultrapassasse o número de visitantes do Museu dos Coches, mesmo ali ao lado...) Para o Primeiro Ministro, está tudo bem porque fez a vontade ao seu assessor cultural (que é quem sabe destas coisas). Para a antiga Presidente do Instituto Português dos Museus, o homem da Madeira entrou definitivamente no caminho da beatificação cultural e... da IMORTALIDADE!! Em suma, a Fundação que presidirá a tão esperada boda, vai dispor da exorbitante quantia de 1 milhão de euros por ano, a meias, claro, entre o Joe e a Fundação (adivinhem lá os apelidos...), para comprar postais ilustrados de arte contemporânea. Só fica uma dúvida angustiante: se se zangarem pelo caminho (dez anos é muito tempo...), e se se desfizer a tal fundação, quem irá gerir o comodato? Quem é que fica com os postais?

[actualização 04 MAR 2006]
Joe Berardo quer negócio fechado c/ José Sócrates antes de 23/3. Saiba porquê...
Os sucessivos ultimatos do Senhor Berardo ao Governo (devidamente amplificados pelo Expresso...) não só incomodam, como começam a suscitar interrogações e suspeitas sobre o que está realmente em causa nesta telenovela! Ameaçar o Governo, na pessoa do próprio Primeiro Ministro, sobre matéria tão nebulosa como os investimentos em arte de um reconhecido especulador financeiro, é um desses sound bites que dão que pensar ao mais distraído cidadão. Gostaríamos todos de saber exactamente que raio de negócio o Comendador quer fazer com o Senhor Sócrates, às custas da ministra responsável pelo assunto e, sabe-se lá, do País... Qual o papel desempenhado pelo Senhor Melo, melro do nosso Primeiro em matérias de corte & costura e outras relevantes matérias culturais, nesta intriga de pacotilha? Uma coisa é certa: excepto Raquel Henriques da Silva, estamo-nos todos nas tintas para a imortalidade do Joe Berardo e eu, pessoalmente, duvido da excelência da sua colecção de arte (aliás mal conhecida), além de ter dúvidas ainda maiores sobre a sua rentabilidade cultural... e económica. Enfim, só encontro uma explicação para o ultimato de 23 de Março, dirigido pelo Comendador ao Primeiro Ministro: ele leu o meu blogue sobre o crash global previsto para o próximo dia 26!



O-A-M #106 21 FEV 2006

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Barajas T4

Barajas Terminal 4 - Servicios

O pior novo aeroporto do mundo?



O efeito borboleta provocado no tráfego aéreo europeu e mundial pela desastrada inauguração do chamado Terminal 4 do aeroporto madrileno de Barajas continua ao fim de quinze dias de confusão. Os prejuízos económicos e transtornos emocionais causados aos milhares de passageiros que perderam malas, voos e paciência desde o passado dia 5 de Fevereiro, são grandes e significam um monumental fiasco público e empresarial. Há praticamente 15 dias que os desgraçados clientes da Ibéria, que transitam pelas duas novíssimas instalações aeroportuárias, vêm os seus voos atrasados, as portas de embarque alteradas entre o check-in (facturación) e o embarque, e as malas desaparecidas ou enviadas para outro país. Perdem os voos, entre outros motivos, porque a megafonia do aeroporto é completamente inútil na sua extrema dedicação à campanha anti-tabágica, porque são induzidos em erro por uma sinalização contra-intuitiva, ou porque as distâncias a percorrer se medem em milhares de passos, elevadores lentos e escadarias.

Barajas Terminal 4

Usabilidade zero



Só por erro crasso de programa, desenho, usabilidade e comunicação se vem chamando "Terminal 4" ao que na realidade são dois edifícios desproporcionados distando entre si mais de 1Km. No mínimo, haveria que apelidá-los de Terminal 4A e Terminal 4B, para que todos soubessem, sem mais explicações, que há duas realidades físicas inevitáveis quando se chega ou se parte da nova zona aeroportuária de Barajas. Ao que parece a facturación faz-se apenas num dos edifícios. A ser verdade (pois estive apenas no Terminal 4-A), aposto que não haverá sossego em Barajas 4 tão cedo.

19 de Fevereiro. Um pai de família lamenta-se no apinhado balcão de reclamações do Terminal 4-A. Não sabe de onde sai o seu avião para La Habana. A resposta, decepcionante, foi a seguinte: "el vuelo ha salido ya; y además, la puerta de embarque es en el otro edifício". Isto é, duzenos metros a passo, uma viagem de autocarro e 30 minutos depois!

Quinze dias de confusão deveriam ter chegado para perceber que os passageiros andam perdidos no gigantesco labirinto em que se transformaram dois edifícios tão aparentemente interessantes. E que portanto alguém, ou alguma solução, terá que ajudá-los, pois o cretinismo topográfico não é deles...

No dia 6 cheguei a Madrid via Lisboa, em voo Iberia. O edifício, à medida que se dava a conhecer, impressionava pelo cheirinho a novo, pelo contraste face ao velho edifício de Barajas, pela estética de Richard Rogers e pela escala. Passaram uns minutos, depois meia hora, uma, duas... e meia, antes que o tapete metálico se resolvesse a expulsar as nossas malas. No chão de mármore luzidio, um saco de viagem esventrado, do qual saíam um sapato de salto alto, várias meias de senhora e um pacote de batatas fritas aberto, davam uma nota sinistra a um décor digno de Monsieur Hulo. Funcionários sem missão aparente cruzavam apressados espaços infindáveis e de improvável destino, parecendo apenas fugir das nossas inocentes perguntas. Quando consegui placar um deles, balbuciou envergonhado: "es que ni si quiera tenemos telefonos para comunicar". Percebi então a gravidade da situação. Percebi também porque é que meia dúzia de funcionárrios de limpeza se perfilavam diante de turistas e passageiros sem mover um pé, esperando aparentemente por uma ordem mais do que improvável. Percebi, enfim, o motivo porque o pessoal técnico que cruzava aquela espécie de teatro de guerra desolador, nem sequer olhava para as batatas fritas esparramadas sobre o estreado mármore de Barajas. Não havia cibernética do Terminal 4, apenas um filme de Jacques Tati.

Hotel Silken Puerta de America. Habitación

Chiquérrimo!



Elisabeth, colega e amiga, pouco disposta a esperar por umas bagagens sem hora previsível de chegada, resolvera reclamar. Forneceu os dados e solicitou que lhe enviassem a mala ao hotel, a qual seria previsivelmente entregue 6 a 12 horas depois. Eu, desconfiado, e porque tinha uma câmara Canon Digital reflex na mala (que me custara os olhos da cara), decidi esperar como um andino que o monstro de lâminas de aço inox começasse a mover-se, relativizando desportivamente a importância do tempo e da minha agenda profissional. A grande mala amarela acabou enfim por assomar. Estava intacta. Decidi apanhar um táxi, experimentando desta vez as sevícias de um imenso túnel de refrigeração brilhantemente concebido pelos arquitectos que desenharam esta espécie de Escorial pós-contemporâneo. A minha amiga acabaria por receber a sua mala no hotel mais fashion de Madrid, o Silken Puerta de America, onde a mesma voltaria a perder-se por mais umas 18 horas, desta vez devido a falhas de booking e incompetência dos recepcionistas, dois dias depois de desembarcar no quarto maior aeroporto da Europa.

19 de Fevereiro. 19h50. Estou a escrever este desabafo junto à porta J59 do Terminal 4, onde se espera pelo voo atrasado IB 3106, previsto para as 18:50. Depois de esperar diante de um painel luminoso de informação, junto a uma cafetaria, durante 2 horas, perdi pela primeira vez na vida uma ligação aérea. Quando reparei no aviso de embarque, já piscava ULTIMA LLAMADA! Puerta K58. Os letreiros dizem, da esquerda para a direita, J K L. Corri para a direita, buscando as portas K. As portas reais seguem-se, porém, ao invés: L J K! Teria pois que inverter a marcha e correr agora para a esquerda... uns quatrocentos metros! Cheguei ao balcão que controla o acesso ao avião com o coração aos saltos. A aeronave estava onde se esperava que estivesse. Três outros ofegantes passageiros esperavam como eu a oportunidade de embarcar. As portas do IB 3106 ainda estavam abertas, mas nós já não entraríamos. Porquê? Nunca chegaremos a saber.

Dirigi-me irritado ao balcão de reclamações, para obter novo bilhete e para protestar contra o manifesto desprezo pela economia alheia. Havia umas boas 3 dezenas de reclamantes furiosos. Fotografei-os, para me ater aos factos. Pela dificuldade que tive na entrega da minha queixa, e pelo visível volume de queixas perceptível no grosso livro de reclamações, posso imaginar as centenas ou mesmo milhares de indignações que ficaram no tinteiro.

Como desabafava um norte-americano depois de obter a muito custo um reconhecimento escrito de que perdera o seu voo para Miami por culpa do estuporado Terminal 4 de Barajas, "Iberia sucks!" E no entanto, a grande culpada chama-se, ao que parece, AENA — a entidade pública responsável pela administração dos aeroportos espanhóis. Lá como cá, tudo na mesma, sempre que falamos de paquidermes burocráticos de Estado.

O-A-M #105 20 FEV 2006

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Cavaco Silva 6

intolerancia

Cavaco e Sócrates: coabitar


A vitória de Cavaco foi à tangente. Mas provou que o Centro Inteligente (CI) é uma realidade. Com o passar das décadas foi amadurecendo, deixou evaporar os excessos de pátina ideológica, tornou-se, em suma, um fiel pragmático da balança política lusitana. Ficámos também a saber que o PCP, muito por causa do seu novo líder (ex-proletário, simpático e nada cinzento), fixou por mais uma década o seu eleitorado. O dito bloco central (PS+PSD) está bem e recomenda-se (basta ver as excelentes relações entre o actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e Jorge Coelho...), apesar das agitadas águas que correm debaixo das suas pontes. Manuel Alegre, pelo contrário, não passou, pelos vistos, de um epifenómeno. Louçã não convence, nem poderá convencer, enquanto não produzir ideias novas e concretas, muita para além das generalidades propagandísticas do seu já irreconhecível trotskismo. Esperamos que a nova coabitação permita salvar o país da imbecilidade, da arrogância institucional, da ineficiência patriótica, da paquidermia burocrática e da corrupção pandémica que corrói o futuro deste país. Esperamos, em suma, por quatro anos de transparência estratégica, justiça, coragem, visão cultural e decisão política. Foi para isso que votámos! Resolvam-se pois, quanto antes, as dúvidas sobre a honorabilidade dos políticos e das demais celebridades do tempo. Pedófilos e corruptos para a prisão! Promiscuidade entre política e negociatas, nunca mais! Ronha burocrática, chega! Cabotinismo, nepotismo, sindicatos sexuais e endogamias são tudo o que não queremos e contribui para nos apequenar. Coragem Portugueses! Confiem no vosso CI...

Mahome: Stop stop We Ran Out of Virgins!

