quarta-feira, junho 27, 2007

Petroleo 6

Alta Velocidade?

Como le encanta la gasolina (dame ma gasolina)*

Se algo me entristece em Portugal é a cobardia da generalidade dos políticos que compõem o respectivo arco partidário. Nos grandes temas, atrapalham-se com retóricas gastas e ridículas, vagueando pelos corredores cinzentos das decisões, como se fossem zombies, comandados uns pela lógica pequenina dos cálculos eleitorais, sem visão, e outros, os do bloco central (PS e PSD), pela ditadura dos interesses para quem agradecidamente trabalham, como se uma fatalidade económica pendesse sobre as suas cabeças, quando afinal apenas se trata de irremediável cobiça, hipertrofia intelectual e abstinência ética. No dia a dia, falta-lhes a imaginação, são levianos, mentem, professam o absentismo e o atraso, são desorganizados, irresponsáveis e sobretudo muito interesseiros (1). Por isso temos um primeiro-ministro de telenovela, fabricado por um Pigmaleão de pacotilha, que bebe a correr a espuma de Blair, como se pensasse no país. Por isso temos um governo que atraiçoa em cada dia que passa, não apenas o programa por que foi eleito, mas também, de forma escandalosa e inadmissível, a ideologia que seduziu a maioria dos seus eleitores. Por isso alguns actores do consórcio clientelar socialista são mais zelosos que a própria sombra do poder, discriminando, censurando, denunciando, perseguindo, como que a provar a frase asquerosa: "quem se mete com o PS, leva!"

Não foi o autor Do Portugal Profundo -- António Balbino Caldeira -- quem duvidou dos atributos académicos e profissionais do Senhor Sócrates, foi o país inteiro! Noutro sítio qualquer, da África aos Estados Unidos, um tal escândalo teria levado, se o protagonista fosse primeiro-ministro, à sua inevitável demissão. No Portugal suave que somos, piscamos os olhos uns aos outros e contamos anedotas a propósito da desviante genética de algumas universidades privadas e dos seus extraordinários frutos.

Demonstrado o embuste da Ota, o governo acabou por recuar de forma atabalhoada e pouco convincente. Mas já se meteu noutra: a Alta Velocidade. Tal como no caso do dossiê do NAL, também agora não estudaram, não sabem nada, querem fundos europeus e não se coibirão de continuar a gastar milhões de euros em estudos e power points. Para isso servem os lóbistas encapotados que vagueiam pelo parlamento e se sentam nos conselhos de administração das empresas públicas e participadas. Para isso servem as golden shares!

O mundo está à beira de uma cascata de guerras sem fim, de uma crise climática catastrófica e da metamorfose dolorosíssima do paradigma energético que há dois séculos alimenta os humanismos e as utopias de muitos, ilusórias teorias sobre a produtividade económica e a suposta selecção da espécie humana. Nos países ricos, as populações envelhecem e os estados rarefazem-se, ao mesmo tempo que caminham para a falência. Nos países pobres, o "darwinismo" triunfou da pior maneira: sem estado, sem lei, sem sociedade, sem humanidade, impera o inferno. Acham que perante tais perspectivas vamos mesmo precisar de novos aeroportos e de comboios de alta velocidade? Para quê? Para quem? Quem pagará a conta? Não está falida a maioria dos nossos municípios? Não caminham a passos largos para a falência os nossos sistemas de segurança social? Não é verdade que o Estado não tem dinheiro para ultrapassar a gigantesca dívida da CP? Não é verdade que o Estado não tem dinheiro para manter as estradas e as pontes do país, pretendendo por isso entregá-las à iniciativa privada? E não é verdade que a falência do tecido industrial português se vê claramente no horizonte? Não sabemos todos que a globalização, antes de desaparecer, levará à falência boa parte da economia real do planeta?

Pensem apenas nestes números, que retirei (e recalculei, com base noutras fontes afins) do International Energy Outlook 2007 (IEO2007), publicado no passado mês de Maio pelo Energy Information Administration / Official Energy Statistics from the U.S. Government:
  • Reservas mundiais de crude, Janeiro de 2007 = 1.317.400.000.000 barris
  • Reservas de crude sintético recuperado das areias betuminosos (Athabasca, Canada) e dos óleos extra-pesados (Orinoco, Venezuela) = 443.000.000.000 barris
  • Reservas totais de crude natural e sintético = 1.760.400.000.000 barris
  • Consumo mundial de petróleo e outros combustíveis líquidos, em milhões de barris por dia (mbd), segundo o modelo "business as usual" (2)
    • 2004 = 83 mbd
    • 2030 = 118 mbd
    • média = 100,5 mbd
  • Consumo médio anual mundial entre 2004 e 2030 = 36 682 500 000 barris
    • Duração das reservas mundiais comprovadas (48 anos)
    • Esgotamento absoluto do recurso: 2055
Conclusão:
  • Se todas as reservas viessem a ser consumidas ao ritmo previsto no IEO2007, o último barril de petróleo seria extraído em 2055!
Na avaliação do consumo mundial por sector, entre 2004 e 2030, o relatório oficial do governo americano prevê a seguinte distribuição:
  • transportes = 66%
  • indústria química e petroquímica = 27%
  • produção de electricidade, usos comerciais e domésticos = 7%
Como parece óbvio, muito antes das datas previstas para a exaustão do petróleo (3), algo de muito grave ocorrerá: ou uma travagem abrupta do consumo, causada por factores excepcionais (conflito bélico global), ou a inevitável implosão da actual civilização, no meio de uma sucessão de crises sistémicas nacionais, regionais e finalmente globais, sobre as quais nenhum país, ou aliança de países será capaz de exercer uma influência decisiva. De uma coisa devemos, desde já, ter a certeza: se as contas estão bem feitas, nem o NAL, nem a Alta Velocidade ferroviária farão qualquer sentido. Se alguma decisão parece adequada ao cenário que se avizinha, a mesma deverá passar por estender a vida útil do Aeroporto da Portela até ao limite efectivo das suas possibilidades; por renovar a actual rede ferroviária nas suas principais ligações internas; e por investir fortemente na rede portuária nacional e em geral nos transportes marítimos e fluviais -- pois daí virão, muito provavelmente, as únicas alternativas viáveis à impossibilidade crescente de prosseguir com os tradicionais paradigmas do transporte: rodoviário, aéreo e ferroviário de alta velocidade.
"The Earth is about to catch a morbid fever that may last as long as 100,000 years. Each nation must find the best use of its resources to sustain civilisation for as long as they can." - James Lovelock (Published: 16 January 2006) in The Independent.



* Daddy Yankee, Barrio Fino ("Gasolina") [video YouTube]

Notas

1 - Manuel Pina, Jornal de Notícias, 10 Maio 2007.

"Ao mesmo tempo que, segundo números da Comissão Europeia, o poder de compra dos trabalhadores portugueses registou, em 2006, a maior descida dos últimos 22 anos, a CMVM anunciou que, entre 2000 e 2005, os vencimentos dos administradores das empresas cotadas em bolsa duplicaram (e nas empresas do PSI 20 mais que triplicaram!). Isto é, enquanto pagam aos seus trabalhadores dos mais baixos salários da Europa a 25 (e todos os dias reclamam, sob a batuta do governador do Banco de Portugal, por "contenção salarial" e "flexibilidade"), esses administradores duplicam, ou mais que triplicam, os próprios vencimentos, vampirizando os accionistas e metendo ao bolso qualquer coisa como 23,9% (!) dos lucros das empresas. Recorde-se que o Estado é accionista maioritário ou de referência em muitas dessas empresas, como a GALP, a EDP, a AdP, a REN ou a PT, cujas administrações albergam "boys" e "girls" vindos directamente da política partidária (cada um atribuindo-se a si mesmo, em média, 3,5 milhões de euros por ano!). Se isto não é um ultraje, talvez os governos que elegemos (e o actual é, presumivelmente, socialista) nos possam explicar o que é um ultraje. O mais certo, porém, é que se calem e continuem a pedir "sacrifícios" aos portugueses. A que portugueses?"
2 - In each of three oil price cases, a business-as-usual oil market environment is assumed. The IEO2007 cases do not consider disruptions in oil production for any reason (war, terrorist activity, weather, geopolitics).

