segunda-feira, abril 02, 2007

Socrates 9

E agora?

José Sócrates continua em silêncio perante as interrogações cada vez mais pesadas sobre as suas habilitações académicas efectivas. Nada diz e manda dizer dizer coisas pouco claras sobre o assunto, insinuando que tudo não passará de uma cabala para prejudicar a sua governação. No entanto, as dúvidas, que ganharam uma dimensão mediática imparável desde a sua aparição no Público de 22 de Março último, têm vindo a ser tratadas na blogosfera portuguesa, de forma explícita e metódica, desde 22 de Fevereiro de 2005, nomeadamente no blog Do Portugal Profundo. Como previa num comentário anterior, o silêncio ensurdecedor do primeiro ministro não sossegou ninguém, e o resto da comunicação social começou a interessar-se pelo tema, chegando aos diários e semanários de referência, como o Público e o Expresso, e às televisões públicas e privadas. Não vejo como se possa secar o assunto, aqui chegados, sem o seu cabal esclarecimento.

Marcelo Rebelo de Sousa, a uma pergunta ingénua de Maria Flôr Pedroso, sobre as pós-graduações de José Sócrates, deu este Domingo uma resposta sibilina, mas que transporta no gume da sua lógica, uma perspectiva muito preocupante para o visado, para o Partido Socialista e para as instituições democráticas em geral. Disse ele: sem licenciatura não pode haver pós-graduação! Por agora, o que está em causa é a licenciatura. E que dificuldades pode haver no fornecimento das provas documentais de uma licenciatura? Aparentemente nenhumas, desde que as mesmas existam e sejam válidas. Quer dizer, com ou sem crise aguda na Univeridade Independente, José Sócrates deveria ter previsivelmente o canudo do seu curso universitário em casa. E não o tendo, deveria ao menos poder citar entidades empregadoras por onde passou e que lhe terão solicitado prova das suas habilitações académicas. O que não é verosímil é que a apresentação de uma qualquer prova documental das suas habilitações académicas esteja prisioneira do estado actual da Universidade Independente. Parece aliás pouco provável, a qualquer pessoa, que uma tal instituição, pela sua natureza, obrigações estatutárias e regime de funcionamento, possa alguma vez ter deitado fora documentação essencial sobre os seus alunos, e ainda mais sobre um aluno que era à época membro do Secretariado Nacional do Partido Socialista e Secretário de Estado-adjunto do Ministro do Ambiente. Assim sendo, das duas uma, ou a Un. Independente mandou para "o maneta" a documentação, com mais de cinco anos de existência, de todos os seus estudantes, como afirmou o seu ex-director, Luis Arouca, ao Público...
"As fichas de cada aluno já ninguém sabe delas. Nos primeiros anos, a nota final é acompanhada com fundamento, depois é deitada fora» sobre o registo do pagamento de propinas, a resposta foi semelhante. «Ao fim de cinco anos, vai tudo para o maneta."
E neste caso haveria seguramente centenas de ex-alunos licenciados em muito maus lençois. Ou então foi José Sócrates que teve um azar dos Távoras! Seja como for, uma coisa é certa: sem uma explicação pessoal do primeiro ministro, dado na primeira pessoa, este caso ameaça, como escrevi anteriormente, a própria sobrevivência do dirigente PS aos comandos do actual governo. Como a presidência portuguesa do Conselho da União Europeia começa em Julho que vem, resta muito pouco tempo para evitar um enorme embaraço nacional perante os nossos parceiros comunitários.

OAM #186 02 ABR 07

sábado, março 31, 2007

Sócrates 8

Anjo caído

Universidade Independente: Diploma final de curso de Sócrates assinado
num domingo (1) - Expresso

Lisboa, 31 Mar (Lusa) - O primeiro-ministro José Sócrates completou a sua licenciatura em Engenharia Civil na Universidade Independente (UnI) num domingo de Setembro de 1996, dia em que foi assinado o diploma de final de curso, noticia hoje o semanário Expresso.

Na manchete da edição de sábado, o semanário cita "documentos sobre o processo do aluno José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa", que concluiu em 1996 na UnI a sua licenciatura, iniciada anos antes no Instituto Politécnico de Coimbra.

Na Independente, Sócrates realizou cinco cadeiras: Análise de Estruturas; Betão Armado e Pré-Esforçado; Estruturas Especiais; Projecto e Dissertação, leccionadas por António José Morais, e Inglês Técnico, dada pelo ex-reitor da universidade, Luiz Arouca.

Em declarações ao Expresso, António José Morais afirmou que o facto de o diploma ter sido assinado a um domingo "não é estranho", alegando que "nas universidades privadas, muitas vezes trabalha-se ao domingo".

O professor António José Morais confirma ter dado quatro das cinco cadeiras ao primeiro-ministro, mas Luiz Arouca afirmou ao Expresso nunca ter dado qualquer aula nem feito qualquer avaliação a Sócrates.

Também Frederico Oliveira Pinto, que, segundo o Expresso, diz ter sido o primeiro presidente do conselho científico da UnI e, na altura, professor de todas as cadeiras de Cálculo das licenciaturas de Engenharia, afirmou ao semanário nunca ter visto José Sócrates naquela instituição, "a não ser muitos anos mais tarde, durante uma oração de sapiência, em que estava na assistência".

No entanto, Carlos Gomes Pereira e Alberto Santos garantiram ao jornal ter sido colegas de curso de Sócrates em 1996, assegurando que tiveram aulas e fizeram exames com o actual primeiro-ministro.

Segundo o Expresso, José Sócrates, o seu gabinete e o ministério do Ensino Superior escusaram-se a comentar a notícia. -- ER/JH. Lusa/fim
1 -- O diploma não foi assinado num Domingo, mas sim no dia 14 de Setembro de 1996, um Sábado. A data da declarada licenciatura é que foi um Domingo (8 de Setembro de 1996)! Curiosamente, esta notícia do Expresso surge alguns dias depois de um comentário publicado no blog Do Portugal Profundo sobre o mesmo assunto:

Mais uma curiosidade para termos em conta
.
27.03.07 - 2:48 am. Segundo o PÚBLICO, o certificado de habilitações de José Sócrates certifica que o actual Primeiro-Ministro concluiu a licenciatura no dia 08 (oito) de Setembro de 1996. O certificado tem data de 14 de Setembro.
Como se sabe, a data de conclusão de uma licenciatura é a da conclusão da última disciplina dessa licenciatura, portanto, data coincidente com um dia de exame (no qual o examinado, obviamente, foi aprovado)
Ora, estranhamente, o dia 8 de Setembro foi Domingo - veja-se.
Já não bastava ao pobre portuense registado em Alijó conciliar as ciclópicas tarefas da governação com o estudo profundo (e com elevadas classificações!) da Engenharia Civil, como, ainda por cima, até exames realizava no dia em que até Nosso Senhor descansou.
Por aqui se vê também o muito que trabalhava o pessoal da Independente, mantendo a actividade em dia de descanso obrigatório - esperemos que com a devida retribuição por horas extraordinárias.
Já agora, proponho que se investigue se o nosso esforçado governante teve outras actividades nesse dia, nomeadamente do foro governativo ou partidário, para melhor ainda podermos compreender os sacrifícios a que sempre se prestou. -- Irnério, Do Portugal Profundo.
Como já escrevi, o primeiro ministro deixou de ter alternativa à necessidade de se explicar sobre esta dúvida que assalta os portugueses. Foram ou não prestadas informações incorrectas sobre o seu curriculum académico? Se não o fizer rapidamente, estará a consentir o natural alastramento de dúvidas e especulações sobre as suas habilitações literárias, e mais grave, sobre se faltou ou não à verdade nas informações que prestou ao país sobre este assunto, nomeadamente através dos canais institucionais onde tais dados são facultados publicamente. É certo que a coisa começou por ser uma especulação bloguista, mas o caso mudou de figura quando as perguntas começaram a ser formuladas com pés e cabeça, nomeadamente por blogs como Do Portugal Profundo, e saltaram depois para os OCS e para a esfera partidária (por iniciativa do PSD.) Por outro lado, o descalabro e posterior anúncio de encerramento da Un. Independente torna a situação pouco menos do que explosiva. O ministro da ciência e do ensino superior deve explicações ao país, nomeadamente no que diz respeito à célebre documentação que na dita Un. Independente, ao fim de cinco anos, costumava ir "para o maneta". Em suma, a menos que José Sócrates tome a iniciativa de esclarecer cabalmente os portugueses sobre as dúvidas que se avolumam, a situação irá apodrecer... até à inevitável decisão presidencial.

OAM #185 31 MAR 07

sexta-feira, março 30, 2007

Petroleo 5

Pico petrolífero

Governo americano reconhece finalmente a existência de um sério problema.

29-03-2007 01:41. O GAO, United States Government Accountability Office, acaba de publicar um relatório explosivo sobre a situação petrolífera mundial, dando finalmente ouvidos ao eminente e já desaparecido geólogo norte-americano M. King Hubbert (que não só previu, em 1956, o pico petrolífero dos EUA, ocorrido em 1973, como apontou a fatalidade de se verificar um pico à escala global antes do final do século 21). Para muitos estudiosos, o pico mundial da produção petrolífera ocorreu este ano, mas só se tornará evidente em 2008.

O certo é que, depois do quase silenciado Hirsh Report (2005), igualmente encomendado pelo governo de Bush, acaba de ser publicado e difundido pela agência Associated Press, o relatório CRUDE OIL - Uncertainty about Future Oil Supply Makes It Important to Develop a Strategy for Addressing a Peak and Decline in Oil Production, elaborado pelo referido GAO. Temos finalmente reconhecido pelo governo da maior potência mundial o mais sério e imediato problema geo-estratégico do século 21, a par das alterações climáticas provocadas pelas emissões de gases com efeito de estufa. Por ambos os motivos, paradoxa e assustadoramente, acabámos de entrar num novo tic-tac militar e nuclear de larga escala.

Escusado será dizer que os grandes exercícios militares que acabam de terminar na zona do Golfo Pérsico, a prisão dos militares britânicos em águas territoriais iranianas, mais os exercícios de tele-guerra via satélite em preparação na Grande Barreira de Coral australiana (1), fazem seguramente parte da resposta Bush a dar a este desafio. É que, no melhor dos cenários, em 2015, apenas 4% do dispêndio energético dos EUA provirá de energias alternativas ao petróleo. E por outro lado, com as reservas exploráveis europeias, mexicanas e venezuelanas em confirmado declínio, 60% das melhores reservas mundiais situam-se no Médio Oriente, na Rússia e em algumas zonas de África...

O GAO afirma que, "dados estes desafios, um pico eminente e uma queda pronunciada na produção petrolífera poderiam ter consequências severas, incluindo uma recessão mundial. Se o pico chegar mais tarde, todavia, estas tecnologias terão um maior potencial de mitigar as consequências."