Civilização ou barbárie?


A autosuficiência energética, suportável a prazo pelo crescimento das energias naturais não poluentes (solar, eólica, marítima e hídrica); a autosuficiência alimentar, potenciada por uma nova revolução agrícola à escala europeia (que substitua os cultivos intensivos baseados na erosão criminosa dos solos biológicos, nos pesticidas e adubos químicos oriundos do petróleo e do gás natural, por uma agricultura extensiva, bio-ambiental e socialmente partilhada); a coesão ibérica, de Lisboa a Barcelona; a descentralização política e o conhecimento, são as cinco prioridades do nosso futuro imediato. Não há margem de manobra para hesitações! O petróleo chegará em breve aos 100 USD/barril. Como responderemos a esse desafio quando ele se puser cruamente diante dos nossos decisores políticos e da população em geral? Estaremos preparados para fechar os olhos ao genocídio de 1/3 ou mais da humanidade, em nome da sobrevivência dos mais fortes? E haverá alternativa se continuarmos a dormir sobre os problemas inadiáveis? Os radicais islâmicos (que de facto nos declararam guerra) estão a pedi-las. Os povos ocidentais começam a preparar-se para uma colisão inevitável. O mais provável é que, no rescaldo de uma guerra nuclear limitada, desespoletada muito provavelmente pela imprudência iraniana, todo o Islão venha a pagar, injustamente, pelo radicalismo que deixaram germinar e crescer nas suas entranhas atávicas. Civilização ou barbárie?!

A tecnosfera é incompatível com a corrupção galopante e com o atavismo religioso. Mas, por outro lado, a civilização não é digna desse nome se continuar a ser um campo de rosas alimentado pelo sangue, suor e lágrimas de milhões de despossuídos, explorados e oprimidos. Eis o principal dilema do século 21.

O-A-M #104 03 FEV 2006

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Souto Moura

El Souto Moura

Procurador tenaz


Explica-me, como se eu fosse muito burro!

Sou daqueles que, ao contrário do Sr. Jorge Van Krieken (do reporterX.net) --responsável pelo recente furo jornalístico dum pasquim chamado 24 Horas--, creio que não há fumo sem fogo. E no caso que tem revolvido a Justiça Portuguesa, em volta, como se sabe, do escândalo de pedofilia da Casa Pia (no qual, ao contrário do caso Kincora, há um prevaricador confesso --Bibi-- e dezenas de jovens abusados), aquilo que o povinho, como eu, sabe, é que se tem feito a vida negra a todos os operadores jornalísticos e judiciários que se atreveram e atrevem a prosseguir, contra ventos e marés, no caminho do esclarecimento factual e jurídico dos crimes que, com toda a verosimilhança, foram praticados. O povinho também sabe que nenhum pedófilo pobre poderia sustentar advogados a pão de ló, como parece suceder neste caso. Por sua vez, o número de incidentes processuais veio revelar que quem tem dinheiro pode, afinal, entorpecer, vilipendiar e finalmente abafar a justiça, contando para tal com as mais inacreditáveis ajudas. O caso das listas de chamadas detalhadas que cirurgicamente atiraram para cima da secretária de Jorge Sampaio nas derradeiras semanas do seu mandato, mostra, como é bom de ver, um grande desespero por parte de alguns dos intervenientes no processo sujo em que o caso da Casa Pia se transformou. Alguém alguma vez se preocupou com os deslizes técnicos e processuais da Justiça Portuguesa antes deste caso? Lembram-se do caso UGT? Lembram-se do caso Partex? Lembram-se do caso das Facturas Falsas? Lembram-se do Caso Felgueiras? Lembram-se das dívidas fiscais dos clubes de futebol? Lembram-se do caso (que nem sequer levantou voo) das operações de lavagem de dinheiro a que, parece, se vêm dedicando alegremente algumas seriíssimas instituições bancárias lusitanas? Lembram-se do Apito Dourado? E do Isaltino? Não há ainda jurisprudência em tudo o que refere a julgar os poderosos deste país. É um facto. Mas já é tempo de a ter!

Ficámos a saber que há uma data de gente importante que tem telefones secretos (coisa de status, claro) numa mesma conta do Estado, e que nem todos são Ministros ou Secretários de Estado. Ficámos a saber que a PT é descuidada (mas sempre foi e daí nunca veio grande mal ao mundo). Ficámos a saber que a parte encriptada da lista de facturação detalhada não foi usada nem achada pelos operadores de justiça que operaram com a disquete do envelope 9. Ficámos também a saber que a dita parte encriptada do documento digital foi violada agora por uma certa fúria jornalística muito empenhada em demonstrar a incompetência do actual Procurador-Geral da República. Entretanto, paulatinamente, o actual Ministro da Justiça tece uma teia muito perigosa, cujo objectivo óbvio é controlar o poder judicial, com o pretexto de que é ao mesmo, e não aos governos e parlamento, que compete em primeiro e último lugar ter uma estratégia, legislar e fazer aplicar uma política de Justiça. Atirar para cima do sorridente Souto Moura o fardo pesado das culpas que aos partidos em primeiro lugar cabe, é um sinal de grande insensatez e cobardia. O Manuel Alegre tem falado muito nesta campanha eleitoral do bloco central dos interesses, do nepotismo e do concubinato entre o poder empresarial e a tropa política. Diz o óbvio, mas foi o suficiente para deixar Mário Soares pelo caminho na actual corrida presidencial. Depois da humilhante derrota do candidato do PS, creio que os seus militantes mais sérios e ambiciosos farão o devido funeral a quem, sem o menor escrúpulo pela idade, prestígio e situação institucional de Mário Soares, lançou o partido do Governo num autêntico fiasco. Eu sempre disse que Cavaco seria o melhor candidato de Sócrates, mas agora convém também acentuar que uma boa votação em Manuel Alegre será a via mais expedita para resolver a crise de valores e de estratégia que actualmente grassa no interior do Partido Socialista.

A poeira que tentaram atirar-nos aos olhos através do Repórter X já assentou e viu-se que resultou apenas de um tiro de pólvora seca. Esperemos tranquilamente que Sampaio evite sair de Belém em bicos de pés. O presidencialismo poderá revelar-se como a única alternativa democrática a um regime que, como o nosso, se encontra ameaçado de escorbuto político até à medula. Sampaio fez boa parte desse caminho. Resta saber se pretende agora empurrar Cavaco Silva para o desfecho lógico desta tendência institucional mais rapidamente do que seria aconselhável nas presentes circunstâncias. Seria de facto um mau serviço à actual maioria e à evolução previsível do nosso regime democrático.

PS -- As notícias das nomeações da filha do antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro, para Londres, à razão de 9000 euros/mês, pagos pelo erário público, e da filha do actual Ministro da Justiça, Alberto Costa, ao serviço do seu próprio gabinete, à razão de 3000 e tal euros/mês, que viajam pela Net a velocidades estonteantes, são ou não verdade? Vão ou não merecer desmentidos? Vão ou não merecer o escândalo dos sempre imprevisíveis e neurasténicos órgãos de informação social que temos? Humm.... :~!

CORRECÇÃO E PEDIDO DE DESCULPAS (12-02-2008) -- acabo de verificar que o caso da suposta filha de Alberto Costa, supostamente contratada para o seu gabinete, não passou de uma atoarda. Transcreve-se o correspondente desmentido, que apesar de tardio, visa repor a verdade dos factos. Peço desculpa aos visados pela pergunta que formulei sobre o assunto. -- OAM

Nota - Contratação de Susana Dutra

"Em relação à contratação de Susana Dutra como assessora do gabinete do ministro da Justiça, cumpre esclarecer o seguinte:
  1. Susana Dutra foi contratada tendo em vista, em primeira linha, a substituição do actual website do Ministério da Justiça por um portal de serviços e informações aos cidadãos e às empresas para a área da Justiça.
  2. Este novo portal, que já está on-line, exigiu a contratação de Susana Dutra, de modo a acompanhar desde já o processo de implementação técnica do portal e a sua gestão editorial.
  3. O novo portal será tecnicamente desenvolvido pelos serviços do Ministério, sem que isso envolva qualquer custo adicional.
  4. Pelo contrário, até ao momento a concepção técnica e a gestão editorial do actual website estavam a cargo de uma empresa externa, contratada pelo anterior Governo, com os custos financeiros e dificuldades de comunicação inerentes a esta situação.
  5. A contratação de Susana Dutra como assessora do Gabinete foi feita com integral respeito dos procedimentos legais e o seu vencimento decorre da lei, sendo até do ponto de vista financeiro mais vantajosa que a manutenção do contrato com uma entidade externa ao Ministério.
  6. Paralelamente ao seu trabalho na gestão editorial do novo portal da Justiça, a Susana Dutra, jornalista com experiência na imprensa escrita e na gestão editorial de websites, colaborará igualmente no trabalho regular de assessoria de imprensa.
  7. O Ministério da Justiça desmente de forma categórica a existência de qualquer relação de parentesco entre o ministro da Justiça, Alberto Costa, e a assessora de imprensa, Susana Isabel Costa Dutra.
09 de Fevereiro de 2006"

in Portal da Justiça

O-A-M #102 15 JAN 2006

domingo, janeiro 08, 2006

desNorte Cultural

Isabel Pires de Lima ao Expresso

PREC de regresso ao MC: vou a uma manif :-)


Domingo, 08.01.2006, às 20h00, junto ao Teatro Dona Maria, no Rossio, em Lisboa

I
O boy Antonio Mega Ferreira, o boy Antonio Campos Rosado e a girl Margarida Veiga, apesar de serem boys & girls do PS há uma data de anos, tomaram de assalto o CCB com uma sofreguidão que já não víamos há muito. Este elefante branco (o CCB), falido e completamente falho de imaginação, tornou-se agora no principal emblema cultural de um Estado pedinte (o Português).
II
Em vez de ter negociado a tempo e horas um protocolo decente e conveniente para ambas as partes, com o comendador Berardo, o MC deixou, pela mão de uma Ministra que não sei o que fez nem o que faz, apodrecer a tal ponto o dito protocolo, que foi preciso o Primeiro Ministro salvar, in extremis, a possibilidade de o património artístico da Colecção Berardo se manter por cá mais alguns anos. Daqui resultou uma farsa em três actos, de onde ninguém saíu ileso: o nosso Primeiro desautorizou a azoada Ministra, senhora confusa que não soube tirar dali as devidas ilacções (demitindo-se em vez de esperar que a demitam na primeira ocasião); o Sr Fraústo empunhou o único argumento que verdadeiramente pareceu movê-lo neste caso: o direito à indemnização de 40 mil euros!; e, por fim, consumou-se a programada e compassada entrada da dupla António Campos Rosado-Mega Ferreira numa missão afinal tão desprezível quanto seja administrar e dirigir um centro cultural do Estado sem dinheiro, programaticamente à deriva desde que existe, inutilmente caro e sem nenhuma possibilidade de ser outra coisa no futuro que não a sala de visitas pomposa de uma classe política cada vez mais indigente e corrompida.

