sexta-feira, março 05, 2010

Portugal 169

Entre Paulo Rangel e Aguiar Branco



O ponto de partida de Paulo Rangel —a dita "ruptura"— colocou-o numa posição complicada. Nunca se sabe se a ruptura é com o PS, ou com o próprio PSD, ou mesmo com o País (ainda que em nome da necessidade de mudar de vida e de maus hábitos). O facto de ter que se explicar permanentemente sobre esta espécie de radicalismo retórico, coloca-o numa posição pelo menos desconfortável. Talvez por este motivo, mas também pela solidariedade com a actual direcção de Manuela Ferreira Leite, Paulo Rangel tem uma especial dificuldade em clarificar a sua estratégia, sem ferir essa mesma filiação. Passar entre os pingos da chuva —o intervalo ideológico e partidário—, propondo simultaneamente uma "ruptura, exige inevitavelmente uma precisão programática, que não se limite a medidas pontuais para um governo pós-socialista.

O País precisa de estancar o agravamento das assimetrias regionais, precisa de entender de uma vez por todas que a periferia raiana não é nenhuma periferia, mas uma nova centralidade  (pois está mais perto de Espanha e do resto da União Europeia) e é, de facto, uma nova oportunidade para as empresas, para as cidades, vilas e aldeias. Mas para que tal ocorra não basta criar uma regionalização ad hoc, de cima para baixo, sob tutela governamental, e com mais burocracia. Aliás, assim definida e proposta, não passa dum voto piedoso. O importante para atingirmos uma regionalização realmente oportuna, que aumente a riqueza do país e devolva efectiva capacidade de gestão às regiões é isto:
  1. harmonizar imediatamente o peso da fiscalidade com a vizinha Espanha, propondo a Madrid uma comissão bilateral encarregue de estudar e estabelecer rapidamente a paridade fiscal entre os dois países da União;
  2. recriar o ministério do planeamento, agregando em seu redor um conjunto de novos e reformados institutos técnicos do Estado, independentes e com uma forte e prestigiada vertente técnica — para os quais deveriam ser atraídos parte da nossa melhor competência profissional, hoje dispersa pela nova diáspora lusitana;
  3.  criar um ministério das regiões-plano com importância hierárquica logo abaixo do ministro das finanças, responsável por todas as CCRs;
  4. elevar as cidades-região de Lisboa e Porto à categoria de regiões autónomas, à semelhança das já existentes, mas inspirando-se nos modelos de governo das grandes cidades regiões existentes um pouco por todo o planeta: Madrid, Londres, Pequim, São Paulo, etc. (1)
  5. completar criteriosamente o plano rodoviário efectivamente necessário ao país, e lançar um ambicioso projecto ferroviário, onde seja prioridade a compatibilização da actual ferrovia, sistema de sinalização e material circulante, com os padrões europeus, dando prioridade a este investimento — uma geração—, e não à estéril discussão do TGV. Salvo a ligação de Alta Velocidade entre Lisboa, Madrid e Barcelona (velocidade média na ordem dos 250-300Km), todas as demais ligações devem apontar para velocidade médias na ordem dos 200 Km, aplicando a poupança no excesso de velocidade (que é caríssima, tanto a construir, como sobretudo a manter!) na densidade da malha de bitola europeia, e na sofisticação tecnológica e conforto das composições. Para tal seria da máxima utilidade estratégica criar um cluster ferroviário ibérico, propondo para tal uma aliança estratégica à Espanha, que dá cartas nesta matéria;
  6. adiar sine die o Novo Aeroporto de Alcochete, levando entretanto até ao limite o potencial ainda por esgotar da Portela (um dos melhores aeroportos naturais do mundo), obviamente com uma nova gestão;
  7. por fim, para coerir estrategicamente o território português, potenciando a continuidade produtiva, económica, fiscal e cultural entre a periferia atlântica e o centro da Europa, em aliança estratégica com a Espanha, Portugal precisa menos de uma pesada burocracia regionalista, do que de mais meios, poderes e responsabilidades atribuídos a esse motor esquecido da coesão territorial que são as freguesias rurais.


Paulo Rangel pode, se quiser e souber, romper e romper para gáudio de todos nós. Mas terá que fazê-lo com ideias amadurecidas e bem informadas. O papel de Calimero que Aguiar Branco com inesperada agilidade sacou da cartola para desmontar o queixume de Rangel a propósito da sua juventude no PSD não fica bem a este último (embora goste da caricatura!) A acusação inerte que os seus concorrentes lhe atiram —ter chegado ao PSD há apenas quatro anos—, como se a antiguidade no PSD, tal como em todos os partidos e sindicatos não fosse, precisamente, sinal de responsabilidade pela situação desgraçada a que o país chegou, deve ser devolvida com a pergunta: "e que fizeram Vocês —José Pedro, e Pedro— no tempo todo que levam no partido?!" Há picardias que se resolvem de uma penada.

José Pedro Aguiar Branco é uma personalidade sedutora. Tem aliás a pose e o cabelo adequados a um futuro primeiro-ministro. Argumenta bem e não podemos deixar de gostar dele. Mas temo que lhe falte, como faltava a Guterres, aquela dose da proteína FDP que os líderes sempre trazem escondida algures no respectivo DNA. O povo pressente estas coisas. Será que os esfomeados e desesperados militantes do partido laranja terão a mesma sensibilidade? Desde Cavaco Silva que não acertam!

Eu sou socialista por convicção. Estou porém profundamente desiludido com o que os piratas da tríade de Macau e a matilha de oportunistas insaciáveis que a segue fizeram do PS. Estou, por assim dizer, órfão. Talvez seja por isso que hoje pugne pela derrota do PS e pela sua saída da área do poder. O PSD é o veículo, por assim dizer, da cura de que o Partido Socialista precisa urgentemente, para não morrer de vez. Mas se o voto laranja voltar a errar, e errará se eleger Passos Coelho, ou mesmo Aguiar Branco, em vez de Paulo Rangel, então o PS terá que esperar por melhores dias para arrumar a casa.


Post scriptum
  1. Nem Pedro Passos Coelho, nem Paulo Rangel, estão na Assembleia da República, ao contrário de José Pedro Aguiar Branco e... Manuela Ferreira Leite. A menos que Aguiar Branco tenha já decidido aliar-se a qualquer dos vencedores, o que não é líquido —depois do que julgo ter entendido da sua prestação televisiva—, uma provável vitória de aparelho favorável a Passos Coelho lançará o PSD num impasse tremendo, do qual poderá resultar uma cisão do partido. Pelo que há muito defendo, tal cisão seria útil ao PPD/PSD, ao sistema partidário (pois provocaria a própria cisão do PS) e finalmente ao País, criando condições para verdadeiras maiorias de coligação. Neste cenário, Cavaco Silva desistiria do segundo mandato —o que seria uma felicidade para todos nós— abrindo-se assim caminho para uma refundação democrática e geracional da democracia. O colapso económico-financeiro que se aproxima não exigirá menos do que uma ruptura de semelhantes proporções!
  2. A entrevista de Cavaco Silva a Cândida Pinto —onde teve a distinta lata de recuar na questão do aeroporto de Alcochete— significa que o homem quer mesmo recandidatar-se, que já antevê o impasse no PSD pós-Directas, e que por isso o melhor mesmo é declarar desde já que não se lembra das duas comunicações que fez ao País (sobre os Açores e sobre o Watergate de Belém), que morre de amores por José Sócrates (leia-se pelos votos do PS que não forem para Alegre), e que, por conseguinte, se está nas tintas para os dramas do PPD-PSD, como aliás sempre esteve. Esta criatura saiu-me uma boa peça. Terá neste blogue, a partir de agora, um declarado opositor à sua sede de poder.

