sexta-feira, outubro 28, 2005

Aeroportos 3

Otários!

O pesadelo da Ota 

Conversa fictícia entre mim e o Primeiro Ministro (sobre o estuporado aeroporto) 

Eu: Como é que um comboio de bitola europeia vai da Ota até ao interior de Lisboa? 
José Sócrates: Não sei!

Eu: Está-me a dizer que, como Primeiro Ministro, quer propor um novo aeroporto ao País sem saber como o vai ligar à capital por via férrea de bitola europeia?
José Sócrates: A CP deu-me garantias que resolveria o problema. 

Eu: Mas eu já falei com o Presidente da RAVE e com o Director técnico da NAER e nenhum deles sabe como resolver o problema... 
José Sócrates: A CP disse que havia espaço junto à linha existente.

Eu: Impossível, porque não tem espaço canal para colocar duas novas vias de bitola europeia. A norte da G. Oriente tem 4 vias que não pode mexer porque 2 são para os suburbanos e as outras 2 para os de longo curso. 

José Sócrates: Se não há espaço canal, então vai pela via existente. 
Eu: Entre Vila Franca de Xira e Lisboa já tem 200 comboios. Se somar um comboio rápido de 15 em 15 minutos, da Ota até Lisboa, vai ficar com mais de 400 comboios naquele troço! Garanto-lhe que a coisa vai saturar e que não funcionará! A única hipótese seria construir um novo espaço canal desde a Ota até ao interior de Lisboa, mas isso iria custar entre 1500 e 2000 milhões de Euros (entre 300 e 400 milhões de contos) segundo a própria RAVE. Além do mais, Sr Primeiro Ministro, como é que tenciona transportar contentores da Ota para os portos do Sul, e vice-versa, em linhas de bitola europeia? Passando pelo interior de Lisboa? Isso não faria qualquer sentido. 

José Sócrates, muito irritado, afasta-se do meu pesadelo. 

O lóbi 

O Presidente do Movimento pró-Ota, Tomás Oliveira, militante do PSD e ex-parlamentar por este partido, foi dar um grande abraço a Mário Soares. Foi não foi? Não sonhei, pois não? Porque seria? 

O alívio 

José Sócrates falou, lá da Europa, muito Senhor do seu nariz. Que sim, que a Ota ia mesmo p'ra frente, porque até o PSD concordara com o feito, e porque, além do mais, vem no programa do Governo. Fui reler o rol de promessas pró-forma. 4 linhas na p. 105: "Retomar o processo relativo ao novo Aeroporto da Ota, redefinindo o respectivo calendário à luz dos dados actuais sobre o desenvolvimento expectável do tráfego e tendo em conta a disponibilidade de financiamento comunitário para a programação do projecto; " Fiquei mais descansado. Afinal o bla bla bla de Bruxelas era apenas uma questão de placagem ao discurso programático de Cavaco. 

Os factos

O aeroporto da Ota é uma aventura de especuladores que investiram no burro errado. Teremos que ir atrás deles? A hipótese não presta, entre outras razões, porque: 

1 -- Não permite construir mais do que 2 pistas para receber os tão ambicionados 30 milhões de passageiros;

2 -- Não tem hipótese de coexistência com as outras redes de transporte, nomeadamente com a rede de Alta Velocidade;

3 -- As ligações ferroviárias previstas e necessárias não vão funcionar;

4 -- Por razões geológicas e de topografia, sairia estupidamente caro;

5 -- Por motivos climáticos (nevoeiros prolongados, persistentes e muito densos) seria um aeroporto perigoso, sobretudo para o tráfico intenso que supostamente está na base da urgência da sua construção;

6 -- Por motivos ecológicos e de sustentabilidade jamais passaria o teste de um estudo de impacto ambiental devidamente observado pela Comissão Europeia;

7 -- Porque ninguém sabe se a previsão dos 30 milhões de passageiros continua a ser razoável num cenário em que o barril de petróleo custe 300 euros, muito provável lá para o ano 2020;

8 -- E ainda porque nenhum Governo explicou até agora porque insiste na opção da Ota, em vez de potenciar a Portela e os aeroportos circum-vizinhos: Montijo, Tires e Alverca, antes de se meter numa perigosa aventura, em época de óbvia derrapagem do sistema económico mundial, e tendo pela frente uma gravíssima crise energética, cujo horizonte coincide precisamente com o do putativo novo aeroporto internacional de Lisboa.

Mais verdades comezinhas


Não existe nenhum estudo de viabilidade económica sobre o dito "Novo Aeroporto Internacional de Lisboa". E quando houver, vai desaconselhar vivamente semelhante aventura. Do ponto de vista estratégico, a prioridade aeroportuária passa pelo eixo Lisboa-Madrid, e não por atrofiar o mini-eixo Porto-Lisboa. A região galega (Porto-Vigo-Corunha) terá as suas vias próprias vias de comunicação com a Península e com o resto da Europa: A1 e autopista del Atlántico (pela Galiza, Astúrias, Cantábria e País Basco) e a via ferroviária que passa por Aveiro e Salamanca em direcção ao centro da Europa.

Sobre o bla bla bla governamental


É tudo um bluf. Eles não têm dinheiro! A data da inauguração já deslizou para 2018... Até já falam de um aeroporto complementar no Montijo... para as Low Cost (será que leram O Grande Estuário?) Ainda vão perceber, por exclusão de partes, que a Ota é um disparate completo. Na realidade, falta apenas desfazer o lóbi que entretanto se constituiu (no interior do Bloco Central, claro está!) para comprar terrenos a pataco e especular depois com tão grande investimento. Para isto é que a eleição de Cavaco acabará por ser uma preciosa ajuda ao Eng. José Sócrates. Otários!


Alguma bibliografia de leitura obrigatória sobre este tema:

Maquinistas.Org: O mais sistemático repositório de informação sobre este assunto.

A FAVOR
Portela, Ota e Rio Frio. Novo aeroporto, sim ou não? por João Moutinho

CONTRA
Investimentos Megalómenos (.pdf)
Será viável o aeroporto da Ota? (.pdf) por Rui Rodrigues
Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro. por Victor Silva Fernandes
A eminência do desastre técnico e económico. O parâmetro enjeitado e a pedra angular José Krus Abecasis, Major-General, Força Aérea Portuguesa
Ota inviável por Antonio C-Pinto
O-A-M #93 28 Out 2005

quinta-feira, outubro 27, 2005

MiniCulturaWeb

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Nem queria acreditar! Buscava informação sobre aguns mistérios culturais recentes, como sejam: o baile mandado entre a ex-administradora do CCB Guta Moura Guedes e a nóvel administradora, funcionária do MC, não sei se ainda consultora do Colecção Berardo, e ex vice-Presidente do IAC, Margarida Veiga; a subsidiação consecutiva e sem hiatos do Sr. Manoel de Oliveira, a natureza obscura dos critérios e dos júris que intervêm na distribuição dos subsídios governamentais para o domínio enfezado da nossa alta cultura, e ainda algum relatório que me permitisse vislumbrar a relação custo-benefício de algumas fundações endemicamente governamentalizadas e que se auto-reproduzem endogamicamente no circuito fechado do chamado Bloco Central. Disto pouco soube. Mas então que foi que vi e que me deixou tão estupefacto?

Bom, vi um sítio web surrealista! Vi, no sítio Web do Ministério da Cultura, que a Página de Boas-Vindas está em obras! Vi, na Página dedicada às bolsas, que "Para o ano 2001 foram atribuídas doze Bolsas no valor de um subsídio mensal de 250.000$00". Vi que a página dedicada a Legislação está em obras (há quantos anos, cumpre perguntar?) Vi que a Página dedicada ao Orçamento do MC nos informa sobre o orçamento de 2002! E vi que a Arq Margarida Veiga continua no IA e que Guta Moura Guedes continua a ser administradora do CCB... E também vi que a Sra Ministra fez dois discursos: um por ocasião da inauguração da Casa da Música (será alguma vez rentável?) e outro no Forum Portugal, realizado em São Paulo.

Descrevo este lamentável retrato de modernidade do nosso Ministério da Cultura simplesmente porque olhando para ele podemos adivinhar o pior!

Sítio Web do Ministério da Cultura (27.10.2005)

O-A-M #92 27 Out 2005

sábado, outubro 22, 2005

Cavaco Silva 4

O voto de Sócrates

José Sócrates precisa de Cavaco Silva na Presidência, como garantia do seu próprio futuro político e âncora imprescindível à estabilidade do seu Governo. Vejamos porquê.

Imaginemos que, por absurdo, Mário Soares ganha. Não vale a pena desenhar cenários para os demais candidatos. Que sucederia? Bom, teríamos uma maioria, um governo e um presidente. Os poucos que não tivessem encontrado ainda lugar no combóio de Sócrates correriam então como ratos aflitos para o novo avião presidencial. Soares, igual a si mesmo, teria que meter Porto Alegre e a Esquerda na gaveta e sacar de dentro dela o Sr. Bush, o Sr. Blair, o Estado mínimo e a Globalização liberal, tudo por causa de uma teimosa, egoísta e vastíssima clientela de Estado, tudo por causa de uma incontida vaidade pessoal. O País seria finalmente uma politocracia (e o PS uma força incontrolável), na qual polícias, tribunais e imprensa estariam fortemente ameaçados. A corrupção elevar-se-ia inevitavelmente ao patamar de uma autêntica pandemia. A desorganização do Estado atingiria níveis catastróficos. Os caciquismos locais e regionais transformar-se-iam em autênticos contra-poderes anti-regime. Boa parte da economia seria vendida ao desbarato (sobretudo aos Espanhóis). O País mergulharia, por fim, num período de ansiedade e desespero com consequências dificilmente imagináveis. Com sorte, no fim do primeiro mandato presidencial, o eleitorado clamaria nas urnas por um golpe de Estado constitucional. Isto é, pela restauração da ordem, por uma separação efectiva e estável dos diversos poderes democráticos, e ainda por uma ampla revisão dos poderes do Presidente da República, em linha com as filosofias constitucionais norte-americana e francesa. Cavaco triunfaria então muito para além das suas actuais ambições.

Creio que é fundamentalmente por esta ordem de causas que José Sócrates, em cujo regaço caíu inesperadamente o poder, aposta sub-conscientemente na vitória de Cavaco Silva já nas próximas eleições presidenciais. Ele sabe que, com Cavaco na Presidência, haverá o necessário equilíbrio social e político, sem o qual não será possível domar o monstro da dívida pública, controlar a corrupção, pôr os caciques rapidamente na ordem e criar um ambiente favorável ao investimento privado, interno e internacional, bem como a uma imprescindível paz social (sem a qual não será possível negociar a dificílima adaptação do nosso regime produtivo e laboral à profunda instabilidade da actual divisão mundial do trabalho).

O mundo que aí vem (estamos a falar dos próximos 10-20 anos) será um mundo caracterizado pelo encarecimento exponencial dos preços da energia e dos derivados industriais do petróleo e do gás natural. Será um mundo castigado pela inflação e pela subida imparável das taxas de juros. Será um mundo em que muitos Estados se confrontarão com a sua inevitável insolvência financeira. Será um mundo de hiper-concentração capitalista no qual centenas de milhares de empresas (bancos, seguradoras, companhias aéreas, transportadores rodoviários, etc.) irão à falência. Será um mundo atravessado por surtos devastadores de terror e guerra ("convencionais", mas também químicos, biológicos e nucleares). Será um mundo, enfim, dramaticamente fustigado pela sua própria insustentabilidade: desastres meteorológicos e ambientais, epidemias e pandemias, implosões urbanas e suburbanas, fome em larga escala e violentíssimas guerras civis.