"Embora as consequências de um pico petrolífero fossem sentidas à escala global, os Estados Unidos, como o maior consumidor de petróleo e uma das nações mais pesadamente dependentes dele no sector dos transportes, pode vir a estar numa situação particularmente vulnerável"

"Por conseguinte, para melhor preparar os Estados Unidos para o pico e declínio da produção petrolífera, recomendamos que o Secretário de Estado da Energia tome a liderança, em coordenação com outras relevantes agências federais, no estabelecimento de uma estratégia para o pico petrolífero. Essa estratégia deverá incluir esforços para reduzir a incerteza sobre a previsão do pico da produção petrolífera e facultar aconselhamento atempado ao Congresso sobre as medidas apropriadas em termos de custo-eficiência para mitigar as consequências do pico petrolífero." (ver documento integral, PDF)

Ainda faltarão mais argumentos para levar o governo português a perceber que a construção de um novo aeroporto, na Ota ou noutra parte qualquer (em vez da adaptação dos existentes) não faz qualquer sentido nas actuais circunstâncias? Eu sei que o ignorante que dirige o Ministério das Obras Públicas é um comissário político. Mas a menos que o governo português esteja prisioneiro de alguma chantagem desconhecida, creio que deve ter a sensatez e a coragem de abandonar um projecto manifestamente sem futuro num mundo à beira do colapso energético e climático (2).




1 - Operation Talisman Sabre 2007
In June this year, 26,000 US and Australian troops will take part in bombarding the ancient fragile landscape of Australia. They will storm the Great Barrier Reef, gun down "terrorists" and fire laser-guided missiles at some of the most pristine wilderness on earth. Stealth, B-1 and B-52 bombers (the latter alone each carry 30 tonnes of bombs) will finish the job, along with a naval onslaught. Underwater depth charges will explode where endangered species of turtle breed. Nuclear submarines will discharge their high-level sonar, which destroy the hearing of seals and other marine mammals.

Run via satellite from Australia and Hawaii, Operation Talisman Sabre 2007 is warfare by remote control, designed for "pre-emptive" attacks on other countries. Australians know little about this. The Australian parliament has not debated it; the media is not interested. The result of a secret treaty signed by John Howard's government with the Bush administration in 2004, it includes the establishment of a vast, new military base in Western Australia, which will bring the total of known US bases around the world to 738. No matter the setback in Iraq, the US military empire and its ambitions are growing.

Australia is important because of a remarkable degree of servility that Howard has taken beyond even that of Tony Blair. Once described in the Sydney Bulletin as Bush's "deputy sheriff", Howard did not demur when Bush, on hearing this, promoted him to "sheriff for south-east Asia". With Washington's approval, he has sent Australian troops and federal police to intervene in the Pacific island nations; in 2006, he effected "regime change" in East Timor, whose prime minister, Mari Alkatiri, had the nerve to demand a proper share of his country's oil and gas resources. Indonesia's repression in West Papua, where American mining interests are described as "a great prize", is endorsed by Howard. (...) -- in AUSTRALIA: THE 51st STATE By John Pilger.

2 - Novo livro sobre as consequências do pico petrolífero (BBC/Green Room).
"It is becoming increasingly clear that global oil production will soon go into terminal decline, with potentially devastating economic consequences."

"(...) I calculate that to substitute the fuel lost through a post-peak oil production annual decline of 3% would mean planting about 200,000 sq km - equivalent to the land area of Cuba, Sri Lanka and Papua New Guinea - every year.

Alternatively, if we decided to run Britain's road transport system, say, on cleanly produced hydrogen - electrolysing water using non-CO2-emitting forms of generation - our options would be:

* 67 Sizewell B nuclear power stations
* a solar array covering every inch of Norfolk and Derbyshire combined
* or a wind farm bigger than the entire southwest region of England.

-- The Last Oil Shock: A Survival Guide to the Imminent Extinction of Petroleum Man is published by John Murray


OAM #184 30 MAR 07

quinta-feira, março 29, 2007

Portugal-2


Saudosismos

Afinal os portugueses sempre foram os primeiros europeus a chegar à Austrália!

SYDNEY (Reuters) -- Uma carta marítima do século XVI guardada numa biblioteca de Los Angeles prova que os navegadores portugueses, e não os ingleses ou holandeses, foram os primeiros europeus a descobrir a Austrália e a desenhar as suas costas, revela um novo livro que descreve a descoberta secreta da Austrália.

O livro, "Beyond Capricorn," diz que o mapa, que assinala com detalhe vários pontos geográficos ao longo da costa leste da Austrália, prova que o navegante português Cristóvão de Mendonça, partindo de Malaca, dirigiu uma frota de quatro navios até à Botany Bay em 1522 -- um século antes de os holandeses lá terem chegado e quase 250 anos antes do capitão britânico James Cook ter avistado aquela costa.

O autor australiano Peter Trickett afirmou ainda que quando ampliou o pequeno mapa pôde reconhecer todos os promontórios e baías de Botany Bay, Sydney -- no sítio onde Cook
reclamou aquele sub-continente para a coroa britânica, em 1770.

"Era tão preciso que pude desenhar por cima as actuais pistas do aeroporto de Sydney, escalando-as para o seu sítio exacto sem qualquer problema.", disse Trickett à Reuters na Quarta feira, dia 21. -- Michael Perry, Reuters, 21-03-2007; 6:26 AM (Versão original integral)

A Austrália, Terra de Java, era, ao que parece, um segredo de Estado, que o Estado Português escondeu durante tanto tempo que se esqueceu dele! Finalmente, 250 anos depois, os ingleses chegaram à mesma baía de Sydney, desenhada pelos cartógrafos portugueses, declarando o novo mundo terras de sua Magestade Britânica. Até hoje!

Estive esta tarde a rever o filme Costa do Castelo (1943), de Arthur Duarte, e enchi-me de optimismo! Saudosismo lamecha? É bem possível. Força Portugueses! Há mais continentes por descobrir..., por exemplo, o de um país sustentável.

OAM #183 29 MAR 07

quarta-feira, março 28, 2007

Portugal


Porquê Salazar?


Apenas consegui ver uma meia hora da sessão final do concurso televisivo que abalou a classe política portuguesa. Pareceu-me desde o início uma iniciativa desmiolada, levada a cabo por uma gaja desprezível, dirigida a um público de indígenas de meia idade e de idade avançada, ignorante até dizer chega, e sobretudo inconsequente.
Num país analfabeto e empobrecido, corroído simultaneamente pela perda de um vasto território colonial, pela corrupção galopante que se apoderou das suas elites e agências de intermediação, e pelo declínio da sua própria autonomia nacional e visão estratégica, que outra coisa seria de esperar que não uma expressiva votação simbólica contra a actual democracia plutocrática e nepotista, e contra os irresponsáveis que exercem alegremente o poder? Uns parecem porcos em fase de engorda apressada. Outros, ratos abandonando um navio à beira do naufrágio. Olham para nós e dizem: sou corrupto e depois?! Olham para nós e dizem: minto e depois?! Olham para nós e dizem: se não tens amigos, arranja-os!!
O desemprego, a pobreza envergonhada e explícita, o analfabetismo funcional, a incultura e a emigração regressaram em força, mas o regime prefere falar de grandes obras sanguessugas e de optimismos cabotinos. Os partidos não se distinguem entre si pelas suas diferentes estratégias (que não têm), mas pela verborreia ininteligível de circunstância. Admiram-se agora, escandalizam-se, porque 50 mil espectadores(1) mandaram Mário Soares e Afonso Henriques às urtigas. Admiram-se porque os finalistas foram, afinal, dois homens(2) recentes conhecidos pela autoridade com que desenharam e deram a conhecer as suas ideias e pensaram no país. Eram ambos autoritários? Pois eram. E agora? Agora Cavaco e tintas Robbialac! Vai ser uma tragédia? Talvez não...



Notas
1 - As sondagens trabalham com universos bem mais pequenos, embora construídos de acordo com estratégias estatísticas comprovadas. Seja como for, dada a importância da televisão na formação da opinião moral de curto prazo, menosprezar os resultados do concurso sobre o "melhor português" seria um erro. O Pedro Magalhães escreveu, como sempre, coisas interessantes sobre o fenómeno.
2 - Dada a natureza passiva de boa parte dos espectadores televisivos, seria de esperar que o imbecil concurso se transformasse numa pesquisa colectiva do macho alfa. Ora assim sendo, teria que recair num personagem recente (ainda com feromonas no ar) e claramente afirmativo e claramente vencedor no território que pisou. Salazar e Cunhal correspondem perfeitamente ao perfil. No entanto, se os localizadores do programa holandês da Endemol tivessem alguns neurónios próprios a funcionar teriam feito tudo para incluir duas ou três mulheres com verdadeiro potencial no naipe de eleição. E de entre estas, para poderem confrontar (no feminino) os citados machos alfa, teriam que ter escolhido, forçosamente, a Inês de Castro, a Rainha Santa Isabel e Nossa Senhora de Fátima! Teria sido muito mais divertido e equilibrado.


OAM #182 28 MAR 07

segunda-feira, março 26, 2007

Aeroportos 19

Gato Fedorento arrasa Ota




Os Gatos acabam de prestar um verdadeiro serviço público ao país: mostrar com a inteligência assassina do humor, ao que pode levar a teimosia leviana de um político que faz cada vez mais lembrar aquele sapo metido numa pirex ao lume. A água foi aquecendo lentamente... até que o sapo ficou cozido!

OAM #181 26 MAR 07

sábado, março 24, 2007

Petroleo 4

Um argumento mais contra os devaneios aeroportuários lusitanos




Matt Simmons (Simmons & Company) afirmou à CNBC, após o fecho de mais uma sessão de Wall Steet, que o pico da produção petrolífera será atingido este ano, mas que só nos daremos conta disto, muito provavelmente, em 2008. (07-03-2007)

Isto quer dizer que, se nenhum fenómeno fizer disparar os actuais preços do crude para os 80 dólares o barril ainda este ano --crise pós-eleitoral na Nigéria, insurreição iraquiana, descontrolo da crise iraniana (que hoje mesmo esteve a ponto de suceder!), desastres climáticos, ou uma queda abrupta do dólar (em declínio imparável há vários meses)-- já nada poderá impedir o encarecimento acelerado dos produtos petrolíferos nos anos que se aproximam. Em cinco anos, o petróleo poderá chegar aos 300 dólares o barril. Hoje está a 62 USD/b, muito longe, portanto, dos 12 a 25 dólares que serviram de referência para a maioria dos pseudo-estudos sobre o NAL (Novo Aeroporto de Lisboa).