NOTAS
  1. Não creio que as populações das cidades-região de Lisboa e do Porto chumbassem um referendo convocado para o efeito, nem mesmo que o resto do país o fizesse. Bastará estudar bem o problema, fazer um estudo comparativo com casos internacionais de sucesso, e garantir que o resultado final será uma administração da coisa pública, mais eficaz, mais coerente, mais democrática e mais barata!


OAM 694 —05 Mar 2010 14:39 última actualização: 06 Mar 2010 0:29

quarta-feira, março 03, 2010

Portugal 168

E se o PS volta a ganhar?



Escritório de advogados de Aguiar-Branco presta assessoria jurídica à Parque Escolar
Por Margarida Gomes (Público)
02.03.2010 - 08:02

O escritório de advogados José Pedro Aguiar-Branco & Advogados, com sede no Porto, está a prestar serviços de assessoria jurídica na área da contratação pública à empresa pública Parque Escolar, responsável pela gestão do programa de modernização das escolas públicas, que envolve um investimento que poderá rondar os 3,5 mil milhões de euros.
Minutos antes de começar o debate entre Paulo Rangel e Pedro Passos Coelho, José Luís Arnaut fez, no mesmo canal da SIC, uma pomposa proclamação de apoio a Paulo Rangel. O debate seguiu-se poucos minutos depois, mal animado, diga-se de passagem, por Ana Lourenço. Os floreados e as trocas de mimos entre os dois noviços do PSD (Coelho porque já nasceu daquela maneira, e Rangel, porque estava visivelmente tenso) foram deprimentes. Nem uma ideia nova. Nem nada que fosse mais crítico do que o que a actual líder já disse sobre os erros de Sócrates. Nem, sobretudo, qualquer esperança oposta ao vazio da actual governação socialista. Seja como for, a notícia do Sol é verdadeira: Paulo Rangel obedeceu mesmo a uma ordem de marcha de Durão Barroso. Veio de Bruxelas para impedir a eleição do eterno JSD Pedro Passos Coelho, e para impedir também que a alma mater do até há semanas único candidato à sucessão de Manuela Ferreira Leite, e sócio na Fomentinvest, Ângelo Correia, acabasse por reeditar uma vasta confabulação bloquista (central) à maneira antiga, i.e. à maneira do tempo das vacas gordas, quando ninguém via a extensão do tráfico de influências, nem a corrupção, nem a sangria canina do Estado pelos gangs do tal Bloco Central. Alguém teria que ser enviado para travar este desastre anunciado!

Na iminência de uma queda prematura do actual governo socialista —que só não cairá se Sócrates for levado a perceber que saindo salva o PS e o Governo— os poderes subterrâneos do PSD agitaram-se e Barroso percebeu que não havia tempo a perder. Será preciso imaginar e negociar, por cima e por debaixo da mesa, um futuro governo de coligação, que poderá mesmo ser editado em duas fases: na primeira, sob a forma de um acordo de incidência parlamentar, entre um PS sem Sócrates e um PSD com Rangel; e nas próximas eleições legislativas, que teriam assim lugar no tempo certo, na configuração de uma grande aliança patriótica entre o PS, PSD e CDS. Um terceiro cenário, claro, implica a demissão do governo por indecência e má figura, e a dissolução do actual parlamento, seguido de eleições antecipadas — para o que seria também necessário promover uma aliança eleitoral capaz de garantir um quadro de estabilidade institucional e governativa, pois a crise económico-financeira e social está para durar e lavar, e nem sequer passou ainda pela sua fase mais crítica.

José Pedro Aguiar Branco é, neste jogo, uma carta fora do baralho, fruto da precipitação do caos causado pela face oculta do polvo à moda de Sócrates. O assunto é sério e por isso digo que a denúncia ontem mesmo feita sobre a sua falta de tino e isenção no modo como gere ou deixa gerir o seu escritório de advogados, que há menos de quinze dias assinou um contrato de assessoria jurídica, por ajuste directo, no valor de 75 mil euros, com a duvidosa Parque Escolar, é apenas o início da sua derrocada como candidato à liderança do PSD. Se não desistir entretanto —e tem agora um excelente motivo para o fazer, sem comprometer o seu futuro político— o caso do ajuste directo terá certamente muitos mais episódios!

Ou seja, para sermos claros, Paulo Rangel já tem ao seu lado forças poderosas. Barroso, Balsemão, Arnaut, deram o mote e avisaram as hostes. O resto será mais ou menos trivial. Não creio sequer que a ganga dependente dos jobs cor-de-laranja se arrogue travar o que tem muita força. Podem, em teoria fazê-lo, mas pagarão por isso. E a ganga sabe!

Um líder fraco (Aguiar Branco), ou eternamente juvenil e sem história (Passos Coelho) seriam maus para as expectativas governativas do PSD, seriam maus para o próprio PS que ainda existe para além da tríade de piratas que o tomou de assalto, e seriam maus para a governança do país. Rangel, apesar da hesitante prestação de hoje (alguém lhe disse já para amaciar o discurso da "ruptura"), tem fibra de líder, e pode muito bem servir a essência do PSD — um partido tipicamente da classe média, das PMEs, sem teias marxistas no sótão, nem o provincianismo glutão da esquerda caviar que hoje se pavoneia nas cúpulas do Partido Socialista. Não pode é voltar a falar de "Trabalhos de Casa"! E tem que estudar um bocadinho mais sobre o fundo dos problemas que nos afligem — que não é certamente a indisciplina nas escolas que Medina Carreira colocou na moda do discurso apressado sobre os males da Educação.
The Innovation Delusion
By Ralph Gomory
March 1, 2010 (Huffington Post)

Cheap labor abroad is cited as the incurable handicap that explains why the United States cannot compete. But cheap labor doesn't explain the fact that Japan and Germany, both high-wage countries, are successful in the automobile industry. Nor does it explain how semiconductors, a model of a high investment, low-labor content industry, are mainly made in Asia. The premise that the inescapable burden of competing against low wages means failure is simply not correct.