Não, não estou pessimista. Basta ler nas entrelinhas dos discursos e sobretudo das decisões políticas mais relevantes das últimas décadas. Basta ler alguns relatórios sobre a derrapagem sistémica em que o mundo já entrou, ou está a ponto de entrar, para se temer o pior. Os Estados Unidos e o Reino Unido preparam-se para uma nova ofensiva militar no Médio Oriente, desta vez armadilhada em torno de países como o Irão e a Síria. E fazem-no, sobretudo, como estratégia preventiva face à ameaça objectiva representada pelo crescimento económico da China. O mundo não está, de facto, para brincadeiras!

É neste contexto de fundo que a próxima eleição presidencial adquire uma tão grande importância. O tempo para corrigir a nossa trajectória declinante e sobretudo impedir o colapso do Estado escasseia dramaticamente. Quatro anos de hesitação, ou pior ainda, de desmando, poderão ser-nos fatais. É por isso que, apesar de não ter uma particular simpatia pelo Sr. Aníbal Cavaco Silva, vou votar nele. Ao contrário das candidaturas do PCP, do Bloco de Esquerda (e de alguma ainda possível candidatura de Paulo Portas), apenas a candidatura de Manuel Alegre, mesmo perdendo para Cavaco Silva, poderá trazer um contributo útil para a nova discussão de que o País precisa. Saiba ele sonhar com uma visão generosa e verosímil de Portugal.

As palavras de Sócrates sobre Mário Soares servem apenas para evitar uma mais do que provável humilhação.

O-A-M #91 22 Out 2005

quinta-feira, outubro 13, 2005

Aeroportos 2

Ota inviável

O ministro Mário Lino, pelos vistos, teve que meter a viola no saco e ceder às pressões do aparelho partidário (sobretudo dos boys & girls do PS) no que se refere à inexplicada urgência de avançar para o grande aeroporto internacional da Ota. O pessoal mais ávido exigiu e Sócrates, inteligente, anuíu, cogitando certamente sobre a improbabilidade do evento e sobre a trabalheira que iria dar aos seus mais interesseiros defensores. Aproveitou pois a pressão e a poeira, transformando-as numa boa manobra de diversão, ao mesmo tempo que jogava um osso aos perdigueiros ansiosos. Alguém terá, entretanto, perguntado ao Sr Lino sobre quem estaria disponível para investir nesta aventura, onde alguns insiders vêm especulando há anos, comprando na zona da Ota terrenos agrícolas a baixo custo, para mais tarde revender com ganhos extraordinários. Por sua vez, os putativos investidores (que terão que suportar 2/3 da jogada) também questionaram o Governo, desta vez, sobre se já haveria ou não algum estudo de viabilidade económica para tamanha ousadia. O ministro engasgou-se e depois irritou-se. Recomposto, disse enfim que havia 70 estudos sobre a matéria*, embora, nenhum sobre a sua viabilidade económica! Ora, como bem se sabe, sem tal papelinho, a Comunidade Europeia não vai adiantar um euro. Lino, percebendo finalmente o fiasco, cuspiu: em Outubro tereis o vosso estudo! Outubro. Três dias para a apresentação do Orçamento do Estado. Estamos em pulgas... E agora, umas perguntinhas ao Partido Socialista (que muito estimo): 

1) Que forças ocultas levam o actual partido do Governo de Portugal a apostar, sem um único estudo decente e público, na aventura completamente insustentável da Ota? 

2) Ouvi dizer que a rede de lobbying em volta deste petisco vai desde o chamado grupo de Macau até à Maçonaria, passando por uma grande construtora nacional (a Teixeira Duarte), supostamente próxima do PS, e ainda por uma tal Société Aéroports de Paris. Será possível? O boato corre. E se corre, cumprirá aos visados desmentirem-no, se for o caso. Não é verdade? Sabemos que António Vitorino se distanciou há algum tempo do objectivo Ota. Mas o que pensa Jorge Coelho, agora que o fiasco das autárquicas lhe deixou tempo de sobra para assuntos mais elevados?

3) Quem é o mastermind desta aparente cegueira governamental? Será o Eng Cravinho, como se diz por aí? E se for, então porque teme discutir o assunto detalhada e publicamente? Há seguramente outros argumentos na sua cabeça para além do temor de um acidente aéreo sobre a cidade de Lisboa.

4) Chegou-me hoje à caixa de ce um spam acusando Mário Soares de ser um dos proprietários dos terrenos da Ota afectos ao suposto futuro aeroporto. O boato chegou aliás a alguns importantes ocs do País (Expresso, Correio da Manhã, pelo menos). Tanto quanto pude apurar, boa parte dos investimentos especulativos na compra de terrenos na zona da Ota vem sendo realizada por sociedades anónimas e por algumas empresas identificadas num dossier do Diário Económico, citado num postal de Jorge Palinho ao BdE: Tiner/Renit, Turiprojecto e Espírto Santo Activos Financeiros (ESAF). Ou seja, a acusação tal como está a ser difundida cheira a contra-informação mal intencionada. De qualquer modo, seria bom escutarmos um desmentido formal por parte do candidato presidencial Mário Soares. [24.10.05]

A questão estratégica essencial deste País nas próximas duas décadas é saber se vamos ou não ser capazes de construir uma visão alternativa de desenvolvimento e de futuro. Sobre aeroportos, continuamos a pensar que é possível e rentável esticar a Portela (pois tem terreno expropriável que chegue para melhorar as suas estruturas de acolhimento e vias de taxiway); usar o Montijo, Tires e Alenquer, antes de avançar para um super-aeroporto. Mas se este viesse a ser, dentro de uma década, uma opção inevitável (o que não cremos, pois de aqui a dez anos a escassez relativa de petróleo e gás natural já terá provocado uma reviravolta de 360º no actual modelo capitalista), então a sua localização lógica nunca será a Ota, mas Rio Frio, ou por perto. Os grandes investimentos em infraestururas aeroportuárias, portuárias, ferroviárias de alta velocidade e rodoviárias deverão, em nosso entender, privilegiar o mais importante eixo de crescimento populacional e desenvolvimento acelerado actualmente em curso entre Portugal, Espanha e o resto da Europa. Refiro-me ao eixo Lisboa-Madrid-Barcelona. A quimera do arco atlântico (luso-galaico-cantábrico-basco), defendido pelo lobby do Norte e sonhado pelo Sr Cravinho, com alguns laivos anti-castelhanos, parece-me uma estratégia suicida, com atávicas afloraçãos sebastianistas, que deveremos contrariar a todo o custo. Se fizermos a nossa parte, i.e. ultrapassar este impasse estratégico, que prejudica Portugal há mais de uma década, apenas teremos que rezar para que o petróleo não incendeie o planeta entretanto.
* Sabe-se agora que apenas existem dois estudos preliminares sobre o impacte ambiental do projecto. Nada mais! Ainda sobre este mesmo tema: Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro Novo aeroporto O Grande Estuário Última hora! O-A-M #90 13 Out 2005 (actualizado em 24.10.2005)

sábado, outubro 08, 2005

Felgueiras

Voto útil, voto inútil


Fatima Felgueiras De cada vez que os políticos nos intimam a votar, sob a ameaça velada de que a nossa abstenção, voto em branco ou voto nulo seriam, no fundo, uma demonstração de imaturidade cívica, e mesmo de traição aos ideais democráticos, os tipos e as tipas da minha idade (52) ficam pouco à vontade e muito predispostos a cederem à chantagem — sobretudo se estiveram activos durante a trapalhada revolucionária que se seguiu à queda da ditadura. E todavia, esta espécie de atavismo cultural revela apenas um sentimento de culpa perante a ilusão não satisfeita. Não tem nada de racional e é pragmaticamente disparatada.

Por exemplo, eu vivo em Carcavelos, acho que o bon vivant do PSD não fez patavina, não conheço os velhinhos que o PS fez avançar para fingir que disputam a autarquia ao António Capucho, sou dos que acho que o PCP morreu de morte natural, que os betinhos do PP já fizeram demasiadas plásticas, e não quero contribuir para o crescimento selvagem do Bloco de Esquerda. Em suma, não tenho nenhum motivo para votar em qualquer dos candidatos que se apresentam ao município de Cascais. Que faço? Abstenho-me? Vou até às urnas e voto nulo, escrevendo, por exemplo: "tenham juízo!", ou "Weimar começou assim..."? Dobro o boletim em quatro partes e entrego-o tão vazio quanto o recebi ao presidente da mesa eleitoral, disfarçando um sorriso amarelo nos lábios? Que dirão os meus amigos mais conscientes e politicamente correctos? Estarei, "objectivamente", a fazer jogo a favor de uma das partes? Neste caso, a favor do Sr. Capucho? E isso não seria uma maneira estúpida de desperdiçar o meu grande poder democrático? Entregar o ouro ao bandido? Mas será que eu sei, nesta fase do campeonato, onde estão realmente os bandidos? Não estarão por toda a parte? Pelo simples facto de susterem e procriarem o actual estado de coisas, retirando os seus pequenos (ou grandes) lucros, para si e para a família? E se assim for, o meu suposto voto útil não seria, ao invés, um tiro reincidente no próprio pé e uma demonstração de grande distracção, para não dizer de debilidade mental manifesta? Neste caso, o meu voto útil —fosse para onde fosse— não seria apenas, do ponto de vista dos meus interesses e até mesmo do ponto de vista de um interesse geral, um voto simplesmente inútil?

Os casos de Fátima Felgueiras, Valentim Loureiro, Avelino Ferreira Torres e Isaltino Morais, arrepiam menos pelo que estes pobres diabos possam ter feito de mal (de ilícito, de ilegal ou de criminoso), do que pelas ramificações tenebrosas que todos suspeitamos existirem entre estas personagens e a classe política em geral (com destaque para os respectivos directórios partidários). Nos intermináveis subterrâneos onde estes putativos financiadores discretos de um sistema partidário irremediavelmente corrompido se acotovelam com muitas das sumidades aparentemente intocáveis do poder é que está o busílis da questão. Quando Almeida Santos afirmou em Felgueiras que daria um abraço à Fátima se se cruzasse com ela, percebi até que ponto estamos diante de uma trama complexa e perigosa. Se Fátima Felgueiras financiou ilegalmente o PS, e à época dos factos Jorge Coelho era, como ainda é hoje, o responsável autárquico do partido, em que situação ele e o Partido Socialista se vão ver no dia em que a arguida for acusada e resolver desfiar o seu rosário? Podemos, creio, inferir esta lógica dos factos para as restantes personagens a braços com a Justiça e imaginar o resultado. Depois do escândalo em volta da pedofilia, que nos reservará este lindo sistema político para o ano que vem? Serão os tribunais capazes de fazer o seu trabalho? Serão as polícias autorizadas a trabalhar?

Depois de muito pensar, acabei por tomar uma decisão: enquanto não se esclarecerem de forma razoável estes dois escândalos que corroem a nossa democracia (pedofilia e financiamento ilegal dos partidos) não votarei mais em partidos. Abster-me-ei, como forma de protesto silencioso. Esperando que o sistema acorde!

O-A-M #89 08 Out 2005

sexta-feira, outubro 07, 2005

OGE

O Grande Estuário: 2020-2030


O Grande Estuario, 2005 No fim de mais uma campanha eleitoral, marcada desta vez pela exibição pornográfica do estado actual dos aparelhos partidários, e por nenhuma ideia interessante sobre o futuro das nossas cidades e autarquias, vale talvez a pena divulgar neste blogue o pequeno manifesto sobre Lisboa lançado em Maio passado por um grupo de entusiastas entre os quais me incluo. Nessa altura anunciámos, com base em vários estudos pouco divulgados, que o valor do petróleo chegaria aos 60 dólares antes do fim do presente ano. Chegou! As restantes previsões têm igualmente uma base técnica sólida. Por isso, considero urgente começarmos a discutir e a planear seriamente o que vamos fazer e deixar fazer em Lisboa e cidades vizinhas nos anos que restam até ao grande crash energético ...e imobiliário.
Este mesmo texto, e mais informação e debate, podem ser encontrados no sítio web especialmente concebido para a rede cidadã do Grande Estuário.
Bom Domingo!