Entretanto, como uma desgraça nunca vem só, a alucinada Ministra, com o conluío do seu Secretário de Estado (espécie de ex-comunista ansioso), demitiram sem pré-aviso nem explicação o director do Dona Maria, António Lagarto, pessoa de quem tive sempre uma excelente impressão e sei que sabe do seu ofício. Os dois compinchas governamentais preparam-se agora para demitir o Ricardo Paes, que dirige com êxito o São João, no Porto. Os comunistas e os ex-comunistas, quando lhes dá para a censura e para o autoritarismo não passam de criaturas autistas: vêm sempre os estragos que causam como actos justos de uma justiça revolucionária acima de toda a ética terrena! Nem o simpático operário que agora os governa poderá salvá-los desta triste condenação.

Não sei se já repararm que a página de boas vindas do sítio do Ministério da Cultura se encontra em actualização desde que as mencionadas criaturas tomaram posse. Não sei se já repararm que a dita Ministra, acreditando no mesmo sítio web, apenas fez dois discursos até à data. Não sei se repararam que o orçamento ministerial exibido nesta espécie de exemplar caricato do célebre plano tecnológico ainda é o de 2004! Onde vivem, de facto, estes extra-terrestres?

É tudo demasiado lamentável e risível.
Vou até ao Rossio dar um abraço ao António Lagarto e vociferar contra os néscios que, certamente por lapso, governam o pelourinho da cultura portuguesa.

O-A-M #101 08 JAN 2006

sábado, dezembro 17, 2005

Cavaco Silva 5

O Centro Inteligente


As sondagens vêm confirmando aquilo que toda a gente já sabia: o centro social e político do País está farto dos partidos que formam o arco do poder, e acha que os ditos são largamente responsáveis pelo actual estado de coisas. As acções, as omissões e sobretudo a irresponsabilidade do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, mas também a permanente estupidez analítica e o comodismo das oposições (do PCP ao PP, passando pelo Bloco), permitiram que alguns se servissem indecentemente das riquezas à mão de semear (Orçamento de Estado e Fundos Comunitários), sem a contrapartida de organizarem o país para os desafios que, todos sabiam, a integração europeia e a globalização iriam impôr.

O estado actual da nossa comunidade não deixa pois de ser paradoxal: temos uma democracia de pleno direito, temos partidos da situação e partidos da oposição, temos liberdade de imprensa, estamos integrados numa vasta associação de nações e Estados (seguramente a mais rica e a mais democrática do planeta), mas Portugal encontra-se à beira da falência económica, sem Justiça que funcione, com as corporações à solta, sem uma classe política comprometida com o seu País, sem lucidez, sem estratégia. O centro, o centro inteligente, faz o que pode, votando à “esquerda” (PS) e à “direita” (PSD), na busca incessante de alguém que tenha a inteligência, a vontade e a coragem de enfrentar simultaneamente a sonolência nacional e os poderes ilegítimos, em nome, já não digo de um sonho, mas tão só de uma visão realista dos nossos deveres, dos nossos interesses e das nossas reais potencialidades. O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. Poderão Cavaco Silva e José Sócrates dar uma ajuda neste transe? Creio que o sentido de voto do centro inteligente alimenta, pelo menos, essa esperança desesperada!

A aposta actual dos eleitores não é pois uma aposta na Esquerda ou na Direita (de que nos rimos todos), mas uma aposta de confiança pessoalmente depositada, outrora em António Guterres, e agora em José Sócrates e Cavaco Silva. Os portugueses esperam sobretudo decisões corajosas, transparência, uma estratégia clara para Portugal e uma autoridade sem hesitações na aplicação dos programas e das leis. Se estes dois políticos tiverem a coragem e a lucidez de seguirem este caminho, o povo não lhes faltará. Mas atenção: há que apertar desde já o freio à corrupção e ao caciquismo que campeiam impunemente pela estepe lusitana!

Ao contrário do que dizem por aí, o nosso futuro não é o Turismo, ou pelo menos não será o turismo de massas, porque este não resistirá ao colapso energético que se aproxima. O nosso futuro passa, neste aspecto particular, por oferecer aos futuros residentes fugidos das crises energéticas, climáticas e bélicas de outros países, um refúgio ecologicamente remendado, com uma relativa autonomia energética e alimentar, pacífico e capaz de vigiar as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas.

O ano de 2007 poderá trazer notícias muito más nos planos energéticos e imobiliário, com consequências inimagináveis no que se refere ao agravamento do desemprego, do ritmo das falências empresariais e do crescimento das nossas dívidas, pessoais e nacionais, internas e externas. É por isso que as aventuras da Ota e do TGV poderão afocinhar muito antes de começar. É por isso, insisto, que as nossas prioridades estratégicas passam por assegurar, doa a quem doer, segurança energética e alimentar. É por isso que o famoso plano tecnológico não poderá ser mais uma anedota política e um mero pretexto para desviar e desbaratar os fundos nacionais e comunitários. A nossa inteligência, o nosso conhecimento e os recursos financeiros disponíveis devem confluir nos três objectivos estratégicos prioritários mencionados: autonomia energética, autonomia alimentar e capacidade de vigiar e controlar as nossas fronteiras, sobretudo marítimas.
Precisamos de diminuir o desperdício energético em todos os segmentos da nossa actividade. Precisamos de reformar imediatamente o modelo de financiamento das autarquias locais (elos essenciais da sustentabilidade que teremos que adoptar mais cedo do que pensavamos). Precisamos de lançar um vasto movimento agrícola de proximidade, que inclua, entre outros objectivos imediatos, a recuperação radical das cinturas verdes de todos os aglomerados urbanos com mais de 10 mil habitantes e um vasto plano educacional dirigido a toda a população. Precisamos de recuperar e estimular os circuitos de distribuição local, apoiando-os, desta vez, contra as condenadas mega-superfícies que quase destruiram o comércio (e a produção) local e nacional deste País. Precisamos, finalmente, de atrair conhecimento e financiamentos externos, dando como contrapartidas efectivas um período de 20 anos de isenção de impostos e um quadro legislativo que aponte sem ambiguidades para um modelo de sustentabilidade ecológica à escala nacional.

Aos meus concidadãos um conselho de Natal: gastem pouco (nada de telemóveis novos!) e sobretudo apostem no comércio de proximidade. Se tiverem uns dinheiritos poupados, não o desbaratem em planos de poupança cantados pelas sereias bancárias, mas antes na compra de terra, de terra agrícola, se possível perto de onde vivem. Depois vão pensando em frequentar uns workshops sobre a origem dos nossos alimentos. Por exemplo, os mini cursos de jardinagem promovidos pelo Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa (contacto: Enriqueta Coelho). Além de divertidos, ser-vos-ão muito úteis no futuro que ainda conhecereis.

Bom Natal!

Post Scriptum (24 dez 05) — Que se passa na cabecinha deste Primeiro-Ministro? Desatou a despachar compromissos irrealizáveis: Ota e TGV. Desdiz por dá cá aquela palha as posições do PS sobre uma questão energética tão sensível como a anunciada barragem do rio Sabor (depois da campanha que alimentaram contra Foz Coa). Atropela uma ministra no fim-de-semana, em nome de um acordo obscuro com um putativo benemérito das artes (algum melro lhe anda a dar muito maus conselhos...). Em suma, autoriza ou pressiona o seu ministro das obras públicas a fazer sucessivamente uma figura cabotina no dossier dos transportes (a última pessegada foi esconder do festival burlesco da Gare Marítima um estudo fundamental da ANA, realizado em 1994, sobre as alternativas possíveis para o novo Aeroporto Internacional de Lisboa). Como se isto não bastasse, o dossier tecnológico, objecto de encenações igualmente festivas, continua encalhado no jogo do empurra, afundando ministros e sucessivos responáveis que não chegam a sentar-se no lugar. O famoso plano foi agora chamado para a área de competência directa do Primeiro Ministro. Que sucederá quando voltarmos a perceber que não há nenhuma ideia decente para o mesmo? Entretanto, o essencial, i.e. a defesa imediata da nossa autonomia energética, alimentar e territorial, parece um assunto ausente da agenda de Sócrates. Grave! Muito grave, Senhor Primeiro Ministro! Talvez venha a tombar da sua cadeira por causa de tamanha distracção. E já agora, mais um aviso: não antecipe decisões cuja importância crucial para o País merecem, e sobretudo precisam, de um bom entendimento entre o Governo e o futuro Presidente da República. Quem avisa, seu amigo é...

Post Scriptum (20 dez 05) — Não gostei nada do modo obcecado como Soares atacou Cavaco no debate desta noite. Fez um triste papel de demagogo barato, de agressor indelicado e de velho senil (é preciso dizê-lo!), agitando espantalhos ridículos sobre a perigosidade de Cavaco Silva e lançando suspeitas indecentes sobre a legitimidade democrática das eleições que aí vêm. Não disse nada sobre o futuro (seguramente, porque não pensa fazer coisa alguma), enquanto o seu adversário explicou pacientemente como espera não defraudar os seus eleitores, se for eleito. Cavaco já disse que não vai cortar fitas, nem deixar os Governos, a Assembleia da República e os Tribunais descansados na doce incompetência que conduziu o País ao lamentável estado de irresponsabilidade, corrupção e indecência em que se encontra. Toda a gente percebeu há muito o que ele pretende, menos os candidatos que se lhe opõem. Repito: a sua eleição é a melhor notícia que os eleitores poderão dar a Sócrates na longa e dolorosa caminhada que o espera nos próximos três anos.

O-A-M #100 17 DEZ 2005

quinta-feira, dezembro 01, 2005

Aeroportos 7

Governo omite relatório da ANA de 1994

No Prós e Contras de 28 de Nov assistimos a um debate mascarado sobre a Ota e o Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), onde, de um lado, havia um ministro a favor, que já tinha sido contra, um esfíngico Fernando Pinto, que por razões óbvias nunca poderia estar contra o NAL, um protagonista claradamente contra, basicamente por ser Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, e um professor universitário, José Viegas, grande especialista de transportes, que embora sentado no banco dos "contra", estava, afinal, a favor.

Se isto é um painel isento para discutir a Ota, vou ali e já venho! 