3 - Há, como se calcula, uma enorme controvérsia sobre a acuidade dos cálculos relativos ao Pico Petrolífero. As companhias que controlam este negócio não gostam de falar do assunto. Os países também não. No entanto, desde que o geofísico norte-americano Marion King Hubbert apresentou a sua teoria sobre a produção de combustíveis fósseis, em 1956, num célebre estudo encomendado pelo governo dos EUA (ler documento original - PDF), que as previsões têm vindo a bater certo. O pico nos EUA chegou em 1971, um ano depois do intervalo previsto por King (1965-70), dando origem à primeira grande crise petrolífera. A crise actual, de que a ocupação militar do Iraque é o testemunho mais gritante ("Big Oil and Big Media V. Hugo Chavez" by Stephen Lendman, June 30, 2007, in ZMag), coincide com a chegada do pico mundial da produção petrolífera, situado nos 85
milhões de barris por dia (mbd). As previsões do consumo apontam, porém, para consumos globais em 2030 na ordem dos 113-115 mbd. As campainhas de alarme começaram a soar em toda a parte ("The Peak Oil Crisis: Approaching The Cliff", by Tom Whipple
Thursday, 21 June 2007. Link).

O petróleo barato, sobre o qual assentou o bem-estar social, a produtividade e o consumismo das sociedades ocidentais nos últimos 50 anos,chegou definitivamente ao fim. Os bio-combustíveis não são mais do que uma panaceia temporária, com a agravante de competirem de forma desigual e profundamente injusta com a produção de alimentos, cujo preço tenderá a ser indexado ao preço dos combustíveis, não apenas de forma indirecta (incorporação dos custos de transportes) mas directamente, pois se o milho hoje vale mais 40% do que há um ano, tal ficou a dever-se exclusivamente à sua procura pelas indústrias energéticas!

Se não formos capazes de alterar os nossos padrões de consumo, de incrementar a eficiência energética das nossas vidas e de contrapor aos oligopólios energéticos, que actualmente corrompem e manipulam a maioria dos governos do planeta, sistemas descentralizados, comunitários e associativos de produção energética, então o pior, e será muito pior do que provavelmente conseguimos imaginar neste momento, ainda está por vir -- mas virá mais cedo que gostaríamos.

O panorama energético e ambiental à escala planetária é dramático e agrava-se cada dia que passa por causa da incapacidade dos Estados de lidarem com os problemas. O modo ostensivo como o actual regime partidário português e os correspondentes sistemas de poder alegremente falam de políticas e soluções, por exemplo, a propósito das recentes polémicas em torno do aeroporto de Lisboa e do TGV seria apenas patético se não fosse, como será, se nada fizermos, trágico!

PS: uma pergunta ao governo: aplicar-se-à o Imposto sobre Produtos Petrolíferos (ISP) ao biodiesel e ao bio-etanol produzidos em Portugal?

OAM #220 28 JUN 2007

quarta-feira, junho 20, 2007

Por Lisboa 9

Martin Heemskerck -- Jardins Suspensos da Babilónia, gravura, séc. XVI.

Os jardins suspensos do delirante Costa da Portela

Teve lugar na SIC o primeiro debate televisivo entre os principais candidatos à Câmara Municipal de Lisboa. Estiveram presentes os 7 magníficos, quer dizer, aqueles que as sondagens afirmam terem grandes possibilidades de ser eleitos. Os demais candidatos, como o eterno Garcia Pereira, o candidato do Partido da Terra (sem o qual não haveria nem Roseta, nem Carmona nestas eleições...) ficaram à porta da antiga central eléctrica de Belém, reclamando e exibindo cartazes. Uma injustiça compreensível a que os pequenos candidatos têm que se habituar fazendo da respectiva pequenez eleitoral uma boa oportunidade para demonstrarem a sua criatividade e potencial histriónico. Infelizmente não tiveram graça nenhuma.

Comentário:

1) Organização do debate: boa (a Ana Lourenço tem vindo a subir rapidamente desde que opera a solo :-)
2) Qualidade do debate: civilizado, pouco esclarecedor e sem nenhuma visão de futuro... numa altura em que a presidência alemã da UE acaba de lançar um importantíssimo desafio para o renascimento das cidades europeias, plasmado na Carta de Leipzig
3) Melhores prestações: Helena Roseta (pela novidade do discurso)
4) Prestações medianas: António Costa, José Sá Fernandes e Ruben de Carvalho
5) Prestação desamparada: Carmona Rodrigues (continua a ter uma figura simpática e continuo a achar que lhe comprava uma Harley em segunda mão :-)
6) Piores prestações: Telmo Correia (demagógica, superficial e direitinha) e Fernando Negrão (amador)

Palpites:

O Costa pode descer; a Helena pode subir; o Carmona pode subir; o Negrão e os outros vão descer.

Hilariante:

A proposta de António Costa para transformar a Portela num novo pulmão verde da capital. Como?! Só de for depois de ali se gastarem, nos próximos 5 anos, os previstos 400 milhões de euros com a ampliação do actual aeroporto! Quem lhe deu ideia tão peregrina? O arquitecto-mor Manuel Salgado? Ora vejamos: toda a gente sabe que o modelo de financiamento do embuste da Ota passava por duas coisinhas muito feias e ilegítimas: privatizar a ANA e dar os terrenos da Portela como garantia bancária a favor de quem ganhasse o concurso de projecto, construção e exploração da futura estrutura aeroportuária. Foi assim que o lóbi da Ota cozinhou o estratagema da maior operação de delapidação do bem público de que há memória neste país. Mas para que esta estratégia se saísse bem, seria necessário o governo Sócrates conquistar a CML, com maioria, para depois fazer passar a cedência, sem discussão, nem contrapartidas, dos 640 hectares da Portela para as mãozinhas do consórcio que viesse a ganhar o negócio furado do NAL na Ota. É por estas e por outras que a conspiração que levou à queda do Carmona parece uma história mal contada... apesar das assessorias detectivescas do sacristão Sá Fernandes.

Resumindo, como é que o Costa poderia alguma vez prometer transformar a Portela num novo pulmão verde da capital, se a coisa estava destinada a financiar a operação da Ota?! Só se fosse transformando a Portela na zona luxuosa da Alta de Lisboa, numa nova Babilónia da Europa, com uns imensos Jardins Suspensos, por onde os indígenas da Baixa, das Avenidas Novas e da Expo poderiam passear ao domingo munidos de um passe especial. A continuar assim, o Costa da Portela corre sérios riscos de obter uma votação pífia. A Helena que anote o facto, não se deixe encantar pela simpatia do ministro, e que batalhe pela presidência da autarquia de Lisboa a sério!

OAM #219 20 JUN 2007

terça-feira, junho 19, 2007

Aeroportos 30

Mapa da Blogosfera
Matthew Hurst: mapa interactivo da blogoesfera; in Data Mining.


Beta testing


a cidadania electrónica é uma mais-valia muito útil aos governos politicamente avançados

Em O Grande Estuário [01-05-2005], projecto dinâmico e aberto de reflexão pública sobre Lisboa, a Grande Área Metropolitana de Lisboa e a Região de Lisboa e Vale do Tejo, continuamos a pensar que será possível manter o aeroporto da Portela, com duas extensões próximas (Montijo e Tires). Mas poderá realmente a Portela manter-se por muito mais tempo onde está? Poderiam as pistas do Montijo e de Tires, e novas obras na Portela, configurar uma solução sustentável até 2020-2030? As opiniões dividem-se... e os estudos técnicos também.
(...)
Em todo o caso, se um dia tivermos que avançar para um novo aeroporto internacional que altere radicalmente o actual estado de coisas, então a solução mais conforme com a inadiável actualização das nossas prioridades estratégicas no novo contexto europeu estará seguramente ao Sul do Tejo (...) e não no beco da Ota. -- in O António Maria, 02-07-2005.
Escrevi até hoje 30 artigos de opinião sobre o que chamei o embuste da Ota. O primeiro deles, na sequência da apresentação d'o Grande Estuário (uma ideia que partilhei, no seu começo, com o arquitecto Carlos Sant'Ana), viu a luz da blogosfera a 02-07-2005, i.e. há quase dois anos! O essencial das ideias sobre o sistema aeroportuário de Lisboa não mudou desde então, embora tenham sido sucessivamente refinadas ao longo da longa batalha conceptual tida com o actual governo sobre a matéria, e para a qual, na parte que me toca, contei com a riqueza da investigação e da discussão produzidas, com grande paixão, na nossa blogosfera. Os contributos de Rui Rodrigues e de António Brotas foram muito importantes para o esclarecimento detalhado e consolidação das minhas ideias sobre o tema. Hoje direi que a visão d'o Grande Estuário precisa de um ou outro retoque conceptual:

1 - em vez de olhar para a região administrativa de Lisboa e Vale do Tejo, que me levou a formular a visão do Grande Estuário como o ponto de partida para o primeiro e grande projecto de sustentabilidade nacional, deveríamos rapidamente alargar a sua base territorial de implementação. A cidade-região de Lisboa, no processo de adaptação acelerada aos tremendos impactos que aí vêm, por efeito da mudança do paradigma energético e das alterações climáticas, terá que ser equacionada simultaneamente como a cidade das duas margens e como a cidade-região dos Grandes Estuários! Estive há cerca de um mês no Castelo de Palmela, olhando para o estuário do Sado e para o estuário do Tejo (experimentem, pois é uma experiência inesquecível). Percebi então o que cristãos medievais, árabes, romanos e os homens e mulheres do neolítico já tinham entendido plenamente: os dois estuários são uma e a mesma realidade! Sê-lo-ão ainda mais quando o petróleo chegar aos 100, 200, 300 euros o barril -- o que ocorrerá inevitavelmente antes de 2030...