Desta realidade decorrem algumas conclusões importantes:

-- só resistirão as companhias aéreas que forem capazes de reduzir drasticamente os seus custos operacionais, através da substituição das actuais frotas ruidosas e ineficientes em termos energéticos, do aumento radical da produtividade, do uso de instalações aeroportuárias baratas e da subcontratação de tudo o que estiver fora do coração do negócio (transportar passageiros pelo ar e oferecer-lhes uma rede barata, confortável e criativa de soluções de viagem);

-- mesmo assim, nada garante que uma recessão mundial provocada pela subida em flecha dos preços dos combustíveis não venha a induzir um arrefecimento acentuado no eufórico fenómeno das Low Cost (que entretanto tenderão a alargar a sua área de negócios para os transportes ferroviário, marítimo e fluvial);

-- a decisão estratégica europeia (e espanhola) de intensificar a construção de uma densa rede ferroviária em bitola europeia de Alta Velocidade e de Velocidade Elevada irá concorrer directamente com o transporte aéreo nas distâncias até 900 Km;

-- sendo obviamente uma quimera pensar que Portugal possa ser uma porta de entrada aérea na Europa, resta-lhe tão só participar da forma mais inteligente que souber nas redes de transporte aéreo e ferroviário actualmente em rápida constituição na Europa: companhias de Baixo Custo (Low Cost) e redes de Alta Velocidade e Velocidade Elevada. E aqui, a prioridade deve ir claramente para a ferrovia e não para o transporte aéreo, pois sendo impossível integrarmo-nos nas novas redes ferroviárias sem vultuosos investimentos estratégicos, o mesmo não sucede com o transporte aéreo, para o que bastará saber recuperar rapidamente e com custos mínimos os aeroportos que temos, em função das solicitações das novas companhias, secundarizando liminarmente os problemas derivados da decadência inevitável das companhias de bandeira;

-- destas novas evidências decorre que não há nenhuma pressa técnica, logística ou económica de fundo que leve a pensar ser necessário construir um novo grande aeroporto na região de Lisboa, bastando, para já, modernizar a Portela e reforçá-la com o apoio de mais dois aeroportos: Montijo (para as Low Cost) e Tires ou Sintra (para os "Corporate Jets");

-- no que se refere à ferrovia, a solução também é simples: ligar imediatamente Lisboa a Madrid via Alta Velocidade, terminar a adaptação da Linha do Norte ao Alfa Pendular e definir um plano ferroviário de emergência destinado a traçar uma rede mínima de linhas em bitola europeia capaz de agilizar a mobilidade de pessoas e mercadorias entre Portugal e o resto da Europa;

-- entretanto, sem preconceitos, mas com as maiores cautelas, devemos lançar a discussão sobre a alternativa nuclear pacífica ao declínio da economia do petróleo.

Tudo o resto, sobretudo a patética teimosia do actual governo no dossiê da Ota, tem que ser devidamente minimizado.

Conselho gratuito a José Sócrates: faça um "reset" no dossiê do NAL (Novo Aeroporto de Lisboa) antes de começar a presidência portuguesa da UE, dê um prazo curto para re-análise independente do problema, convoque uma conferência europeia sobre energia e mobilidade na Europa, apoie-se nos argumentos da Oposição e tome por fim um decisão lúcida no ano novo de 2008. Já sabe o que penso: prioridade à ferrovia e custos mínimos na adaptação das nossas infra-estruturas aeronáuticas.

22-03-2007. Evidence is mounting that oil prices will soon climb to new, perhaps unaffordable for many, highs. Some think "soon" is three, four, or five years away. Others think "soon" may be as close as three, four, five, or six months. It is this latter scenario in which oil and gasoline prices reach new highs before the year is out that we look at today. -- Tom Whipple, Falls Church news-Press



OAM #180 23 MAR 07

sábado, março 17, 2007

Governo PS 2

Manuel Pinho, de Portugal, e Manuel, the spanish waiter, de Faulty Towers
Manuel Pinho, de Portugal, e Manuel, the spanish waiter, de Faulty Towers

All Manuels!

Allgarve Low Cost Weekend: come and enjoy our unforgetable minister of economy for only €100


O Governo português vai investir, só este ano, nove milhões de euros na promoção e realização de eventos no Algarve. E, para vender melhor a região, o Governo aprova e paga uma mudança do nome do Algarve, de português para "um género" de inglês: Allgarve!

Em primeiro lugar, constata-se que abriu antecipadamente a temporada de caça ao voto.
Em segundo, que para distrair a atenção pública dos sérios problemas do país, que o actual governo está longe de começar a resolver, nada melhor do que o grande "stand-up comediant" do governo Sócrates, Sua Excelência o Imberbe Ministro da Economia, Manuel Pinho!

Para este Manuel, tal como para o extraordinário personagem de Faulty Towers, o mundo que pisa está escrito num idioma que não entende, e por isso faz invariavelmente as maiores confusões na sua cabeça e pronuncia frases cómicas, pela sua óbvia falta de oportunidade e sentido de estado, de cidadania ou da mais simples prudência cultural.

Em Portugal, diz aos desempregados que os seus salários subiram demasiado e que as empresas de calçado e vestuário vão naturalmente para a China e para o Paquistão.
Na China, diz aos empresários chineses que venham para Portugal porque aqui ainda há salários baixos e um proletariado simpático e dócil.
No Algarve, explica aos indígenas que all é uma palavra inglesa que quer dizer tudo ou todo, e que portanto, Allgarve quer dizer... Todo-o-Algarve!
Ao perguntarem-lhe porque motivo se muda o nome de uma região portuguesa para um nome género inglês (de Algarve para Allgarve), o Manuel afirma candidamente: é que, como sabem, os turistas que vêm para o Algarve são sobretudo estrangeiros.

Onde está o Basil do governo Sócrates, para dar uma palmada na nuca deste peripatético?

OAM #179 17 MAR 07

quarta-feira, março 14, 2007

Socrates 7

Jose Socrates na capa do semanario Sol
A biografia de José Sócrates montada pelo Sol apresenta todos os contornos de uma
cortina de fumo e revela o estado andrajoso da imprensa portuguesa actual.

As misteriosas Fábricas de Canudos

Há alguns anos atrás a estatal Tabaqueira foi privatizada e adquirida pela Philip Morris. Uma das primeiras decisões da nova administração foi emitir uma ordem de serviço proibindo o tratamento por Dr., Eng. Arq., etc., dos licenciados assalariados da nova empresa. Uma boa decisão que, se já adoptada entre nós, evitaria muitas das cenas tristes a que frequentemente assistimos na pastelarias, nas empresas, nas repartições públicas e na cada vez mais insuportável televisão. O Senhor Durão Barroso é o actual presidente da Comissão Europeia. O Senhor Dr. Durão Barroso não existe, a não ser no aparvalhado sítio lusitano.

Na realidade, nos países anglo-saxónicos, doutores são tradicionalmente os médicos e também se admite tal tratamento quando dirigido aos licenciados nalgum curso universitário depois de cumprido um doutoramento, sobretudo entre pares. Já nos países latinos, mais atrasados na chegada à moralidade laica da ética capitalista, do que os povos protagonistas das cisões protestantes e puritanas, as habilitações académicas tenderam quase sempre (não é o caso da Espanha, por exemplo) a ser consideradas como um sucedâneo dos títulos da antiga nobreza. No século XIX, os endinheirados compravam títulos nobiliárquicos, tal como mais tarde, no queiroziano século XX português (e italiano, por exemplo) se cobiçaram, forjaram e compraram (com cunhas e com dinheiro) os novos prefixos da pequena burguesia ascendente e da crescente massa de funcionários públicos que foram acudindo às necessidades crescentes de um Estado cada vez mais complexo e oneroso. Ao licenciado queiroziano (o célebre Conde de Abranhos) sucederam os doutores, arquitectos e engenheiros de hoje. Estes prefixos, sem os quais muitos dos nossos conterrâneos se sentem nus, não passam, afinal, de penduricalhos ridículos, espécie de nódoa indelével da nossa alarve ignorância, arreigado conservadorismo e teimosa hipocrisia. Em vez de senhores da sua própria liberdade, os doutores da mula russa preferem exibir a pluma do seu pequeno privilégio pós-rural e, se possível, ascender ao conforto de uma carreira no funcionarismo público. Tal pluma serve, entre outros fins, para sonhar com conselhos de administração de empresas públicas, ou com a pequena carreira política.... Mas aqui a porca, por vezes, torce o rabo!

O escândalo que envolve a Universidade Independente, onde, está dito, José Sócrates obteve uma licenciatura, prende-se com suspeitas sobre a prática de actos ilícitos como sejam o branqueamento de capitais, o tráfico de diamantes (de sangue?), a falsificação de documentos e a forja de canudos universitários. As três primeiras suspeitas fizeram os cabeçalhos dos OCS lusitanos durante algum tempo (ver por ex.: notícia na TVI). A suspeita de irregularidades na atribuição de títulos académicos tem vindo a ser abordada sobretudo nalguns blogues portugueses (ver nomeadamente Do Portugal Profundo).

John Major não completou sequer o ensino secundário. No entanto, tal não o impediu de seguir uma promissora carreira bancária e de se tornar primeiro ministro do Reino Unido. Nada na legislação portuguesa obriga o presidente da república, ou qualquer membro de um governo a possuir uma licenciatura académica. Basta, creio eu, que saiba ler, escrever e contar. E assim deve ser. Ou melhor, deveria obrigar a que, já agora, tivesse alguma experiência de vida e de administração.

As suspeitas que têm vindo a ser levantadas relativamente ao CV do primeiro ministro José Sócrates não incidem pois, pois não poderiam incidir, na questão dos atributos académicos do político, mas na legítima curiosidade de saber se o atributo que ostenta é apropriado ou inapropriado. Se é apropriado, não deve ser confusamente descrito nas biografias oficiais e jornalísticas do protagonista, lançando razoáveis dúvidas entre os mais obsessivos. Se não é apropriado, então a coisa é grave, pois somos levados a perguntar: é ou não verdadeira a biografia oficial do primeiro ministro, distribuida pelo governo, no que se refere ao grau académico de José Sócrates? É ou não correcta a atribuição académica de José Sócrates inscrita na entrada (protegida) da Wikipedia ? Se não é, estamos perante um lapso ou diante de uma mentira?

Antes de escrever este postal, depois de receber insistentes mensagens na minha caixa de correio, pensei que o assunto é demasiado melindroso para ser levianamente abordado. Estive por isso em silêncio durante meses. Mas depois cheguei a esta conclusão: se de facto houver alguma dúvida nesta matéria, alguma incorrecção que não seja prontamente esclarecida pelo próprio José Sócrates, a dúvida vai começar a inchar como uma bolha imparável, até que rebentará. Por outro lado, se forem realmente falsas as atribuições da sua carreira académica, o mais certo é que alguém se aproveite subrepticiamente do facto, fazendo chantagem. Ora isto é o pior que nos poderia acontecer como país civilizado!