Segundo todos puderam facilmente deduzir das palavras expeditas do ministro (incluindo José Viegas, que protestou), o dito catedrático estaria na calha de previsíveis encargos governamentais sobre a matéria em litígio. Também ficámos a saber que para o ministro Lino, o NAL pretende afinal ser o NAP (i.e. o Novo Aeroporto de Portugal). Por outro lado, ninguém explicou como se farão, quanto custarão e quem pagará as novas acessibilidades (ferroviárias e rodoviárias) da Ota até Lisboa. Como não explicaram como se fará a ligação do TGV Badajoz-Lisboa ao atoleiro da Ota. Mais importante do que tudo isto, ninguém explicou qual o valor objectivo das previsões realizadas pelos estudos encomendados pelo Governo sobre o aumento de tráfego aéreo nos próximos dez a quinze anos. Eu, por mim, creio que estão completamente inflacionadas. Não se vê como possa manter-se uma tão elevada taxa de crescimento de movimento de aviões e número de passageiros com a economia portuguesa em estado pré-comatoso, com as profundas e duradouras divergências instaladas no seio da União Europeia (nomeadamente no que toca ao Fundo de Coesão), com a crise energética e de matérias primas fundamentais pré-instalada à escala mundial, com algumas pandemias letais prestes a explodir e com a crescente instabilidade militar internacional. Eu, de facto, apenas vejo um horizonte bastante negro no sector do transporte aéreo internacional. Ou seja, creio que a prudência é a melhor conselheira para os cenários que possamos adivinhar relativamente ao futuro NAL. Neste sentido, volta a estar na ordem do dia a hipótese Portela+1, que no caso de um estudo da ANA de 1994, omitido pelo actual governo e pelo impreparado Prós e Contras da RTP, aponta precisamente para a hipótese Portela +Montijo como solução mais natural e óbvia para um desenvolvimento sustentado e prudente das capacidades aeroportuárias da grande Lisboa. De facto, a localização da Ponte Vasco da Gama aponta de forma muito clara para esta solução! 

Notas finais: 

1) Alguém contabilizou o rombo ambiental e os custos da movimentação de terras necessário a dar alguma possibilidade técnica à hipótese da Ota? Pois leia-se este estudo da Parsons e meditemos...

2) Fazendo uma análise de divã ao debate do Prós e Contras sobre a Ota, chego à conclusão surpreendente que o actual Governo pretende apenas salvar a face relativamente ao seu compromisso eleitoral de avançar para a Ota. Na realidade, as suas decisões efectivas vão noutra direcção: dar prioridade ao TGV Madrid-Lisboa (e por conseguinte a uma nova travessia do Tejo) e dar, depois, prioridade ao TGV Porto-Lisboa (reforçando a função de Pedras Rubras como aeroporto do Noroeste Peninsular). Ora realizar estas duas ciclópicas tarefas (pois estamos a falar de um país em estado de recessão, que pode entrar mesmo em fase de estagnação prolongada ao longo dos próximos 4 anos ou mais) é já muito mais do que poderemos esperar deste e do próximo governos. No fundo, Sócrates, como opinei há algum tempo atrás, diz que sim à Ota, sabendo que a sua inviabilidade económica de facto se encarregará de afundar o propósito, para alívio de todos nós!

Link (15-12-2005) - artigo de Rui Rodrigues sobre o TGV 
Última hora! O-A-M #99 01 dez 2005

quarta-feira, novembro 23, 2005

Aeroportos 6

A profecia da Ota

22 de Novembro de 2009. Primeira Ministra anuncia abandono definitivo do aeroporto da Ota depois de o barril de crude ultrapassar esta semana a barreira psicológica dos 150 Euros. Perante a situação catastrófica da economia mundial, a iminência de um conflito internacional de larga escala (devido ao alastramento das tensões e provocações militares que envolvem os Estados Unidos e Israel, de um lado, e o Iraque, Irão, Síria, Arábia Saudita e Iraque, do outro), as pandemias provocadas pelos virus H5N1 e HIV, a falência técnica iminente do nosso sistema de saúde e previdência social, e a queda súbita do tráfego aéreo mundial de pessoas e mercadorias, o Governo anunciou uma medida há muito esperada: o abandono definitivo do aeroporto da Ota. Resta agora saber se o Governo irá ou não responsabilizar os autores desta caríssima aventura política. Entretanto, estudos recentes consideram que os remodelados aeroportos da Portela e de Pedras Rubras, devidamente apoiados pelas pistas do Montijo, Tires e Alverca, são mais do que suficientes para atender à actual emergência mundial, permitindo a chegada e acolhimento das centenas de milhar de pessoas que de África, Brasil, Estados Unidos e China demandam o nosso País, seja para restabelecer as suas vidas, seja em trânsito para outros países europeus.
Alguma bibliografia de leitura obrigatória sobre este tema Maquinistas.Org: O mais sistemático repositório de informação sobre este assunto. A FAVOR: Estudos promovidos pela NAER Portela, Ota e Rio Frio. Novo aeroporto, sim ou não? por João Moutinho CONTRA Investimentos Megalómenos (.pdf) Será viável o aeroporto da Ota? (.pdf) por Rui Rodrigues Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro. por Victor Silva Fernandes A eminência do desastre técnico e económico. O parâmetro enjeitado e a pedra angular José Krus Abecasis, Major-General, Força Aérea Portuguesa Ota inviável por Antonio C-Pinto Última hora! O-A-M #98 23 Nov 2005

domingo, novembro 13, 2005

Aeroportos 5

Levianamente pró-Ota

Comentário de um Anónimo: (...) 

Onde se situa maioritariamente a população portuguesa, a Sul do Tejo ou a Norte? Se o aeroporto se situar longe do centro de gravidade populacional isso não irá obrigar a um maior número de deslocações, isto é, não perderemos todos, não teremos maiores custos de deslocação, mais gastos de combustível, maiores impactos ambientais? Sendo impensável nos dias de hoje construir um aeroporto que não seja servido por um transporte de massas de tipo ferroviário, não será rentabilizador que o shuttle do aeroporto utilize a mesma infraestrutura do TGV, o qual deverá obrigatoriamente (...) ligar as duas maiores concentrações urbanas portuguesas, Lisboa e Porto? Claro que um aeroporto situado na Ota vai tornar absurdo que se voe entre Lisboa e o Porto, mas isso não será uma vantagem decorrente da própria existência do TGV? O TGV foi criado precisamente para substituir o avião nas ligações de curta/média distância. O ambiente ganhará com isso, a comodidade dos utilizadores também (...) 

RESPOSTA 

Talvez alguém queira responder a estas objecções. Seja como for, creio que a presumível existência de um lobby pró-Rio Frio, com interesses instalados na região, não desculpa os fundos de investimento imobiliário que presumivelmente realizaram já avultadas apostas na Ota (pressionando presumivelmente os governos de turno para a consumação da prometida aventura). Aliás, o modo ligeiro como José Sócrates tem vindo ultimamente a abordar o binómio Ota TGV pode muito bem vir a custar-lhe caro no futuro. Os erros da Administração, quando se devem à teimosia irresponsável e leviana dos governantes (sobretudo quando foram atempadamente avisados), devem ser pagos por quem os comete, e não pelo consumidor anónimo. Cá estaremos para contabilizar os dividendos e as perdas — no momento próprio. 

A mim parece-me evidente que na hipótese, que todos parecem partilhar pacificamente, de o tráfego aéreo continuar a crescer de forma sustentada ao longo desta e da próxima década (do que duvido seriamente), então um novo aeroporto na margem Sul do Tejo faria todo o sentido, por contraposição à hipótese da Ota. Vejamos porquê: 

1. A opção da Ota reduzirá o aeroporto Sá Carneiro a um aeródromo local. Pelo contrário, um aeroporto na margem Sul do Tejo, permitiria elevar o aeroporto da Maia à condição de verdadeira interface aérea regional do Noroeste peninsular. 

2. A opção da Ota é tecnicamente arriscada devido às características climáticas da zona (nevoeiros intensos e quase permanentes nos períodos de maior tráfego aéreo). Implica correções topográficas de grande envergadura, caríssimas e obviamente atentatórias do ambiente. A margem Sul, de Lisboa a Setúbal, pelo contrário, oferece alternativas mais amenas, menos caras e menos conflituosas com o meio ambiente. 

3. A opção da Ota inviabiliza uma ligação ferroviária rápida e limpa (bitola europeia) entre Lisboa e Madrid. Hoje em dia continuamos a precisar de oito horas para chegar a Madrid por via férrea, e as mesmas oito horas, se optarmos pelos autocarros que saiem da Gare do Oriente! Ora nada poderá acelerar melhor as sinergias económicas entre os dois países do que o fortalecimento da conectividade entre as duas capitais ibéricas. Mas para tal precisamos de garantir uma ligação ferroviária rápida entre as duas cidades, quer dizer, entre a Atocha (ou a Estación del Norte) e a Gare do Oriente. Uma ligação que transporte de hora a hora pessoas e mercadorias entre uma Comunidad de Madrid, com cinco milhões de habitantes, e a Grande Área Metropolitana de Lisboa, a caminho dos três milhões. O TGV entre Lisboa e Madrid, e uma linha férrea para transporte de petróleo (cada vez mais caro) de Sines para a nova refinaria da Extremadura espanhola (já decidida pelo Governo Espanhol e aceite pela Junta de Extremadura), são duas condições básicas para o desenvolvimento fluído das novas relações entre Portugal e Espanha. E seguramente também um bom seguro de vida para a ameaçada unidade interna do Estado Espanhol. 

4. O fortalecimento do eixo Porto-Vigo, como espinha dorsal do projecto perfeitamente alcançável, de elevar o Grande Porto à condição de capital estratégica do Noroeste Peninsular, só poderá ter pernas para andar se, entretanto, for claramente fortalecida a ligação entre as duas capitais ibéricas. 

5. Finalmente, por ser cada vez mais evidente a aproximação de um cenário global de crise económica, política e militar, provocado sobretudo pelo pico da produção petrolífera mundial, parece-me que a própria hipótese de se vir a construir um novo aeroporto internacional com as ambições da Ota (ou de Rio Frio) está, irremediavelmente, em causa. Uma ligação ferroviária rápida entre Lisboa e Madrid, para passageiros e carga, e uma linha férrea eficiente entre Sines e a futura refinaria na Extremadura espanhola, associadas a uma estratégia de ampliação/actualização dos aeroportos da Portela, Alverca, Montijo e Tires, são opções mais do que suficientes para as nossas reais necessidades num horizonte de 20-30 anos. 

O País terá que se adaptar rapidamente a uma estratégia de mitigação dos efeitos catastróficos do encarecimento exponencial das energias fósseis como o petróleo, o gás natural e o carvão. As boas ligações a Espanha e à Europa são importantes. Mas ainda mais importante, será lançarmos ao longo da presente década um verdadeiro plano de emergência energética e alimentar, e acautelarmos sem hesitações o controlo apertado das nossas águas territoriais e espaços aéreos, protegendo os respectivos recursos marítimos, monitorizando rigorosamente o tráfego civil e militar. Por estas razões, que são fortes, a opção da Ota não passa de uma imbecilidade estratégica, contra a qual esperemos que não seja necessário organizar um levantamento cívico nacional! 