El drama del paro alcanza a otras 82.132 personas en febrero
02.03.10 - 18:16 - AGENCIAS | MADRID (HOY)

Por sectores, casi el 55% del total de los parados de febrero se concentró en los servicios, con un aumento de 45.420 desempleados (el 1,94%); en el colectivo sin empleo anterior se incrementó en 14.810 (5,07%); en la construcción subió en 9.915 (1,26%); en la agricultura en 6.871 (6,44%) y en la industria en 5.116 (0,99%).
En Grande-Bretagne, la victoire annoncée des conservateurs devient incertaine
Virginie Malingre
03.03.10 (Le Monde)

Et si Gordon Brown gagnait les élections législatives prévues d'ici à juin ? Ce qui semblait inenvisageable il y a quinze jours - quand le premier ministre travailliste était, dans les sondages, dix points derrière son concurrent conservateur, David Cameron - est devenu une hypothèse plausible.
O que une estas três notícias é a destruição de alguns mitos comuns: que a salvação depende de mais choques tecnológicos e de mais educação; que a salvação depende de mais obras públicas de construção civil; e que o eleitorado está tão desesperado, que entregará o poder a qualquer novato de direita que prometa tirar o país da crise com palavras. Não é bem assim, e importa compreender porquê.

Não é fácil inverter o movimento de deslocação das indústrias, desde há algum tempo também, dos serviços, e agora da própria investigação científica e tecnológica, que tem decorrido desde a década de 70 em direcção à Ásia, se continuarmos a substituir o emprego produtivo por consumo e a financiar este consumo com uma lógica de endividamento e burocratização das sociedades.

O mais preocupante do desemprego actual na Europa e nos Estados Unidos é que o mesmo afecta sobretudo o sector de serviços e as pessoas à procura do seu primeiro emprego, além de não contabilizar um verdadeiro exército de estudantes eternos e bolseiros que dificilmente encontrarão emprego no futuro e que, apesar de exercerem actividade, não descontam para a segurança social, pelo que ajudarão objectivamente a precipitar mais depressa o colapso dos sistemas de pensões, de saúde e de segurança social.
Wall Street Pursues Profit in Bundles of Life Insurance
By JENNY ANDERSON
Published: September 5, 2009 (New York Times)

After the mortgage business imploded last year, Wall Street investment banks began searching for another big idea to make money. They think they may have found one.

The bankers plan to buy “life settlements,” life insurance policies that ill and elderly people sell for cash — $400,000 for a $1 million policy, say, depending on the life expectancy of the insured person. Then they plan to “securitize” these policies, in Wall Street jargon, by packaging hundreds or thousands together into bonds. They will then resell those bonds to investors, like big pension funds, who will receive the payouts when people with the insurance die.
Finalmente, a recuperação do colérico Gordon Brown face ao Conservador que pretende substitui-lo no número 10 de Downing Street —o que não deixa de ser um remake sintomático do que ocorreu a Manuela Ferreira Leite nas últimas eleições legislativas— obriga-nos a pensar até que ponto o eleitorado está assustado, e o perigo que daí potencialmente pode vir.

Há um problema geral que é afinal simples de entender: ninguém quer perder o emprego, nem a reforma, nem a assistência médica, nem pagar o dinheiro que não tem por um ensino prolongado e virtualmente obrigatório (i.e., sem o qual aceder a um salário mais do que mínimo é impossível).
É por esta razão que a Direita tem uma tarefa muito complicada, se não mesmo uma missão impossível pela frente em todos os países ocidentais desenvolvidos —EUA incluídos....

As receitas liberais e neoliberais já foram provadas (a frio e a quente, i.e com eleições "livres" e com botas militares), para atacar o mesmíssimo problema estrutural, ou sistémico do Capitalismo. Lembre-mo-nos de Thatcher, Reagan, Pinochet, Videla, entre outros. E no que deram, para além dos casos trágicos, foi um compasso de espera que em substância apenas disfarçou durante 30 anos a lógica de desindustrialização e desemprego das forças produtivas nas economias ocidentais. O preço deste compasso de espera, com governos de direita ou social-democratas, foi o endividamento geral das nações mais desenvolvidas do planeta, e uma alteração estrutural dos termos de troca à escala global.

O que agora temos pela frente é a ameaça de uma explosão desta situação insustentável. A possibilidade, e sobretudo a tentação, de uma III Guerra Mundial nos próximos anos não está fora dos radares de muitos caldeirões cognitivos e hotéis sinistros!

Não é pois possível resolver o problema sem regressar a uma Nova Divisão Internacional do Trabalho assente numa saudável rede de vasos comunicantes, na qual antes de redistribuir a riqueza seja redistribuído o trabalho produtivo, e onde se ponha termo sem cerimónias à especulação financeira. É inevitável fazer regressar a economia mundial a um sistema de regulação fronteiriça capaz de manter equilíbrios regionais, e para tal a OMC (WTO) terá que ser esventrada e refundada! Por outro lado, o dólar americano deve terminar como moeda-padrão, criando-se em seu lugar uma moeda mundial nova fundada pelas principais moedas regionais do planeta: o USD, o Euro, o Yen, o Yuan, o Real e uma Moeda Árabe Unida.

É pena que o debate político esteja tão contaminado pelas necessidades tácticas e sobretudo pelo desespero e desorientação dos políticos.


OAM 693 —03 Mar 2010 03:32

segunda-feira, março 01, 2010

Portugal 167

Até onde chegará o próximo maremoto em Portugal?


As elipses amarelas assinalam zonas de formação de maremotos

Quando pensávamos que a Madeira era a última vítima da inclemência climática deste Inverno, eis que a agitação tectónica, muito activa ultimamente, e a mesma debilidade do anti-ciclone dos Açores, abrem caminho a múltiplas e bem mais destruidoras catástrofes em várias partes do mundo.

Portugal e a Europa atlântica continuam a ser fortemente fustigadas por ventos ciclónicos, chuvas violentas e cheias, causando prejuízos brutais e um número crescente de vítimas humanas. A deslocação para Oeste da placa americana acaba de causar no Chile o segundo maior sismo até hoje registado (depois do Grande Sismo de 1960, também ocorrido naquele país). O Japão, por sua vez, sofre não apenas, no dia anterior, um terramoto de intensidade 7, como é depois atingido (embora sem grande intensidade) pelo maremoto decorrente do sismo do Chile. É provável que ambas estas crises —climática e sísmica— não tenham ainda terminado.

No meio da maior recessão mundial desde 1929, que vem acompanhada pela maior crise de endividamento público de que há memória, a acumulação de mortes humanas e prejuízos materiais oriundos da destruição de infraestruturas e bens materiais diversos, não poderia vir em pior momento. Quando mais precisamos de poupança, para restaurar as finanças públicas e privadas, e para restaurar a economia, constatamos a pouco e pouco, estupefactos, que a mesma se esfumou ao longo de 30 anos de consumismo e hedonismo irresponsáveis. A contenção de despesas, por sua vez necessária para impedir o colapso e a falência de vários estados desenvolvidos da Europa, América e Ásia, vê-se agora comprometida pelos impactos financeiros que os esforços irrecusáveis no auxílio às vítimas, e na reparação urgente das infraestruturas essenciais atingidas por estas catástrofes, irão inevitavelmente ter nos mercados financeiros mundiais.