2 - A actual estrutura aeroportuária civil da cidade-região de Lisboa (Portela e Tires), actualmente pressionada por um crescimento do tráfego aéreo, sobretudo de passageiros, e sobretudo de turistas oriundos do espaço europeu, necessita de ser pensada com base numa estratégia aeroportuária flexível e bifocal. Os cenários para um horizonte de 10 a 20 anos são basicamente dois:

-- ou o crescimento do tráfego aéreo continua aos ritmos actuais (entre 3 e 5% ao ano),

-- ou, pelo contrário, haverá proximamente (2012) um patamar de estabilização do crescimento, seguido de provável estagnação ou mesmo retrocesso no turismo mundial, com consequências imediatas no tráfego aeroportuário.

No primeiro caso, a Portela, entretanto renovada e ampliada, estaria efectivamente saturada por volta de 2017, e se assim fosse, seria necessário preparar a tempo a transição da Portela para a Margem Esquerda do Tejo, sendo então Alcochete, pelo que vi, uma boa localização. Neste caso, a hipótese "Portela+1", entendida como Portela + Montijo, não faria sentido económico, além de duplicar os impactos ambientais e de risco actualmente existentes na Portela, na medida em que o futuro corredor de aproximação ao Montijo, paralelo ao da Portela, duplicaria o sobrevoo sobre zonas urbanas densamente povoadas.

Falar de "Portela+1", neste cenário, significa que, ao mesmo tempo que se manteria a Portela até 2017-2020, um novo aeroporto de raíz começaria a nascer em Alcochete, sendo que a primeira fase da sua construção (primeira pista, módulo 1 da aerogare e acessos) poderia estar pronta por volta de 2015, em simultâneo com a Portela, e basicamente na qualidade de base operacional e hub de três ou quatro grandes companhias europeias apostadas nas ligações atlânticas com a América e a África. Os nomes ocorrem-me imediatamente: easyJet, Ryanair, Lufhtansa, Aeroflot...

No segundo caso, o sistema Portela+Tires continuaria a dar conta do recado, o que não dispensaria adaptar muito rapidamente o Montijo para a finalidade de ser uma pista suplementar de apoio conjuntural ou de emergência à Portela, sem que para tal fosse necessário desafectá-la da sua actual servidão militar. Tal como a Base Aérea das Lajes, a Base Aérea do Montijo pode funcionar como instalação militar e como aeroporto de recurso em caso de absoluta necessidade ou conveniência.

Como decidir qual dos cenários corresponde à melhor aposta? Eu diria que o critério só pode ser um: o da procura. Há investidores credíveis interessados na nova estrutura aeroportuária de raíz? Avance-se por aí! Não há? Então isso significa que os investidores de longo prazo estão a fazer contas ao preço da petróleo e das futuras restrições e taxas europeias que, tudo leva a crer, recairão sobre o seu negócio. Neste caso, renove-se a Portela, ponha-se o Montijo em stand-by e opte-se, no essencial, por uma navegação à vista atenta. É a vida!

3 -- A ideia de fazer uma nova travessia ferroviária do Tejo, entre o Barreiro e Chelas, deve ser abandonada, por quatro razões de peso: a profundidade do rio na zona de implantação do pilar Sul obrigaria a custos astronómicos e virtualmente impagáveis de construção; uma tal travessia rebentaria com a operacionalidade do Porto de Lisboa; teria um impacto ambiental e estético profundamente negativo sobre o estuário e as respectivas margens e, finalmente, não serviria nem a grande interface de transportes e plataforma logística do Poceirão, Alcochete, Pinhal Novo, nem a solução Montijo, Pinhal Novo, Poceirão.
Uma nova ponte ferroviária, quando for imprescindível, deverá seguir junto à actual ponte Vasco da Gama, desembocando em Braço de Prata, comportando simultaneamente comboios e metropolitano.
Mas para já, talvez seja uma solução dispensável, nomeadamente se os comboios de Alta Velocidade (de passageiros e de mercadorias), vindos de Madrid, puderem parar numa grande estação no Pinhal Novo e seguir depois, pela margem esquerda do Tejo, até Santarém, cruzando aí o rio, e depois até ao Porto e Vigo. E Lisboa? Pinhal Novo é Lisboa!

Estas sugestões, tal como o intenso debate que há pelo menos dois anos decorre na Net, precedendo no tempo, na informação, no estudo e nas sugestões, os OCS convencionais, o governo e as oposições parlamentares, deveriam ser melhor acolhidas por todos. Ao contrário do actual Procurador-Geral da República, que anda uma década atrasado relativamente aos novos média (como se Aznar e Bush não tivessem sido vítimas flagrantes de semelhante ignorância ou subestima), o governo de Sócrates, pela voz hábil de Pedro Silva Pereira, parece estar a perceber que a cidadania electrónica (que não cobra nada por cada um dos seus inúmeros estudos, análises e sugestões) é uma realidade nova, que não deve ser admoestada, porque se tem vindo a revelar em todo o mundo como um útil beta tester das políticas governamentais.



OAM #218 19 JUN 2007

quinta-feira, junho 14, 2007

Aeroportos 29

NAL Alcochete
Campo de Tiro de Alcochete e localização provável do Novo Aeroporto de Lisboa em 2017.
Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB)

Portela+1 ou Alcochete?

Início do boom Low Cost na Europa: 1995 (forte assimetria de preços)

Provável maturação do fenómeno: 2012 (equilíbrio de preços)

The glamour of air travel is gradually disappearing and the low-cost airlines have been the first to recognise that it is essentially a commodity like any other, that people will purchase primarily on price. It is however just as easy to lose money as a 'no-frills' airline as it is for a full-service carrier. It is the balance of costs and yields that is important and these are likely to converge between different types of operation in the longer term.

- Dennis, Nigel (2004) Can the European low-cost airline boom continue?: Implications for regional airports. In: 44th European Congress of the European Regional Science Association, 25-29 Aug 2004, Porto, Portugal. (PDF)
1. A conspiração

Pacheco Pereira, incrédulo face ao volte-face do governo na questão da Ota, decidiu perlaborar, durante a Quadratura do Círculo desta semana (a que faltou, sintomaticamente, Jorge Coelho), na hipótese de tudo não passar de uma moratória destinada a entreter o povo durante a campanha eleitoral para as eleições autárquicas intercalares de Lisboa. Haveria, no palpite que deu, uma mini-conspiração destinada a repor a opção da Ota depois da eleição previsível de António Costa, o político que o Governo enviou para conquistar a Câmara Municipal da capital, e assim garantir uma das condições sine qua non da opção pelo Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) na Ota: o fecho da Portela, logo que o NAL inaugurar, e a venda dos respectivos terrenos. Dar estes "preciosos" 640 hectares (avaliado pelo BES entre 965 e 3217 milhões de euros) como garantia ao consórcio que ganhar o concurso de projecto-construção-exploração do NAL é algo de que o governo não prescinde, mas que só poderá conseguir se a Câmara Municipal de Lisboa (dona de mais de 80% dos terrenos) desistir de lutar pelo que é dos lisboetas. O actual governo teria, no fundo, provocado subrepticiamente a queda do executivo camarário com o objectivo de se apropriar de uma enormíssima propriedade municipal, para assim abancar a construção de um novo aeroporto fora da município!

A promoção deste esbulho a uma urbe endividada seria ainda assim e pese a ilegitimidade monstruosa, insuficiente para financiar a operação. O governo de José Sócrates teria mesmo que promover a privatização da ANA (1), uma empresa 100% pública que registou lucros no montante de 34,5 milhões de euros em 2006, igualmente a favor do consórcio que viesse a vencer o concurso de construção-exploração do NAL.