Que sucederia se os portugueses viessem a saber (por um diário madrileno) que a biografia académica do primeiro ministro é falsa? Depende de como a coisa fosse deslindada e explicada. O Bill Clinton pediu desculpa por andar a fazer coisas inapropriadas com uma jovem colaboradora e safou-se. No caso de José Sócrates, a ser verdade que houve falsificação das habilitações académicas, não sei se o país seria capaz de perdoar o homem. Só mesmo uma confissão pública sincera e bem feita poderia impedir a sua previsível demissão do cargo.

Entretanto, pode ser que tudo isto passe, mas seria mau que passasse sem esclarecimento. Pois ficaria para sempre a dúvida sobre a independência de acção do principal governante do país.

OAM #178 14 MAR 07

Actualizações:

PSD pede "cabal esclarecimento" sobre licenciatura de Sócrates
22.03.2007 - 17h03 PÚBLICO

O PSD pediu hoje na, Assembleia da República, o "cabal esclarecimento" sobre a investigação, "legítima e baseada em factos", avançada pelo PÚBLICO sobre as falhas no processo de licenciatura do primeiro-ministro, José Sócrates.

Em declarações aos jornalistas, o deputado Pedro Duarte classificou ainda como "inaceitável" a nota do gabinete do primeiro-ministro que acompanha a investigação.

Na nota, Sócrates considera "lamentável que se utilize a situação actual da Universidade Independente para se atingirem os seus antigos alunos" e "lastimável que o jornal PÚBLICO se disponha a dar expressão e publicidade a este tipo de insinuações".

Porém, o deputado adiantou que o PSD vai "serenamente aguardar" pelo "esclarecimento devido".

"Não queremos acreditar que o gabinete do primeiro-ministro não vá emendar a mão", afirmou Pedro Duarte.

Os restantes partidos recusaram fazer quaisquer comentários.

Segundo a investigação do PÚBLICO, o dossier relativo à licenciatura de José Sócrates na Universidade Independente tem várias falhas. Há alguns documentos por assinar, ou sem data, timbre ou carimbo, tal como há elementos contraditórios, nomeadamente os relativos às notas atribuídas a José Sócrates. (fim de citação)

Comentário: o caso chegou, como previa e é bom que tenha acontecido, aos OCS tradicionais. Entretanto, o sítio oficial do governo Sócrates apressou-se a emendar os atributos académicos do primeiro ministro, deixando de lhe chamar "Engenheiro" para atribuir-lhe, agora, uma "licenciatura em engenharia civil", que tendo sido putativamente conferida pela Universidade Independente (sim, essa!) não o autoriza o dito licenciado a dizer-se e dizer aos outros que é engenheiro, pois a respectiva Ordem não confere automaticamente carteira profissional e licença de actividade ao que quer que saia da tal Universidade Independente. O caso, aprofundado pelo Público, na sequência das investigações, nomeadamente Do Portugal Profundo, vem confirmar haver fortes suspeitas de que o actual primeiro ministro mentiu sobre o seu CV universitário. Se for verdade, não sei como poderá continuar no cargo. -- OAM #178 23 MAR 2007

sábado, março 03, 2007

Paulo Portas

Paulo Portas

Fora do armário?


Paulo Portas, líder dum insignificante partido de direita português, decidiu que era chegada a hora de copiar o novo conservadorismo inglês, tal como há pouco mais de uma década António Guterres decidira substituir a lógica maçónica (e muito "cota") do socialismo português pelo espírito New Labor de Tony Blair e da sua musa inspiradora, o sociólogo inglês Anthony Giddens. O momento é oportuno. Por um lado, a segunda metade da governação de José Sócrates vai revelar com dramatismo crescente as fissuras criadas no actual edifício social pelas correcções sistémicas ditadas pela necessidade absoluta de estancar a hemorragia económica do Estado. Por outro, o partido que terá forçosamente que colonizar, para atingir tão ambicioso projecto, o chamado Partido Social Democrata, vem sendo dirigido por um anão político e navega ao sabor da mais desorientada deriva da sua história, sem protagonista à vista, capaz de superar a orfandade pós-cavaquista. Ora um tal protagonista é absolutamente necessário à sua sobrevivência no preciso momento (e o momento será de 10 anos) em que a tal aura perdida, Aníbal Cavaco Silva, é Presidente da República. A menos que Durão Barroso decida acorrer a tal emergência, o que tem fortes probabilidades de acontecer, Paulo Portas terá de facto um extenso campo de oportunidades pela frente. Pelo sim, pelo não, o actual deputado do Partido Popular, decidu jogar aquela que será certamente a sua maior e porventura derradeira cartada política. O actual líder do PP, Ribeiro e Castro, é uma nódoa de insuportável oportunismo e um verdadeiro imbecil de direita. Resta agora saber até onde estará Paulo Portas disposto a ir no revisionismo do seu próprio e indisfarçável direitismo.

Os resultados do referendo ao aborto marcaram uma viragem sociológica e cultural decisiva em Portugal. Pela primeira vez, a reaccionaríssima hierarquia católica portuguesa e a direita sociológica mais bronca do país foram acantonadas para o lugar de onde não deverão voltar a sair tão cedo: o lugar das convicções religiosas privadas, que é de cada um, e por isso mesmo, não deve permitir as instrumentalizações de poder, sobretudo por parte de quem tutelou de modo tão cruel a nossa secular incultura e a nossa não menos secular hipocrisia colectiva.

Paulo Portas não é burro, e percebeu a mensagem. O tempo para um discurso de direita renovado chegou. E ele quer vertê-lo numa nova carta programática, adaptada e sobretudo adaptável aos novos tempos, se não em nome do seu imediato acesso ao lugar da alternância democrática, pelo menos, em nome de um acto de originalidade e de coragem que o colocará bem melhor do que agora está na galeria histórica dos formadores da democracia lentamente saída do fim do Salazarismo. O país continua cheio de tiques de autoritarismo, compadrio, corrupção endémica, proteccionismos corporativos, irresponsabilidade, provincianismo e obscuridade. Tudo isto pode constar de uma nova agenda reformista de direita, ou melhor dito, neo-conservadora. No que se refere ao modelo económico, o tempo de um novo proteccionismo (complexo, flexível e de geometria variável) vai chegar, nomeadamente pela mão da exangue economia estado-unidense, às agendas políticas das esquerdas e das direitas. Energia, água, segurança alimentar, infra-estruturas portuárias e aeroportuárias, protecção ambiental e redes de conhecimento vão ser as novas prioridades da política, onde o ultra-liberalismo e a hiper-concentração capitalista sofrerão brevemente muitos e sérios reveses. Para quê esperar pelos factos, em vez de nos anteciparmos, ainda que seja, para já, na reformulação do discurso programático?

A vantagem de Paulo Portas sobre Sócrates é que este anda demasiado absorvido pela difícil governação (e não se vê quem no Partido Socialista ande activamente preocupado com a ideologia). A vantagem sobre o PSD decorre da óbvia menoridade intelectual do seu actual líder e da escumalha que o rodeia, nomeadamente nas câmaras municipais de Lisboa e do Porto. Curiosamente, o antigo director do saudoso Independente poderá até surpreender os preguiçosos à esquerda do PS: o PCP (que continua a ser uma gerontocracia maniqueísta) e o Bloco de Esquerda, cada vez mais um saco de gatos sem réstea de imaginação política.

Mas estará Paulo Portas disposto a fazer um acto de contricção relativamente aos atavismos ideológicos promovidos pelo alarve bispo de Leiria? Jura que não enviará mais fragatas de guerra contra raparigas irreverentes, artistas, que promovem o direito ao aborto responsável? Estará disposto a votar a favor do casamento entre homossexuais e a aceitar a homossexualidade publicamente, como deveria? E no plano da grande estratégia, seria capaz de discutir publicamente, sem complexos, a necessidade de pôr fim à nossa subalternidade canina face ao amigo americano, em nome de uma independência de juízos mais afirmativa, e em nome de uma vocação moderadora mais explícita e irrenunciável? Estará disposto a falar menos em terrorismo e mais em direito internacional, em justiça distributiva global e na paz?

Se Paulo Portas for capaz de iniciar uma renovação efectiva do modelo de discussão política actualmente em curso, renunciando simultaneamente à judicialização e à dramatização televisiva do debate público, então estará a caminhar numa direcção favorável simultaneamente aos interesses de um futuro partido conservador arejado e inteligente, mas também do segundo mandato de José Sócrates, para tristeza de José Manuel Durão Barroso.
Escrevi neste mesmo blog que Santana Lopes e Paulo Portas tenderiam para a formação de um novo partido de direita com vocação governativa. A primeira tentativa falhou, por culpa do boémio do PSD. Desta vez, fica claro que é Portas que terá que conduzir o processo do princípio ao fim. O tempo dirá se tive razão ou não.

Portugal está muito perto do grau zero da política. Acossado por uma patente inviablidade estratégica fora do colo europeu, este pequeno país pós-colonial, ou sai do seu ancestral estado de estupidez filosófica e hipocrisia moral, ou caminhará irremediavelmente para a insolvência económica, o banditismo e a submissão plena à lógica de balcanização que de um momento para o outro poderá regressar à península ibérica e ao resto da Europa. A nova guerra fria em curso e o regresso do espectro de uma guerra nuclear no território euroasiático tem vindo a desafiar a consistência estratégica da União Europeia. As provocações e os preliminares da nova confrontação global começaram na sequência da queda do Muro de Berlim e da implosão da União Soviética. Não houve uma voz europeia que impedisse o regresso da Jugoslávia à balcanização; não houve acerto europeu em nenhuma das duas guerras desencadeadas pelos Estados Unidos contra o Iraque; a Europa na NATO pós-atlântica não passa de uma sonâmbula; não se sabe o que andam alguns dos seus estados-membros a defender no Afeganistão; teme-se pela sua posição no caso de a dupla Bush-Cheney decidir desencadear um ataque nuclear contra o Irão, nomeadamente através do cliente sionista. Como se tudo isto fosse pouca coisa, a par do recomeço não-declarado da corrida armamentista nuclear, começa a ganhar terreno a opinião de que só a energia nuclear poderá fazer frente à escassez energética derivada do rápido esgotamento das energias fósseis que alimentaram o crescimento mundial e o modelo de civilização técnica em que vivemos há cerca de duzentos anos: o carvão, o petróleo e o gás natural.

Estará Paulo Portas disposto a encetar verdadeiramente uma renovação estratégica da agenda política portuguesa, deixando de lado o que é secundário e atendo-se ao essencial? Por exemplo, uma agenda estratégica para Portugal capaz de nos preparar para a crise energética, para a deterioração ambiental, e para uma reformulação radicalmente criativa do nosso modelo de vida e de felicidade? Uma grande crise, e é disso que se trata, é também uma grande oportunidade. Se ele souber aproveitá-la, naturalmente à sua maneira (que não é obviamente a minha), todos ganharemos. Do cretinismo galopante, nada se aproveita.