A probabilidade de haver nos próximos anos um grande sismo na Califórnia é altíssima, como é muito alta a probabilidade haver um grande terramoto em Portugal até 2050. Estaremos preparados então, como hoje estão, apesar de tudo, países como o Japão, e até o Chile? Relatos recentes de especialistas dizem-nos que não há nenhuma supervisão sobre o cumprimento da legislação anti-sísmica aplicável ao ordenamento do território português (o imprestável primeiro ministro que temos, e o imbecil da EDP, já estão a construir a barragem assassina do Baixo Sabor e querem construir mais barragens assassinas, desta vez no rio Tâmega, em plena falha sísmica!) Nem sequer as construções nos principais centros urbanos do país são objecto de uma supervisão, certificação e vigilância efectivas e transparentes. O desastre da Madeira mostra até onde foi a incúria, ganância, nepotismo, corrupção e irresponsabilidade criminosa dos políticos, empresários e técnicos supostamente credenciados e comprometidos com éticas profissionais. Mas o pior pode mesmo estar para acontecer!

Os terrenos onde os idiotas e corruptos governamentais queriam construir o aeroporto da Ota estão neste momento cobertos de água. E se um tsunami, ou seja um maremoto, da dimensão daquele que ontem varreu a costa chilena, entrar pelo estuário do Tejo dentro, que sucederia às povoações ribeirinhas do Seixal, Moita, Montijo, Alcochete, Alhandra e Vila Franca de Xira? Que ocorreria na zona da Expo? Que aconteceria ao aeroporto de Alcochete se entretanto tivesse sido construído?

Não peço ao turbo-caricato Augusto Mateus que se pronuncie sobre isto, pois não passa dum vendilhão do templo. Pergunto, sim, aos engenheiros, geólogos e arquitectos deste país o que se lhes oferece dizer sobre estes cenários verosímeis. Não acham que chegou o momento da ombridade profissional, e da responsabilidade cidadã?


 OAM 692 —01 Mar 2010 03:50

sábado, fevereiro 27, 2010

Portugal 166



Mudar de paradigma

Financial Crisis: What if Carnage Is Structural, Not Cyclical?
February 21, 2010
Michael Panzner

Throughout the financial crisis, policymakers have focused on keeping things afloat until the storm passes. They've spent vast sums of taxpayer funds trying to jumpstart growth until the economy is back on track. They've encouraged people to keep the faith until businesses start hiring again.

But what happens if all those "untils" turn out to be wide of the mark? What if the carnage we've experienced so far is structural, not cyclical? If that's the case, then Americans are going to find that instead of experiencing better times ahead, they are going to be much worse off than they were -- or are. — in Seeking Alpha.

A Revolução Industrial tirou e continua a tirar dos campos (agora sobretudo na Ásia) milhares de milhões de agricultores e camponeses, provocando o aparecimento de uma malha cada vez mais densa de sociedades urbanas por todo o planeta. A invenção dos aparelhos mecânicos e electromecânicos, movidos a água, vapor, electricidade, ou por efeito da explosão de gases comprimidos, alimentado-se todos eles de energia maioritariamente oriunda do carvão, petróleo, gás natural, barragens (e mais recentemente, do álcool, do biogás, do vento e do Sol) conduziu a um aumento exponencial da produtividade, nomeadamente no crítico sector da produção e segurança alimentares. O regresso a uma agricultura baseada no esforço físico humano e em animais de transporte, carga e tracção, parece-nos hoje impensável. Só mesmo no quadro de um esgotamento irremediável das fontes energéticas abundantes que o homem vem utilizando intensamente e transformando desde finais do século 18, poderíamos antever a perspectiva enigmática de um tal retrocesso.

Mas este mesmo avanço tecnológico, com os sempre almejados ganhos de produtividade que marcaram simultaneamente a evolução das máquinas e das formas de organização do trabalho industrial, a par da procura de uma maior proximidade das matérias primas e de contingentes de mão-de-obra assalariada socialmente menos exigente e mais barata, conduziu-nos, porém, a uma nova vaga de desertificação profissional — desta vez, nas cidades, e sobretudo nas imensas cinturas industriais que foram crescendo como cogumelos e rizomas em toda a Europa, nos Estados Unidos e em outras partes do mundo. A crise social daqui resultante provocou, a partir do início da década de 70 do século passado, o crescimento de uma vasta burocracia letrada, associada a um crescimento exponencial do sector de serviços, por sua vez envolvido na expansão e diversificação do consumo. O consumo cultural e os sistemas de bem-estar social, onde predominam as áreas da educação, saúde e protecção social (na doença, no desemprego e na velhice), fizeram dos serviços públicos e privados o grande herdeiro, em termos de emprego e crescimento, das economias camponesa e industrial.

The Long-Term Employment Bust
Feb 18, 2010
David P. Goldman

High levels of unemployment may last indefinitely. A number of economists (including this writer) have been warning about permanent joblessness, and the idea is now seeping into popular magazines.

More than 8 million American jobs were lost since 2007, based on the most recent revision of the overall job count of U.S. establishments. But that is not the worst of it, because the establishment survey fails to capture smaller businesses and the self-employed. By the Bureau of Labor Statistics’ broadest measure of unemployment, including the forced part-time workers and so-called discouraged workers, the unemployment rate rose to 17 percent from 8 percent before the recession. — in First Things.

Os agricultores, camponeses e pescadores transformaram-se em patrões de indústria e operários, e estes, no ciclo seguinte, em especuladores financeiros, burocratas (funcionários públicos e operadores de serviços), e consumidores (cinéfilos, turistas, etc.) A transformação subsequente, que começou na década de 1980 e atinge agora uma fase de aceleração dramática, levou já a um novo e espectacular aumento da produtividade tecnológica do trabalho, com a consequente libertação de energia humana.

Até agora, este tipo de libertação social do trabalho deu origem a períodos dramáticos de desemprego, a que se seguiram períodos de criação em larga escala de novas formas de trabalho humano tecnologicamente assistido, e melhores condições de vida. A prova disto mesmo é o crescimento demográfico e o aumento da esperança de vida dos humanos ao longo de todo o século 20, apesar das mortíferas guerras que, por outro lado, caracterizaram a economia industrial ao longo dos últimos 200 anos — na sequência das revoluções políticas, sociais e tecnológicas desencadeadas pela criação dos Estados Unidos da América (1776), pela Revolução Francesa (1789) e pela invenção da máquina a vapor (1790.)

Até ao aparecimento e disseminação do computador pessoal (início da década de 1980) e da Internet (início da década de 1990) a humanidade concentrou-se sobretudo na evolução e expansão das suas capacidades físicas de transformação material da realidade, de mobilidade e de projecção de forças. As tecnologias resultantes da imaginação científica e da criatividade narrativa e formal serviram pois para modelar um super-homem essencialmente metálico. Esta evolução teve, porém, várias consequências desastrosas: exaustão de recursos naturais não renováveis; destruição progressiva de ecossistemas essenciais à manutenção da vida terrestre (que, sabemos hoje, é em si mesma um grande organismo simbiótico); e transformação do animal humano num consumidor insaciável de bens que cada vez menos produz directamente e sobre os quais foi perdendo o direito de propriedade (o crédito universal tornou-se no mais invasivo, pernicioso e eficaz estratagema de expropriação maciça dos povos.)