Última hora! O-A-M #97 12 Nov 2005

quarta-feira, novembro 09, 2005

Paris a arder

Recolher obrigatório para os adolescentes

Paris, Nov 2005. Christopher Ena/APNão tardará que as demais comunidades encurraladas pela estupidez capitalista -- a célebre mão invisível do mercado global -- sigam o exemplo dos arrabaldes de Paris e dos demais subúrbios franceses. A situação é explosiva em todos os países capitalistas que abriram oportunisticamente as suas portas a uma imigração sem regras e quase sempre clandestina, e que se vêm agora perante um arquipélago de becos sem saída. No fundo, os imigrantes, explorados e olhados de soslaio durante trinta anos por essa Europa fora, voltam agora a ser os primeiros a sofrer os efeitos da deslocalização massiva de capitais e mercados para a China, para a India e para outros mercados de mão de obra barata (quando não mesmo de semi-escravatura) emergentes. O neo-colonialismo não subsiste apenas nas ex-colónias europeias, mas como ficou agora demonstrado, no interior dos próprios países europeus, onde alguns milhões de imigrantes começam a descobrir até que ponto o beco sem saída onde se encontram é uma consequência indesmentível do próprio colonialismo, que julgavam desaparecido.
Só depois de percebermos o cerne desta questão, poderemos partir para as interpretações mais maniqueístas, que vêm a mão tenebrosa de Bin Laden e o fundamentalismo islâmico como causas de todas as crescentes dificuldades do Ocidente. Não são. O que não quer dizer que não aproveitem as oportunidades que vão surgindo. E o rastilho que pegou nos subúrbios de Paris, podendo alastar a toda a Europa (e não só) mais cedo e rapidamente do que a tão temida pandemia gripal causada pelo virus H5N1, é provavelmente a maior ameaça à estabilidade das democracias ocidentais surgida depois do 11 de Setembro e da entrada da China na Organização Mundial de Comércio (WTO). A guerra do Iraque, precipitada calculisticamente pelos estrategas dos EUA, foi, por outro lado, uma terrível acha para esta fogueira civilizacional
As democracias do bem-estar social estão irremediavelmente ameaçadas pelo fim dos combustíveis fósseis baratos, pelas guerras que lhe estão e estarão associadas ao longo das próximas décadas, pelas deslocações massivas de capitais para as regiões mais populosas, miseráveis e autoritárias do planeta (sem nenhum pudor pelos atentados aos direitos humanos), pela concentração sem precendentes da riqueza mundial nas mãos de um punhado de imbecis, pelas tensões raciais e étnicas que tenderão a espalhar-se como gasolina ateada, pelo congelamento preventivo de um número crescente de liberdades e garantias duramente conquistadas ao longo dos últimos 250 anos, pelo esgotamento dos actuais modelos de representação e exercício do poder democrático e ainda pela corrupção que atinge zonas impensáveis da chamada classe política.
Não sei se ainda iremos a tempo de salvar a utopia. Sei, em todo o caso, que tal possibilidade implicaria sempre sermos capazes de levar a cabo uma nova revolução, desta vez em nome da pura sobrevivência da dignidade humana. Chamemos-lhe, para já, a Revolução da Sustentabilidade.

O-A-M #96 09 Nov 2005

domingo, outubro 30, 2005

Propriedade e roubo

Corruptus Lusitanus

Enquanto não virmos um político, um banqueiro, dois ou três presidentes de câmara e um ou outro alto dirigente do futebol na cadeia, o nosso País não acredita que a Justiça seja igual para todos. Foi também assim em Espanha, até que os casos Filesa, Rumasa, Banesto, com o rol de personalidades a contas com a Justiça —Jesús Gil y Gil (alcaide de Marbella e dirigente do Atlético de Madrid), Luís Roldán (antigo chefe máximo da Guardia Civil), Mario Conde (o mais famoso banqueiro e yuppy da España durante a primeira era PSOE) e Mariano Rubio (nada mais nada menos do que o governador do Banco de Espanha, apanhado nas malhas do caso Iberdrola)— mudaram a percepção pública da efectividade da Lei na monarquia espanhola.

Eu vivia na Corunha quando um famoso humorista e uma não menos famosa cantante, ambos adorados pelos respectivos públicos, foram entalados publicamente pela Hacienda, por causa dos milhões de pesetas devidos ao fisco. E também assisti ao diz que diz sobre a intocabilidade de gente tão rica e poderosa como era então Mario Conde (que acabaria por ver a sua pena de prisão agravada de 10 para 20 anos). As coisas mudaram de facto. O que não significa que a corrupção e as facilidades fiscais se tenham esfumado de vez no país vizinho. Mas que o cutelo da Justiça pode mesmo cair sobre o pescoço de qualquer cidadão (salvo o Rei, creio) independentemente da sua notoriedade institucional, pode, pode!

Em Portugal, a abundância de casos que, tresandando a corrupção e impunidade, dizem respeito a políticos profissionais, ou agora, a poderes fácticos só aparentemente acima de toda a suspeita (a banca e os seus impenetráveis fundos de investimento), está, de facto, a apodrecer o país. Sucede que quem tem as polícias e os juízes nas mãos é o Partido Socialista, ou melhor dito, algumas pessoas desse partido respeitável. No caso da Justiça, o chamado episódio de Macau seria suficiente, em qualquer democracia digna desse nome (por exemplo, e apesar de tudo, nos Estados Unidos), para levar o respectivo ministro a demitir-se. Temo bem que entre nós o caso seja abafado por uma série de cortinas de fumo acenadas com muita determinação pelo nosso Primeiro. É pena, e um sinal preocupante de que afinal os juízes sempre têm razões de sobra para afirmar que a sua greve é uma forma de defender o prestígio e a independência da sua função de soberania.

O nosso Estado caminha a passos largos para a insolvência. Em breve, depois de ter vendido não apenas as jóias, mas boa parte da propriedade pública mais inalienável (os baldios municipais, a água e a luz), entregar-se-à, como qualquer vulgar toxicodependente, à espiral dos impostos directos e indirectos. Tudo isto acontecerá no meio de uma balbúrdia crescente de casos e contra-casos policiais, fogos postos, raptos, chantagens e o mais que se verá. Não é demais lembrar, antes de chegarmos a este previsível coma terminal, o que sucedeu um dia aos habitantes da ilha de Páscoa, ou o que está neste momento a suceder aos pobres habitantes do Zimbabué do Sr Mugabe. Talvez seja mesmo o momento de saber com que políticos podemos contar.

O-A-M #95 30 Out 2005

Aeroportos 4

A antecipação criminosa da estratégia da Ota

No Expresso (Economia & Internacional) desta semana podem ler-se quatro linhas tão enigmáticas quanto preocupantes: "TGV perde para OTA. O Governo decidiu atrasar o projecto do TGV de forma a dar prioridade à construção do aeroporto da OTA". Nem mais uma letra! Segundo um SMS enviado por Rui Rodrigues, a descodificação da notícia é a seguinte: Governo quer adiar TGV por 5 anos ou mais, para adjudicar a OTA, pois dar prioridade ao TGV Lisboa-Badajoz seria um check-mate à OTA.

Numa palavra, Sócrates, fintado pela escumalha partidária na questão das reformas dos autarcas, parece agora inclinado para outra ingenuidade (que lhe irá sair muito cara): boicotar a próxima cimeira luso-espanhola em benefício do omnipresente lobi da Ota (o polvo tem já seguramente alguns tentáculos a mexer em Bruxelas.) Se o Primeiro-Ministro se der ao trabalho de perder uma hora da sua pesada agenda para ler as críticas fundamentadas que têm sido feitas ao erro da Ota, sem filtros, com os seus próprios olhos, perceberá que o único argumento actualmente existente a favor do inviável aeroporto internacional da Ota é a rede de interesses que em seu redor foi sendo tecida ao longo da última década (1). Não há nenhum argumento técnico sólido. Não há nenhum estudo de viabilidade económica minimamente decente. Não há nenhum relatório sobre impactos ambientais que resista a dez minutos de contraditório. E sobretudo, Senhor Primeiro Ministro, em nenhum caso se teve ou está a ter em conta os efeitos catastróficos que a chegada iminente (2006-2025) do pico mundial da produção petrolífera --e, por conseguinte o início do declínio irreversível e insubstituível da sua exploração comercial--, irá ter na economia global, começando pela hecatombe que provocará no sector dos transportes, o qual consome, grosso modo, 2/3 do petróleo necessário à economia dos países industrializados.

Se as obras de terraplanagem algum dia vierem a ter início, de uma coisa deveremos desde já estar seguros: o dito Aeroporto Internacional da Ota jamais será concluído. Muito antes das datas previstas, nos cenários pró-Ota, para a sua inauguração --2017-2018--, Portugal ver-se-à na contingência de ter que redesenhar dramaticamente as suas prioridades de desenvolvimento (ou melhor dito, de sobrevivência). A brutal crise energética chegará muito mais cedo do que se prevê. E antes dela (ainda na vigência do actual governo) chegará também um mais do que provável "crash" imobiliário. Sem precisar de consultar cartas astrológicas, um número crescente de especialistas vem advertindo os governos de todo o mundo para o que se poderá passar num planeta subitamente consciente do declínio acelerado e irreversível das suas duas principais fontes energéticas: o petróleo e o gás natural. Mitigar este cenário mais do que certo exigirá avultados investimentos públicos e privados, que serão tanto maiores quanto mais próximos estivermos do colapso energético global.

A prioridade das prioridades, em Portugal, como em toda a Europa, é criar uma rede capilar de transportes rodoviários, ferroviários, marítimos e aéreos altamente sustentáveis, divergindo rapidamente da dependência exclusiva dos combustíveis fósseis. Os Estados deverão concentrar-se na construção muito dispendiosa destas infraestruturas (e no apoio à investigação científica e tecnológica apropriada), deixando aos privados o papel de explorar, em regime de concorrência vigiada, o correspondente material circulante: camiões, comboios, barcos e aviões. O transporte individual tal como o conhecemos hoje desaparecerá muito rapidamente, devido aos custos insuportáveis de veículos e combustíveis, mas também devido à insolvência de milhões famílias por essa Europa fora.

A segunda prioridade inadiável é a autonomia alimentar local. Temos que reconstruir rapidamente as cinturas verdes das cidades com mais de 100 mil habitantes, tendo como objectivo inegociável a criação de capacidades básicas de auto-abastecimento alimentar.

A terceira prioridade é parar imediatamente com a actividade imobiliária especulativa, interrompendo pura e simplesmente toda a actividade de construção civil desnecessária. Os recursos técnicos, logísticos e humanos até agora empregues nesta actividade inútil e tonta deverão ser desviados para a consecução das grandes obras de infra-estruturas prioritárias a serem lançadas imediatamente como vértice fundamental de uma estratégia de mitigação da aproximação do "crash" energético.

A quarta prioridade é reorganizar radicalmente o actual aparelho de Estado, eliminando tudo o que for dispensável. Precisamos de um Estado de Emergência. Mais vale perceber isto agora, do que esperar por uma metamorfose repentina, anárquica, tumultuosa e violenta.