OAM #177 03 MAR 07

quinta-feira, março 01, 2007

A guerra por vir

Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia
Treino anti epidemias virais na Bielo-Russia

Contagem decrescente?

Previsões pessimistas realizadas por vários observadores independentes, normalmente expressando-se através de canais online (os média comerciais chegam cada vez mais tarde...), têm vindo a chamar a atenção do mundo para a extrema perigosidade do actual declínio da hegemonia anglo-saxónica. Tal supremacia custou à humanidade duas guerras mundiais atrozes, os dois primeiros bombardeamentos nucleares da história, uma guerra fria interminável (pois parece que continua...) e dezenas de "conflitos regionais" sangrentos e derrubes de regimes políticos instituídos, ao longo de todo o século 20. A profunda crise da economia estado-unidense, associada ao seu imparável belicismo (1), por um lado, e a emergência de uma Eurásia territorialmente extensíssima, multitudinária, repleta de fontes energéticas essenciais e em rápido crescimento económico, por outro, configuram uma situação potencialmente explosiva. Até agora, vimos ingleses e norte-americanos (acolitados por uma Europa sem rei nem roque) tentando aplicar as receitas da dissimulação, mentira, guerra e pilhagem que tantas vantagens trouxeram à Europa e aos Estados Unidos durante todo o século 20. Entretanto, algo começou a dar para o torto...

A guerra contra Iraque, assente numa mentira rasteira (que todos engolimos com indisfarçável desconforto), é um atoleiro horrível. O Afeganistão continua tão perigoso como antes (Dick Cheeney, que ontem escapou por pouco a uma execução às mãos de um homem-bomba da Al Qaeda, em plenas instalações militares "aliadas" - a Base Aérea de Bagram - sabe-o melhor que ninguém). O Dólar não pára de deslizar, havendo quem diga que valerá apenas meio euro no fim deste ano! O fim do boom imobiliário nos EU e uma simples frase do ex-governador da Reserva Federal americana - Alan Greenspan - sobre a possibilidade de a maior economia do planeta entrar em recessão no fim de 2007, provocou um ataque cardíaco nos mercados bolsistas de todo o mundo, agudizado pela queda de 9% na bolsa de Xangai. A obsessão militarista de Bush-Cheney parece, porém, não ter limites. Ou será que tem?

A superioridade militar norte-americana é esmagadora. Com a ajuda da NATO (uma sobrevivência descaracterizada e perversa do velho tratado atlantista anti-soviético), os EUA prosseguem uma perigosa estratégia de cerco das principais reservas petrolíferas e de gás natural situadas no Médio Oriente, nas antigas repúblicas soviéticas e na Rússia. O objectivo táctico é garantir o acesso às preciosas fontes energéticas da região. O objectivo estratégico é mais amplo ainda: impedir a emergência da Eurásia como o império que se segue. Para atingir este objectivo, Bush e Cheney crêem que é preciso impedir a formação de um eixo entre Moscovo e Pequim, transformando o Iraque e o Irão num inferno e as suas reservas energéticas em coutada privada. A simples hipótese de um ataque nuclear de precisão e limitado ao Irão dá uma arrepiante dimensão dos actuais perigos. A guerra nuclear e o aquecimento global parecem ter acertado os cronómetros da extinção da humanidade actual!

É neste cenário de guerra que teremos que saber interpretar a oratória de Putin, ou o modo expedito e silencioso como a China calou a Coreia do Norte. O que está neste momento em jogo é demasiado importante para se deixar perturbar por jogos de guerra subsidiários. Todos queremos saber quem está em condições de ir a jogo nesta roleta russa. Tenho para mim que a desproporção de território e de populações não é nada favorável ao Ocidente. E que seria muito bom para todos que as mentes sãs deste lado do problema conseguissem agir em tempo útil, de modo a evitar a catástrofe certa que ocorrerá se as mentes doentes que alimentam a alcolémia do Sr Bush tiverem êxito nos seus sinistros cálculos e desenhos de poder.



Notas

1. (16/02/07) "As anticipated last January in GEAB N°11, the « fog of statistics » is now clearing and US economic trends appears clearly (retail sales at a standstill in January 2007, record high trade deficit in 2006, downward revision of US growth for 2006, Fed's confirmation of economic slowdown, serial defaults among mortgage lending organisations, continued collapse of US housing market,...). Therefore, according to LEAP/E2020, and contingent on the specific evolution of each component of the US economy, the month of April will account for the inflexion point of the impact phase of the global systemic crisis, that is to say the moment when all negative consequences of the crisis pile up exponentially. More precisely, April will be the time when negative trends will converge, transforming many « sectorial crises » into a generalised crisis, a « very great depression », involving all economic, financial, commercial and political players.

In April 2007, nine practical consequences of the unfolding crisis will converge:

1. Acceleration of the pace and size of bankruptcies among US financial organisations: from one per week today to one per day in April
2. Spectacular rise of US home foreclosures: 5 million Americans out on the street
3. Accelerating collapse of housing prices in the US: - 25%
4. Entry into recession of the US economy in April 2007
5. Precipitous rate cut by the US Federal Reserve
6. Growing importance of China-USA trade conflicts
7. China's shift out of US dollars / Yen carry trade reversal
8. Sudden drop of US dollar value against Euro, Yuan and Yen
9. Tumble of Sterling Pound"

in Global Europe Antecipation Bulletin.
Global systemic crisis - April 2007: Inflexion point of the phase of impact / US economy enters recession


Algumas leituras oportunas:

"The former Soviet Union disintegrated after attacking Afghanistan. It created a train of events that eventually led to the birth of Al Qaeda. We will wait and see what the United States attack on Iraq means for the future of the United States. In the meanwhile, it has created 50 new terrorist organisations."

(...) Approximately 400 millions died in the wars of the last two millennia. About 100 million of them died in the last century alone. If a major war takes place in this century, and if it escalates to such an extent that some of the players use nuclear weapons, we can foresee at least 4 or 5 times these deaths sometime in the next few decades. A world moving towards a war is also bound to neglect poverty, health, climate change and other priorities of human development. Such policy neglect will result in the death of at least 500 million children in the next 50 years at the current rate. Thus, we face the prospect of about a billion people being killed for no fault of their own if our leaders do not make conflict prevention and poverty alleviation their top priorities – in particular conflict prevention involving the big powers. -- Sundeep Waslekar. "Preventing Global Conflicts". February 27, 2007

(...) we are already deep in a New Cold War, which literally threatens the future of life on this planet. The debacle in Iraq, or the prospect of a US tactical nuclear pre-emptive strike against Iran are ghastly enough. In comparison to what is at play in the US global military build up against its most formidable remaining global rival, Russia, they loom relatively small. The US military policies since the end of the Soviet Union and emergence of the Republic of Russia in 1991 are in need of close examination in this context. Only then do Putin’s frank remarks on February 10 at the Munich Conference on Security make sense.

(...) A new Armageddon is in the making. The unilateral military agenda of Washington has predictably provoked a major effort by Russia to defend herself. The prospects of a global nuclear conflagration, by miscalculation, increase by the day. At what point might an American President, God forbid, decide to order a pre-emptive full-scale nuclear attack on Russia to prevent Russia from rebuilding a state of mutual deterrence?

The new Armageddon is not exactly the Armageddon which George Bush's Christian fanatics pray for as they dream of their Rapture. It is an Armageddon in which Russia and the United States would irradiate the planet and, perhaps, end human civilization in the process." -- F William Engdahl -- "Putin and the Geopolitics of the New Cold War: Or what happens when Cowboys don`t shoot straight like they used to ..." . February 18, 2007

"Can anyone stop them? Possibly. There is the now widespread and quite vocal resistance within the armed forces. For the first time in my lifetime, I have seen speculation in the press about a military coup. I doubt it would occur, but the very speculation shows how extensive are the misgivings."
-- Immanuel Wallerstein - "Bush's Healong Rush Into Iran" . February 15, 2007

"O Pentágono já redigiu planos para ataques patrocinados pelos EUA ao Irão e à Síria. Apesar da dissimulação pública da diplomacia dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha, tal como na Invasão do Iraque, o Irão e a Síria sentem outra guerra anglo-americana no horizonte. Ambos os países têm estado a fortalecer as suas defesas para a eventualidade da guerra com a aliança anglo-americana." -- Mahdi Darius Nazemroaya - "Marcha para a guerra: Concentração naval no Golfo Pérsico e no Mediterrâneo Oriental" . Outubro 1, 2006



OAM #176 28 FEV 07

terça-feira, fevereiro 27, 2007

Conversar com Innerarity

Foto: ©©Lothar Herzog from Kassel, Germany. Wikipedia.

Clube PS convida Daniel Innerarity

2007 Qua 28 Fev 18h00
Auditorio Edifício Novo da Assembleia da República

A promoção de debates públicos abertos na Assembleia da República, temáticos ou com base na apresentação de personalidades e livros, é uma boa iniciativa de Jaime Gama, o actual presidente do parlamento português. Desta vez, por iniciativa do Clube PS e a convite de Manuel Maria Carrilho, teremos Daniel Innerarity, seguramente um dos pensadores inovadores da actualidade. O pretexto é o lançamento da tradução portuguesa de La Transformación de la Política pela Editorial Teorema. O título da versão francesa parece-me, todavia, mais sugestivo: La démocratie sans l'État: essai sur le gouvernement des sociétés complexes.

Soube desta inicitiava pelo boletim electrónico de Manuel Maria Carrilho, a quem escrevi um bilhetinho, que não resisto a partilhar com os leitores do António Maria:
Caro MMC,

Parabéns pela nomeação!
Apenas me entristece o facto de a sua promoção e a do Cravinho parecerem um modo expedito de afastar vozes eventualmente incómodas de um hemiciclo socialisticamente anestesiado.

Tenho pensado muito no futuro deste país e chego sempre à mesma conclusão: a única saída que temos pela frente passa por uma visão ambiciosa de Portugal nas perigosas circunstâncias actuais. E essa visão implica, para mim, imaginar uma outra noção de desenvolvimento, de progresso e de crescimento. Algo como uma agenda para um futuro imaterial, que implicaria desmaterializar a própria natureza da produção, do consumo e do desenho das comunidades.

Daí que a sua partida para a UNESCO possa ser um bom prenúncio!
Antes de tudo, precisamos de uma VISÃO (como diria a desaparecida Donnela Meadows). Uma visão cultural da condição humana e do armistício que a humanidade terá necessariamente que acordar com o resto da Natureza.

Para Portugal, a estratégia reside, no essencial, em saber tirar todo o partido das suas actuais desvantagens materiais (fraca industrialização, baixa densidade populacional, distância dos centros mais densamente povoados e industrializados), mas também das suas vantagens, por exemplo, os fracos níveis de poluição no cômputo nacional. Até o baixo nível educativo (refiro-me sobretudo ao número de licenciados) pode ser transformado numa vantagem!