Os cenários sombrios que prevêem o prolongamento da civilização humana através de um paradigma radicalmente novo e inesperado —a eliminação programada de uma parte substancial da humanidade— derivam das próprias projecções económicas do esgotamento dos modelos de sociedade baseados no trabalho humano. Uma debulhadora mecânica expulsa o camponês dos campos, tal como o robô expulsa o operário da fábrica, tal como os computadores em rede dispensarão progressivamente boa parte dos burocratas, médicos e enfermeiros, professores e investigadores actuais.

Ao exteriorizarmos em máquinas e redes interactivas crescentemente sofisticadas a realização dos movimentos físicos, transformações e operações mentais necessários aos sistemas de suporte de vida adequados à nossa espécie e ao respectivo estado cultural, ficamos basicamente com tempo livre que, no Capitalismo conhecido, ninguém quer comprar! Dito doutro modo: um número reduzido de humanos poderá, num futuro próximo (30 a 100 anos), concentrar nas suas mãos o controlo neural, à escala planetária, da totalidade dos meios de produção e das regras de sociedade.

Que se fará então do tempo humano disponível, mesmo tendo em conta que a seguir ao actual pico demográfico se seguirá uma contração brutal do número de humanos à face da Terra? O ajustamento demográfico, nomeadamente em nome de novos e radicais patamares de sustentabilidade  —como prevê a chamada Teoria de Olduvai— que preço terá?

 
Dados referentes aos EUA.

Enquanto a lógica do Capitalismo assentou no crescimento do PIB mundial —para o que foi necessário inventar a globalização e virtualização dos mercados financeiros, e a liberalização do comércio mundial—, ocorreu um fenómeno curioso: os países mais ricos começaram a crescer sobretudo pelo lado do consumo (e do endividamento), à medida que os países mais pobres cresciam por importação dos modelos produtivos e de exploração do trabalho humano entretanto esgotados nos países mais desenvolvidos, fazendo a sua própria transição económica (da agricultura para indústria, e desta para os serviços...) A deterioração das balanças comerciais entre consumidores e produtores foi crescendo silenciosamente ao longo dos últimos 40 anos, até atingir o actual ponto de ruptura. Quando a China exige —como acaba de exigir— a transferência de patentes, de marcas, de conhecimento e da própria investigação, para o seu território, em troca do prolongamento da aquisição maciça da dívida americana, e assistimos, por outro lado, ao esvaziamento da gigantesca bolha de endividamento privado e público dos Estados Unidos, Canadá e Europa, percebe-se facilmente que, muito possivelmente, a civilização humana se encontra à beira de uma dramática mudança de paradigma.

US Companies Required to move Research Centers to China
Feb 18, 2010 01:14 AM
Howard Richman

On January 29, nineteen trade groups including the U.S. Chamber of Commerce and the National Association of Manufacturers sent a letter to U.S. Government officials about China's new requirement that they move their research and development centers to China as a condition for doing business with the Chinese government. — in Seeking Alpha.

A expansão do conhecimento, combinada com uma desmaterialização progressiva dos processos de felicidade e a concentração/expropriação radical da propriedade privada, permite antever uma redução em massa dos activos humanos improdutivos e economicamente insuportáveis — não necessariamente através do extermínio violento das populações, mas antes recorrendo a processos indirectos e suaves de redução demográfica selectiva. A automação inteligente dos processos produtivos levada ao extremo dispensará boa parte da mão de obra humana actual. Mantê-la apenas como destino final da produção foi o modelo experimentado ao longo dos últimos 40 anos. Os limites deste modelo, chamado erradamente pós-industrial, estão agora à vista, sobretudo pela evidência da destruição de recursos e alterações nocivas aos equilíbrios ambientais do planeta que causou.

The End of Work

In 1995, Rifkin contended that worldwide unemployment would increase as information technology eliminates tens of millions of jobs in the manufacturing, agricultural and service sectors. He traced the devastating impact of automation on blue-collar, retail and wholesale employees. While a small elite of corporate managers and knowledge workers reap the benefits of the high-tech world economy, the American middle class continues to shrink and the workplace becomes ever more stressful. — in Wikipedia.

A indecisão que actualmente paralisa governos, partidos políticos e decisores em geral —bem à vista, por exemplo, na incapacidade revelada pelos directórios da União Europeia na resolução do problema do endividamento soberano de países como a Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal — é a prova provada de que o que está em causa não é uma qualquer crise cíclica do Capitalismo, mas uma verdadeira avaria sistémica deste modo de exploração. O simples facto de a 26 de Fevereiro não termos ainda em Portugal um Orçamento de Estado aprovado, nem se vislumbrar o que vai ser o famoso Programa de Estabilidade e Crescimento, mostra até que ponto vai a impotência e o medo populista dos principais protagonistas do exausto regime político que temos desde 1975. Os decisores financeiros e políticos meteram, pura e simplesmente, a cabeça debaixo da areia, e esperam que a crise passe. Mas não vai passar. Ou não vai passar sem a adopção de medidas extremas. Ou irá levar duas décadas a atenuar o impacto destruidor do buraco negro criado pelo mercado de derivados financeiros — o qual tem um valor nocional equivalente a 4x a riqueza total produzida no mundo, e 9x o PIB mundial. Quando esta e a próxima década tiverem passado, o mundo será certamente outro.

Em 1516 Tomás Moro escreveu a Utopia, num mundo que iniciava então profundas mudanças tecnológicas, económicas, sociais e culturais. Todos sabemos o que lhe custou o silêncio perante as dúvidas e interrogações insistentes de Henrique VIII. Mas pouco saberão, ou se lembrarão, que o personagem chave de um dos principais tratados da modernidade (a par da Divina Comédia, de Dante, e do Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdão) é um viajante lusitano, de nome Raphael Hythlodaeus. Como era costume à época (1), os sub-textos eram frequentemente tão ou mais importantes do que os textos. No caso, Utopia significa simultaneamente um não-lugar (Οὐτοπία) e um lugar afortunado (Εὐτοπία), ao passo que o nome do viajante português —culto no Latim, mas excelso na língua Grega—, por sua vez, mistura o apelido Hythlodaeus —que em grego [Υθλοδαιος] significa pessoa que diz coisas sem sentido (2)— com o nome Raphael, que na tradição hebraica é o mensageiro de Deus, e significa literalmente "Deus cura". Esta ambiguidade permite uma multiplicidade de derivas e interpretações de uma obra que é sobretudo uma crítica da Política, na sua dupla face, pragmática e populista. "Deus fala por linhas tortas" é uma maneira de afirmar que a Razão, para tê-la, necessita de contraditório, de risco e de uma ponta de imaginação e loucura! Em especial quando as metamorfoses se aproximam, é preciso mostrar o que pode existir para lá da realidade gasta dos dias. Um passo no desconhecido? Sim.