O Grande Estuário


Portugal tem hoje cerca de 10.5 milhões de habitantes. Oitenta por cento desta população reside ao longo da respectiva faixa litoral. A correspondente taxa anual de crescimento é da ordem dos 0,5% (0,1% de crescimento natural e 0,4% de crescimento migratório).

As cidades de Lisboa e Porto, por sua vez, perderam mais de 130 mil habitantes para as respectivas periferias. No entanto, a concentração populacional e urbana na Região de Lisboa e Vale do Tejo (3.467.483 de pessoas em 2001), e mais especialmente na Grande Área Metropolitana de Lisboa (2.661.850 de pessoas em 2001), continua a dar-se de forma contínua, com especial incidência nos concelhos de Sintra, Amadora, Loures, Almada, Seixal e Setúbal. Quem percorre as periferias das duas maiores cidades portuguesas apercebe-se dos impressionantes ritmos de suburbanização que de há três décadas para cá têm desqualificado estes arredores.

No caso da Grande Área Metropolitana de Lisboa, a par da péssima qualidade urbanística e arquitectónica do património edificado, aumentou continuamente o volume e intensidade dos movimentos pendulares periferia-centro-periferia, abrandou a velocidade de circulação automóvel entre localidades, diminuiu dramaticamente o tempo pós-laboral disponível e aumentaram as despesas com os transportes públicos e privados.

A dispersão suburbana actual, com as correspondentes cidades e aldeias dormitórios, é uma paisagem cuja origem pode ser localizada numa conjuntura muito precisa: a dos Estados Unidos depois da Segunda Guerra Mundial. Gasolina barata, crédito democrático para comprar casas e automóveis, dezenas de milhar de quilómetros de estradas e auto-estradas, cinemas "drive-in", "supermarkets", "shopping malls" e "theme parks", em suma, tudo isto e o sonho americano de uma casinha independente, com relvado e churrasqueira à porta. O mesmo sonho, recauchutado, mas ainda assim encantatório (apartamento e lareira, automóvel e 'shopping'), chegou até nós no princípio da década de 1980 e durou praticamente até ao fim do século. Entretanto, depois dos atentados de 11 de Setembro e da última guerra do Iraque, as coisas começaram a mudar.

O efeito conjugado da especulação imobiliária, do desemprego sistémico, da subida generalizada do custo de vida (com incidência particular no preço da energia) e de uma maior pressão fiscal, obrigará cada um de nós a fazer melhor as contas domésticas e a eleger com mais cuidado as prioridades de investimento e de consumo. O petróleo ultrapassou já os 60 dll/barril, poderá chegar aos 80-100 dll em 2006, e mesmo aos 300 dll antes de 2015. Com estes valores, podemos facilmente imaginar uma corrida imobiliária em direcção às malhas urbanas consolidadas e centrais das principais cidades, e ainda uma atracção acelerada pelas zonas urbanas e sub-urbanas onde se situam as principais interfaces de transportes públicos. A especulação imobiliária deverá acelerar exponencialmente, bem como a actividade de construção nos referidos atractores urbanos e de mobilidade. Se não houver, entretanto, nem visão estratégica, nem planeamento adequado, nem capacidade de liderança, por parte dos poderes autárquicos e autoridades inter-municipais e regionais, as complicações poderão adquirir uma dimensão e complexidade sem precedentes.

A nossa visão do Grande Estuário supõe, perante o actual estado de coisas, uma plataforma de diálogo e acção. Supõe-se, basicamente, duas coisas: que vai haver uma transição convulsiva e dolorosa das actuais energias carbónicas para sistemas energéticos baseados em energias renováveis (eólica, solar, marítima e fluvial) e em novas centrais de fissão nuclear; e que durante tal transição boa parte dos subúrbios poderão implodir, com o consequente hiper-crescimento das velhas cidades e o nascimento de novas cidades super-condensadas.

Até lá, que poderemos fazer?

Em O Grande Estuário propomos um grande laboratório dedicado à Região de Lisboa e Vale do Tejo, ancorado numa plataforma de investigação e discussão sobre o futuro dos grandes assentamentos humanos, baseado em quatro áreas disciplinares:


o Observatório
os Simuladores de Futuro
o Banco de Horas
o Núcleo de Exploração Urbana e Suburbana - NExUS: espécie de agência de viagens dedicada ao estudo do Grande Estuário


Começámos este processo em Dezembro de 2004... Seis meses depois, chegámos a algumas conclusões:

Que é necessário reformular os actuais sistemas de mobilidade urbana e suburbana, tendo em conta as seguintes prioridades:

    evitar o mega-investimento chamado "novo aeroporto de Lisboa", com localização prevista para a Ota (situada a 40 Km de Lisboa), considerando em alternativa a expansão do actual Aeroporto Internacional de Lisboa, na forma de um "hub" de transportes aéreos assente em três vértices operacionais e logísticos de última geração: Portela, Montijo e Tires;

    construção de duas novas pontes no estuário do Tejo: Chelas-Barreiro e Belém-Trafaria;

    introdução de novos sistemas de mobilidade e transportes: Maglev, táxis fluviais, expansão das redes de Metro subterrâneo e de superfície e expansão urbana e interurbana dos actuais corredores BUS.


Que a solução da Grande Área Metropolitana de Lisboa passa obrigatoriamente pela resolução de um problema chamado Lisboa, ou melhor dito, centro de Lisboa.

Envelhecido, atrofiado e incapaz de oferecer alternativas credíveis às novas tensões económicas e urbanísticas, este centro precisa de crescer como tal, quer dizer como grande atractor cosmopolita, e transformar-se num eficaz modelo de requalificação da grande urbe.

Crescer para Sul é a nossa proposta: a zona ribeirinha entre a Almada e Alcochete, hoje em processo de suburbanização acelerada, deverá ser o alvo principal de uma operação metropolitana estratégica e de grande envergadura.

Que uma candidatura aos Jogos Olímpicos de 2020 seria uma boa metodologia política e uma excelente estratégia anímica para criar as condições ideológicas, organizativas e políticas para a grande revolução urbana que temos em mente.

Que a Grande Área Metropolitana de Lisboa deveria apostar numa estratégia de desenvolvimento clara, assente em três grandes eixos:

Eixo A: Criação de parques de energias renováveis, tendo em vista diminuir drasticamente a nossa dependência energética dos combustíveis fósseis (petróleo, gás e carvão);

Eixo B: Criação de um santuário de agricultura, aquacultura, piscicultura e pecuária bio-sustentáveis na Região de Lisboa e Vale do Tejo (com a interdição imediata das tecnologias transgénicas que impliquem a interrupção dos processos naturais de sobrevivência genética das espécies);

Eixo C: Condicionamento das actividades industriais e de serviços, com três prioridades à cabeça:

    actividades relacionadas ou co-relacionadas com o mar e o rio

    actividades relacionadas ou co-relacionadas com as novas indústrias energéticas

    actividades relacionadas com a recuperação, preservação e valorização das paisagens e habitats especiais de espécies animais e vegetais


Eixo D: Desenvolvimento de um ambicioso programa de infra-estruturas captadoras de um turismo de elevada qualidade, sustentável e economicamente reprodutivo.

Com quem gostaríamos de discutir este Grande Estuário?
Com todos os interessados. Mas desde logo com algumas entidades fundamentais:

A CCR de Lisboa e Vale do Tejo
As Câmaras Municipais da Grande Área Metropolitana de Lisboa
O Comité Olímpico Português
A Ordem dos Arquitectos
As Faculdades de Arquitectura e de Engenharia do Ambiente
A ANA ? Aeroportos de Portugal SA
A APPLA ? Associação dos pilotos portugueses de linha aérea

Os dados da discussão estão lançados:
Publicámos um mapa com o essencial das nossas ideias.
Pode consultar o projecto no respectivo sítio web
Esperamos por si.


Versão original: 1 Maio 2005; última actualização: 6 Outubro 2005

O-A-M #88 06 Out 2005

sábado, outubro 01, 2005

Cavaco Silva 3

O sinal da vitória


Cavaco SilvaCavaco Silva, ao deixar escapar a opinião de que ainda é cedo para julgar o actual Governo (ver Expresso de hoje), está no fundo a reconhecer uma vitória antecipada, a sua, numas eleições para as quais nem sequer se candidatou! As intenções de voto a seu favor são muito nítidas e os restantes candidatos, já no terreno, ao resumirem praticamente os seus desertos de ideias à proclamação de que é necessário derrotar o candidato da Direita, mais não fazem do que acentuar esta tendência do eleitorado.
A dicotomia Esquerda vs. Direita há muito que deixou de fazer qualquer sentido (escrevi-o, se não me engano, em 1984), pelo simples motivo de se terem transformado em meros adjectivos adversariais entre os principais protagonistas das democracias parlamentares europeias. Os chamados partidos do arco do poder (o PS e o PSD; mas também o CDS, o PCP e agora o Bloco de Esquerda) são o Sistema, e o Sistema, como se sabe, faliu, chafurda na grande e na pequena corrupção, é irresponsável, cínico, arrogante e mentiroso. Já não vale nada para quem nele, apesar de tudo, vota. É verdade que não se vislumbra nenhuma alternativa credível. Daí a incerteza, o nervosismo e o cepticismo generalizados. Daí também o secreto desejo popular de encontrar um pai tirano, competente em matéria de finanças e honesto lá em casa, que ponha alguma ordem neste conjunto.
Já se viu que o Governo de Sócrates, como no fundo se esperava (a ilusão/desilusão com António Guterres vacinou-nos...), não vai remediar coisa alguma. O homem e o Governo atolam-se ao fim de quatro meses de rugidos na demagogia e na endogamia sinistra que vêm minando as bases morais deste País. Em vez de criar regras claras e transparentes na Administração do Estado e nas empresas públicas e semi-públicas, que regulem o que é e não é cargo de confiança política, Sócrates mantem uma conveniente poeira legislativa, sob a qual prossegue a famosa descadeirada, conhecida desde a era de Guterres como o bailarico dos jobs for the boys and girls. As mexidas conduzidas pela Senhora da Cultura no dia de ontem (Biblioteca Nacional, IA, IPPAR, e CCB), depois das mexidas caninas operadas na Caixa Geral de Depósitos, na GALP e em centenas ou milhares de outros lugares (tachos) sob alçada do Governo e do PS, são a face escancarada de um sistema político ideologicamente esgotado e corrompido até à medula. É preciso dar um pontapé no rabo desta hipócrita democracia. Para que venha uma ditadura, perguntarão os do costume? Não, para que venha um novo regime político, mais democrático. O actual perdeu a vergonha e já não sabe fazer outra coisa que não seja abusar do seu nome generoso para fins cada vez mais inconfessáveis. O mundo (não sei se sabiam...) caminha para o precipício da sua própria gula. Não é certo que tenhamos tempo e vontade de evitar a queda, mas vale mesmo assim a pena proclamar, aqui e agora, a necessidade imperiosa de mudar o actual estado de coisas. Precisamos todos, se não quisermos enlouquecer de vez, de uma Sociedade Sustentável. Batemos no fundo. Muitos mais 11S, Iraques e Katrinas nos esperam ao virar da esquina. Aproveitemos o facto para meditar e decidir. Como disse, a diferença entre Esquerda e Direita não é a diferença que realmente faz diferença numa perspectiva de futuro. Há outros paradigmas muitíssimo mais decisivos para compreender o que nos está a acontecer e para compreender o que nos irá acontecer se, entretanto, nada fizermos, ou fizermos tudo mal.
A eleição de Cavaco Silva tornou-se na inevitável catarse do momento. Despachemo-la sem demora! Para que depois possamos pensar nos verdadeiros problemas.