Ou seja, se o valor estimado do aeroporto (a que falta somar o custo das acessibilidades especiais, por conta do Estado português...) é da ordem dos 3300 milhões de euros, sendo que a Comunidade Europeia e o Estado assumem 30% deste valor (990 milhões de euros), e os privados 20% (660 milhões de euros), falta reunir 1650 milhões de euros para financiar todo o empreendimento, os quais deverão ser obtidos, segundo o modelo inicial, através de endividamento bancário, a pagar durante o período da concessão do aeroporto (entre 30 e 40 anos.) Se repararam bem, ainda não incluí nesta continha o valor dos terrenos do aeroporto (entre 965 e 3217 milhões de euros, segundo valoração do Grupo BES.) Se o fizer, o consórcio passará a ter o financiamento necessário todo garantido à partida, pois a diferença de valores do negócio dos terrenos da Portela tem sobretudo que ver com o grau de ocupação comercial dos mesmos. Basta ver o que sucedeu e continua a suceder nos terrenos da Expo para imaginarmos para onde penderá a balança no caso da futura urbanização dos terrenos do aeroporto Portela. Meia dúzia de anos após a inauguração do NAL o consórcio estaria livre dos encargos da construção e facturaria limpinho durante 30-40 anos! Ou será que não estaria? Bom, se pensarmos na mais do que certa derrapagem orçamental do projecto, especialmente se viesse a ter lugar na Ota, a qual poderia facilmente chegar aos 2000 milhões de euros, e ainda nas atribulações do processo de encerramento do aeroporto da Portela e comercialização maximizadas dos respectivos terrenos, talvez o negócio deixasse de sorrir tão facilmente aos potenciais interessados. A verdade é que, antes mesmo do volte-face governamental, o número de interessados na competição era ridiculamente diminuto. Segundo o Semanário Económico (15-06-2007), apenas o "agrupamento Asterion (liderado pela Mota-Engil, Brisa e Somague) avançou oficialmente".

A previsível falta de maioria absoluta de António Costa nas próximas eleições à Câmara Municipal de Lisboa (e é crucial impedir que a mesma seja alcançada), conjugada com a maioria PSD na Assembleia Municipal, torna, para já, inviável o desígnio governamental da alienação do ouro da Portela. Os interessados teriam ainda que contar com uma mais do que provável batalha jurídica gigantesca, promovida por múltiplos actores políticos e cívicos: José Sá Fernandes, Helena Roseta, Partido da Terra e ainda toda a blogosfera que se mobilizou e continua extremamente atenta e activa em todo este dossiê. Como a situação económica tenderá a agravar-se, seja no país, seja na capital, a possibilidade de uma maioria absoluta no governo da capital continuará a ser um cenário demasiado incerto para sobre ele se fazerem cálculos relativamente ao NAL. Como, por outro lado, a opção da Ota se tem vindo a revelar como um projecto tecnicamente imbecil, com custos de contextos inimagináveis, as campainhas do bom-senso começaram a tilintar freneticamente nos blogs, nas universidades, nos gabinetes de estudos dos grupos financeiros, no Palácio de Belém e finalmente entre os cordeiros da comunicação social. Faltava apenas encontrar uma saída airosa para o governo, depois das sucessivas chicotadas presidenciais e dos bons conselhos de Mário Soares. A CIP fez o favor de ajudar o primeiro-ministro a mudar de agulha.

O opinocrata Pacheco Pereira está preocupado em saber quem foram os pagadores do estudo. Quem foram? E quem são os 16 proprietários dos 1810 hectares que seria preciso comprar para levar por diante o anunciado aeroporto da Ota? Soube-se na noite de 15 de Junho que Joe Berardo foi um deles, entre 20 outros patrocinadores (2). O excêntrico especulador veio à SIC Notícias, disse que tinha contribuído para o estudo, mas deu ainda duas outras novidades não dispiciendas: que a ideia da Ota era uma besteira, e que Sócrates lhe confessara que não poderia agir sem um estudo alternativo aos trabalhos da NAER! A CIP e 20 diligentes investidores fizeram o favor de ajudar o primeiro ministro a sair do aperto. Creio que foi mesmo o que se passou. E creio, portanto, que o NAL na Ota morreu de vez.

2. O fundo da questão: Portela+1 ou Alcochete?

Apesar do fenómeno das companhias de baixo custo ter começado a dar nas vistas na Europa a partir de 1995, a verdade é que só aparecem nos radares estatísticos portugueses a partir de 2001, seis anos depois. A resposta das empresas (companhias aéreas, aeroportos e operadores turísticos) foi lenta. As traves mestras dos trabalhos da NAER, que deram em 1999 lugar à famigerada decisão de avançar para a Ota, contra o cenário da ampliação da Portela (que deveria ter decorrido decididamente no quadro da Expo 98 e do seu rescaldo), contra o cenário de um sistema aeroportuário Portela+1, e finalmente contra o cenário de um NAL na margem esquerda do Tejo, não tiveram em conta dois fenómenos essenciais: as prospectivas então conhecidas relativamente ao pico petrolífero e a mudança iminente do paradigma do negócio do transporte aéreo de passageiros provocado pelas companhias de Low Cost. Desde esse azarado ano até hoje a NAER, guiada pela funesta inspiração de João Cravinho, nada fez senão embalar os distraídos governantes na inviável Ota. Resultado: em Maio de 2007 as Low Cost eram responsáveis por cerca de 80% do tráfego do aeroporto de Faro, 35% do aeroporto Sá Carneiro e 21% do de Lisboa. Como 87% do tráfego aéreo nacional diz respeito a voos intra-europeus, o crescimento exponencial das companhias de baixo custo acabaria por ter efeitos dramáticos nos operadores tradicionais, como a Portugália Airlines e a TAP. A primeira encontra-se virtualmente falida (nem sequer publicou os resultados de 2006) e a TAP cancelou centenas de voos este ano, por óbvia falta de competitividade, e anuncia um endividamento para os próximos anos na ordem dos 1000 milhões de euros (parte para comprar novos aviões, parte para engolir a PGA e parte para suportar as perdas provocadas pelos cancelamentos diários de voos.)

Quando se fala do aumento extraordinário do número de voos e de passageiros que acorrem ao nosso país estamos sobretudo a falar de Low Cost. É essencial que percebamos este factor, para não extrapolarmos sobre potencialidade invisíveis, como as de um imaginário mercado afluente com origem em África e nas Américas. Tais mercados intercontinentais são meramente residuais, não sendo razoável assentar uma nova estratégia aeroportuária nas suas inexistentes virtualidades. O que teremos, com sorte, até 2012, será um crescimento do afluxo de turistas oriundos sobretudo da Europa, não se esperando que mude significativamente o perfil dos chamados mercados emissores tradicionais - Espanha (46%); Reino Unido (16%); França (7%); Alemanha (7%); Estados Unidos (2%); Escandinavos (1%); Brasil (1%). Os movimentos de chegada e partida de passageiros nos nossos aeroportos andaram pelos 7 057 600 pax em 1990, 17 890 180 pax em 2004 e dificilmente irão além duns muito optimistas 25 913 992 pax em 2018 e 37 536 515 pax em 2032. Por outro lado, dada a prevalência crescente das ligações aéreas ponto-a-ponto, haverá uma maior distribuição destes números globais pelos principais aeroportos em operação --Lisboa, Porto, Faro, Funchal, Terceira, Ponta Delgada, Horta, Santa Maria e Pico, a que deveremos desde já somar os futuros aeroportos de baixo custo de Beja, Portimão e Loulé--, baixando a pressão sobre o aeroporto da capital.

Mais do que saber se a Portela ampliada será capaz de suportar estes aumentos de tráfego, ou em que ano deixará de poder receber mais aviões e mais passageiros (se em 2016, em 2020, ou um pouco mais tarde), interessa saber se a cidade merece sofrer os efeitos de um tal caudal contínuo de aterragens e descolagens. Há muito que as horas de ponta da Portela são apenas duas: das 8 às 9 da manhã e das 2 às 3 da tarde. Mas o cenário mudará quando mais Low Cost puderem operar neste aeroporto (já a partir de 2008), e aí temo que os efeitos do incómodo sobre os lisboetas, sobretudo aqueles que vivem e/ou trabalham por baixo dos corredores aéreos de aproximação e de descolagem, venha a atingir rapidamente limites intoleráveis. A menos que a aviação civil se torne silenciosa e emita muitíssimo menos CO2, ou então sofra um retrocesso repentino, seja por efeito de subidas dramáticas dos preços dos combustíveis, ou de um inesperado conflito bélico de grandes proporções às portas da Europa, a questão de uma alternativa à Portela terá que ser equacionada rapidamente. A Portela ampliada, tal como a Portela+1, a esta nova luz, serão soluções de recurso, defensáveis neste momento apenas por duas ordens de razões: a fragilidade económica actual do país e a grande instabilidade geo-estratégica mundial.