A quinta prioridade é relançar a Democracia. Precisamos, como condição de sobrevivência, de uma democracia participativa, muito bem informada e responsável. A endogamia, essa espécie de degenerescência genética que atacou precocemente a República, tem que ser rapidamente superada. Limitação de mandatos, regras anti-compadrio muito claras, avaliação sistemática das carreiras públicas, limitação estrita dos cargos de confiança partidária no aparelho de Estado e empresas públicas, transparência fiscal, transparência administrativa e transparência política são as adaptações culturais do sistema que todos esperamos ver implementadas nos próximos 4-5 anos.

Com tanto que fazer, não dá para tolerar um governo adormecido na sua própria incompetência e vaidade. Senhor Sócrates, no dia em que tiver que voltar atrás na palavra agora dada sobre a idiotia da Ota, o seu Governo cairá, esteja Cavaco ou Manuel Alegre na Presidência da República.


NOTAS
  1. "JORGE Coelho deverá levar a Conselho de Ministros, já em Janeiro, as propostas para abertura dos concursos internacionais que permitirão construir o aeroporto da Ota e o TGV entre Lisboa e Porto. O ministro já começou a efectuar contactos no sentido de «reunir o maior consenso possível à volta destes projectos», nomeadamente de João Soares e de outros defensores da manutenção do aeroporto da Portela, bem como dos sectores empresariais do Norte." --in Expresso, 27-11-1999

Sobre a actual crise energética e o caos que se avizinha.
Estado de Emergência
The Hirsch Report
Limits to Growth, The 30-Year Update
Última hora!

O-A-M #94 30 Out 2005

sexta-feira, outubro 28, 2005

Aeroportos 3

Otários!

O pesadelo da Ota 

Conversa fictícia entre mim e o Primeiro Ministro (sobre o estuporado aeroporto) 

Eu: Como é que um comboio de bitola europeia vai da Ota até ao interior de Lisboa? 
José Sócrates: Não sei!

Eu: Está-me a dizer que, como Primeiro Ministro, quer propor um novo aeroporto ao País sem saber como o vai ligar à capital por via férrea de bitola europeia?
José Sócrates: A CP deu-me garantias que resolveria o problema. 

Eu: Mas eu já falei com o Presidente da RAVE e com o Director técnico da NAER e nenhum deles sabe como resolver o problema... 
José Sócrates: A CP disse que havia espaço junto à linha existente.

Eu: Impossível, porque não tem espaço canal para colocar duas novas vias de bitola europeia. A norte da G. Oriente tem 4 vias que não pode mexer porque 2 são para os suburbanos e as outras 2 para os de longo curso. 

José Sócrates: Se não há espaço canal, então vai pela via existente. 
Eu: Entre Vila Franca de Xira e Lisboa já tem 200 comboios. Se somar um comboio rápido de 15 em 15 minutos, da Ota até Lisboa, vai ficar com mais de 400 comboios naquele troço! Garanto-lhe que a coisa vai saturar e que não funcionará! A única hipótese seria construir um novo espaço canal desde a Ota até ao interior de Lisboa, mas isso iria custar entre 1500 e 2000 milhões de Euros (entre 300 e 400 milhões de contos) segundo a própria RAVE. Além do mais, Sr Primeiro Ministro, como é que tenciona transportar contentores da Ota para os portos do Sul, e vice-versa, em linhas de bitola europeia? Passando pelo interior de Lisboa? Isso não faria qualquer sentido. 

José Sócrates, muito irritado, afasta-se do meu pesadelo. 

O lóbi 

O Presidente do Movimento pró-Ota, Tomás Oliveira, militante do PSD e ex-parlamentar por este partido, foi dar um grande abraço a Mário Soares. Foi não foi? Não sonhei, pois não? Porque seria? 

O alívio 

José Sócrates falou, lá da Europa, muito Senhor do seu nariz. Que sim, que a Ota ia mesmo p'ra frente, porque até o PSD concordara com o feito, e porque, além do mais, vem no programa do Governo. Fui reler o rol de promessas pró-forma. 4 linhas na p. 105: "Retomar o processo relativo ao novo Aeroporto da Ota, redefinindo o respectivo calendário à luz dos dados actuais sobre o desenvolvimento expectável do tráfego e tendo em conta a disponibilidade de financiamento comunitário para a programação do projecto; " Fiquei mais descansado. Afinal o bla bla bla de Bruxelas era apenas uma questão de placagem ao discurso programático de Cavaco. 

Os factos

O aeroporto da Ota é uma aventura de especuladores que investiram no burro errado. Teremos que ir atrás deles? A hipótese não presta, entre outras razões, porque: 

1 -- Não permite construir mais do que 2 pistas para receber os tão ambicionados 30 milhões de passageiros;

2 -- Não tem hipótese de coexistência com as outras redes de transporte, nomeadamente com a rede de Alta Velocidade;

3 -- As ligações ferroviárias previstas e necessárias não vão funcionar;

4 -- Por razões geológicas e de topografia, sairia estupidamente caro;

5 -- Por motivos climáticos (nevoeiros prolongados, persistentes e muito densos) seria um aeroporto perigoso, sobretudo para o tráfico intenso que supostamente está na base da urgência da sua construção;

6 -- Por motivos ecológicos e de sustentabilidade jamais passaria o teste de um estudo de impacto ambiental devidamente observado pela Comissão Europeia;

7 -- Porque ninguém sabe se a previsão dos 30 milhões de passageiros continua a ser razoável num cenário em que o barril de petróleo custe 300 euros, muito provável lá para o ano 2020;

8 -- E ainda porque nenhum Governo explicou até agora porque insiste na opção da Ota, em vez de potenciar a Portela e os aeroportos circum-vizinhos: Montijo, Tires e Alverca, antes de se meter numa perigosa aventura, em época de óbvia derrapagem do sistema económico mundial, e tendo pela frente uma gravíssima crise energética, cujo horizonte coincide precisamente com o do putativo novo aeroporto internacional de Lisboa.

Mais verdades comezinhas


Não existe nenhum estudo de viabilidade económica sobre o dito "Novo Aeroporto Internacional de Lisboa". E quando houver, vai desaconselhar vivamente semelhante aventura. Do ponto de vista estratégico, a prioridade aeroportuária passa pelo eixo Lisboa-Madrid, e não por atrofiar o mini-eixo Porto-Lisboa. A região galega (Porto-Vigo-Corunha) terá as suas vias próprias vias de comunicação com a Península e com o resto da Europa: A1 e autopista del Atlántico (pela Galiza, Astúrias, Cantábria e País Basco) e a via ferroviária que passa por Aveiro e Salamanca em direcção ao centro da Europa.

Sobre o bla bla bla governamental


É tudo um bluf. Eles não têm dinheiro! A data da inauguração já deslizou para 2018... Até já falam de um aeroporto complementar no Montijo... para as Low Cost (será que leram O Grande Estuário?) Ainda vão perceber, por exclusão de partes, que a Ota é um disparate completo. Na realidade, falta apenas desfazer o lóbi que entretanto se constituiu (no interior do Bloco Central, claro está!) para comprar terrenos a pataco e especular depois com tão grande investimento. Para isto é que a eleição de Cavaco acabará por ser uma preciosa ajuda ao Eng. José Sócrates. Otários!


Alguma bibliografia de leitura obrigatória sobre este tema:

Maquinistas.Org: O mais sistemático repositório de informação sobre este assunto.

A FAVOR
Portela, Ota e Rio Frio. Novo aeroporto, sim ou não? por João Moutinho

CONTRA
Investimentos Megalómenos (.pdf)
Será viável o aeroporto da Ota? (.pdf) por Rui Rodrigues
Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro. por Victor Silva Fernandes
A eminência do desastre técnico e económico. O parâmetro enjeitado e a pedra angular José Krus Abecasis, Major-General, Força Aérea Portuguesa
Ota inviável por Antonio C-Pinto
O-A-M #93 28 Out 2005

quinta-feira, outubro 27, 2005

MiniCulturaWeb

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Nem queria acreditar! Buscava informação sobre aguns mistérios culturais recentes, como sejam: o baile mandado entre a ex-administradora do CCB Guta Moura Guedes e a nóvel administradora, funcionária do MC, não sei se ainda consultora do Colecção Berardo, e ex vice-Presidente do IAC, Margarida Veiga; a subsidiação consecutiva e sem hiatos do Sr. Manoel de Oliveira, a natureza obscura dos critérios e dos júris que intervêm na distribuição dos subsídios governamentais para o domínio enfezado da nossa alta cultura, e ainda algum relatório que me permitisse vislumbrar a relação custo-benefício de algumas fundações endemicamente governamentalizadas e que se auto-reproduzem endogamicamente no circuito fechado do chamado Bloco Central. Disto pouco soube. Mas então que foi que vi e que me deixou tão estupefacto?

Bom, vi um sítio web surrealista! Vi, no sítio Web do Ministério da Cultura, que a Página de Boas-Vindas está em obras! Vi, na Página dedicada às bolsas, que "Para o ano 2001 foram atribuídas doze Bolsas no valor de um subsídio mensal de 250.000$00". Vi que a página dedicada a Legislação está em obras (há quantos anos, cumpre perguntar?) Vi que a Página dedicada ao Orçamento do MC nos informa sobre o orçamento de 2002! E vi que a Arq Margarida Veiga continua no IA e que Guta Moura Guedes continua a ser administradora do CCB... E também vi que a Sra Ministra fez dois discursos: um por ocasião da inauguração da Casa da Música (será alguma vez rentável?) e outro no Forum Portugal, realizado em São Paulo.

Descrevo este lamentável retrato de modernidade do nosso Ministério da Cultura simplesmente porque olhando para ele podemos adivinhar o pior!

Sítio Web do Ministério da Cultura (27.10.2005)

O-A-M #92 27 Out 2005

sábado, outubro 22, 2005

Cavaco Silva 4

O voto de Sócrates

José Sócrates precisa de Cavaco Silva na Presidência, como garantia do seu próprio futuro político e âncora imprescindível à estabilidade do seu Governo. Vejamos porquê.

Imaginemos que, por absurdo, Mário Soares ganha. Não vale a pena desenhar cenários para os demais candidatos. Que sucederia? Bom, teríamos uma maioria, um governo e um presidente. Os poucos que não tivessem encontrado ainda lugar no combóio de Sócrates correriam então como ratos aflitos para o novo avião presidencial. Soares, igual a si mesmo, teria que meter Porto Alegre e a Esquerda na gaveta e sacar de dentro dela o Sr. Bush, o Sr. Blair, o Estado mínimo e a Globalização liberal, tudo por causa de uma teimosa, egoísta e vastíssima clientela de Estado, tudo por causa de uma incontida vaidade pessoal. O País seria finalmente uma politocracia (e o PS uma força incontrolável), na qual polícias, tribunais e imprensa estariam fortemente ameaçados. A corrupção elevar-se-ia inevitavelmente ao patamar de uma autêntica pandemia. A desorganização do Estado atingiria níveis catastróficos. Os caciquismos locais e regionais transformar-se-iam em autênticos contra-poderes anti-regime. Boa parte da economia seria vendida ao desbarato (sobretudo aos Espanhóis). O País mergulharia, por fim, num período de ansiedade e desespero com consequências dificilmente imagináveis. Com sorte, no fim do primeiro mandato presidencial, o eleitorado clamaria nas urnas por um golpe de Estado constitucional. Isto é, pela restauração da ordem, por uma separação efectiva e estável dos diversos poderes democráticos, e ainda por uma ampla revisão dos poderes do Presidente da República, em linha com as filosofias constitucionais norte-americana e francesa. Cavaco triunfaria então muito para além das suas actuais ambições.