PS - As sondagens dizem que muitos votarão em Manuel Alegre e Francisco Louçã na primeira volta e que, se houver segunda, votarão em Cavaco Silva! Quer se queira quer não, Mário Soares, para além de velho e contraditório com tudo o que andou a dizer ao longo dos últimos anos sobre a sua retirada da vida política nacional, continua a identificar-se, não apenas com o bem que fez, mas sobretudo com o mal do sistema que ajudou a cultivar: desorganização social, proliferação e ineficiência da burocracia, nepotismo partidário generalizado, economia paralela, consagração ilegítima de poderes ocultos (Maçonaria, Soarismo, Opus Dai), promiscuidade generalizada entre os partidos e as pequenas e grandes mafias económicas, corrupção e sobretudo a ausência gritante de uma visão para Portugal. Não admira pois que as suas hipóteses de vir a ser o próximo Presidente da República sejam nulas. Última ironia: a vitória de Cavaco é o que, na realidade actual, mais convem a José Sócrates, a Marques Mendes e ao País.

O-A-M #87 30 Set 2005

terça-feira, julho 26, 2005

Cavaco Silva 2

Soares: o Animal Político


Mario Soares

A verdade é que Aníbal Cavaco Silva não tinha opositor à altura. Agora já tem!
Quatro meses de governo Sócrates abalaram profundamente o PS. E a razão é simples: pede-se-lhe que faça tudo aquilo para que não está vocacionado: encolher o Estado, cortar privilégios, despedir, gerir uma economia em crise, disciplinar uma cidadania entregue ao abandono, ao populismo e ao oportunismo, e recuperar um país em completo descontrolo cultural. A demissão do ministro das finanças revelou, para quem olha para estas coisas com olhos de ver, a dimensão real do problema: há uma ruptura fundamental a fazer, no método, organização e objectivos deste país, mas ninguém se dispõe a suportar os respectivos custos. O clima de delação existente e a degradação gritante do estatuto da Política são, na realidade, muito preocupantes. Em suma, o futuro Presidente da República vai ter que ser, necessariamente, um actor político e institucional muito forte. O País já lá não vai sem uma forte dose de presidencialismo. O precedente, como todos sabemos, já existe, aliás com a benção urbi orbi de toda a Esquerda.
Temos, para já, dois modelos de presidencialismo à vista: o económico e o político.
O primeiro, protagonizado por Cavaco Silva, levará muito provavelmente à demissão do actual governo antes de 2008, em nome de um programa económico e social de um radicalismo sem precedentes, que apenas o regresso de gente da fibra de Manuela Ferreira Leite poderá assegurar (vista a óbvia falta de recursos humanos pelas bandas do PS).
O segundo, protagonizado por Mário Soares, poderá igualmente ter que despedir José Sócrates (à contre coeur?), pela simples razão de que Bruxelas, e sobretudo os bancos estrangeiros, exigirão uma viragem inequívoca no rumo laxista e irresponsável da nossa Administração Pública, que o governo PS será incapaz de corrigir em tempo útil.
Seja como for, o centro de gravidade da política portuguesa acaba de mudar de palco. Seguiremos atentamente a sua evolução. O último grande combate político de Soares promete!

O-A-M #86 26 Jul 2005

quinta-feira, julho 21, 2005

Socrates 6

Paul do Alvarinho, Ota

Ministro ao fundo por causa da Ota


O modo como o actual ministro das obras públicas anunciou o carácter definitivo e a urgência da escolha da Ota para novo aeroporto internacional de Lisboa foi um autêntico acto de ligeireza política. Pergunta-se: poderemos um dia responsabilizar este senhor pelo disparate em curso?

Perante a perspectiva provável de vir a perder as próximas eleições autárquicas, o governo Sócrates parece ter enveredado já por uma daquelas fugas em frente que normalmente vêm a custar muito caro aos respectivos autores. Para já, custou-lhe o ministro das Finanças. Acham pouco? Pois eu acho muito. E acho também que o declínio do actual governo pode muito bem começar por deslizes deste tipo. Cavaco Silva, sobretudo depois da manhosa entrevista de Freitas do Amaral, nunca esteve tão próximo de ver realizado o seu sonho presidencial (que para ele só terá sentido se for um trampolim para um regime mais presidencialista, capaz de demitir o actual governo, apesar da respectiva maioria absoluta).

Que lóbi é este, o da Ota, que consegue eliminar um ministro tão crucial para este governo, como era Luís Campos e Cunha? Que fará o dito lóbi a gente como António Vitorino, e outros, que se atrevam a ter dúvidas sobre a bondade da opção governamental pela Ota? Este caso começa a ter contornos muito esquisitos.
Entretanto, como o tema dos novos aeroportos nos interessa, e sobre ele temos vindo expender opiniões e a resumir argumentos de alguns especialistas, recomendamos uma passagem pela compilação de textos sobre o assunto reunidos no sítio de O Grande Estuário.

O-A-M #85 21 Julho 2005

segunda-feira, julho 11, 2005

Skype this!

Reduzir para 1/3 ou menos a factura telefónica...with my new Cyber phone


Ou muito me engano ou os operadores de telecomunicações lusitanos estão num bom aperto. Já ouviram falar no Skype? E no VoipBuster? E no X-Lite? Pois bem, a ideia é simples: se tem um computador ou um Pocket PC (correndo Windows, Linux ou Mac OS X) esqueça as promoções da PT e dos anões concorrenciais que borboletam queixosos à sua volta. O Voice over IP, VoIP, veio para ficar e vai obrigar a PT e restantes operadores de voz e dados, por esse mundo fora, a baixar drasticamente as suas margens de ganância! Eu, para já, mudei-me para o Skype. E preparo-me para o funeral dos vários terminais e assinaturas que a PT me cobra com razoável indecência, mais as suas tarifas exageradas.

Numa rápida visita aos preçários da Skype e da PT retirei alguns números elucidativos.

Portugal Telecom
mensalidade -- € 15,32
rede fixa (cada min.) -- € 0,050
fixo-móvel (cada min.) -- € 0,300
móvel-outras redes (cada min.) -- € 0,457
Sapo MSG -- gratis apenas entre Sapos MSG! E só com o Windows XP...?!?...

Skype
instalação (download) -- € 0,000
mensalidade -- € 0,000
Ciber Phone K (opcional) -- € 54,99
comunicações entre computadores (cada min.) -- € 0,000
comunicações com telefones fixos e móveis (ver comparação entre os valores standard da PT e os valores da Skype)

Skype Out / Portugal Telecom (preços/min. IVA incl.)

Portugal
rede fixa -- € 0,017 / € 0,050
rede móvel -- € 0,282 / € 0,3000

Espanha
rede fixa -- € 0,017 / € 0,1231
rede móvel -- € 0,234 / € 0,3505

Reino Unido
rede fixa -- € 0,017 / € 0,1634
rede móvel -- € 0,205 / € 0,3505

França
rede fixa -- € 0,017 / € 0,2058
rede móvel -- € 0,164 / € 0,3505

Bélgica
rede fixa -- € 0,017
rede móvel -- € 0,211 / € 0,3505
rede móvel (Proximus) -- € 0.143 / € 0,3505

Alemanha
rede fixa -- € 0,017 / € 0,1634
rede móvel -- € 0,251 / € 0,3505

EUA
rede fixa -- € 0,017 / € 0,2379
rede móvel -- €0,017 / €0,2379

Brasil
rede fixa
-- geral -- € 0,044 / € 0,4654
-- Rio de Janeiro -- € 0,027 / € 0,4654
-- S. Paulo -- € 0,021 / € 0,4654
rede móvel -- € 0,173 / € 0,5409

Venezuela
rede fixa
-- geral -- € 0,042
-- Caracas -- € 0,017
ede móvel
-- geral -- €0,165
-- Caracas -- € 0,025

Angola
rede fixa -- € 0,142 / € 0,5067
rede móvel -- € 0,205 / € 0,6102

Ucrânia
rede fixa -- € 0,109 / € 0,3930
rede móvel -- € 0,151 / € 0,4344

Timor
rede fixa -- € 0,170 / € 1,2018

Palavras para quê?!
A minha ID Skype (não abusem!) é: antoniocerveirapinto

O-A-M #84 12 Julho 2005

domingo, julho 10, 2005

Netwars

Humanobombas


O Senhor Doutor Mário Soares e o Senhor Álvaro Vasconcelos (?), como muitos bons europeus antes deles, convenceram-se de que aplaudir a genealogia do terror (palestiniano, por exemplo), sob o pretexto de que há terrorismo bom e terrorismo mau, e de que ele há causas que desculpam o indesculpável (por exemplo, a causa árabe), é uma posição politicamente correcta. Creio mesmo que eles acreditam piamente que estão a perorar argumentos insofismáveis para a grande história das ideias e das causas revolucionárias do século 21. Pois eu, pelo contrário, acho que estão ambos (e os bloquistas, etc., também) redondamente enganados!
A carnificina e o terror perpretados em Londres pelos radicais islâmicos contra civis indefesos que se dirigiam para os seus empregos (à semelhança do formato usado em Madrid) são exemplos de uma cobardia sem nome. Os humanobombas são pessoas corajosas (e tolas...), mas os respectivos mestres inspiradores fazem parte da pior corja de intelectuais que o mundo jamais conheceu: a corja dos fanáticos religiosos. Foi assim no tempo da Inquisição, e é assim neste tempo de ambição e fundamentalismo muçulmanos desmedidos. Mas o pior, é que os profetas da desgraça estão-se nas tintas para Maomé e Alá. O que eles decidiram (como o maluco da Coreia do Norte também gostaria de decidir, se o deixassem e tivesse gente suficiente para tal), é levar a cabo uma guerra ilimitada contra o Ocidente. Sim, uma GUERRA! E sim, uma guerra ilimitada.
O facto de parecer um caso de terrorismo, de guerra civil iminente, ou de revolução, ou, como gostam de lhe chamar os estrategos militares, de conflito assimétrico de baixa intensidade, apenas disfarça a sua verdadeira dimensão bélica. Não se trata de um choque de civilizações, mas apenas da tentativa desesperada de uma minoria intelectual-financeira completamente corrupta, de fazer os maiores estragos possíveis ao sistema de regimes democráticos actualmente existente, com o objectivo de imporem uma nova ordem mundial.
O Senhor Bin Laden e companhia prepararam-se para uma guerra longa. Resolveram, para tal, apostar numa estratégia de guerrilha urbano-mediática de alta intensidade, descentralizada e sem mando unificado. O inimigo deles foi definido (os infiéis do Ocidente corrupto e seus aliados). E a estratégia de guerra não poderia ser mais clara: fazer os maiores estragos possíveis nos principais bastiões do Ocidente e onde quer que haja ameaças aos domínios de Alá e do seu Profeta (i.e. as reservas petrolíferas do Médio Oriente, do Mar Cáspio... e de África). Com o sacrifício da própria vida, se for o caso.
Para que é que um exército assim formado, e com uma missão tão bem definida, precisa de comando?
A base de recrutamento é imensa e global. Quando o pânico derivado da crise energética ganhar terreno, e os Estados ocidentais começarem à bofetada entre si, e com os Estados chinês e indiano, a base de recrutamento radical-islâmico aumentará exponencialmente, as acções guerreiras multiplicar-se-ão como enxames, e os impávidos políticos ocidentais ajoelherão diante da sombra imensa do seu incorrigível oportunismo e atávica estupidez. De momento, apenas o círculo dos Açores parece ter verdadeiramente entendido a ameaça. Será Tony Blair capaz de, nos próximos seis meses, congregar a opinião pública europeia para a necessidade de nos prepararmos para uma guerra defensiva contra os radicais-islâmicos?
O facto de ser ateu, fará de mim menos cristão aos olhos de Bin Laden? Não creio. Serei poupado por ser livre? Claro que não! E vocês que me lêem, esperam alguma deferência especial por parte dos fundamentalistas islâmicos? Então de que estão à espera para levar este assunto a sério?
As democracias terão que encarar este problema de frente. Sem paranóias, mas sem hesitação. Estamos metidos numa guerra. Numa guerra de estilo novo, mas numa guerra! Teremos que combater o inimigo, usando uma grande imaginação. Porque a coisa é demasiado séria para ser entregue aos militares, ou aos políticos, convencionais. Precisamos de uma estratégia de “Multitude”, como diriam Antoni Negri e Michael Hardt.