Como vê, tudo ao contrário do actual discurso de José Sócrates e da generalidade dos partidos políticos que temos.
Regressando a Innerarity, vale a pena ler um extracto do prefácio de Jorge Semprún à edição francesa do livro em apreço:
«Professeur de philosophie à l'Université de Saragosse, Daniel Innerarity consacre sa réflexion théorique aux pro­blèmes de l'évolution de la politique, de sa transformation, dans nos sociétés occidentales, nos démocraties d'opinion, c'est-à-dire, plus précisément : démocraties de masse et de marché, exposées par leur essence même aux exigences et aux avatars contradictoires de la mondialisation.
Cette recherche, sans doute la plus nécessaire à notre époque, s'articule à une analyse rigoureuse de la fonction du politique dans le monde changeant qu'est le nôtre, où se détruisent et se déplacent sans cesse les valeurs établies de la modernité des démocraties représentatives.
Ainsi, Daniel Innerarity parvient, avec brio dialectique et vaste savoir, à réhabiliter le concept et le rôle du politique.
Les chapitres de son essai qui abordent les questions du concept du politique et de la nouvelle logique sociale, par l'acuité des analyses et l'érudition sous-jacente, permettent de dégager la perspective d'une synthèse conceptuelle qui prenne en compte les principaux problèmes, les exigences historiques fondamentales pour le déploiement de la Raison démocratique de notre temps.
Synthèse opérationnelle, mais qui se conçoit et se veut provisoire. L'un des mérites principaux de ce travail, en effet, réside à mon avis dans sa vision lucide de la complexité de nos sociétés, du caractère instable et conflictuel de leurs structures consensuelles.»

Finalmente, algumas passagens da versão portuguesa do livro:
«A aversão à política é bastante velha, mas as suas causas mudam com o correr dos tempos (...) Se fizéssemos um inventário das queixas actualmente correntes, teríamos talvez a surpresa de verificar que o seu teor se modificou radicalmente em poucos anos, ao passo que ainda não há muito tempo se criticava o abuso de poder, critica-se agora a impotência dos supostamente poderosos.»

«No quadro da transformação da política que as novas circunstâncias reclamam, o fundamental é determinar as exigências a apresentar à profissão política. É inevitável que a política se caracterize por uma estranha mescla de incompetência e habilidade quando não estão clarificadas as funções dela esperadas. O problema está no que poderemos pedir à política que não nos possa ser dado por outras funções sociais. O facto de isto não ser muito claro pode ser a causa que explica a irrupção na política de empresários, juízes ou jornalistas, açulados por uma demagogia simplista que diz desprezar a incompetência da classe política quando, na realidade, despreza as exigências da vida democrática»

«O lamento pelo mau funcionamento da política é muito lógico: a política é a arte mais difícil, na qual mais incerteza é tramitada e em que assuntos somente verosímeis, contingentes, são tratados com informação escassa e urgências de tempo (...) A principal função da política é a produção e distribuição dos bens colectivos necessários ao desenvolvimento de uma sociedade, para o que é preciso tomar uma série de decisões em tempo limitado, com escassez de dados e de recursos, num meio extremamente complexo que as novas condições sociais parecem emaranhar ainda mais.»

«O perfil que define a competência profissional do político é uma excepcional capacidade para tomar decisões colectivas em situações de elevada complexidade. A política é um âmbito de inovação, e não só de gestão. E a capacidade criadora tem estreitas relações com a invenção de uma linguagem apropriada para tratar o novo. Poderíamos encontrar aqui um novo eixo para delimitar a esquerda da direita, um indicativo para distinguir o progresso da tradição (...) As novas situações lembram à política que, perante cada reforma, terá de formular uma interrogação: está na presença de problemas que pode, simplesmente, resolver, ou de transformações históricas que exigem uma nova maneira de pensar? A inovação procede sempre de alguém ter querido saber se o que até então era dado por válido se ajustava às novas realidades.»

«A meu ver, a política, especialmente quando a queremos distinguir de outras actividades, exige fundamentalmente duas coisas: 1. ter-se dado conta de que o seu terreno próprio é o da contingência, e 2. uma especial habilidade para conviver com a decepção. Haverá, sem dúvida, outras definições mais exactas, mas nenhuma delas deixa, com certeza, de incluir em alguma medida estas duas propriedades.»

«Os tempos mudaram tanto que até mudou o tipo de mudança. A ideia do progresso já não tem préstimo, se com ela se quiser indicar que o futuro será menos complexo, menos ambivalente que o passado. Já só a direita pode acreditar na historieta do progresso que necessariamente nos trará um futuro menos regulado, com menos limitações e maior liberdade de escolha que no passado. O que, pelo contrário, nos espera, é um desenvolvimento futuro radicalmente mais complexo. O curso do tempo continua a existir, claro está, mas já não indica o caminho da servidão para a liberdade: indica o da complexidade para uma maior complexidade.»

OAM #175 27 FEV 07

domingo, fevereiro 25, 2007

Aeroportos 18

Vueling 100 mil lugares a 20 Euros!
Vueling oferece 100 mil lugares a 20 Euros! Adeus TAP...

O livro negro da Ota e o fim da TAP...

Flash madrileno
Estive os últimos dez dias em Espanha, onde pude observar algumas realidades interessantes, nomeadamente para nós, portugueses. Em primeiro lugar, o primeiro ministro espanhol, José Luis Zapatero, a propósito da trapalhada nacionalista e da violenta ETA, mas também da ligação AV entre Madrid e Barcelona (quase pronta), anunciava candidamente que a nova rede ferroviária espanhola (nomeadamente a de Alta Velocidade) era o verdadeiro segredo para garantir a unidade da Espanha. Em segundo lugar, a EasyJet inaugurou em Madrid, no passado dia 15 de Fevereiro, pela mão de Esperanza Aguirre (tão liberal quanto promissora política do Partido Popular), a sua primeira base ibérica de operações, com um investimento de 170 milhões de euros na Comunidade de Madrid, que recebeu naturalmente a notícia de braços abertos. Em terceiro lugar, não consegui reservar um bilhete de AVE para ir de Madrid a Toledo no Sábado passado, pois estava esgotado. Em quarto lugar, a luta contra a corrupção, nomeadamente autárquica, é uma coisa séria, com vários alcaides na prisão e a percepção pública de que o "cachondeo" tem os dias contados. Talvez por isto, os debates mediáticos em Espanha se têm vindo a transformar em dramas de faca e alguidar, reality shows e espectáculos de wrestling incríveis! Em quinto lugar, ao visitar a Arco, conhecida feira de arte de Madrid, a que todo o apreciador de arte ibérico (portugueses incluídos) acorre, percebi que a mesma iniciou uma viragem estratégica radical. Sob a nova direcção de Lourdes Fernández, com a ajuda da ambiciosa crítica de arte, Angela Molina (1), a feira de arte de Madrid deixará em breve de ser um fenómeno cultural de massas, onde as várias comunidades ibéricas de artistas, galeristas, directores de museus e centros culturais, professores e alunos se reviam anualmente numa grande festa e numa grande e tumultuosa cidadela das artes, para se transformar numa elitista e corrupta bolsa de valores especulativos da criação estética domesticada pelo capitalismo liberal mais desesperadamente competitivo. Em sexto lugar, a companhia de baixo custo catalã, Vueling, adiantou a Primavera turística europeia oferecendo 100 mil lugares a 20 euros (tudo incluído!) Finalmente, a minha filha, que já não sabe como regressar a Portugal (a não ser em breves incursões, para provar os meus cozinhados), conduziu-me, desta vez, pela Madrid profunda e humana, "pueblerina" e cosmopolita, do bairro da Malazaña. Uma Madrid deliciosa, jovem e de todas as idades e cores, barata e amigável. Um dos grandes corações da capital espanhola. O segredo para amar Madrid é evitar, sempre que possível, a Gan Via, a Castellana e a cidade financeira do grupo Santander, não deixando nunca de rever os jardins do Retiro e o Museu do Prado, e de sorver religiosamente ao fim da manhã o consomé da casa Lardy, venerando templo gastronómico situado junto à Puerta del Sol.

O livro negro da Ota
Como se não bastasse a teimosia governamental na questão escandalosa da Ota (uma indústria de estudos inúteis) e do absurdo e jamais rentável TGV Lisboa-Porto, temos um ministro politicamente avariado que em cada semana que passa lança pela boca fora uma nova e estridente baboseira sobre o aeródromo da Ota. A última tontice (desta vez pela voz da sua secretária de estado, Ana Paula Vitorino), e que o Expresso desta semana divulgou, afiança que o improvável TGV Lisboa-Porto vai ter um apeadeiro no dito projecto fantasma. Claro que ninguém explicou como, nem para quê. Haverá TGV de 15 em 15 minutos entre a Ota e Lisboa? E se não houver, para que servirá tal dispêndio (um aeroporto e uma interface ferroviária entalados em acanhados leitos de rios e ribeiras sob densos e quotidianos nevoeiros, a 52 Km de Lisboa) nas horas de ponta?! Por outro lado, se o malfadado TGV viesse a estar pronto em 2015, como iria tal veículo atravessar o estaleiro da Ota, ainda a dois anos (pelos menos!) de ver concluído o sebastiânico aeroporto?

Sobre a Ota não existe sequer um estudo meteorológico actualizado, como se pode ler no último artigo de Rui Rodrigues (PDF 4,7Mb), nem estudo de impacto ambiental, nem, verdadeiramente, qualquer estudo prévio tecnicamente fundamentado (2), conclusivo e aceitável, sobre a utilidade e viabilidade económica do projecto. A única coisa que existe é uma escandalosa indústria de consultorias e de pareceres que, às custas do herário público, vem engordando a nomenclatura democrática lusitana. Pergunto: quantos milhões de euros foram até agora gastos, directa e subrepticiamente, na telenovela da Ota? Vamos todos querer saber, mais cedo ou mais tarde...
Há duas ou três semanas atrás, Augusto Mateus confessou que também andava a fazer estudos sobre a Ota, revelando-nos que a sua ideia iluminada sobre aeroportos do século 21 era muito parecida com a explanada num artigo do Expresso (por sua vez, uma localização mal amanhada de um artigo estrangeiro) sobre cidades-aeroportos! Primeiro, já pensou este distinto economista porque carga de água é que Lisboa nunca se expandiu para aquelas bandas, remetendo-as para o acolhimento de lixeiras, cimenteiras, depósitos de combustíveis e outras coisas feias? Segundo, já viu com olhos de ver a Ota e o Carregado? Terceiro, conhece alguma coisa mais parecida com uma cidade aeroporto do que a Grande Lisboa, com as suas várias pistas disponíveis (Portela, Montijo, Tires, Sintra) e a sua rede consolidada de transportes e serviços? Parece que andamos todos a dormir!