A evocação da Utopia de Tomás Moro tem aqui uma dupla intenção: recordar a nossa velha condição de emigrantes e aventureiros —que a crise profunda actual voltará a incentivar—, e retomar, ainda que de passagem, dois pontos especialmente interessantes e actuais na perspectiva da gestão da crise social que se aproxima como verdadeira tempestade, mas também da necessidade de fundar e promover uma aproximação criativa a mais uma metamorfose cultural da espécie humana, que já começou, mas que ainda não encontrou um novo paradigma de futuro.

As duas citações da edição de Harvard da Utopia, que a seguir transcrevo, correspondem sucessivamente à descrição do personagem Raphael e da sua breve aventura, e a uma parte do discurso deste contra a pena de morte por delitos menores (no caso o roubo a que os pobres e miseráveis se dedicam quando lhes falta o pão.)

Sir Thomas More (1478–1535).  Utopia.
The Harvard Classics.  1909–14.

The First Book

The First Book of the Communication of Raphael Hythloday, Concerning the Best State of a Commonwealth

Upon a certain day when I had heard the divine service in our Lady’s church, which is the fairest, the most gorgeous and curious church of building in all the city and also most frequented of people, and, the service being done, was ready to go home to my lodging, I chanced to espy this foresaid Peter talking with a certain stranger, a man well stricken in age, with a black sunburned face, a long beard, and a cloak cast homely about his shoulders, whom by his favour and apparel forthwith I judged to be a mariner. But when this Peter saw me, he cometh to me and saluteth me.

He should have been very welcome to me, said I, for your sake.
Nay (quoth he) for his own sake, if you knew him: for there is no man this day living, that can tell you of so many strange and unknown peoples, and countries, as this man can. And I know well that you be very desirous to hear of such news.

Then I conjectured not far amiss (quoth I) for even at the first sight I judged him to be a mariner.

Nay (quoth he) there ye were greatly deceived: he hath sailed indeed, not as the mariner Palinure, but as the expert and prudent prince Ulysses: yea, rather as the ancient and sage philosopher Plato. For this same Raphael Hythloday (for this is his name) is very well learned in the Latin tongue: but profound and excellent in the Greek tongue. Wherein he ever bestowed more study than in the Latin, because he had given himself wholly to the study of philosophy. Whereof he knew that there is nothing extant in the Latin tongue that is to any purpose, saving a few of Seneca’s, and Cicero’s doings. His patrimony that he was born unto, he left to his brethren (for he is a Portugal born) and for the desire that he had to see, and know the far countries of the world, he joined himself in company with Amerigo Vespucci, and in the three last voyages of those four that be now in print and abroad in every man’s hands, he continued still in his company, saving that in the last voyage he came not home again with him. For he made such means and shift, what by entreatance, and what by importune suit, that he got licence of master Amerigo (though it were sore against his will) to be one of the twenty-four which in the end of the last voyage were left in the country of Gulike. He was therefore left behind for his mind sake, as one that took more thought and care for travelling than dying: having customably in his mouth these sayings: he that hath no grave, is covered with the sky: and, the way to heaven out of all places is of like length and distance. Which fantasy of his (if God had not been his better friend) he had surely bought full dear. But after the departing of master Vespucci, when he had travelled through and about many countries with five of his companions Gulikians, at the last by marvellous chance he arrived in Taprobane, from whence he went to Caliquit, where he chanced to find certain of his country ships, wherein he returned again into his country, nothing less than looked for.

...

It chanced on a certain day, when I sat at his table, there was also a certain layman cunning in the laws of your realm. Which, I cannot tell whereof taking occasion, began diligently and busily to praise that strait and rigorous justice, which at that time was there executed upon felons, who, as he said, were for the most part twenty hanged together upon one gallows. And, seeing so few escaped punishment, he said he could not choose, but greatly wonder and marvel, how and by what evil luck it should so come to pass, that thieves nevertheless were in every place so rife and rank. Nay, sir, quoth I (for I durst boldly speak my mind before the Cardinal), marvel nothing hereat: for this punishment of thieves passeth the limits [of] justice, and is also very hurtful to the weal public. For it is too extreme and cruel a punishment for theft, and yet not sufficient to refrain men from theft. For simple theft is not so great an offence, that it ought to be punished with death. Neither there is any punishment so horrible, that it can keep them from stealing, which have no other craft, whereby to get their living. Therefore in this point, not you only, but also the most part of the world, be like evil schoolmasters, which be readier to beat, than to teach their scholars. For great and horrible punishments be appointed for thieves, whereas much rather provision should have been made, that there were some means, whereby they might get their living, so that no man should be driven to this extreme necessity, first to steal, and then to die.

Edição de 1909-14 - The Harvard classics, edited by Charles W. Eliot. Published by New York: P.F. Collier & Son, 1909–14. (Link) Edição em Latim aqui.

Reler este clássico, cruzando as suas ideias impensáveis com, por exemplo, as propostas e estudos recentes em volta da criação e generalização de um Rendimento Básico Universal (Basic Income), bem mais avançadas do que as versões tímidas e sem visão dos nossos Rendimento Mínimo Garantido e Rendimento de Reinserção Social, será certamente um bom exercício de preparação para uma abordagem visionária e estruturante dos inúmeros bloqueios que agora mesmo afligem todos os decisores políticos responsáveis, e uma boa parte dos intelectuais mais atentos.

Termino pelo ponto de partida deste artigo, que só agora exponho, e que foi este: imaginar o que sucederia se todas os 10 627 250 pessoas que constituem a população portuguesa (INE 2008) recebessem um Rendimento Básico Universal, independentemente da sua idade, sexo, situação laboral e nível de riqueza, na ordem dos 150 euros/mês — ou seja, 5 euros/dia. A despesa orçamental seria de 15.940.875.000 euros, ou seja, qualquer coisa como 1/5 da despesa total prevista para este ano (81.216.000.000/ OE2010), quase 3 mil milhões de euros menos do que a despesa prevista com o pessoal das Administrações Públicas (18.680.000.000), e menos de metade do dinheiro que o Estado português tenciona pedir emprestado este ano ao estrangeiro (sob a forma de emissões de títulos de dívida altamente onerados) para financiar o descontrolado endividamento do país (3). Que sucederia?

É certo que um cenário como este iria colocar inúmeros problemas. Mas será que tais problemas seriam menos virtuosos e estrategicamente menos interessantes do que os movimentos browniano das baratas tontas que actualmente deveriam dar respostas credíveis aos problemas —e não dão


Post scriptum — A brilhante palestra de Ken Robinson vem na linha do pensamento lateral que temos que por em marcha se quisermos atacar frontalmente e com alguma probabilidade de êxito o impasse sistémico a que chegámos. Por maior que seja a blasfémia, a verdade é que o edifício educativo ocidental está a ruir por dentro e vai ser preciso reformar profundamente o conceito de educação, começando por um novo entendimento da sua natureza e aplicação nas sociedades tecnologicamente avançadas. Ao contrário do que afirma Medina Carreira, o problema da Educação não é de disciplina, mas de excesso de despesa e estatização bolchevique.