Outros artigos sobre o terror:
Vontade e Terror
Bárbaros de Beslán

O-A-M #83 13 Julho 2005

sábado, julho 02, 2005

Aeroportos 1

O Lobby da Ota e o velho eixo Norte-Sul

Parece que a solução preferida pelo actual Governo PS, incapaz de resistir aos argumentos do lobby Norte-Sul, passa por uma decisão em dois compassos: Primeiro, adaptar o aeroporto de Alverca, transformando-o numa espécie de extensão da Portela, até 2015. Com esta medida de recurso, anunciada frequentemente por oposição à Ota (que não é...), pretende-se garantir que o incremento previsto de tráfego aéreo de pessoas e mercadorias nos próximos 10 anos seja devidamente aproveitado pelo aeroporto de Lisboa, e não desviado para outras paragens. Segundo, construir o aeroporto da Ota, para inaugurar em 2015, 2020 ou 2030. Esta decisão, que é muito cara e apresenta problemas técnicos importantes (nebulosidade elevada e constante, níveis de ocupação urbana/industrial da área, obstáculos naturais à navegação aérea, proximidade do leito de cheias do Tejo, etc.) reflecte uma capitulação face aos interesses instalados naquela zona (capacidade de armazenagem e distribuição residente no eixo compreendido entre Vila Franca de Xira e Santarém) e sobretudo perante o lobby atávico do eixo Norte-Sul.

Sucede que o que precisaríamos era de uma viragem estratégica de fundo na definição da ossatura identitária do País.
A nossa independência esteve associada, durante 837 anos, ao eixo Norte-Sul (projecção constitutiva da nacionalidade) e à aliança anglo-portuguesa, nascida do casamento de Philippa of Lancaster, de Inglaterra, com João I, de Portugal (1387), e reforçada pelo Tratado de Metween (1703). Não creio que este eixo continue a fazer sentido. Pelo contrário, a sua manutenção forçada tem sido um obstáculo decisivo ao desemburramento do País. No quadro europeu actual - e que aí vem - Portugal precisa de reorientar corajosamente a sua ossatura identitária. E na minha opinião deverá fazê-lo redesenhado as suas unidades administrativas principais. Para tal, e para além das 2 Regiões Autónomas já existentes (Madeira e Açores), deveriam ser criadas mais duas: a de Lisboa e Vale do Tejo e a do Norte. No resto do País, proceder-se-ia a uma redução forçada e drástica do número de municípios, mantendo o actual esquema básico de administração (excepção feita dos chamados Governos Civis, que deveriam acabar antes da actual legislatura!)

Se virmos a coisa por este prisma perceber-se-à facilmente que o Porto deverá expandir-se para Norte e para Leste, reforçando estrategicamente os seus laços históricos e fraternais com a Galiza e Leão (Vigo, Santiago, Ourense, Corunha, Salamanca), mas buscando ao mesmo tempo uma via de acesso rápido ao resto da Europa), e que Lisboa tem que crescer em direcção ao Sul e também, obviamente, a Leste (Setúbal, Badajoz, Madrid, Barcelona). A nova Lisboa do século 21 deve cruzar o rio Tejo sem medo dos castelhanos! E para isso, um novo aeroporto deveria nascer na Margem Sul, no Montijo, em Rio Frio, em suma, entre os estuários do Tejo e do Sado.

A este novo eixo estratégico fundamental da ossatura identitária portuguesa costumo chamar o EIXO TRANS_IBERIANO. Ao velho eixo Porto-Galiza, deveríamos passar a chamar, como poeticamente lhe chamou José Rodrigues Miguéis, PORTUGALIZA. As novas nações europeias serão sobretudo nações em rede, sentimentais, no grande território do Atlântico aos.... De contrário, será o fim da Europa.

Em O Grande Estuário, projecto dinâmico e aberto de reflexão pública sobre Lisboa, a Grande Área Metropolitana de Lisboa e a Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuamos a pensar que será possível manter o aeroporto da Portela, com duas extensões próximas (Montijo e Tires). Mas poderá realmente a Portela manter-se por muito mais tempo onde está? Poderiam as pistas do Montijo e de Tires, e novas obras na Portela, configurar uma solução sustentável até 2020-2030? As opiniões dividem-se... e os estudos técnicos também. Segundo Rui Rodrigues, a queda da taxa de crescimento do número de voos e de passageiros, em consequência de novas e mais rápidas ligações ferroviárias entre Lisboa e Madrid (AV e VE), afastaria, pelo menos para já, a necessidade imperiosa de equacionar a construção de uma nova infraestrutura de raiz. O argumento parece razoável, e ainda mais se lhe acrescentarmos os efeitos expectáveis de uma alta contínua do preço do petróleo (praticamente inevitável no actual quadro mundial de aproximação do chamado Peak of Oil Production). Em todo o caso, se um dia tivermos que avançar para um novo aeroporto internacional que altere radicalmente o actual estado de coisas, então a solução mais conforme com a inadiável actualização das nossas prioridades estratégicas no novo contexto europeu estará seguramente ao Sul do Tejo (Rio Frio...) e não no beco da Ota. Entretanto, esta discussão deve ser pública, e não um cozinhado de políticos levianos. O que não aceito é o autoritarismo governamental quando se apropia deste tema como coisa sua (não é!) Precisamos de esclarecimento cívico, sem filtros, nem ruído de despiste (media scrambing).


Actualização [10.07.05]

Recebi de Rui Rodrigues um conjunto de análises, estudos e opiniões sobre o binómio Rede Ferroviária/Novo Aeroporto de Lisboa, que vale a pena consultar. Mantenho porém a opinião de que Alverca não é alternativa à Ota. O novo aeroporto internacional de Lisboa deverá situar-se algures entre os rios Tejo e Sado. Rio Frio continua a ser uma hipótese lógica e interessante.

OTA - DOCUMENTOS

AEROPORTOS DA PORTELA E MÁLAGA - Evolução comparada
A futura rede de AV irá permitir não só retirar tráfego à Portela mas, mais importante, reduzir a sua taxa de crescimento, permitindo retardar ainda mais a sua saturação.
LINK

AEROPORTO DA OTA - UM VOO SEM SENTIDO
A Ota não coexiste com a rede existente nem com novas linhas a construir. A Portela está muito longe da saturação.
LINK

OTA VERSUS PORTELA
Seria muito mais lógico utilizar esses recursos financeiros para projectos de desenvolvimento e apoio ao tecido produtivo, que geram riqueza e criam emprego, ou em outras infraestruturas mais necessárias, tais como a ferrovia, que têm comparticipação de 80% e que será, no futuro, o meio mais rentável de transporte para mercadorias.
LINK

OTA CONDICIONA O TGV
A localização errada, na Ota, condiciona, assim, uma futura rede ferroviária que sirva o País impediu, consequentemente, que se chegasse a um acordo com Espanha e levando por isso à actual situação de impasse, que terá como resultado a não ligação das duas capitais ibéricas por TGV.
LINK

LIGAÇÕES À OTA NÃO VÃO FUNCIONAR
LINK

MINISTRO LEVIANO
Uma sessão parlamentar onde o Ex Ministro Jorge Coelho (aqui identificado como o orador) sugere algumas ideias muito "divertidas" sobre a Ota e fala do Chek-in na Gare do Oriente (o TGV utiliza bitola europeia (distância entre carris) ao contrário do que se passa naquela estação).

Atenção: Nesta sessão parlamentar foram apresentados os argumentos e pressupostos para a construção do novo aeroporto na Ota. Tudo com documentação lida e preparada no Ministério do Equipamento. Este documento permite observar a ligeireza com que todo este processo foi tratado.
LINK

REDE DE MERCADORIAS E DE ALTA VELOCIDADE
Apresentação Powerpoint da Associação Comercial do Porto sobre Rede de Mercadorias e de Alta Velocidade. (O ficheiro pode ser visto em 3 a 5 minutos e que faz um resumo de vários trabalhos sobre este tema.)
LINK

OAM #82 02 Julho 2005

sábado, junho 18, 2005

A Europa de Blair

2 Tony Blairs, please

O Reembolso britânico e a PAC francesa


Margaret Thatcher pronunciou em 1984 uma frase, que viria a tornar-se célebre, sobre o esquema de utilização do orçamento comunitário, ao verificar que 45% desse orçamento ia direitinho para uma coisa chamada Política Agrícola Comum, da qual o Reino Unido via apenas algumas migalhas (devido à proporção diminuta do seu sector agrícola no PIB e ao elevado nível de desenvolvimento do sector), sendo seu principal beneficiário a França do então Ministro da Agricultura, Jacques Chirac. A frase, que voltou a ecoar depois da crise de confiança suscitada pelos NÃOS de franceses e holandeses no referendo ao Tratado Constitucional, foi esta: " I want my money back!"

Houve outros grandes beneficiários desta PAC, como os alemães, os espanhóis e os italianos. Mas o essencial é que esta grande fatia dos dinheiros comunitários (que para 2007-2013 corresponde ainda a 40% de todo o orçamento comunitário...) tem servido para atrasar o desenvolvimento estratégico da Europa, criando uma subsídio-dependência absolutamente escandalosa, com consequências dramáticas, por exemplo, entre os produtores agrícolas dos países menos desenvolvidos. Os ingleses exigiram, pois, que 2/3 da diferença entre o que dão e recebem da UE regressasse aos cofres de Sua Majestade. E assim foi ao longo dos últimos 20 anos...

Entretanto, nas vésperas da discussão das perspectivas financeiras para o próximo Quadro Comunitário, Jacques Chirac, numa tentativa desesperada de distrair as atenções do mundo, e sobretudo dos franceses, do seu desaire referendário, resolve denunciar o reembolso britânico (conhecido por British Rebate), exigindo uma substancial redução do mesmo. A tempestade desabou então sobre a cimeira, a qual acaba de encerrar os seus penosos trabalhos, sem resultados e ressoando o odor do fracasso por todos os poros nacionais que ali convergiram, ansiosos, muitos deles, pelos dinheiros esperados, se não mesmo contabilizados.

Tony Blair, picado pelo seu putativo sucessor, Gordon Brown, teve uma oportunidade inesperada, mas de ouro, para jogar uma cartada de mestre contra, não apenas Jacques Chirac, mas sobretudo contra a inércia corrupta e subsidio-dependente de boa parte do continente europeu. Sim, disse ele -- estamos dispostos a reduzir o envelope do Reembolso Britânico se, ao mesmo tempo, pusermos na mesma mesa negocial a Política Agrícola Comum. Caiu o Carmo e a Trindade. Blair manteve-se firme nos argumentos. Em suma, não houve compromisso possível.