Creio que é fundamentalmente por esta ordem de causas que José Sócrates, em cujo regaço caíu inesperadamente o poder, aposta sub-conscientemente na vitória de Cavaco Silva já nas próximas eleições presidenciais. Ele sabe que, com Cavaco na Presidência, haverá o necessário equilíbrio social e político, sem o qual não será possível domar o monstro da dívida pública, controlar a corrupção, pôr os caciques rapidamente na ordem e criar um ambiente favorável ao investimento privado, interno e internacional, bem como a uma imprescindível paz social (sem a qual não será possível negociar a dificílima adaptação do nosso regime produtivo e laboral à profunda instabilidade da actual divisão mundial do trabalho).

O mundo que aí vem (estamos a falar dos próximos 10-20 anos) será um mundo caracterizado pelo encarecimento exponencial dos preços da energia e dos derivados industriais do petróleo e do gás natural. Será um mundo castigado pela inflação e pela subida imparável das taxas de juros. Será um mundo em que muitos Estados se confrontarão com a sua inevitável insolvência financeira. Será um mundo de hiper-concentração capitalista no qual centenas de milhares de empresas (bancos, seguradoras, companhias aéreas, transportadores rodoviários, etc.) irão à falência. Será um mundo atravessado por surtos devastadores de terror e guerra ("convencionais", mas também químicos, biológicos e nucleares). Será um mundo, enfim, dramaticamente fustigado pela sua própria insustentabilidade: desastres meteorológicos e ambientais, epidemias e pandemias, implosões urbanas e suburbanas, fome em larga escala e violentíssimas guerras civis.

Não, não estou pessimista. Basta ler nas entrelinhas dos discursos e sobretudo das decisões políticas mais relevantes das últimas décadas. Basta ler alguns relatórios sobre a derrapagem sistémica em que o mundo já entrou, ou está a ponto de entrar, para se temer o pior. Os Estados Unidos e o Reino Unido preparam-se para uma nova ofensiva militar no Médio Oriente, desta vez armadilhada em torno de países como o Irão e a Síria. E fazem-no, sobretudo, como estratégia preventiva face à ameaça objectiva representada pelo crescimento económico da China. O mundo não está, de facto, para brincadeiras!

É neste contexto de fundo que a próxima eleição presidencial adquire uma tão grande importância. O tempo para corrigir a nossa trajectória declinante e sobretudo impedir o colapso do Estado escasseia dramaticamente. Quatro anos de hesitação, ou pior ainda, de desmando, poderão ser-nos fatais. É por isso que, apesar de não ter uma particular simpatia pelo Sr. Aníbal Cavaco Silva, vou votar nele. Ao contrário das candidaturas do PCP, do Bloco de Esquerda (e de alguma ainda possível candidatura de Paulo Portas), apenas a candidatura de Manuel Alegre, mesmo perdendo para Cavaco Silva, poderá trazer um contributo útil para a nova discussão de que o País precisa. Saiba ele sonhar com uma visão generosa e verosímil de Portugal.

As palavras de Sócrates sobre Mário Soares servem apenas para evitar uma mais do que provável humilhação.

O-A-M #91 22 Out 2005

quinta-feira, outubro 13, 2005

Aeroportos 2

Ota inviável

O ministro Mário Lino, pelos vistos, teve que meter a viola no saco e ceder às pressões do aparelho partidário (sobretudo dos boys & girls do PS) no que se refere à inexplicada urgência de avançar para o grande aeroporto internacional da Ota. O pessoal mais ávido exigiu e Sócrates, inteligente, anuíu, cogitando certamente sobre a improbabilidade do evento e sobre a trabalheira que iria dar aos seus mais interesseiros defensores. Aproveitou pois a pressão e a poeira, transformando-as numa boa manobra de diversão, ao mesmo tempo que jogava um osso aos perdigueiros ansiosos. Alguém terá, entretanto, perguntado ao Sr Lino sobre quem estaria disponível para investir nesta aventura, onde alguns insiders vêm especulando há anos, comprando na zona da Ota terrenos agrícolas a baixo custo, para mais tarde revender com ganhos extraordinários. Por sua vez, os putativos investidores (que terão que suportar 2/3 da jogada) também questionaram o Governo, desta vez, sobre se já haveria ou não algum estudo de viabilidade económica para tamanha ousadia. O ministro engasgou-se e depois irritou-se. Recomposto, disse enfim que havia 70 estudos sobre a matéria*, embora, nenhum sobre a sua viabilidade económica! Ora, como bem se sabe, sem tal papelinho, a Comunidade Europeia não vai adiantar um euro. Lino, percebendo finalmente o fiasco, cuspiu: em Outubro tereis o vosso estudo! Outubro. Três dias para a apresentação do Orçamento do Estado. Estamos em pulgas... E agora, umas perguntinhas ao Partido Socialista (que muito estimo): 

1) Que forças ocultas levam o actual partido do Governo de Portugal a apostar, sem um único estudo decente e público, na aventura completamente insustentável da Ota? 

2) Ouvi dizer que a rede de lobbying em volta deste petisco vai desde o chamado grupo de Macau até à Maçonaria, passando por uma grande construtora nacional (a Teixeira Duarte), supostamente próxima do PS, e ainda por uma tal Société Aéroports de Paris. Será possível? O boato corre. E se corre, cumprirá aos visados desmentirem-no, se for o caso. Não é verdade? Sabemos que António Vitorino se distanciou há algum tempo do objectivo Ota. Mas o que pensa Jorge Coelho, agora que o fiasco das autárquicas lhe deixou tempo de sobra para assuntos mais elevados?

3) Quem é o mastermind desta aparente cegueira governamental? Será o Eng Cravinho, como se diz por aí? E se for, então porque teme discutir o assunto detalhada e publicamente? Há seguramente outros argumentos na sua cabeça para além do temor de um acidente aéreo sobre a cidade de Lisboa.

4) Chegou-me hoje à caixa de ce um spam acusando Mário Soares de ser um dos proprietários dos terrenos da Ota afectos ao suposto futuro aeroporto. O boato chegou aliás a alguns importantes ocs do País (Expresso, Correio da Manhã, pelo menos). Tanto quanto pude apurar, boa parte dos investimentos especulativos na compra de terrenos na zona da Ota vem sendo realizada por sociedades anónimas e por algumas empresas identificadas num dossier do Diário Económico, citado num postal de Jorge Palinho ao BdE: Tiner/Renit, Turiprojecto e Espírto Santo Activos Financeiros (ESAF). Ou seja, a acusação tal como está a ser difundida cheira a contra-informação mal intencionada. De qualquer modo, seria bom escutarmos um desmentido formal por parte do candidato presidencial Mário Soares. [24.10.05]

A questão estratégica essencial deste País nas próximas duas décadas é saber se vamos ou não ser capazes de construir uma visão alternativa de desenvolvimento e de futuro. Sobre aeroportos, continuamos a pensar que é possível e rentável esticar a Portela (pois tem terreno expropriável que chegue para melhorar as suas estruturas de acolhimento e vias de taxiway); usar o Montijo, Tires e Alenquer, antes de avançar para um super-aeroporto. Mas se este viesse a ser, dentro de uma década, uma opção inevitável (o que não cremos, pois de aqui a dez anos a escassez relativa de petróleo e gás natural já terá provocado uma reviravolta de 360º no actual modelo capitalista), então a sua localização lógica nunca será a Ota, mas Rio Frio, ou por perto. Os grandes investimentos em infraestururas aeroportuárias, portuárias, ferroviárias de alta velocidade e rodoviárias deverão, em nosso entender, privilegiar o mais importante eixo de crescimento populacional e desenvolvimento acelerado actualmente em curso entre Portugal, Espanha e o resto da Europa. Refiro-me ao eixo Lisboa-Madrid-Barcelona. A quimera do arco atlântico (luso-galaico-cantábrico-basco), defendido pelo lobby do Norte e sonhado pelo Sr Cravinho, com alguns laivos anti-castelhanos, parece-me uma estratégia suicida, com atávicas afloraçãos sebastianistas, que deveremos contrariar a todo o custo. Se fizermos a nossa parte, i.e. ultrapassar este impasse estratégico, que prejudica Portugal há mais de uma década, apenas teremos que rezar para que o petróleo não incendeie o planeta entretanto.
* Sabe-se agora que apenas existem dois estudos preliminares sobre o impacte ambiental do projecto. Nada mais! Ainda sobre este mesmo tema: Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro Novo aeroporto O Grande Estuário Última hora! O-A-M #90 13 Out 2005 (actualizado em 24.10.2005)

sábado, outubro 08, 2005

Felgueiras

Voto útil, voto inútil


Fatima Felgueiras De cada vez que os políticos nos intimam a votar, sob a ameaça velada de que a nossa abstenção, voto em branco ou voto nulo seriam, no fundo, uma demonstração de imaturidade cívica, e mesmo de traição aos ideais democráticos, os tipos e as tipas da minha idade (52) ficam pouco à vontade e muito predispostos a cederem à chantagem — sobretudo se estiveram activos durante a trapalhada revolucionária que se seguiu à queda da ditadura. E todavia, esta espécie de atavismo cultural revela apenas um sentimento de culpa perante a ilusão não satisfeita. Não tem nada de racional e é pragmaticamente disparatada.

Por exemplo, eu vivo em Carcavelos, acho que o bon vivant do PSD não fez patavina, não conheço os velhinhos que o PS fez avançar para fingir que disputam a autarquia ao António Capucho, sou dos que acho que o PCP morreu de morte natural, que os betinhos do PP já fizeram demasiadas plásticas, e não quero contribuir para o crescimento selvagem do Bloco de Esquerda. Em suma, não tenho nenhum motivo para votar em qualquer dos candidatos que se apresentam ao município de Cascais. Que faço? Abstenho-me? Vou até às urnas e voto nulo, escrevendo, por exemplo: "tenham juízo!", ou "Weimar começou assim..."? Dobro o boletim em quatro partes e entrego-o tão vazio quanto o recebi ao presidente da mesa eleitoral, disfarçando um sorriso amarelo nos lábios? Que dirão os meus amigos mais conscientes e politicamente correctos? Estarei, "objectivamente", a fazer jogo a favor de uma das partes? Neste caso, a favor do Sr. Capucho? E isso não seria uma maneira estúpida de desperdiçar o meu grande poder democrático? Entregar o ouro ao bandido? Mas será que eu sei, nesta fase do campeonato, onde estão realmente os bandidos? Não estarão por toda a parte? Pelo simples facto de susterem e procriarem o actual estado de coisas, retirando os seus pequenos (ou grandes) lucros, para si e para a família? E se assim for, o meu suposto voto útil não seria, ao invés, um tiro reincidente no próprio pé e uma demonstração de grande distracção, para não dizer de debilidade mental manifesta? Neste caso, o meu voto útil —fosse para onde fosse— não seria apenas, do ponto de vista dos meus interesses e até mesmo do ponto de vista de um interesse geral, um voto simplesmente inútil?