NOTAS
  1. Recorri a esta transcrição de C.A. Patrides para melhor situar as características da personagem central da Utopia, cuja traduções apressadas por vezes simplificam em demasia:
    "Raphael Hytlhloday" is among the most elaborate scholarly jokes of the Renaissance. The Hebraic "Raphael" represents the messenger of God and literally means "God heals", while "Hythloday" transliterates the Greek [Υθλοδαιος] or "speaker of nonsense". In effect, then, the full name could be said to suggest one who is meant to heal but, incapable of doing so, dispenses nonsense instead. But an even more remarkable pun, this time trilingual, would reverse the judgment in Hythloday's favor: "God heals [Hebr., Raphael] through the nonsense [Gr., hythlos] of God [Lat., dei]". Whether actual or presumed, etymological expertise of this order underlines that we are to credit the existence of No-place as related by a man essentially called No-sense. But it underlines More's achievement too, in that w are soon embroiled in the nonexistent political and social structure of No-place, and allow more sense to No-sense than even common sense aloows we should. in "The ills of the body politic", Figures in a Renaissance context, By C.A. Patrides.
  2. Ou vendedor de sonhos, contador de rábulas, vendedor ambulante, mexeriqueiro, bufarinheiro, mascate.
  3. Uma contração instantânea da despesa pública nos sectores das Finanças e Administração Pública (OE2010/ 1.282.800.000), Educação (OE2010/ 7.344.000.000) e Saúde (OE2010/ 9.183.000.000) na ordem dos 30% permitiria libertar 8.806.500.000 de euros para o Rendimento Básico Universal (RBU). Levar a cabo um verdadeiro e urgente programa de eficiência energética à escala nacional, não só criaria emprego durante uma década e meia, como permitiria uma poupança de 30% da nossa factura energética, que foi em 2008 (DGEG) de 6.484.000.000 de euros, parte substancial da qual poderia ser aplicada no RBU. E assim por diante. Será sempre um exercício orçamental, e sobretudo político, complexo, mas não impossível. Como propõe Lester R. Brown, o ponto de partida é aplicar à actual emergência económica. financeira e social, regras semelhantes às de uma economia de guerra.


 OAM 691 — 26 Fev 201002:18 (última actualização: 01 Mar 2001 01:38)

quarta-feira, fevereiro 24, 2010

Dívida Pública

Depois do Subprime, vem aí o estouro das Dívidas Públicas!
Casos críticos: EUA, Reino Unido, Japão, e... Eurolândia



"New York - Nightmare In The City that Never Sleeps", 2008 (7 parts)

A dívida dos EUA chegará no fim de 2010 aos "$14,3 trillion" (14,3x10^12 USD), ou seja, mais de 32 vezes as dívidas somadas da Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal. Há, por conseguinte, um problema muito gordo no Ocidente. Sobretudo se tivermos em conta que os chineses deixaram praticamente de comprar títulos de dívida soberana a países virtualmente falidos, começando obviamente pelos EUA.

Trade And Government Deficits Always Matter
By Elaine Meinel Supkis

(February 23, 2010)  Spanish default will trouble everyone a great deal.  But conversely, a US default, even though it is a smaller GDP ratio than Spain, would devastate, nay, annihilate all banking.  On the other hand, the countries with a strong industrial base will spring back totally powerful while the US will collapse and not rise again for another 100 years. This is something the Chinese are betting on in the future.  (Link)


‘Size Matters’ as EU Weighs Up Greek Rescue Bill: Chart of Day
By Frances Robinson

Feb. 17 (Bloomberg) -- Europe may need to stump up as much as 320 billion euros ($441 billion) if it decides to bail out Greece because it would open the door to rescuing other countries in financial distress, according to BNP Paribas.

“To come up with a bailout plan that would be reasonably certain of success, it would have to cover all the most likely candidates, and it would have to be big,” said Paul Mortimer- Lee, global head of market economics at BNP in London. “Size matters when you are trying to scare off speculators and to comfort nervy bondholders.”  (Link)


Second half of 2010: Sudden intensification of the global systemic crisis – Strengthening of five fundamental negative trends
in GEAB #42

LEAP/E2020 is of the view that the effect of States’ spending trillions to « counteract the crisis » will have fizzled out. These vast sums had the effect of slowing down the development of the systemic global crisis for several months but, as anticipated in previous GEAB reports, this strategy will only have ultimately served to clearly drag States into the crisis caused by the financial institutions. Therefore our team anticipates, in this 42nd issue of the GEAB, a sudden intensification of the crisis in the second half of 2010, caused by a double effect of a catching up of events which were temporarily « frozen » in the second half of 2009 and the impossibility of maintaining the palliative remedies of past years.

... The sudden intensification of the global systemic crisis will be characterised by the acceleration and/or strengthening of five fundamental negative trends:
  • the explosion of the bubble in public deficits and a corresponding increase in state defaults
  • the fatal impact of the Western banking system with mounting debt defaults and the wall of debt coming to maturity 
  • the inescapable rise in interest rates
  • the increase in issues causing international tension
  • a growing social insecurity.

... 2010 will produce a surprising case of the increase in strength of the concept of sovereign debt at risk: it started with Iceland in 2008, then moved to Latvia, Ireland, California and Dubai in 2009, and now Greece. Portugal and Spain will easily get out of it because the Eurozone is currently testing its discovery of the method of supporting countries with credit difficulties with Greece’s case and because these two countries consist of foreseen and manageable risks by Euroland. Then, this wave will go to Japan, the United Kingdom and the United States: the three risks which the system in charge refuses to recognise and for which there is really no possible solution because it concerns the prop of the system and its two supports.

OAM 690 — 24 Fev 2010 12:53 (última actualização: 28 Fev 2010 02:07)

terça-feira, fevereiro 23, 2010

Madeira 2010

Desastre previsível

 

A hora é de solidariedade sem reservas. Faça-se o que for preciso para retomar a normalidade. Depois, quando tudo acalmar, haverá que pedir responsabilidades a quem as deve. Desde logo, e em primeiro lugar, ao senhor Jardim e ao seu PSD, que governa o arquipélago desde 1974!

O aquecimento global traz consigo —já não é novidade para ninguém— fenómenos climatéricos extremos, que vão desde as secas prolongadas e respectivos incêndios, aos inesperados e avassaladores nevões, passando por ciclones, tornados e precipitações catastróficas. Já todos sabemos, e os políticos não podem invocar ignorância em matéria tão sensível, que as zonas costeiras e as pequenas ilhas serão as mais afectadas pela perigosa intensidade dos fenómenos climáticos extremos, em boa parte causados pela acção humana. No caso da Madeira, para além da desfavorável topologia da ilha, há que registar também a nefasta irresponsabilidade e ganância humanas, nomeadamente dos corruptos políticos locais, e de entre estes, do cacique que há décadas governa alegremente aquele paraíso fiscal sem nunca ter sabido favorecer a maioria pobre e inculta da sua população. Alberto João Jardim, tal como antes, Jorge Coelho —na sequência da queda vergonhosa da ponte Hintze Ribeiro (Entre-os-Rios)— deve pedir desculpa aos que trata como súbditos, e demitir-se.