E agora? Bom, não há orçamento comunitário à vista e os referendos foram adiados em toda a Europa. Por outro lado -- e eis uma consequência positiva de toda esta embrulhada pós-referendária -- temos finalmente reunidas as condições para uma verdadeiro debate europeu, em moldes amplos e democráticos. Resta-nos agora esperar que os dirigentes políticos mais desgastados sejam varridos da cena institucional, e que outros mais jovens, ambiciosos, corajosos e consistentes ocupem os seus lugares. Se assim suceder, a pausa valerá seguramente a pena, e um novo referendo, desta vez sobre um texto porventura menos espesso e melhor conhecido de todos os cidadãos europeus, poderá ser submetido a votação simultaneamente em todos os estados da União.

Ouvi Tony Blair algumas horas depois, na conferência de imprensa que deu sobre o fracasso da cimeira. Para ele, a PAC corresponde a uma visão ultrapassada da Europa, que a impede de assumir reorientações estratégicas essenciais, nomeadamente nos domínios da globalização, da segurança europeia e da defesa estratégica comum. Para Blair, todos estes domínios exigem dar uma prioridade absoluta ao desenvolvimento científico e tecnológico, e ainda à modernização urgente das pequenas e médias empresas europeias. O orçamento da PAC, além de incrementar os fluxos migratórios das populações economicamente bloqueadas de África, e de produzir um desgaste sem precedentes dos solos europeus (devido à intensidade insustentável dos modelos de exploração) impede, pura e simplesmente, o objectivo de tornar a Europa, nos próximos dez anos, na economia mais competitiva do planeta, sem deixar de ser ao mesmo tempo um modelo recomendável de democracia e bem estar social. A Europa precisa, como de pão para a boca, de uma nova visão estratégica. Tony Blair, Gordon Brown e Jack Straw demonstraram possui-la, contra uma esmagadora maioria de países desgraçadamente prisioneiros das suas crises de liderança.

Portugal faria bem em restabelecer rapidamente o seu alinhamento estratégico com a velha Albion, na linha dos passos dados por Durão Barroso durante a crise iraquiana. Freitas do Amaral deu sinais de sabedoria em toda esta crise. Pode muito bem vir a ser uma alternativa credível a Cavaco Silva.

O-A-M #81 18 Junho 2005

segunda-feira, junho 13, 2005

Luto comunista

Alvaro Cunhal regressa a Portugal, 1974

Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves despedem-se desta vida descontentes


Dois dos mais emblemáticos representantes de um certo ideal comunista de sociedade, de vida e de cultura morrem no espaço de 24 horas. Lutaram contra o Salazarismo. Lutaram depois por um Portugal fortemente influenciado pelo Partido Comunista — o que conseguiram, pelo menos parcialmente (1).

Nunca estive de acordo com os seus ideários (2), e sobretudo com os seus métodos anti-humanistas (aquilo a que chamavam os “factores objectivos” da Revolução e da Luta de Classes...) Fui trotskista para não ser estalinista. E estalinistas eram os do PCP e toda a ganga maoísta, parte da qual cavalga há algum tempo já a nossa democracia analfabeta, nova-rica e alarve. Os estalinistas (3), pró-russos e pró-maoistas, não trouxeram nada de bom ao mundo. É bom estudar as atrocidades que cometeram, como é imprescindível conhecer a barbárie fascista e nazi. Para que se não repitam... Para que não se repitam!

Notas
1 — Durante a crise complexa que conduziu ao 25 de Novembro eu era membro do Comité Executivo da Liga Comunista Internacionalista (LCI). Nessa qualidade, defendi com outros camaradas uma aliança de emergência com o bloco de organizações partidárias que se opunham à deriva direitista da revolução. Essa aliança pontual (que viria a dar origem à cisão da LCI e ao meu afastamento progressivo da militância política) foi baptizada em 25 de Agosto de 1975 com o nome de FUR (Frente de Unidade Revolucionária). Tratou-se de uma mescla muito heterogénea de projectos de acção política, incluindo as seguintes organizações: PRP-BR, FSP, LUAR, PCP, MDP-CDE, MES e LCI. Algumas destas organizações defenderam e tentaram efectivamente levar a cabo um golpe de Estado, cujo desenlace, criam, seria uma “revolução popular”. Não foi esse o caso da LCI (apesar da posição pró-golpista de Francisco Sardo — já falecido — e da pequena fracção de militantes que liderava no interior da LCI, e sobretudo no interior dos chamados SUV). Não foi também esse o caso do MDP-CDE (visto como agente encapotado do PCP), nem do MES. E não foi certamente esse o caso do PCP (entretanto afastado da FUR), cuja principal preocupação nesta crise foi evitar a sua derrapagem insurreccional. Lembro-me vagamente de umas conversações difíceis na sede do PCP, creio que para convencer Cunhal a romper com o VI Governo Provisório. Lembro-me ainda, já em plena crise insurrecional, i.e. nas vésperas do 25 de Novembro (quando se contavam de facto efectivos e espingardas!) do desabafo de um militante do PCP infiltrado na MDP-CDE, o qual, a propósito da vertigem voluntarista em curso, disse algo parecido com isto: pois é, vocês partem a loiça e depois nós é que temos que colar os cacos!
Serve esta nota para precisar que, na minha opinião, o PCP não esteve em nenhum momento do PREC interessado em tomar o poder pela força e instaurar uma democracia popular. Álvaro Cunhal sabia que as ex-colónias ficariam muito provavelmente sob a influência da União Soviética. Mas sabia também que Portugal não teria essa sorte. O seu objectivo para Portugal, reconhecendo que nunca ganharia o poder em eleições democráticas, foi assim limitado e preciso: garantir o triunfo de uma transição para a democracia burguesa sobre os escombros do anterior regime e ganhar durante esse processo o máximo de influência nos aparelhos institucionais do poder: Estado, sindicatos, cooperativas e associações culturais. Conseguiu-o por um largo período de tempo, nem sempre com as melhores consequências para a emancipação efectiva da sociedade portuguesa.

2 — Pode perguntar-se se Cunhal venceu ou perdeu a sua guerra. No muito curto prazo, ganhou-a, dados os objectivos efectivos que pretendeu alcançar (nunca lhe passou pela cabeça instaurar a ditadura do proletariado no nosso País.) No médio prazo, perdeu-a, pois o ideário estalinista e o socialismo real morreram (felizmente). Do longo prazo, não podemos falar, pois ninguém sabe quais vão ser as consequências para a humanidade da actual anarquia capitalista.

3 — De onde vem o fascínio mediático em volta da morte de Álvaro Cunhal? Em primeiro lugar, da avidez mórbida dos próprios média, na sua assumida qualidade de principais produtores e vendedores de ilusões hiperrealistas. Em segundo lugar, como bem referiu Pacheco Pereira, do processo de beatificação do herói comunista, promovida pacientemente pelo próprio (que a si próprio se referia na terceira pessoa...), e que Jerónimo de Sousa prosseguirá enquanto puder. Em terceiro lugar, da desilusão real que paira sobre largas franjas empobrecidas e confusas da população portuguesa, nas vésperas de uma nova metamorfose das super-estruturas sociais. E em quinto e último lugar, do facto de estarmos na presença de uma personagem inegavelmente sexy. [16.06.2005]

O-A-M #80 13 Junho 2005

Carrilho 1

Lisboa sem rumo: um candidato em família?

Revista CARAS, junho 2005.

Os cartazes revelam uma confrangedora falta de ideias e de bom gosto. O vídeo de apresentação projectado no evento chic do CCB assustou as centenas de crânios politicamente correctos que por lá se apinharam (ao que parece a trucagem entre Bárbara Guimarães e o bébé Diniz Maria foi abusiva e de mau gosto). Ainda não percebi se o candidato Manuel Maria Carrilho tem alguma estratégia para a cidade (bastam duas ou três boas ideias, não é preciso mais...) Mas cheira-me que andam demasiados publicitários e aparatchics borboletando em volta da aposta autárquica do PS. Finalmente, as sondagens têm vindo a descer e a trapalhada desta candidatura parece ainda vir no adro. É pena. Pois, apesar de tudo, Carrilho e Bárbara Guimarães poderiam fazer um bom lugar, não fora a problemática falta de nervo que parece ter acometido o filósofo.

Não vejo nenhum inconveniente no uso da esposa e do filho do candidato na pugna eleitoral que se avizinha. Pode até ser um argumento de peso na comparação com os restantes candidatos. Mas para isso, exige-se cuidado e subtileza, e que em nenhum caso se dê a transparecer qualquer ideia de exploração ilícita da imagem do inocente Diniz. Não sei, porém, o que pensa a maioria dos lisboetas...

Carmona Rodrigues poderá surpreender. Sobretudo porque goza de uma boa imagem junto de quem com ele trabalhou ou interagiu. Vamos ver como será o seu programa para Lisboa. A má experiência por que todos passámos durante o interregno Santana Lopes levará muitos eleitores a evitar o risco de uma nova dose de política tablóide e de imprensa do coração. Uma coisa é governar com o nosso dinheirinho, outra muito diferente, é chafurdar na Quinta das Celebridades. Assim sendo, Manuel Maria Carrilho, cuide-se!

O-A-M #79 12 JUN 2005

sábado, junho 11, 2005

Arrastao

Carcavelos: praia a saque?

Praia de Carcavelos: arrastão ou provocação policial?


Enquanto António Costa dormitava ao som melodramático do bardo presidencial, uma multidão de pretos, negros, ou afro-lusófonos (1), com idades entre os 16 e os 20 anos, presumivelmente oriundos de bairros inumanos da periferia lisboeta (Amadora, Sintra, Cascais, etc.), desencadearam uma onda de assaltos, agressões e pânico entre os banhistas brancos que gozavam umas horas de Sol e mar na minha praia de sempre: Carcavelos. O número de atacantes estimou-se nas centenas e actuaram impunemente entre as 15 e as 18 horas, em toda a extensão da praia, continuando posteriormente a sua acção predadora pela Av. Jorge V, estação de Carcavelos e comboios. Os revoltados eram, como disse, negros e jovens. Os atacados foram, como disse, brancos de todos os matizes, tendo o incidente tido início num ataque violento contra um cidadão ucraniano. Estes são os factos e não vale a pena disfarçá-los com retóricas politicamente correctas que apenas revelam tibieza, cobardia e hipocrisia intelectual.

Esta cópia do modelo brasileiro conhecido por ‘arrastão’, pelo número e grau de organização, coloca-nos diante de um problema muito sério, que as agências de turismo internacionais não deixarão de explorar, e que merece ser discutido publicamente. Foi ou não o ataque desferido na praia de Carcavelos uma manifestação de ódio racista? Foi ou não o arrastão de Carcavelos resultado de uma operação meticulosamente preparada, e neste caso, como podemos analisar a completa inabilidade preventiva da polícia? (2) Estamos ou não a assistir ao início de uma guerra civil atomizada, fruto de uma política de imigração oportunista e irresponsável, cujos patamares de agressividade poderão escalar bem mais cedo do que alguns gostariam de prever? E se amanhã surgir um verdadeiro líder de extrema-direita a reclamar uma resposta olho por olho, dente por dente, de quem é a culpa?