Porém, avançar para um NAL em Alcochete é uma alternativa que não me choca. Compreendo que, dados os constrangimentos crescentes das ajudas comunitárias e em particular a janela de oportunidade compreendida entre 2007-2013, uma tal opção exiga decisões atempadas e que esta será porventura uma oportunidade a não desperdiçar. O modelo Low Cost e os modelos de bandeira, hoje reunidos em grandes alianças internacionais, tenderão rapidamente a aproximar-se na eficiência, na racionalidade e nos preços ao consumidor. Em 2012, talvez já não haja diferenças substanciais entre elas no que se refere ao paradigma económico. Daí que as decisões sobre aeroportos devam ter a flexibilidade de encarar o futuro com um olhar bifocal: não perder as oportunidades do actual paradigma Low Cost e simultaneamente antever a convergência dos modelos actualmente antagónicos.

Por fim, creio muito menos nas miraculosas virtualidades de uma "cidade aeroportuária", em Alcochete ou seja onde for (o paradigma faz pouco sentido na actualidade e sobretudo no nosso país), do que no poder que a deslocação do principal aeroporto do país para a Margem Esquerda do Tejo possa vir a ter no reordenamento do território dos grandes estuários (Região de Lisboa e Vale do Tejo e Península de Setúbal). Esta é uma necessidade absoluta, um enorme desafio para o futuro sustentável deste país, e tem que ser atendida com grande visão, rigor e criatividade. Se for feito com a máxima exigência em matéria de participação cidadã, criatividade, prudência económica, rigor técnico e ambição ecológica, será um modelo de referência, não só para todos nós, como para o resto do mundo, fazendo muito mais por Portugal do que a conceptualmente atrasada "cidade aeroportuária". Se deixarmos que os lóbis do betão continuem a dar cartas neste processo, teremos um desastre monumental.

Seria pois defensável, em tese, sacrificar a Portela? Uma vez que os terrenos de Alcochete são do Estado, e que se pouparão centenas de milhões de euros em obras desnecessárias de regularização e consolidação de terrenos (já para não falar dos gigantescos custos das novas acessibilidades, nomeadamente ferroviárias), a venda da Portela deixa de ser crítica para o financiamento do novo aeroporto. Deixem lá estar o aeroporto da Portela até 2020-2030. Decidam do seu futuro um ou dois anos depois de aberta a primeira fase do NAL.

Post scriptum

Alta Velocidade e eleições autárquicas em Lisboa

A Alta Velocidade está a dividir candidatos ao município de Lisboa. Sobre isto, dois pontos que me parecem evidentes (mas não aos candidatos...):
1) o governo de Portugal comprometeu-se nas Cimeiras Ibéricas da Figueira da Foz (2003) e de Évora (2005) a fazer o seu trabalho de casa na ligação AV entre Lisboa e Madrid, sendo que esta ligação ferroviária deveria estar concluída em 2010;
2) a ligação AV entre Lisboa e o Porto deve seguir pela margem esquerda do Tejo até Santarém (pois a margem direita neste trajecto encontra-se desprovida de "espaço-canal"), passando depois para a margem direita do rio, até ao Porto... e Vigo. Isto significa, claro está, que a grande interface multimodal de transportes estaria localizada na Margem Esquerda do Tejo, e que a nova ponte a construir, ferroviária, paralela à actual Vasco da Gama (por ser muito mais barata e com muitíssimo menos impacte ambiental que a proposta ligação Chelas-Barreiro) serviria uma nova linha de Metro (que curiosamente tem a mesma bitola do que as linhas de AV...) e a passagem de comboios ligando as duas margens. Os passageiros de Salamanca, Madrid, Badajoz, Sevilha, ou Porto, Vigo, Corunha, apenas teriam que optar, chegados à Grande Estação dos Dois Estuários, por apanhar um avião, outro comboio ou o metro para o centro da cidade de Lisboa.

Lisboa merece ser pensada, neste preciso momento, e aproveitando os desafios impostos pelas crises energética e climática, a partir de uma visão de futuro, à distância, pelo menos, de um século, à escala de uma cidade-região, e não a partir dos cálculos mesquinhos dos quadriénios eleitorais. Olhem para Lisboa como a cidade-região dos grandes estuários! Pensem na extraordinária possibilidade de fazer renascer esta cidade-região como o maior projecto sustentável da Europa no século 21. Se o fizermos, a nova economia, o investimento e milhões de pessoas acorrerão a esta esperada utopia. Pensem num cenário multicultural (sobretudo euro-africano e euro-americano), multi-linguístico, na ordem dos 6 milhões de pessoas até ao final deste século.

Se a cidade-região de Lisboa, se a região dos grandes estuários, se lançar num projecto com esta grandeza de espírito e estabelecer três fortíssimos eixos de ligação a Vigo, Salamanca e Madrid, será a capital espanhola que deverá temer Lisboa, e não o contrário!


A "Portela + 1" na visão de António Brotas

A expressão "Portela + 1" , hoje muito usada na Comunicação Social, pode significar que o aeroporto da Portela deve continuar em funcionamento durante um largo periodo (não inferior a duas décadas) e que devemos iniciar o mais rapidamente possivel a construção por fases de um novo aeroporto num local onde possa vir a ter uma muito grande possibilidade de expansão. Se a primeira fase (uma pista e algo mais) puder ser inaugurada daqui a 5 ou 6 anos, todas as dificuldades aeronauticas presentes e futuras da região de Lisboa ficam resolvidas. Daqui a uns 10 anos, quando começarmos a pensar na construção da 2ª fase do novo aeroporto, teremos de decidir se ele se deve expandir de modo a substituir completamente a Portela, ou se devemos adoptar em definitivo o modelo dos dois aeroportos em funcionamento. Esta discussão, no entanto, agora é prematura e algo deslocada numa campanha para a Câmara de Lisboa.

A fórmula "Portela + 1" pode, no entanto, também significar que devemos, desde já, desviar para bases militares e outros aeroportos parte dos voos low cost que actualmente sobrecarregam a Portela, retardando assim a sua saturação. Tenho defendido esta solução, desde que ela seja feita com encargos muito reduzidos. As duas concepções são perfeitamente conciliáveis. O que me parece totalmente errado é encararmos a solução "Portela + bases militares" como uma solução definitiva que nos dispense de pensarmos num novo aeroporto.

O projecto de um novo aeroporto convenientemente planeado e a construir de um modo faseado numa zona onde possa ter uma grande possibilidade de expansão, como é o caso da Carreira de Alcochete, pode ser, com as actividades anexas que pode estimular e desenvolver , um projecto com um imenso impacto no desenvolvimento português neste meio século.

António Brotas
Professor Jubilado do IST
Comentário:

Concordo totalmente com a posição do Professor Brotas.

Creio, no entanto, que uma vez que as obras de ampliação da Portela já estão em curso, não resta outra alternativa a não ser encarar o "+1" como Alcochete (a única localização na margem esquerda do Tejo que se apresenta efectivamente livre de obstáculos físicos e humanos, podendo servir de âncora estratégica à criação da grande cidade-região de Lisboa: a cidade dos grandes estuários!

Desconsiderando a hipótese cínica de Marcelo Rebelo de Sousa de avaliar a posição do governo como um "bluff" descarado para distrair as atenções do país durante a presidência portuguesa da UE, desviando ao mesmo tempo as atenções desta da Ota, parece-me que deveríamos estudar seriamente a qualidade da proposta patrocinada pela CIP, entendida, como Brotas o faz, como uma solução "Portela+1", sendo que este "1" deverá ser visto e projectado como uma estrutura progressiva, de geometria variável e com uma missão estratégica de primeiro plano: pensar a cidade-região dos grandes estuários como um dos primeiros e mais importantes projectos regionais de transição energética e ecológica da Europa.

A ideia, igualmente cínica, de que o governo PS não fará nunca o NAL na margem esquerda do Tejo, porque aquilo é efectivamente um deserto... eleitoral (como bem viu um observador atento do fenómeno), vive ainda nalgumas cabeças empobrecidas de neurónios de alguns dirigentes do PS. Mas porque não vêem eles o problema ao contrário?! Enquanto se mantiver a margem esquerda como uma zona de exclusão económico-social, ela continuará a ser, naturalmente, uma zona vermelha. O facto de o PCP tergiversar sobre a implementação do NAL nas suas coutadas eleitorais é um sinal claro dos seus óbvios receios. Se, pelo contrário, houver lucidez (até partidária!), perceber-se-à que 1) um governo não pode agir em matérias tão relevantes quanto esta segundo critérios de pequenez partidária; 2) perder alguns votos no Oeste, nas próximas eleições (a perda eventual da actual maioria absoluta não depende obviamente daqueles votos...), permitirá ganhar a prazo uma vantagem eleitoral durável no distrito de Setúbal, sem o que a cidade-região das duas margens nunca mais arrancará, crescendo em seu lugar uma mancha suburbana de especulação imobiliária, economia informal, desemprego e problemas sociais, cada vez mais difícil de recuperar. Os gerontes que actualmente mantêm o PCP encalhado programática e eleitoralmente, se o NAL for para a margem esquerda, desaparecerão rapidamente em vez de se reproduzirem ad eternum, para bem de um novo PCP, arejado e preparado para o século 21, e da dialéctica política no nosso país. Uma tal transformação induziria efeitos profundamente benéficos.