Em Abril o actual governo diz que vai pôr à discussão pública um estudo de impacte ambiental sobre o putativo aeroporto da Ota. Ou seja, chegou o momento de compilar o livro negro sobre esta aventura governamental. Esperar que algum partido do sistema o faça seria pedir muito aos aburguesados deputados que elegemos. O PS parlamentar não existe, o PSD está bloqueado por um líder impagável, o CDS não não passa de um apêndice parlamentar, o PCP e o Bloco de Esquerda devem pensar que são empregos que aí vêm, e portanto não é assunto em que se queiram molhar. Com esta velha política não vamos a parte nenhuma. Essa é que é essa!

O fim da TAP
O ultra-liberal Economist, que há duas semanas considerou a parvoíce da Ota, isso mesmo, uma parvoíce, escreve um interessante artigo na edição de 17-23/2/07 sobre um arrasador fenómeno chamado Low Cost. O artigo entitula-se sintomaticamente "Fare Game" e pode resumir-se numa frase: as companhias de voos de baixo custo chegaram, viram e venceram. Para já, venceram no mercado das curtas e médias distâncias aéreas (sobretudo nas chamadas "ligações ponto a ponto"). Resta agora saber o estrago que provocarão nas linhas de longo curso, nomeadamente intercontinentais. As experiências já começaram, nomeadamente na Ásia, onde, por exemplo a Oasis Hong Kong Airlines iniciou no passado mês de Outubro um serviço diário de baixo custo entre Hong Kong e Londres (um trajecto de ida custa, na classe turística, 145 euros!) Segundo um especialista da Universidade de Westminster citado pelo Economist (Nigel Dennis), o desafio do paradigma Low Cost, que terá seguramente mais dificuldades de implantar-se nos voos intercontinentais, irá mesmo assim provocar uma queda nos preços nos voos de longo curso na ordem dos 20%.
A conhecida fórmula das Low Cost --utilizar um ou dois tipos de aeronaves de última geração, silenciosas, com custos de manutenção uniformizados e com rendimentos de combustível até 40%; utilização de aeroportos secundários, sempre que os principais não ofereçam condições vantajosas; sub-contratação de tudo o que puder ser sub-contratado; tripulações reduzidas; serviços complementares de baixo custo (hoteis, veículos de aluguer, etc.) e uma sofisticada utilização de plataformas electrónicas online (sistema de reservas de voos e alojamento, etc.)-- fez o seu caminho. Às tradicionais companhias de bandeira, a braços com os efeitos nefastos desta avassaladora concorrência não lhes resta outra alternativa que não seja adaptar-se ou morrer! Os espanhóis acordaram tarde, mas acordaram. A resposta chama-se Vueling, Click Air e ainda abrir as portas de Madrid-Barajas à EasyJet e demais players dominantes deste mercado emergente, assegurando que o grande hub aeroportuário da capital espanhola sairá a ganhar, e não a perder, com o novo fenómeno. Os russos e até os romenos já lançaram as suas companhias aéreas de baixo custo: SkyExpress e Blue Air. Em Portugal, pelo contrário, assistimos à morte súbita da Air Luxor, à morte anunciada e muito obscura da Portugália Airlines --a qual passa pela sua venda a uma TAP que, em vez de comprar aviões novos, vai comprar sucata e excedentes de pessoal!-- e, finalmente, a uma crise previsível sem precedentes na transportadora aérea nacional. O manto de silêncio comprometedor que sobre esta crise se abateu, com a cumplicidade da generalidade dos média, revela tão só o atavismo triste e suicida que se apoderou das pobres elites nacionais.

Talvez a carnavalesca demissão de Alberto João Jardim, a quem lhe foi recentemente oferecida (oferecida?!; mas então aquilo não é uma Região Autónoma?) a possibilidade de ter as Low Cost no Funchal e em Porto Santo, desencadeie um debate institucional mais alargado do que o previsto. Já não seria mau.



Notas
1. Num artigo especialmente mordaz no El País de 16/02/07 (Elocuente invitación al optimismo) Angela Molina, escreve:
"Por las intenciones de Lourdes Fernández, decidida a acabar con la deficiente contribución de los espacios institucionales, se puede predecir un futuro amable para Arco. Mientras tanto, el provincianismo y el mal gusto permanecen, intelecualmente vandalizados por políticos --podrían ser los pasmados tiburones disecados dentro de una urna, de Damien Hirst-- que se mueven en la etiqueta de la cultura antepasada."
(...)
" Pero hay más, los stands de la Comunidad de Andalucia, Extremadura, Cantabria o de la Diputación de Málaga son los resultados reales de la cortedad mental de los gobiernos autónomos y similares, que pudiendo exponer sus pinturas en los casinos municipales, prefieren ganarse el derecho a remover el ponche costumbrista de la feria".

O efeito desta dinâmica poderá comprometer ainda mais o futuro dos museus de arte contemporânea, já hoje com extremas dificuldades de captação da atenção e vontade dos poderes políticos. Não me admiraria nada que o liberalismo e a insensibilidade da dupla Lourdes Fernández-Angela Molina viesse a provocar um inesperado efeito de boomerang contra a própria viabilidade da Arco.

2. Vale a pena ler o PDF de Rui Rodrigues. A argumentação é meticulosa e demonstra sem margem para dúvidas duas coias: que o argumento de João Cravinho sobre a perigosidade da Portela não colhe quando se tem a Ota como opção alternativa, e que a decisão de avançar para o atoleiro da Ota (que custou o cargo ao primeiro ministro das finanças do governo Sócrates) não teve nenhum fundamento técnico, nomeadamente no ponto crucial da avaliação das condições meteorológicas do local, sendo por isso uma decisão meramente política. Falta, assim, explicar o que está por trás de tal política. Para mim, são duas coisas: a ignorância estratégica militante do actual governo e os poderosos sindicatos financeiros de que o mesmo parece estar refém.

OAM #174 25 FEV 07

segunda-feira, fevereiro 12, 2007

Sismos

Portugal, 10:35 -- 6,1 na escala de Richter


Sismo 6.1


Senti a minha casa a tremer. Um tubo de cartão caíu ao chão, prova de que a sensação traduzia um facto objectivo: a terra tremeu algures. Procurei informação no Instituto de Meteorologia. Nada. Os servidores estavam bloqueados. Busquei então informação internacional na Net. Resposta obtida no Orfeus (This list maintained by ORFEUS and EMSC contains all known institutes, organisations, observatories, universities, etc which operate seismograph stations in the region / European Mediterranean Region) -- 2 links referentes a Portugal: um para o departamento de sismos do Instituto de Meteorologia; outro, para o Instituto Superior Técnico. Respostas? Zero!

Assim vai a protecção civil neste país de opereta.



PS: (12/02/07 12:59). Na ausência de informação online actualizada por parte das instituições portuguesas responsáveis pela monitorização dos fenómenos sísmicos, bem como perante o conservadorismo informativo dos média (que só a conta gotas foram libertando a informação), funcionaram os telemóveis, que uma vez mais disseminaram dados em tempo real.

Info:
Observatório em tempo real
Os Tremores de Terra
Medidas de Autoprotecção (Serviço Nacional Protecção Civil)


OAM #173 12 FEV 2006

Portugal e o aborto 3

SIM!

Dos 8.832.628 eleitores inscritos votaram 3.851.613, i.e. 43.61%.

A legislação portuguesa obriga, estupidamente, a que 50% dos inscritos votem para que um referendo seja vinculativo. Imagine-se o que sucederia à nossa democracia se o mesmo critério fosse aplicado às eleições legislativas e presidenciais! Assim sendo, no caso do referendo de hoje, sobre o aborto até às 10 semanas, a primeira conclusão que se pode tirar é que o mesmo não é juridicamente vinculativo. Esta conclusão merece contudo ser analisada mais de perto.

Sabendo-se que há uma "abstenção técnica" na ordem dos 5 a 7 pontos percentuais, oriunda de erros nos cadernos eleitorais (eleitores falecidos e sobretudo importantes fluxos emigratórios recentes não reflectidos no cômputo nacional de eleitores), fica no ar a dúvida se na realidade não votaram mesmo 50% dos eleitores reais do país.

O "SIM" obteve 59.25% dos votos validamente expressos.
Esta vantagem de 18.5 pontos percentuais sobre o "NÃO", permite chegar a uma conclusão relevante: mesmo que todos os votos que faltam para atingir a meta jurídica dos 50% (mais um...) fossem votos do "NÃO", i.e. 6.39%, a "SIM" continuaria a sair largamente vencedor, tendo neste caso uma vantagem de 12.11%.

A validade política deste referendo alinha Portugal com a maioria europeia.
A verdade material dos resultados não pode, pelas razões acima aduzidas, oferecer grandes dúvidas ao eleitorado. Se os cadernos eleitorais fossem limpos da "abstenção técnica" (acentuada recentemente pelo novos fluxos emigratórios de longa e curta duração), ter-se-ia muito provavelmente cumprido o critério absurdo dos 50% estipulado pela lei do referendo; se todos os votantes que faltaram ao quorum deste referendo viessem a votar no "NÃO", nem por isso deixaria de vencer o "SIM" e portanto a tese daqueles que apoiam a despenalização do aborto e o apoio do Estado à sua realização em condições de dignidade e qualidade sanitária, no período que vai desde a fecundação até às dez semanas de gestação. Daí falar-se, com propriedade e justeza, da natureza "politicamente vinculativa" do resultado de hoje. Aduz ainda a este género de legitimidade o facto de se ter respeitado a vitória "não vinculativa" do "NÃO" aquando do anterior referendo sobre esta mesma matéria. Por uma questão óbvia de coerência, ter-se-ia agora que respeitar o "SIM".

O nova lei da IVG e a política orçamental da actual maioria socialista.
O referendo mostrou que o país não deixou de evoluir ideologicamente no sentido de uma convergência assinalável com os padrões racionais e democráticos dominantes na União Europeia. Apesar do peso reaccionário das religiões, sobretudo nas zonas rurais, e do atavismo natural das franjas socialmente mais desprotegidas da sociedade, a crescente urbanização e suburbanização do país, pela sua intrínseca natureza sociológica e económica, acabou por impor-se às fantasias misóginas de uma direita ideológica imbecil e hipócrita. O imediato acolhimento dos resultados do referendo por parte de Marques Mendes (líder muito fraco do segundo maior partido do arco governamental) reflecte, apesar de tudo, um saudável instinto de sobrevivência.

Quanto ao PS, terá que dar rápido andamento às expectativas criadas por esta vitória do "SIM". Não basta descriminalizar o aborto, pois o principal da tarefa está noutro lugar da política: assumir e garantir uma política de saúde à altura dos desafios decorrentes de um panorama económico-social muito preocupante. Portugal está à beira da recessão demográfica, não existe nenhuma política séria de incentivo à natalidade, a sangria da emigração regressou ao historial da nossa incapacidade política, o envelhecimento da população ameaça a estabilidade sociológica e económica do país, o aborto clandestino é uma praga. E como todos sabemos, na arena dos jogos políticos, a direita e o titubeante centro-direita nada de substancial e consequente têm a dizer sobre estas matérias. A sua visão do mundo continua a ser, infelizmente, puramente cínica e negativa.