Numa situação de crise económica, liberalismo selvagem e desemprego sistémico, as primeiras vítimas da miséria e da humilhação social e cultural tendem a ser todas as minorias étnicas que o poder político foi deixando entrar no País sem uma verdadeira estratégia de contingentação, acolhimento e protecção. Isto é, as minorias oriundas de África, da América Latina (sobretudo brasileiros) e da Europa de Leste. O liricoidismo ideológico que imputa aos portugueses uma natural ausência de preconceitos racistas não passa disso mesmo: de uma mentira piedosa. Se há pão para todos, Afonso de Albuquerque e o Catolicismo, sobretudo por razões tácticas, ensinaram-nos a ser tolerantes, e não claramente segregacionistas, com as demais raças. Todavia, quando faltam o emprego, tecto, o pão, os snickers da Nike ou o telemóvel de última geração, as coisas podem mudar rapidamente de figura! Se ainda por cima empurrarmos as várias minorias para ilhas étnicas de matiz concentracionário (o caso da Cova da Moura é a este título exemplar), então estaremos mesmo a preparar um caldo de cultura inevitavelmente explosivo.

No caso que nos toca, a rebelião não nasce de uma radicalização religiosa da humilhação social prolongada que, por exemplo, na Alemanha, França, Holanda ou Reino Unido, tem sido imposta às minorias turcas, argelinas e asiáticas que nesses países há décadas fazem os trabalhos mais duros ou rotineiros que os indígenas educados desses paraísos civilizacionais se recusam a fazer. Em Portugal, onde a maioria dos imigrantes é felizmente católica, o problema é outro. Se não houver uma acção inteligente e sistemática do Estado e dos governos face ao problema, sul-americanos, africanos e europeus de Leste, e sobretudo portugueses descendentes destas ondas migratórias, ao serem as primeiras vítimas das crises sociais (precisamente porque os preconceitos étnicos e racistas existem, de parte a parte), tenderão a reagir como puderem. Unidos pela miséria e pela humilhação, verificarão depois que há mais alguma coisa a uni-los: precisamente, a cor da sua pele, do seu cabelo ou dos seus olhos... Para os mais aptos, o mundo do crime (contrabando, tráfico de estupefacientes, armas e objectos roubados, e a exploração sexual) será cada vez mais atraente. Se continuarem acantonados em bairros sem lei, o vislumbre de micro-sociedades com leis próprias, desafiando o Estado e a sociedade dominantes, aparecerá como um cenário cada vez mais tentador. Numa palavra, se nada se fizer, teremos muito em breve nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não apenas cópias fidedigmas dos arrastões de Copacabana, mas verdadeiros contra-poderes sociais dominados por bandos de criminosos, tal como ocorre nas tristemente famosas favelas brasileiras.

Notas
1 — Nos Estados Unidos a palavra negro, ao contrário da palavra preto é considerada insultuosa quando usada para designar um indivíduo de origem afro-americana. Em Portugal, dependendo de quem utiliza o termo, qualquer das expressões acima empregues pode ser considerada politicamente correcta ou insultuosa. O termo empregue pelos próprios, no nosso país, é quase sempre ‘preto’, e não ‘negro’. O uso de qualquer dos termos neste blogue não tem, obviamente, qualquer intenção discriminatória, servindo apenas a necessidade de nomear sem hipocrisia indivíduos de uma determinada origem étnica ou rácica.

2 — Só um ingénuo poderia acreditar que as nossas polícias não têm agentes infiltrados nos principais bairros problemáticos da capital e arredores, e informadores infiltrados nos próprios gangs que se dedicam aos florescentes negócios do contrabando, contrafacção, tráfico de estupefacientes, prostituição, pequenos assaltos urbanos e... organização de ‘arrastões’. Só este facto explica como foi possível os corpos especiais de intervenção policial chegarem à praia de Carcavelos 20 minutos depois de dado o alarme. Mas este mesmo facto levanta uma dúvida: como é possível que os responsáveis pela ordem pública não tivessem tido conhecimento antecipado de uma operação com semelhante envergadura (número de actores envolvidos) e grau organizativo? Ou será que deveremos ler toda esta surpresa como um aviso premeditado dos lobbies policiais ao poder político, face às ameaças que pendem sobre os direitos adquiridos por estes corpos especiais da Administração Pública? E se assim fosse, não estaríamos perante uma manobra corporativa de matiz efectivamente golpista? António Costa precisa de todo o apoio para tirar isto a limpo e agir em conformidade. Alia jacta est...

3 — Algum tempo depois, viemos a saber que o arrastão teria sido mais virtual (quer dizer, teledramático) do que real. Houve problemas, a polícia veio (há quem afirme mesmo que o esquema nasceu na corporação...), a coisa demorou algum tempo a acalmar, mas depois, as televisões, como um enxame, não falaram de outra coisa, histericamente, durante horas e dias a fio! Seja como for, um aviso aos políticos profissionais: é urgente definir uma política de imigração e uma política de integração, racionais e justas. [5 Ago 2006]

O-A-M #78 11 Junho 2005

segunda-feira, junho 06, 2005

Europa referenda

Chirac e Schroder bebem por qual Europa?

A Multidão Europeia quer votar!


Recebi esta msg do artista holandês Peter Luining:
"ohnoqt@yahoo.com wrote:
'How do you explain the fact that a large majority of people who voted as you did (no), are very fond of populist, raciste and conservative ideas?'
Polls after the French vote show that this explanation is wildly incorrect:

Key paragraph:
'According to SOFRES [a polling institution], the "no" voters made their decision because "this treaty will exacerbate unemployment in France" (46%), "to show they're fed up with the current situation" (40%), "a 'no' vote will make it possible to renegotiate the treaty" (35%), "this treaty is too neoliberal" (34%), "this treaty is particularly difficult to understand (34%), "Europe threatens France's identity" (19%) or "because of Turkey" (18%). Among these reasons, issues of social protection and opposition to neoliberalism are clearly far ahead of xenophobic tendencies and worries about national sovereignty. This is confirmed by the IPSOS poll, according to which the three main reasons for the "no" vote are dissatisfaction with the current economic and social situation in France (52%), the view that the proposed treaty is "too neoliberal" (40%) and confidence in being able to get a better constitution after a renegotiation (39%). One last proof that at the heart of the "no" vote is the desire for another sort of Europe: according to most of the polling institutions, a very large majority of "no" voters (64% according to CSA) want France to ask for a new European constitution to be written.'"
Li entretanto o artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes". Aí encontrei alguns outros dados muito interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no Estado Providência.

Olhando para estes dois aspectos bem diversos do problema, penso que os NÃO da França e da Holanda forçarão finalmente um grande debate europeu sobre o futuro da Europa e a sua desejável identidade num mundo globalizado. Ora isto não pode deixar de ser encarado como uma boa notícia para todos nós, europeus!

A "multidão" europeia (Antoni Negri and Michael Hardt, autores deste novo conceito, usam a expressão "multitude") começou finalmente a mover-se como uma rede de "inteligência colectiva" alternativa, a qual obrigará os eurocratas e os velhos partidos políticos a redefinir os seus métodos de actuação e as suas prioridades.

Por este facto, julgo que deveremos todos exigir a realização dos referenda agendados em vários países europeus (República Checa, Polónia, Dinamarca, Reino Unido, Portugal, etc.)

A MULTIDÃO EUROPEIA QUER VOTAR!


O-A-M#77, 06 Junho 2005

domingo, junho 05, 2005

Aviso ao PS 3

Jobs for the boys 2


O PS alterou promessas eleitorais fundamentais (aumentou os impostos e promete mexidas abruptas no sistema das pensões e reformas) com base numa encenação caricata em volta do valor do défice esperado das contas públicas. Para isso, contou com a assessoria zelosa, mas suspeita, do Governador do Banco de Portugal. Ao contrário do esperado, a tónica foi para o aumento das receitas, e não para os cortes sérios na despesa pública. E quando digo cortes sérios nas despesas refiro-me, sobretudo, a uma diminuição drástica, mas faseada, ponderada e inteligente, do Estado, contemplando medidas como as que se seguem, e que me parecem inevitáveis, mais cedo ou mais tarde:

— encerramento de todos os Ministérios, Secretarias de Estado, Direcções-Gerais, Direcções de Serviços, Divisões, Institutos, Fundações e Organismos Autónomos manifestamente inúteis ou cujas funções, se não forem de todo inúteis, possam ser realizadas por outros organismos. Por exemplo, o actual Tribunal Constitucional não serve para coisa nenhuma (a não ser para alimentar de mordomias as clientelas políticas do PS e do PSD). Por exemplo, o actual Ministério da Agricultura poderia ser reduzido em mais de metade da sua esclerótica e paquidérmica dimensão. Por exemplo, os actuais Ministérios da Cultura e da Juventude e Desporto desempenhariam perfeitamente as suas funções enquanto Secretarias de Estado do Ministério da Educação. Por exemplo, os actuais Governos Civis, e a Guarda Nacional Republicana, sobrevivências do Estado Novo, não servem rigorosamente para nada, a não ser (no caso da GNR) para duplicar serviços e aumentar a descoordenação das acções, ou (no caso dos Governos Civis) para alimentar a voragem das clientelas partidárias. Etc, etc.

— reduzir drasticamente os postos de nomeação político-partidária na Administração Pública, acabando nomeadamente com todos os regimes de excepção. De Director-Geral para baixo, o acesso às posições de chefia deveria basear-se exclusivamente num sistema universal de concursos públicos.

— reduzir para metade o número das nossas representações diplomáticas (negociando ao mesmo tempo com alguns países comunitários acordos especiais de "out-sourcing" diplomático.)

— criação de duas novas regiões autónomas, dotadas de uma estrutura política e administrativa racional e eficaz, correspondentes às actuais regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.

— manutenção das restantes regiões administrativas sob a responsabilidade directa do Governo, pondo-se fim à demagógica fantochada da Regionalização. Num país com metade da população de Tóquio, só mesmo o triunfo da corrupção, da preguiça e da ganância ilimitada, poderia sustentar a peregrina ideia de aumentar o Estado e as mordomias à conta da tal Regionalização!

— redução radical do número actual de Municípios, adoptando o princípio de que a elevação a Concelho, ou a descida neste tipo de divisão político-administrativa, depende da existência efectiva de comunidades de cidadãos residentes superiores a 10 mil habitantes. As actuais Assembleias Municipais serviriam como ponto de partida da reagregação das comunidades populacionais em torno dos novos Concelhos.

— remuneração dos deputados, vereadores e presidentes de câmara de acordo com escalões de representatividade democrática (< 10 mil eleitores; < 100 mil eleitores; < 500 mil eleitores; < 1 milhão de eleitores; > 1 milhão de eleitores).

— definição do núcleo estratégico do Ensino Superior (Engenharias, Arquitecturas, Matemáticas e Computação, Biologia e Genética, Ambiente e Medicina), a ser sustentado com racionalidade e meios adequados pelo Estado, e correspondente e efectiva privatização de toda a restante fileira da formação superior (Direito, Economia e Gestão, Artes e Letras, etc.)

— imposição rigorosa dos regimes de exclusividade na Função Pública, nomeadamente nos sectores da Saúde, da Educação e da Justiça.

— fim imediato de todos os privilégios corporativos actualmente detidos por diversas Ordens profissionais em tudo o que se refere ao exercício de controlos sobre a formação e acessos dos licenciados ao exercício das respectivas profissões.

— imposição universal de prazos administrativos obrigatórios para todos os actos da Administração Pública.

— publicitação automática, sem excepção, de todos os contratos, subsídios e apoios realizados entre o Estado e a sociedade civil (indivíduos, associações e empresas.)

— responsabilização dos agentes e funcionários do Estado, bem como dos detentores de cargos públicos pelos actos ou omissões praticados, cujos efeitos prejudiquem o bem público, o Estado ou os indivíduos vítimas de má administração pública.

— fim imediato de todos os privilégios e mordomias injustificadas usufruídos pelos altos cargos da administração pública, nos governos, nas autarquias, nos parlamentos, nas empresas públicas, nos organismos públicos autónomos, etc.

— profissionalização e despartidarização imediata das representações do Estado nas empresas públicas e participadas.