Notas:
1- A questão aeroportuária portuguesa - Resumo da posição do autor destas linhas

*Aeroporto de Lisboa

-- Manutenção da Portela, decentemente renovada, até 2017...
-- Se houver entretanto saturação da Portela, ou problemas de segurança mais cedo do que o estimado, complementar a Portela com... a primeira fase de Alcochete (2015).
-- Se, pelo contrário, a crise energética assumir proporções dramáticas a partir de 2010-2012, manter a Portela aberta e Alcochete em stand-by.
-- Se aparecerem novos paradigmas aeronáuticos, menos dependentes do petróleo e menos poluentes, e o crescimento anual do tráfego aéreo continuar ao ritmo de 3- 5% ou mais, avançar com o NAL de Alcochete e eventualmente fechar a Portela em 2020-2030.
Neste caso, a cedência da Portela num negócio que traga dividendos à CML pode ser uma das vias de atracção dos futuros investidores no NAL.
Mas a privatização da ANA é um perigo, pois em menos de um abrir e fechar de olhos estaria nas mãos dos espanhóis da Ferrovial (uma das maiores construtoras europeias, que há menos de um ano tomou de assalto a BAA, simplesmente o maior operador de aeroportos do mundo!), ou da AENA (Aeropuertos Españoles y Navegación Aérea. Entidad Pública Empresarial, adscrita al Ministerio de Fomento). Neste caso, seriam os espanhóis a comandar directamente a política aeroportuária nacional, privilegiando obviamente a estratégia centralista de Madrid (como têm feito até agora em toda a Espanha e em particular na Catalunha)

*Aeroporto Sá-Carneiro

-- Adequar a operacionalidade do aeroporto: aumentar o "taxi-way" e instalar adequados sistemas de apoio à operação das aeronaves, como, por exemplo, o absolutamente imprescindível ILS (Instrument Landing System - Sistema de Aterragem por Intrumentos)
-- Manter a gestão do aeroporto na ANA

*Sistema aeroportuário do Algarve

-- Integrar o aeroporto de Faro e os anunciados novos aeroportos de Beja, Loulé e Portimão, num único Sistema Aeroportuário
-- Colocar a gestão deste sistema sob o cuidado da ANA

*Regiões autónomas

-- Abrir os aeroportos das ilhas à concorrência das Low Cost
-- Manter a gestão dos aeroportos na ANA
-- Assegurar o transporte aéreo entre ilhas (custos de insularidade a assumir pelo Estado)

2 - O Expresso (16-06-2007) revela que tornaram público o seu patrocínio do estudo da CIP, além do mediático comendador Joe Berardo, Carlos Barbosa, Patrício Gouveia e Alfredo de Mello. O Expresso afirma ainda que também a Lusoponte ajudou a financiar o estudo.

Estudo da CIP sobre NAL (28,3 MB). Obrigado à Alambi
.

OAM #217 16 JUN 2007

terça-feira, junho 12, 2007

Aeroportos 28

Campo de Tiro Alcochete
Novo Aeroporto de Lisboa? Campo de Tiro de Alcochete?

Quercus? Jamais!

Ou a história do amigo da onça do ambiente

O antigo ministro Campos e Cunha defendeu, esta terça-feira, a opção "Portela mais um" para construir o novo aeroporto internacional de Lisboa e alertou para a urgência de tomar uma decisão sobre este tema ainda «durante este ano». (TSF online 16:52 / 12 de Junho 07 )
Um dia depois do volte-face governamental, induzido por José Sócrates quando finalmente percebeu que a razão de Estado e a razão do Povo quando coincidem podem muito (prestando atenção aos recados de Mário Soares e ainda ao crescente desinteresse dos privados pelo embuste da Ota, de que o silêncio dos financeiros e a iniciativa da AIP eram há algum tempo óbvios sinais), ficámos a saber uma coisa extraordinária: a célebre frase atribuída a Mário Lino --"Na Margem Sul, jamais! jamais!"-- teria sido afinal proferida pelo imberbe intelectual que há anos fala e viaja em nome da Quercus, o Professor da Universidade Nova, Francisco Ferreira.

Num debate promovido pela SIC Notícias (Jornal da Noite, 12-06-2007), Francisco Ferreira, incapaz de ter um discurso minimamente honesto e articulado sobre o embuste da Ota e sobre as alternativas em cima da mesa (Portela + Montijo e, lá mais p'ra frente, se for caso disso, uma "cidade aeroportuária" em Rio Frio, Poceirão-Faias ou Alcochete), acabaria por cair nas armadilhas sabiamente estendidas por Mário Lopes e Paulino Pereira. O primeiro, perguntou candidamente ao anjo calvo da Quercus como se havia chegado à conclusão de que Rio Frio era inviável do ponto de vista ambiental... O querubim começou a balbuciar:
--foi o estudo...
--Ah! ah! --interrompeu o professor de estruturas do IST (Técnico)--: não houve nenhum "estudo"; deixe-me ler o que diz o Parecer da Comissão de Avaliação de Impacte Ambiental de 22 de Setembro de 1998:

"Existem descritores que tiveram uma abordagem deficiente, e que deveriam ter sido objecto de estudos mais adequados à fase de selecção de alternativas pelo que a CA considera que as conclusões constantes nos EPIA não são suficientes ou válidas como elemento de base para a tomada de decisão".
Ou seja,
"Os estudos de impacte ambiental elaborados antes de 1999 indicaram que tanto Rio Frio como a Ota, as únicas alternativas então comparadas, apresentavam impactes ambientais significativos, mas que estes eram piores em Rio Frio. No entanto não eram suficientemente graves para inviabilizar a construção do aeroporto nesse local mas requeriam mais medidas de minimização de impacte ambiental. Ou seja, tratava-se de um parecer e não de um veto, como realçou recentemente a ministra Elisa Ferreira, que em 1999 assinou esse parecer." (in OTA: o desastre económico. Alternativas; Mário Lopes, Maio 2007.)

-- tá a ver? foi uma decisão meramente política!
-- pois foi... (anuíu a angélica criatura.)
A entrevista assumia tonalidades patéticas sempre que o pobre alcaide de Alenquer olhava em direcção ao diminuído boss da Quercus suplicando por uma ajudinha a favor do Oeste. O debate foi-se aproximando do fim com a desmontagem brilhante e insistente das defensivas de Francisco Ferreira, desenvolvida pelo Professor do Técnico, Paulino Pereira.

O guardião envergonhado da Quercus perdeu o último dos argumentos técnicos sobre os inconvenientes ambientais da Margem Sul desta maneira: se a Ota for para a frente, dada a sua impossibilidade de expansão e a sua previsível saturação em 2030 ou 2050 (tanto faz), em 2020 ou 2040 já teremos que estar a planear outro aeroporto, pelo que teremos impactos ambientais a dobrar no mesmo aquífero! Ou não será? Em suma, a Quercus escolhera a Ota por seguidismo político e sobretudo, digo eu, para fazer o frete a um dos mais desastrosos ministros de obras públicas de que há memória: João Cravinho.