Os casos de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Avelino Ferreira Torres e Isaltino Morais, arrepiam menos pelo que estes pobres diabos possam ter feito de mal (de ilícito, de ilegal ou de criminoso), do que pelas ramificações tenebrosas que todos suspeitamos existirem entre estas personagens e a classe política em geral (com destaque para os respectivos directórios partidários). Nos intermináveis subterrâneos onde estes putativos financiadores discretos de um sistema partidário irremediavelmente corrompido se acotovelam com muitas das sumidades aparentemente intocáveis do poder é que está o busílis da questão. Quando Almeida Santos afirmou em Felgueiras que daria um abraço à Fátima se se cruzasse com ela, percebi até que ponto estamos diante de uma trama complexa e perigosa. Se Fátima Felgueiras financiou ilegalmente o PS, e à época dos factos Jorge Coelho era, como ainda é hoje, o responsável autárquico do partido, em que situação ele e o Partido Socialista se vão ver no dia em que a arguida for acusada e resolver desfiar o seu rosário? Podemos, creio, inferir esta lógica dos factos para as restantes personagens a braços com a Justiça e imaginar o resultado. Depois do escândalo em volta da pedofilia, que nos reservará este lindo sistema político para o ano que vem? Serão os tribunais capazes de fazer o seu trabalho? Serão as polícias autorizadas a trabalhar?

Depois de muito pensar, acabei por tomar uma decisão: enquanto não se esclarecerem de forma razoável estes dois escândalos que corroem a nossa democracia (pedofilia e financiamento ilegal dos partidos) não votarei mais em partidos. Abster-me-ei, como forma de protesto silencioso. Esperando que o sistema acorde!

O-A-M #89 08 Out 2005

sexta-feira, outubro 07, 2005

OGE

O Grande Estuário: 2020-2030


O Grande Estuario, 2005 No fim de mais uma campanha eleitoral, marcada desta vez pela exibição pornográfica do estado actual dos aparelhos partidários, e por nenhuma ideia interessante sobre o futuro das nossas cidades e autarquias, vale talvez a pena divulgar neste blogue o pequeno manifesto sobre Lisboa lançado em Maio passado por um grupo de entusiastas entre os quais me incluo. Nessa altura anunciámos, com base em vários estudos pouco divulgados, que o valor do petróleo chegaria aos 60 dólares antes do fim do presente ano. Chegou! As restantes previsões têm igualmente uma base técnica sólida. Por isso, considero urgente começarmos a discutir e a planear seriamente o que vamos fazer e deixar fazer em Lisboa e cidades vizinhas nos anos que restam até ao grande crash energético ...e imobiliário.
Este mesmo texto, e mais informação e debate, podem ser encontrados no sítio web especialmente concebido para a rede cidadã do Grande Estuário.
Bom Domingo!

O Grande Estuário


Portugal tem hoje cerca de 10.5 milhões de habitantes. Oitenta por cento desta população reside ao longo da respectiva faixa litoral. A correspondente taxa anual de crescimento é da ordem dos 0,5% (0,1% de crescimento natural e 0,4% de crescimento migratório).

As cidades de Lisboa e Porto, por sua vez, perderam mais de 130 mil habitantes para as respectivas periferias. No entanto, a concentração populacional e urbana na Região de Lisboa e Vale do Tejo (3.467.483 de pessoas em 2001), e mais especialmente na Grande Área Metropolitana de Lisboa (2.661.850 de pessoas em 2001), continua a dar-se de forma contínua, com especial incidência nos concelhos de Sintra, Amadora, Loures, Almada, Seixal e Setúbal. Quem percorre as periferias das duas maiores cidades portuguesas apercebe-se dos impressionantes ritmos de suburbanização que de há três décadas para cá têm desqualificado estes arredores.

No caso da Grande Área Metropolitana de Lisboa, a par da péssima qualidade urbanística e arquitectónica do património edificado, aumentou continuamente o volume e intensidade dos movimentos pendulares periferia-centro-periferia, abrandou a velocidade de circulação automóvel entre localidades, diminuiu dramaticamente o tempo pós-laboral disponível e aumentaram as despesas com os transportes públicos e privados.

A dispersão suburbana actual, com as correspondentes cidades e aldeias dormitórios, é uma paisagem cuja origem pode ser localizada numa conjuntura muito precisa: a dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Gasolina barata, crédito democrático para comprar casas e automóveis, dezenas de milhar de quilómetros de estradas e auto-estradas, cinemas "drive-in", "supermarkets", "shopping malls" e "theme parks", em suma, tudo isto e o sonho americano de uma casinha independente, com relvado e churrasqueira à porta. O mesmo sonho, recauchutado, mas ainda assim encantatório (apartamento e lareira, automóvel e 'shopping'), chegou até nós no princípio da década de 1980 e durou praticamente até ao fim do século. Entretanto, depois dos atentados de 11 de Setembro e da última guerra do Iraque, as coisas começaram a mudar.

O efeito conjugado da especulação imobiliária, do desemprego sistémico, da subida generalizada do custo de vida (com incidência particular no preço da energia) e de uma maior pressão fiscal, obrigará cada um de nós a fazer melhor as contas domésticas e a eleger com mais cuidado as prioridades de investimento e de consumo. O petróleo ultrapassou já os 60 dll/barril, poderá chegar aos 80-100 dll em 2006, e mesmo aos 300 dll antes de 2015. Com estes valores, podemos facilmente imaginar uma corrida imobiliária em direcção às malhas urbanas consolidadas e centrais das principais cidades, e ainda uma atracção acelerada pelas zonas urbanas e sub-urbanas onde se situam as principais interfaces de transportes públicos. A especulação imobiliária deverá acelerar exponencialmente, bem como a actividade de construção nos referidos atractores urbanos e de mobilidade. Se não houver, entretanto, nem visão estratégica, nem planeamento adequado, nem capacidade de liderança, por parte dos poderes autárquicos e autoridades inter-municipais e regionais, as complicações poderão adquirir uma dimensão e complexidade sem precedentes.

A nossa visão do Grande Estuário supõe, perante o actual estado de coisas, uma plataforma de diálogo e acção. Supõe-se, basicamente, duas coisas: que vai haver uma transição convulsiva e dolorosa das actuais energias carbónicas para sistemas energéticos baseados em energias renováveis (eólica, solar, marítima e fluvial) e em novas centrais de fissão nuclear; e que durante tal transição boa parte dos subúrbios poderão implodir, com o consequente hiper-crescimento das velhas cidades e o nascimento de novas cidades super-condensadas.

Até lá, que poderemos fazer?

Em O Grande Estuário propomos um grande laboratório dedicado à Região de Lisboa e Vale do Tejo, ancorado numa plataforma de investigação e discussão sobre o futuro dos grandes assentamentos humanos, baseado em quatro áreas disciplinares:


o Observatório
os Simuladores de Futuro
o Banco de Horas
o Núcleo de Exploração Urbana e Suburbana - NExUS: espécie de agência de viagens dedicada ao estudo do Grande Estuário


Começámos este processo em Dezembro de 2004... Seis meses depois, chegámos a algumas conclusões:

Que é necessário reformular os actuais sistemas de mobilidade urbana e suburbana, tendo em conta as seguintes prioridades:

    evitar o mega-investimento chamado "novo aeroporto de Lisboa", com localização prevista para a Ota (situada a 40 Km de Lisboa), considerando em alternativa a expansão do actual Aeroporto Internacional de Lisboa, na forma de um "hub" de transportes aéreos assente em três vértices operacionais e logísticos de última geração: Portela, Montijo e Tires;

    construção de duas novas pontes no estuário do Tejo: Chelas-Barreiro e Belém-Trafaria;

    introdução de novos sistemas de mobilidade e transportes: Maglev, táxis fluviais, expansão das redes de Metro subterrâneo e de superfície e expansão urbana e interurbana dos actuais corredores BUS.


Que a solução da Grande Área Metropolitana de Lisboa passa obrigatoriamente pela resolução de um problema chamado Lisboa, ou melhor dito, centro de Lisboa.

Envelhecido, atrofiado e incapaz de oferecer alternativas credíveis às novas tensões económicas e urbanísticas, este centro precisa de crescer como tal, quer dizer como grande atractor cosmopolita, e transformar-se num eficaz modelo de requalificação da grande urbe.

Crescer para Sul é a nossa proposta: a zona ribeirinha entre a Almada e Alcochete, hoje em processo de suburbanização acelerada, deverá ser o alvo principal de uma operação metropolitana estratégica e de grande envergadura.

Que uma candidatura aos Jogos Olímpicos de 2020 seria uma boa metodologia política e uma excelente estratégia anímica para criar as condições ideológicas, organizativas e políticas para a grande revolução urbana que temos em mente.

Que a Grande Área Metropolitana de Lisboa deveria apostar numa estratégia de desenvolvimento clara, assente em três grandes eixos:

Eixo A: Criação de parques de energias renováveis, tendo em vista diminuir drasticamente a nossa dependência energética dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão);

Eixo B: Criação de um santuário de agricultura, aquacultura, piscicultura e pecuária bio-sustentáveis na Região de Lisboa e Vale do Tejo (com a interdição imediata das tecnologias transgénicas que impliquem a interrupção dos processos naturais de sobrevivência genética das espécies);

Eixo C: Condicionamento das actividades industriais e de serviços, com três prioridades à cabeça:

    actividades relacionadas ou co-relacionadas com o mar e o rio

    actividades relacionadas ou co-relacionadas com as novas indústrias energéticas

    actividades relacionadas com a recuperação, preservação e valorização das paisagens e habitats especiais de espécies animais e vegetais


Eixo D: Desenvolvimento de um ambicioso programa de infra-estruturas captadoras de um turismo de elevada qualidade, sustentável e economicamente reprodutivo.

Com quem gostaríamos de discutir este Grande Estuário?
Com todos os interessados. Mas desde logo com algumas entidades fundamentais:

A CCR de Lisboa e Vale do Tejo
As Câmaras Municipais da Grande Área Metropolitana de Lisboa
O Comité Olímpico Português
A Ordem dos Arquitectos
As Faculdades de Arquitectura e de Engenharia do Ambiente
A ANA ? Aeroportos de Portugal SA
A APPLA ? Associação dos pilotos portugueses de linha aérea

Os dados da discussão estão lançados:
Publicámos um mapa com o essencial das nossas ideias.
Pode consultar o projecto no respectivo sítio web
Esperamos por si.


Versão original: 1 Maio 2005; última actualização: 6 Outubro 2005

O-A-M #88 06 Out 2005