Construir sistematicamente em leitos de cheia é uma sina de políticos irresponsáveis e corruptos. Fez-se na Madeira e faz-se no Continente. Basta pensar nas construções turísticas sobre as arribas algarvias, na Costa da Caparica, na frente urbanística em cima da praia da Póvoa do Varzim, na ribeira alfacinha de Alcântara, na projectada plataforma logística de Castanheira do Ribatejo, ou no anunciado aeroporto da Ota, felizmente abortado por força da opinião pública.

A bolha imobiliária dos últimos trinta anos já rebentou e não voltará tão cedo, mas as consequências nefastas da mesma far-se-ão contudo sentir por tempo indeterminado. Saibamos, ao menos, penalizar os principais e avisados responsáveis, e evitar cair nos mesmos vícios de corrupção.

 Post scriptum — em Abril de 2008 o programa da RTP2, Biosfera (que vejo sempre que posso), transmitiu um trabalho terrivelmente premonitório da calamidade que acabaria por abater-se sobre a Madeira no passado dia 20 de Fevereiro. Esta não é aliás a primeira vez que o desastre se agiganta por causa da actuação irresponsável e gananciosa das pessoas, começando pelos governos locais e municipais. Mas talvez agora seja o momento de exigir dos políticos que autorizaram, e porventura promoveram, as aberrações territoriais e urbanísticas da Madeira, que assumam as suas responsabilidades políticas e eventualmente criminais. Não há nenhum motivo válido para branquear o cacique Alberto João Jardim, por mais lágrimas de crocodilo que verta à hora dos noticiários televisivos! Ele e Sócrates vão passar a andar de braço dado, mas nem por isso conseguirão enganar toda a gente.

Ver também a cronologia das enxurradas e deslizes de terras (e vítimas mortais), que antecederam o desastre de 20 de Fevereiro, publicada pelo JN.



EQUIPA FAROL DE IDEIAS:
Reportagem: Sílvia Camarinha
Imagem: Sérgio Morgado
Edição: Marco Miranda
Apresentação: Maria Grego
Coordenação Editorial: Arminda Deusdado

EMISSÃO:
Esta Reportagem foi para o ar no Biosfera em Abril de 2008.

COPYRIGHT
© RTP/ Farol de Ideias 2008


OAM 689 — 23 Fev 2010 00:44 (última actualização 24 Fev 2010 15:36)

segunda-feira, fevereiro 22, 2010

Presidenciais 2011

Fernando Nobre arruma discurso ambíguo de Alegre


Alegre avançou como candidato da sociedade civil. Porque é que não o apoiou?

Fui convidado por três vias para apoiar e integrar a sua comissão de honra. Nomeadamente pelo grupo de Viseu, onde nasceu a candidatura de Alegre. E hoje esse grupo decidiu estar comigo. Nós temos de ser frontais, porque isto de se dizer uma coisa e depois fazer outra é complicado. Não podemos ter um senhor que foi durante 34 anos deputado do PS, foi vice-presidente da AR indicado pelo PS, que pertence a um partido e que, continuando a ser deputado do partido, diga que quer dinamizar um movimento de cidadania. Para ser coerente, só há uma coisa a fazer: entregar o cartão do partido e fazer uma coisa às claras. — in i online (22 de Fevereiro de 2010).

Manuel Alegre desbaratou, como aqui escrevi, o capital de esperança e confiança gerado pela sua primeira e possivelmente última candidatura presidencial. Realizada e bem contra o sequestrado aparelho partidário do PS, com o apoio decisivo de muitos dos verdadeiros militantes, entretanto desiludidos, do Partido Socialista, a candidatura Alegre gerou à época uma enorme expectativa, nomeadamente em volta da possibilidade de a esperada ruptura alegrista poder contribuir rapidamente para uma refundação do espectro partidário e eleitoral da esquerda portuguesa.

A última e fatal indecisão de Manuel Alegre, que definitivamente compromete a esperança de uma renovação, a curto prazo, do campo socialista, foi deixar escorrer pela comunicação social e na blogosfera a ideia de que estaria a negociar o apoio de José Sócrates à sua candidatura presidencial, a troco de um branqueamento intolerável dessa criatura miserável e indigna de qualquer democracia com vergonha, chamada José Sócrates Pinto de Sousa.

Manuel Alegre não é, como esclareceu Fernando Nobre, nem independente, nem muito menos fruto da chamada sociedade civil. Entende-se por sociedade civil, ou terceiro sector, um conjunto disperso, mas cada vez mais numeroso e forte, de personalidades independentes, de associações académicas, profissionais, culturais, económicas, científicas, solidárias, etc., e ainda de organizações não governamentais (ONG) com forte intervenção crítica nas dinâmicas económicas, sociais e políticas das sociedades.

Este novo magma cultural tem vindo a impor a sua presença e influência social, compensando e corrigindo a crescente falência dos sistemas de poder convencionais — os quais, por motivos óbvios, resistem, como podem, a uma morte claramente anunciada. As democracias actuais transformaram-se em democracias populistas. Os partidos convencionais, que sobrevivem desde a sua fundação jacobina, mostram-se cada vez mais incompetentes, oportunistas, predispostos à corrupção, e verdadeiramente inúteis, a não ser para manterem os rituais enganadores da separação de poderes e da representação popular. Ou seja, à medida que o demo-populismo parlamentar entra em irreversível decadência, a sociedade civil, ainda sem ter sido capaz de imaginar um modelo político alternativo, vai-se substituindo à calamitosa incompetência dos Estados, através de uma pragmática pacífica e dispersa de contenção de danos. É neste contexto que uma candidatura presidencial tão clara como aquela que na passada semana surgiu pela voz de Fernando Nobre, poderá revolver todos os cenários pré-presidenciais até ao momento gizados pelos estados-maiores partidários e pelo próprio e actual presidente Aníbal Cavaco Silva!

Alegre e Cavaco arrastam penosamente as asas de dois sonhos sem alma. Gaguejam cada vez mais. Balbuciam enigmas, sem sequer olharem para os fígados das vítimas premonitórias. Afundam-se na lama das suas próprias biografias de cedências e compromissos. São, em suma, empurrados pelos círculos cada vez mais estreitos de criaturas que neles vêem o seu único modo de vida e esperança social. Se sobrar em cada um deles alguma réstea de nobreza, creio que a mesma os levará a desistir de uma ambição que já não é deles, mas das sombras inúteis que os perseguem. Se tal ocorrer, teremos talvez umas eleições presidenciais disputadas entre Fernando Nobre e Marcelo Rebelo de Sousa. Se assim for, votarei no médico e fundador da AMI.


OAM 688 — 22 Fev 2010 17:23