Perante a fraca reacção do adversário, Paulino Pereira lançou então um inesperado ataque contra o pseudo-ambientalismo que, sabe-se agora, foi um dos principais co-responsáveis pela calinada da Ota. Aliás, mais do que um simples ataque, o desabafo do professor do Técnico foi o autêntico cheque-mate que fechou com chave de ouro mais um capítulo da desconstrução do embuste da Ota (em palavras minhas):
-- Pois, pois, sabe, eu ontem almocei com o ministro Mário Lino, depois do debate na Assembleia da República, e ele confessou-me que quem lhe havia dito que um aeroporto na Margem Sul, "Jamais!", foi a Quercus!
O aeroporto da Ota morreu (1), felizmente. E com este óbito espera-se que tenha morrido também a visão pequenina de Portugal que, em vez de projectar o país em direcção à nova Europa, sem deixar de tirar partido da sua situação atlântica privilegiada, prefere encolher em direcção ao litoral, como se esse não fosse o caminho mais rápido para garantir o sucesso da efectiva estratégia radial de Madrid. Basta ver o que, com esta idiotia suicida, já aconteceu aos nascimentos na zona fronteiriça de Elvas-Rio Maior! A ideia de que um aeroporto obtuso na Ota, um TGV Lisboa-Porto (depois do tempo e dos milhões gastos no Alfa Pendular) e um porto de águas profundas em Peniche --espécie de novo centro de gravidade em pânico com as afinidade galegas do Norte e a paixão pelas touradas, do Sul-- salvariam Portugal da Espanha, é uma ideia completamente senil e que já nos fez a todos perder, pelo menos, cinco anos na definição da nossa estratégia de transportes, além de estuporar a famigerada Alta de Lisboa, tão necessária à expansão e modernização do aeroporto da Portela, que, com uma rápida e baratíssima deslocação de algumas companhias de Low Cost para o Montijo, permitiria, não apenas aproveitar ao máximo o potencial deste novo paradigma do transporte aéreo, como estender a própria duração da Portela até 2030 ou mesmo 2040. A crise energética e climática que aí vem previne qualquer pessoa com um mínimo de juízo contra as curvas de crescimento para lá de 2030. O paradigma do business as usual está ameaçado irremediavelmente pela revolta de Gaia. E um país aflito com as suas finanças públicas, no fim de um período de bonança e de subsídios, do que menos precisa é de pacóvios na política. O tempo dos novos-ricos acabou. É preciso trabalhar, colocar os pergaminhos de lado e muito, muito bom senso.

Post scriptum (13-06-2007 12:06) - Recebi a seguinte resposta do Professor Francisco Ferreira, dirigente da Quercus:
"Mas eu nunca disse essa frase.... ;-)"
Comentário: Mas foi o que eu percebi da conversa televisiva de ontem...;
No entanto, a perplexidade permanece: se não tinha argumentos técnicos para recomendar a Ota, porque recomendou? Não acha que assuntos demasiado sérios (como toda a política de transportes de um país -- que anda num virote por causa das quimeras e ambições patéticas do ex-ministro e teimoso activista João Cravinho (e de uns galeguistas de meia-tijela)-- merecem posições mais avisadas e claras de uma ONG como a sua? Ou será q a sua ONG passou a ser uma Organização Pró Governamental (OPG)?!



Notas:
1 - Este meu optimismo deve ser moderado, nomeadamente por alguns bons avisos à navegação, como os recentemente publicados no blog Blasfémias:
Convirá não esquecer
O Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC) é uma instituição de
Ciência e Tecnologia do sector do Estado, sob a tutela do Ministério das
Obras Públicas, Transportes e Comunicações, que exerce a sua acção nos
múltiplos domínios da engenharia civil.

CAA às 17:30 | Muitas heresias (93)

Repito
Este recuo táctico do Governo na escolha da localização do aeroporto, cada
vez mais, parece uma manobra de diversão. Que conta com a lamentável
cumplicidade da oposição que temos.
- O LNEC não oferece garantias de imparcialidade já que depende do
ministro-do-compromisso-pessoal;
- O estudo não pode centrar-se em questões de engenharia;
- O estudo não pode limitar-se a uma comparação entre a Ota e Alcochete;
- Qualquer decisão que se queira séria e convincente tem de entrar em
linha de conta com a hipótese Portela + 1;
- Mário Lino esgotou a sua capacidade política nesta questão - o modo
destemperado como agiu ("só mudarei de opinião se houver um milagre!";
"Jamais"!; A margem sul é um deserto!") desqualificou-o definitivamente
como titular de um órgão decisor numa matéria tão relevante;
- Qualquer decisão sobre o novo aeroporto que tenha Mário Lino como
interventor está ferida de parcialidade, viciada à partida, seja qual for
o seu sentido final.

CAA às 16:50 | Muitas heresias (38)

OAM #216 13 JUN 2007

segunda-feira, junho 11, 2007

Aeroportos 27

Alcochete, Portal S. Francisco
Alcochete, Portal de São Francisco CC

Aeroporto da Ota: paz à sua alma!

De repente, o país começou a descobrir o valor da cidadania e da participação democrática na discussão da coisa pública. Os casos, curiosamente desencadeados por uma nova, atenta, crítica e responsável blogosfera, são conhecidos: a trapalhada das qualificações académicas do primeiro-ministro e o embuste da Ota. É certo, em bom rigor, que o país se movera já, com igual eficácia, mas certamente com menos argumentos e impacto pedagógico, aquando da tentativa de construir a barragem de Foz Côa (em substituição da qual o governo de José Sócrates quer agora construir, uma vez mais sem discussão pública séria, a barragem do Baixo Sabor), ou da construção da célebre central de co-incineração de resíduos perigosos. Mas o caso da imposição popular de uma discussão pública ao mais alto nível sobre o Novo Aeroporto Internacional de Lisboa é, apesar dos antecedentes, muito diferente: governo e políticos em geral foram arrastados para uma discussão efectivamente imposta pela cidadania. Pouco importa que Cavaco Silva, por experiência própria, se tenha apercebido, antes do teimoso e desautorizado Sócrates, que a composição da Ota caminhava para o abismo. O certo é que este debate democrático, que hoje teve uma enorme vitória (gostaria de saber quantas pessoas seguiram o canal Parlamento durante o debate...), marca o início de uma nova relação entre quem vota e paga impostos e os que são eleitos para governar ou ser oposição. Um aviso aos candidatos à autarquia de Lisboa. O Costa que se cuide!

Os argumentos foram ditos e repetidos até à exaustão por toda a gente que sabe ou simplesmente sabe ler e tem bom senso. Eu escrevi 27 vezes sobre o assunto! Hoje, à excepção da senhora da NAER (que desgraça! como é possível manter gente deste calibre em posições de chefia?), de dois deputados do PS atentos e obrigados, de um burocrata que fora alguém numa CCR e cujo nome não retive, e de um socratintas chamado José Manuel Palma-Oliveira (diz que tem um "PhD em Psicologia Social"), que a despropósito invocou o facto de ter sido em tempos presidente da assembleia geral da Quercus (cargo de onde foi corrido por manifesta incompatibilidade com a sua defesa da co-incineração e sobretudo com o facto de ser consultor da Scoreco, uma empresa do grupo SECIL), não havia ninguém no debate realizado a convite do presidente da Assembleia da República, Jaime Gama, que defendesse a Ota. E de hoje em diante duvido que alguém mais saia a terreiro em defesa da Ota. O novo aeroporto da Ota morreu. Paz à sua alma!

A inflexão notória da argumentação, cada vez mais sofisticada, de Augusto Mateus, apontando claramente para uma solução na Margem Sul foi um grande progresso. Falta-lhe ainda perceber que não pode contar com os terrenos do aeroporto da Portela, nem com a privatização da ANA para o seu business plan.

A posição da Quercus (1), uma associação ambiental completamente capturada pelas delícias do poder, apesar de estar manifestamente de cócoras perante este governo (parece que é doença nascida do convívio com João Cravinho e até com Luis Nobre Guedes!), foi hipócrita e cobarde: se a Ota for de todo inviável (não sabe há muito que é?!), então que se estudem com muito cuidado outras opções, nomeadamente na margem Sul. Mas Alcochete não! No passado dia 8 à Lusa, Francisco Ferreira, vice-presidente desta associação ambientalista, avisava (julgando fazer um frete a José Sócrates) que "o campo de tiro de Alcochete está rodeado de zonas de grande importância ambiental, como a reserva natural do Estuário do Tejo". Pergunto: e os tiros não afectam?! E a suburbanização selvagem de toda a Margem Sul, desde o ciclo industrial até hoje, não afecta e continua a afectar a reserva? E um aeroporto, ou outra grande infraestrutura não pode ter precisamente a função de requalificação que a especulação imobiliária e o actual modelo de financiamento autárquico nunca terão? Algumas ONGs estão cada vez mais parecidas com alguns sindicatos, cegas, surdas e mudas para tudo o que não lhes alimenta a essência burocrática e o conforto. Tal como os sindidatos, precisam de um grande arejamento de ideias, de mecanismos transparentes de avaliação e renovação automáticos e sobretudo de muito sangue novo.

Mas o mais importante para a sanidade desta pugna democrática foi a posição anunciada, a contre-coeur, por Mário Lino: um prazo de seis meses para avaliar os cenários alternativos à Ota. É o corolário esperado do desabafo de José Sócrates no parlamento, quando disse que "Portela seria a melhor opção, mas que tecnicamente não é possível", e sobretudo da enorme pressão posta no tema pelo Presidente da República.