Correndo o risco de me repetir, direi que atravessamos uma fase muito crítica da nossa existência colectiva. As principais ameaças, internas e externas, podem ser caracterizadas como longas emergências, cujos efeitos se farão sentir de forma cada vez mais dramática no decorrer dos próximos 20-30 anos: a emergência climática, a emergência nuclear bélica, a emergência energética, a emergência demográfica, a emergência alimentar e a emergência médico-sanitária. Quem não perceber isto e não agir em conformidade, perdendo tempo e dinheiro com devaneios grandiloquentes, ou insistindo nos velhos e esgotados modelos mentais da economia capitalista ("business as usual"), estará a perder estupidamente uma preciosa vantagem compeitiva: a de se preparar racionalmente para um longo inverno civilizacional.

Dados oficiais sobre o referendo

OAM #172 12 FEV 2007

terça-feira, fevereiro 06, 2007

Aquecimento global

Jakarta, diluvio
Jakarta, Fevereiro 2007: mais de 340 mil desalojados pelo dilúvio

A vingança de Gaia

James Lovelock propõe a expansão massiva da energia nuclear!

Há alguns dias atrás, Stephen Hawking anunciou que o painel de cientistas responsável pelo chamado Relógio do Juízo Final (Doomsday Clock), decidiu, no passado dia 17 de Fevereiro, adiantá-lo 2mn! O motivo desta decisão teve origem na avaliação dos perigos devastadores das alterações climáticas provocadas pelo homem, os quais igualam hoje, na opinião do painel, os de uma guerra nuclear. (video)

A resposta de James Lovelock foi: Hawking está a subestimar o perigo do aquecimento global!

James Lovelock, o cientista que provou a existência de um buraco na camada de ozono causado pelos fluoclorohidrocarbonetos (FCHC), e desenvolveu a chamada "Hipótese de Gaia", que assegura ser o planeta (que nomeou a partir da deusa grega da Terra, Gaia) uma espécie de organismo vivo capaz de controlar constantemente todos os seus sistemas em terra, na água e no ar, por forma a preservar a vida, acaba de anunciar que apenas a expansão massiva da energia nuclear poderá retardar a os efeitos catastróficos do aquecimento global.

Segundo o cientista de 87 anos, nem uma guerra nuclear causará maior devastação na Terra do que o aquecimento global no decorrer deste século. Nada poderá, segundo ele, deter os efeitos catastróficos do aquecimento global. Nenhum poder mundial, nenhum cientista, nenhum político, nenhum movimento de fuga em direcção ao conforto familiar, nem sequer o mercado das emissões de carbono, nem sequer a energia eólica, nem sequer os bio-combustíveis serão capazes de impedir o esvaimento da Terra. Segundo Lovelock, apenas conseguiremos retardar a catástrofe durante algum tempo. E a energia nuclear é a única alternativa disponível.

O relatório Stern, e o mais recente relatório do IPCC, que conseguiram finalmente colocar na agenda política dos governos europeus e americano o problema gravíssimo das alterações climáticas, correm o risco de radicalizar o discurso de todos aqueles que há anos vêm estudando o tema da degradação da Terra e alertando para os perigos incontroláveis dela decorrentes. No momento em que Stern propõe a incorporação desta crise na lógica do "business as usual", sugerindo a existência de lucros fabulosos a retirar com a especulação em volta do mercado de emissões de CO2, da produção de biodiesel, etc., é natural que os evangelistas da ecologia se vejam forçados a aumentar a parada dos seus avisos, por forma a contrariar os oportunismos emergentes. Pergunta-se, assim, o seguinte: deveremos dar um desconto às afirmações de Lovelock, ou considerá-las seriamente?



OAM #171 06 FEV 2007

domingo, fevereiro 04, 2007

Aeroportos 17

Cantarell
Cantarell, campo petrolífero. Foto: Víctor R. Caivano/AP

Ota: e se o petróleo mudar todas as previsões
nos próximos dois anos?

A notícia recente e inesperada da rápida exaustão do petróleo mexicano conhecido (1), com o colapso anunciado do grande campo petrolífero de Cantarell, veio relançar a discussão sobre o Pico Petrolífero, a qual, na opinião de Matthew Simmons (2), irá ofuscar dentro um ou dois anos a própria discussão sobre as alterações climáticas, devido ao impacto que terá sobre a economia mundial e sobretudo nos modelos do chamado "business as usual". Observadores de reconhecida competência, como Jim Rogers (3) e Matthew Simmons, prevêm que a subida do preço do crude irá ser retomada muito em breve, podendo atingir os 150 USD entre 2009 e 2013, e mesmo os 300 USD se nenhuma boa notícia entretanto surgir do lado da oferta e a procura continuar a crescer ao ritmo actual.

Alimentar a teimosia do novo aeroporto da Ota e do TGV Lisboa-Porto nestas circunstâncias, soma a cada vez mais evidente imprestabilidade da ideia ao perigo de um fracasso económico de proporções monumentais, de que poderá resultar, ou uma duradoura hipoteca de Portugal às empresas financeiras, industriais e de construção envolvidas no negócio, ou mesmo a dolorosa abdução da autonomia de decisão do país pelos credores que entretanto se forem perfilando no horizonte de um dívida externa incontrolável.

Portugal sofre de uma dependência energética e alimentar preocupante. A crise climática, nomeadamente por via das secas que se anunciam, porá de pantanas os nossos frágeis sistemas de prevenção e intervenção, ao mesmo tempo que empurrará boa parte das seguradoras para a defensiva mais extrema. A sangria demográfica, por via da emigração, que regressou para nossa vergonha, não poderia testemunhar mais cruamente a leviandade política que nos trouxe até aqui.

Neste contexto, para além da necessidade de tomar decisões de uma racionalidade drástica nos domínios da eficiência energética, da produção de energias renováveis, da limitação abrupta dos excessos de emissões de gases e de substâncias aceleradoras das alterações climáticas, o país vai ter que atacar muito rapidamente e com grandes doses de investimento financeiro o actual caos territorial e a completa irracionalidade das nossas principais áreas metropolitanas e cidades. Um dos elementos desta revolução, pois é disso que se trata, é a revisão completa da actual política de transportes e mobilidade. Nada se poderá fazer se não se compreender que há uma simbiose verdadeira entre a cidade e as suas redes de transportes e mobilidade, que por isso exigem uma atenção muito grande, meticulosa e democraticamente assumida. O principal entrave a esta inadiável revolução é a actual tentativa de prosseguir e mesmo acelerar de forma atabalhoada, ilegítima e prepotente com as prioridades da Ota e do TGV Lisboa-Porto, totalmente desactualizadas face aos mais imediatos e gigantescos desafios civilizacionais.

Os desafios que aí vêm não podem ser liderados com a arrogância do "posso, quero e mando" a que os políticos deste país se habituaram. Nem muito menos por primeiros ministros que da ciência política parecem conhecer apenas o voluntarismo e o contorcionismo mediático.

Ou muito me engano, ou este Sócrates terá que engolir a Ota e o TGV Lisboa-Porto de uma assentada. Tal poderá suceder quando, de um dia para o outro, talvez em 2008, passarmos da percepção da emergência climática global, finalmente em processo de mediatização acelerada, para a percepção da emergência energética aguda para que nos precipitamos a uma velocidade castastrófica.

Se então estivermos atolados em dívidas estúpidas e gigantescas, tudo será mais difícil e mais dramático.

Na suposição conservadora de que o barril de petróleo só custará 150 USD em 2017, calculámos por baixo (ver quadro) as implicações económicas e de tempo de uma deslocalização do principal aeroporto do país, de Lisboa para a Ota. Olhando para o quadro, percebe-se que as ligações aéreas entre as duas principais cidades do país desaparecerão; que o TGV não tem nenhuma justificação quando comparado com o Alfa Pendular em pleno uso das suas faculdades (a não ser servir o novo aeroporto), e que um aeroporto na Ota, criminosamente caro na concepção-construção e caríssimo para todos os que dele se servirem (pessoas e aviões), jamais será interessante do ponto de vista do novo paradigma do transporte aéreo de passageiros.





Notas

1 - Mexico's Oil Output Cools. By David Luhnow, Dow Jones Newswires 29/01/07

Daily output at Mexico's biggest oil field tumbled by half a million barrels last year, according to figures released Friday by the Mexican government. The ongoing decline at the Cantarell field could pressure prices on the global oil market, complicate U.S. efforts to diversify its oil imports away from the Middle East, and threaten Mexico's financial stability.

The virtual collapse at Cantarell -- the world's second-biggest oil field in terms of output at the start of last year -- is unfolding much faster than projections from Mexico's state-run oil giant Petroleos Mexicanos, or Pemex. Cantarell's daily output fell to 1.5 million barrels in December compared to 1.99 million barrels in January, according to figures from the Mexican Energy Ministry. Link


2 - Simmons says global oil supply has peaked. By Rhonda Schaffler, Bloomberg, 01/02/07



Matthew Simmons, chairman of Simmons & Co. International in Houston, talked yesterday with Bloomberg's Rhonda Schaffler about the need to address energy use, his view that global supply has peaked and the likelihood oil prices could reach as much as $300 a barrel. (Source: Bloomberg)

[Transcription of the first few minutes of the interview]

Q: Tell me how you draw your conclusion that at this point we've hit Peak Oil.

A: If you look at the numbers and you follow what's going on starting with Mexico's giant Cantarell field which is now in a very serious state of decline and then you look at the North Sea and you see just the UK and Norway, it's pretty obvious to me that those three areas alone could actually decline by between 800,000 and 1 million barrels a day in 2007.

That pretty well wipes out almost all the production gains coming onstream and in implicit in that it assumes that everyone else is flat.

So I think basically too many of our oil fields are too old. Too many now are in decline. The Middle East is basically out of capacity. they're some projects that are being worked upon, but most don't hit the market until 2008, 2009 and we're running out of time.

... I am firmly of the belief that over the course of the next year or two, this issue of peak oil will replace global warming as an issue that we're all worrying, debating and talking about.


3 - Rogers Says Oil Will Rise to $100 After 'Correction'. By Wendy Pugh and Yasumasa Song, Bloomberg.com 18/01/07

Oil will resume its march toward $100 a barrel after a 'correction', said Jim Rogers, who predicted the start of the commodities rally in 1999.

I'm just not smart enough to know how far down it will go and how long it will stay, but I do know that within the context of the bull market, oil will go over $100; It will go over $150. Whether that is in 2009 or 2013, I don't have a clue, but I know it's going to happen. Link

OAM #170 04 FEV 2007