— publicitação das declarações de rendimentos de todos os cidadãos residentes no País (medida anunciada que aplaudimos).

— imposição de colectas mínimas em todas as categorias fiscais (medida parcialmente adoptada, mas que necessita de ser aprofundada).

— imposição de taxas moderadoras lógicas e razoáveis no acesso aos bens públicos gratuitos, i.e. financiados pelos sistemas de previdência e segurança social.

— aumento das coimas e multas aplicáveis por infracções ao código da Estrada (nomeadamente no que se refere ao estacionamento ilegal, uso de telemóveis durante a condução, excesso de velocidade, condução sob o efeito de substâncias tóxicas e manobras perigosas).

— aumento das coimas e multas aplicáveis por desrespeito das normas ambientais em vigor.

— redução do serviço público de televisão e rádio à prestação de serviços noticiosos e educativos de interesse geral. Un canal nacional, un canal dirigido aos PALOP e um canal internacional bilingue (Português e Inglês) são mais do que suficientes para assegurar os interesses nacionais. Este serviço deveria ser integralmente suportado pelo OGE e não contemplar nenhum espaço de natureza comercial. Dizer que precisamos mais do que isto é o mesmo que dizer que precisamos de um Diário da Manhã ou de um Diário de Notícias sob alçada do Estado. A agência Lusa é mais uma gordura perfeitamente dispensável na imprescindível revisão estratégica do sistema mediático português.

Estas e outras medidas duras podem e devem ser equacionadas e discutidas. Há maior disponibilidade para mudar do que se pensa. O que não há é pachorra para aturar a arrogância do actual Ministro das Finanças e o clima de guerra civil instalado entre as classes privilegiadas e corrompidas pelo actual sistema político. O que ninguém que votou no PS aceita são as 900 e tal nomeações partidárias já publicadas no Diário da República (alguém sabe a quanto soma o montante das indemnizações previstas?), ou a nova frota de BMWs adquirida pelo Tribunal Constitucional, ou os casos Fernando Gomes, Luís Nazaré e quejandos. Jobs for the Boys 2 é um filme que ninguém quer ver (até porque as continuações são sempre piores — Marx dixit...). Os "nãos" da França e da Holanda foram apenas os primeiros avisos sérios às corrompidas democracias actuais. Algo começou a mexer na multidão de que falam Michael Hardt e Antonio Negri. O Senhor Sócrates que se cuide!

The multitude is working through Empire to create an alternative global society. Whereas the modern bourgeois had to fall back on the new sovereignty to consolidate its order, the postmodern revolution of the multitude looks forward, beyond imperial sovereignty.

in Multitude, Michael Hardt e Antonio Negri

AC-P

O-A-M#76, 05 Junho 2005

sexta-feira, maio 27, 2005

Aviso ao PS 2

Ouçam o Medina Carreira!


Não há pachorra nenhuma para as mesas redondas televisivas protagonizadas por porta-vozes partidários. Eu nunca compraria um carro em segunda mão ao Senhor Coelho, nem a nenhum dos outros e outras vozes de carreira que povoam, até à náusea, os intermináveis blocos noticiosos dos nossos canais audiovisuais. Eles falam sobre tudo como se soubessem do que falam e sobretudo não suspeitassem que nós sabemos que a sua única função ideológica é a de serem simplesmente demagogos mediáticos. Como demagogos que são nunca pensam pela sua cabeça, mas pela cartilha de ocasião do respectivo partido. No caso, os porta-vozes supostamente independentes do centro (PS e PSD) propõem basicamente meias-medidas: subir impostos devagarinho, mexer com muito cuidado nas despesas sociais e cortar simbolicamente alguns privilégios escandalosos. Os porta-vozes comunistas, esquecendo que falharam em toda a parte por onde andaram, insistem alegremente nos seus estafados cardápios maniqueístas (‘os ricos que paguem a crise!’). Os bloquistas (incluindo Francisco Louçã) continuam a revelar uma confrangedora falta de imaginação, num momento em que bem poderiam inovar em matéria de estilo de acção política e metodologias programáticas. Quanto à direita propriamente dita, não existe e ainda bem (mas por quanto tempo?)

Por uma questão de transparência, seria bom que as televisões e os jornais (e os porta-vozes informais eles próprios) esclarecessem em que condição emitem as suas putativas opiniões. Se, como me parece, não fazem mais do que ocupar tempo de antena partidário (ainda que disfarçado de opinião crítica), quem cobra pelo serviço: o opinador, ou o partido de que faz parte? Visto da perspectiva correcta, deveriam ser os partidos a pagar tais tempos de antena, não é verdade? Pelo menos no que toca aos canais públicos, este sistema pantanoso significa apenas mais um subsídio encoberto aos partidos políticos — pago pelos impostos de todos nós!

Vem tudo isto a propósito da cacafonia mediática em torno do anunciado relatório Constâncio e das correspondentes decisões do governo de José Sócrates. Do que ouvi, apenas Medina Carreira, na entrevista de esta noite ao José Gomes Ferreira (um excelente profissional), resumiu simultaneamente o essencial da crise em que estamos e o essencial das medidas a tomar. Dentro de 10 a 15 anos, se nada de sério se fizer, o Estado irá à falência. As medidas anunciadas por José Sócrates são necessárias mas muito insuficientes.

Estou completamente de acordo com Medina Carreira quando afirma ser necessário reduzir drasticamente, e já, o peso do Estado na sociedade portuguesa. A solução, tal como ele aflorou na dita entrevista, existe, pode e deve ser adoptada, a partir do momento em que se esclareça a sociedade portuguesa da verdadeira dimensão do problema.

Um país de 10 milhões de habitantes (menos que uma qualquer grande cidade mundial), 80% dos quais encostados ao litoral, precisa de 315 câmaras municipais? Não, não precisa. Um país desta dimensão precisa de 250 deputados para legislar a sua vida? Não não precisa. Um país destes precisa de 700 mil funcionários públicos? Não, não precisa.

Para governar este país bastam:

1 governo ágil e profissional, com 7 ministérios:

— Finanças
— Economia (secretarias de Estado: Obras Públicas, Indústria, Agricultura, Pescas, Comércio, Transportes e Mobilidade, Turismo)
— Educação (secretarias de Estado: Cultura, Desporto, Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico)
— Ambiente e Território
— Administração Interna
— Defesa
— Justiça.

4 regiões autónomas: Lisboa, Porto, Madeira e Açores

1/3 das câmaras municipais actualmente existentes

1 parlamento com metade dos actuais deputados

350 mil funcionários públicos (1)

Para resolver o problema do estacionamento selvagem (e de caminho o excesso de consumo automobilístico, consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa) bastaria condicionar a compra de qualquer automóvel à existência prévia demonstrada, por parte do comprador, do correspondente lugar de estacionamento próprio na localidade onde reside. Tal como sucede no Japão...

Quanto à dependência energética, uma medida apenas: reduzir para metade, nos próximos dez anos, a nossa dependência energética do exterior.

O resto, seria, ou deveria ser, uma forte sociedade civil, consciente dos desafios, dos limites e das suas possibilidades.

Mas haverá ainda gente interessada em discutir estes temas? Temo bem que o número de agarrados ao orçamento do nosso pobre Estado seja já demasiado elevado... e não haja retorno possível à racionalidade democrática.

AC-P

Notas
1 — O presidente do INA, Valadares Tavares, em artigo publicado na edição de 10 Jun 2005 do Expresso, propõe uma redução de 20% no número de funcionários públicos no espaço de duas legislaturas. Seria um bom começo, sobretudo se esse número fosse conseguido como resultado da supressão de serviços redundantes, ineficazes ou meramente dispensáveis, e ainda pela fusão e concentração de todo o tipo de instâncias burocráticas. Neste sentido foi também a posição da equipa do actual Ministro das Finanças durante o debate de ontem na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República, transmitido pelo respectivo canal televisivo (um dos poucos canais obrigatórios da repetitiva TV Cabo).
11 Jun 2005
AC-P

O-A-M # 75, 27 Maio 2005

sexta-feira, abril 01, 2005

Aviso ao PS 1


Promessas para cumprir


Conhecimento, Cultura, Entretenimento
Inaugura amanhã em Léon (Espanha) mais um museu de arte contemporânea. Custou 33 millones de Euros. Ocupa 21.178,15 m2, sendo de 9.700m2 a superfície construída. No tempo que durou a construção do edifício (2002-2005) foram gastos 5 milhões de Euros na aquisição de obras de arte. Não se pense, porém que estamos diante de um caso isolado. Muitos outros museus e centros de arte contemporânea foram recentemente inaugurados em Espanha. Apenas alguns exemplos de referência obrigatória: o Museo Picasso, em Málaga, a Fundación Jose Guerrero (2000), em Granada , o MARCO (2002), em Vigo, o ATRIUM (2002), em Victoria, o Museo Esteban Vicente (2002), em Segovia, Caixa Forum (2002), em Barcelona, Centro Parraga (2004), em Murcia, e a expansão do Museo Centro de Arte Reina Sofia, de Jean Nouvel (2005), em Madrid. E há mais exemplos em perspectiva: Gijón, Corunha e Córdoba. Em Portugal: népias. Ou antes, uma vergonha chamada Casa da Música.
Seria bom que o actual governo se pusesse a trabalhar num livro branco sobre as diferenças gritantes entre os investimentos culturais em Espanha e Portugal, em vez de se deixar tentar, uma vez mais, pela novela da invasão espanhola (como parece anunciar a sujeira em volta do negócio da venda da Lusomundo).
Eu já escrevi uma vez e volto ao mesmo: a socieade do conhecimento que aí vem é indissociável da cultura. Caminhamos para uma cultura cognitiva, e nisto estará uma das futuras vantagens comparativas da Europa face ao resto do mundo. Quem ainda não percebeu isto e continua a confundir desenvolvimento, com crescimento económico insustentável e construção civil, vai necessariamente conduzir o nosso país à desgraça. É preciso considerar o investimento cultural uma prioridade. E como tal prioridade terá que ser tratada por profissionais realistas e competentes, não por "inside traders" manifestamente incapazes. Precisa-se, basicamente, de muito mais dinheiro, de muito menos burocracia, de parcerias sólidas com a sociedade civil, de estratégias claras e transparentes e de marketing. Em suma, tudo o que actualmente não existe.

O-A-M #74, 01 Abr 2005

domingo, março 27, 2005

PSD reage

António Borges não vai deixar o PS em paz


Marques Mendes é o político de aparelho melhor colocado para ganhar o próximo congresso do PSD. De facto, não vejo como é que Filipe de Menezes, que não consegue manifestamente falar bom português, possa suplantá-lo no próximo conclave de aparatchics. Este juízo não passa aliás de senso comum. Pensa-o toda a gente que segue minimamente a televisão, e não vejo como poderia António Borges ter opinado de modo diferente quando Judite de Sousa lhe perguntou o que pensava sobre a futura liderança do PSD

Falta apenas saber se Marques Mendes será ou não um líder de transição. É bem possível que não resista aos efeitos da derrota eleitoral das próximas autárquicas. Mas também pode suceder que entre ele e a tendência liberal moderada formada em volta de António Borges e outra gente de peso no PSD haja uma aliança tácita com vista a suportar os próximos quatro anos de poder PS — minimizando os estragos e, se possível, capitalizando com eficácia os inevitáveis deslizes de José Sócrates.
A boa notícia desta nova conjuntura no PSD é a promessa de uma oposição adulta ao ciclo de governação que agora começa. O PS precisa dela. Para não cair na tentação, uma vez mais, dos jobs for the boys, e também para evitar a governamentalização do que deve ser deixado à iniciativa privada e à cidadania.

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O-A-M #73 23 Mar 2005