O Presidente da República opõe-se à Ota. Todos os partidos da oposição estão contra a Ota. A Associação Industrial Portuguesa não só está contra a Ota, como propõe em alternativa o NAL no actual campo de tiro de Alcochete. A Unihsnor Portugal, associação nacional que representa os sectores da Hotelaria, da Restauração e do Turismo no Espaço Rural, considera que o turismo nacional não precisa de uma cidade aeroportuária ou de um mega aeroporto. 114 engenheiros do Instituto Superior Técnico subscreveram um manifesto contra a Ota. A Ordem dos Engenheiros, pela voz do seu presidente, colocou sérias reservas à construção do NAL na Ota. A Associação Portuguesa de Pilotos de Linha Aérea (que agrega a totalidade dos pilotos da TAP e a esmagadora maioria dos pilotos civis) revelou claramente a sua discordância face ao processo de decisão sobre o novo aeroporto, colocando ao mesmo tempo reservas firmes à segurança aeronáutica na zona da Ota. Altas patentes militares fizeram chegar a sua voz a Cavaco Silva sobre a inevitabilidade de fechar a Base Aérea da NATO em Monte Real, caso o NAL na Ota fosse para a frente. Todos os candidatos à presidência da câmara municipal de Lisboa, à excepção de António Costa, opõem-se ao NAL na Ota, ao fecho do aeroporto da Portela e sobretudo à alienação dos respectivos terrenos e privatização da ANA para abancar o embuste da Ota.

O lóbi da Ota, que escolheu António Costa na esperança de que ele disponibilize rapidamente os terrenos da Portela para abancar o consórcio de empreiteiros que há muito saliva pela Ota (Somague, OPCA, Mota Engil e Soares da Costa), perdeu esta guerra. Imagino que empreiteiros e bancos já estejam a fazer contas sobre o Montijo e Alcochete. Fazem bem.

Boa sorte Margem Esquerda!

PS: Para os que pensam que a Alta de Lisboa vai ser um novo pulmão verde da cidade (perdão, um bife do lombo imobiliário, como sublinhou Demétrio Alves), talvez fosse bom meditarem na desagradável azia que tal ilusão (mal aconselhada) já provocou ao senhor Stanley Ho.



Notas
1- Já depois de escrito este post, vi num noticiário televisivo da noite (11-06-2007 11:00), uma jovem da Quercus defender que ambas as soluções, Ota e Alcochete, eram "igualmente" más, e que a solução deveria começar por avaliar a opção, defendida por muitos (entre os quais me encontro), da Portela renovada e expandida + Montijo. A Quercus levou tempo a perceber que o governo já tinha mudado de posição, e que portanto a sua oportunista voz contra o deserto da Margem Sul era escusada, por fora de horas. Mas reconhecer um erro e emendar a mão é sempre um sinal de esperança. Bem-vindos ao clube dos pessimistas sobre o crescimento exponencial do tráfego aéreo mundial!



OAM #215 11 JUN 2007

sábado, junho 09, 2007

Por Lisboa 8

Engarrafamento numa autoestrada
Engarrafamento causado por um acidente, Algarve, Portugal. Osvaldo Gago. CC

O renascimento de Lisboa (2)

7 questões essenciais para os candidatos à autarquia

No primeiro post sobre este tema abordei as seguintes questões:

1) Portugal e a cidade de Lisboa encontram-se numa situação de estagnação demográfica grave.

2) O número de casas novas por vender na capital e na Grande Lisboa (cerca de 120 mil) cobre provavelmente as necessidades efectivas de habitação da Região de Lisboa e Vale do Tejo até 2050!

Vamos agora aflorar a questão seguinte:

3) Entram diariamente em Lisboa mais de 400 mil veículos automóveis. Boa parte deste tráfego atravessa as zonas históricas da capital (Baixa) em direcção a outros pontos da cidade. Dezenas de milhar de automóveis estacionam em cima dos passeios, dos canteiros privados e municipais, nas esquinas dos cruzamentos e em segunda fila. Como resolver este problema?

Dada a estagnação demográfica da região e a relativa imobilidade residencial decorrente das hipotecas imobiliárias, é de prever que apenas as camadas sociais de mais elevados rendimentos estarão em condições de se aproximarem, sem grandes perdas, dos centros urbanos que vierem a requalificar-se convenientemente nos próximos dez anos. Só tais segmentos da sociedade estarão em condições de adquirir uma segunda habitação, ou de perder rendimento na troca de uma residência suburbana por um apartamento situado num centro urbano ou próximo de uma interface de transportes. A criação de um mercado de arrendamento a preços controlados nos centros urbanos e em geral nas cidades consolidadas torna-se, pois, decisivo, se quisermos evitar o caos e enormes tensões sociais no decurso do inevitável refluxo da suburbanização que caracterizou a desorganização territorial do país ao longo dos últimos quase 40 anos.

Por causa da estagnação demográfica e da fraca mobilidade de uma significativa parte dos residentes na região dos Grandes Estuários (envelhecimento populacional, hipotecas por pagar e debilidade económica), continuará a haver uma pressão considerável para o uso do automóvel individual nos movimentos pendulares, agravada pela diminuição tendencial da oferta de transportes colectivos rodoviários (envelhecidos, endividados e com fraca capacidade de resposta ao aumento continuado dos preços dos combustíveis).

Os segmentos de automóveis mais vendidos em Portugal (77%) são o C (médio inferior), com 40,6% das unidades, e o B (inferior), com 36,5%, correspondendo claramente ao perfil de deslocação suburbana típico das principais manchas urbanizadas, distribuídas ao longo do litoral, e que absorvem 71% do parque automóvel do país, o qual em 2006 somava um pouco mais de 5 milhões e 800 mil unidades, com uma idade média de 8,4 anos (no sector de ligeiros de passageiros), 11,4 no sector de comerciais pesados e 11,9 anos no sector de pesados de passageiros. Segundo artigo de Leonor Matias, no DN online, o parque automóvel português, depois do boom dos anos 90 (5 milhões de veículos vendidos!) está manifestamente a envelhecer desde 2003. Se considerarmos ainda que a evolução das vendas de automóveis continua recessiva (Janeiro-Maio de 2007: -1,4%), e os efeitos combinados do fraco crescimento da economia, do aumento do desemprego, da subida progressiva das taxas de juro, da crise dos sistemas de protecção social, da subida imparável dos combustíveis e finalmente da crise geral de confiança nos principais agentes económicos e políticos do sistema, parece mais do que prudente esperar um ainda maior envelhecimento do parque automóvel, com todas as consequências que daí advêm para a segurança rodoviária, já para não mencionar os efeitos retardadores que a manutenção de um parque envelhecido como o actual terá na desejável substituição dos actuais veículos demasiado poluidores e consumidores de petróleo por modelos híbridos ou, em todo o caso, com maior eficiência energética.

Dado o rápido envelhecimento do parque automóvel, com especial incidência nos pesados de passageiros (!), e o encarecimento progressivo dos respectivos custos operacionais (combustíveis e manutenção) e de contexto (impostos, portagens, estacionamentos, etc.), associados à fraca cobertura da rede de transportes ferroviários suburbanos, a região dos Grandes Estuários (RLVT e Distrito de Setúbal), aliás como o resto do país, corre o risco de assistir a uma quebra brutal da sua produtividade por efeito das crescentes dificuldades de mobilidade.

Tomando em devida consideração esta conjunção negativa de factores, parece-me que só um fortíssimo e bem pensado investimento num inovador, articulado e denso sistema de transporte ferroviário urbano e inter-urbano (o MODTRAIN - Innovative Modular Vehicle Concepts for an Integrated European Railway System é um exemplo recente a estudar) será capaz de oferecer uma alternativa credível ao uso individual do automóvel entre a casa e o local de trabalho (por sua vez ameaçado pelos constrangimentos acima descritos.) A mera repressão fiscal da circulação automóvel, i.e. sem alternativas credíveis, terá impactes fortemente negativos no frágil equilíbrio económico-social da região.

No entanto, retirar imediatamente os carros de cima dos passeios, esquinas e fila duplas de estacionamento é uma medida preparatória, e de mera aplicação das leis, urgente. A sua aplicação deve estender-se a todo o país e assim preparar os cidadãos motorizados para uma nova consciência dos problemas que todos temos pela frente.

A ideia de uma cidade livre de carros poderá chegar mais cedo do que alguns sonhavam (Carfree Cities), em boa medida por causa da combinação das três crises: crise energética, crise climática e crise económica decorrente das duas anteriores.


Referências
* o Grande Estuário/ blog: A Carta de Leibniz
* "Baukultur" comme branle de croissance. Bons exemples pour les villes europeénnes. Études de cas choisis
* The Vital City
* o Grande Estuário/ índice de publicações relevantes


OAM #214 10 JUN 2007