sábado, julho 11, 2015

Museu do Chiado


Uma demissão inesperada, ou talvez não


Director do Museu do Chiado demite-se em ruptura com a tutela
Vanessa Rato. Público, 08/07/2015 - 19:03 (actualizado às 20:45)

A uma semana da inauguração das novas instalações do MNAC-MC, a tutela quer revogar o depósito da Colecção SEC no museu.

“Apesar de discordar da instrução superior, assumi o compromisso de alterar o subtítulo da nossa exposição […] na condição de que o texto de apresentação da exposição pudesse esclarecer tratar-se de uma mostra baseada numa colecção integrada desde Fevereiro de 2014 no MNAC-MC”.

Num texto de 13 de julho de 2014 —Museu de Arte Contemporânea ou do Modernismo?—reiterei as minhas reservas à expansão 'contemporânea' do pequeno museu do modernismo português conhecido como Museu do Chiado, um lugar ermo e despovoado apesar de existir no coração da capital e no hotspot do turismo português. Ao longo da sua existência este museu sem meios andou sempre de Pôncio para Pilatos, sem estatuto, nem definição, nem autonomia claramente definidos pelo estado, que é seu dono e único responsável. No desvario da era socratina e da passagem por lá dum tal Pedro Lapa, assentou-se (quem? quem é que que assentou, porquê, com que autoridade?) que o Museu do Chiado, onde sempre fomos visitar obras de António Carneiro, Amadeo de Souza-Cardoso, Mário Eloy, ou Jorge Vieira, passaria a ser o Museu Nacional de Arte Contemporânea—MNAC, onde desde logo começou a predominar uma programação de contemporaneidade e novas tendências, com sucessivos encargos a jovens artistas portugueses e estrangeiros.

Saltava à vista que o pequeno museu dos Malhoas e Almadas fora tomado de assalto por um condottieri do pequeno e pindérico mundo da arte contemporânea local e do franchising e mercados secundários que o rodeiam. A arte contemporânea, num país pobre como Portugal, com um mercado expositivo exíguo (apesar da engenharia estatística dos públicos fabricados) passava a dispor de uma multiplicidade de espaços públicos a competir pelo mesmo vanguardismo curatorial importado e colado com cuspo: Museu de Serralves, Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, Culturgest, Museu Berardo, Museu Nacional de Arte Contemporânea, e ainda o futuro Museu de Arte, Arquitetura e Tecnologia da EDP. Salvo o CAM-FCG, todos estes equipamentos são financiados direta ou indiretamente com dinheiro público, afunilando inexplicavelmente o diapasão da frágil cultura museológica que sempre tivemos e continuamos a ter.

Nada disto faz sentido.

O desfecho inesperado da inauguração dos novos espaços do MNAC, que levou à demissão do seu jovem diretor, David Santos, na sequência de um braço de ferro com a tutela, tem, na minha opinião, uma causa sistémica, que é a que acabo de descrever e deriva do desnorte permanente e falta de responsabilidade política e institucional de quem tem (des)cuidado há décadas os museus públicos do país, da arqueologia à arte sacra e ao traje, passando pela música, pela fotografia, pela arquitetura e pela chamada arte contemporânea.

No episódio da demissão de David Santos esteve sobretudo em causa a pressão vinda do Museu de Serralves, e certamente também do novo vereador da cultura de Rui Moreira, Paulo Cunha e Silva, para quem a transferência da coleção de arte da SEC para o MNAC poderia sinalizar simbolicamente um recuo do protagonismo consignado e ganho pela instituição do Porto no campo da promoção qualificada da arte contemporânea, dentro e fora do país. Os cortes orçamentais já operados em Serralves levaram mesmo a instituição a organizar no âmbito do seu décimo quinto aniversário, em setembro de 2014, um jantar comemorativo que serviu também para prestar publicamente contas e angariar fundos. A escassos meses de umas eleições de desfecho incerto, tudo o que este governo não precisava era de comprar uma guerra com o Porto. Será que David Santos pesou bem o melindre político do que estava em causa ao insistir que o catálogo da exposição anunciada mencionasse expressamente que o acervo exposto, e entregue ao cuidado de Serralves por um período de trinta anos, já pertencia de direito, desde fevereiro de 2014, ao MNAC?

Este fiasco é fruto da falta de antecipação política de Jorge Barreto Xavier, o secretário de estado da cultura em funções, é fruto da insensibilidade de última hora do então diretor do MNAC, David Santos, mas no fundo no fundo é também o desfecho antecipado de uma ideia sem sentido: transformar o museu do Chiado em mais um centro de arte contemporânea sem meios, sem autonomia de gestão e cujo défice de público tenderia a eternizar-se. Não basta já vermos como o CAM da FCG tem vindo a morrer de pasmo, apenas salvo in extremis pelo seu excelente buffet?

O Museu do Chiado só será um museu visitado aos milhares se puder e souber ser um verdadeiro museu do modernismo em Portugal, transversal nas disciplinas (literatura, poesia, pintura, arquitetura, cinema, cultura urbana, etc.), com verdadeira autonomia de gestão, imaginativo na direção museológica e na programação, com suporte estatal claro e decente, com apoio camarário adequado, e recorrendo ainda a parcerias e acordos de mecenato com as empresas do Bairro Alto e da Baixa-Chiado. Se o estado não tem competência para o fazer, lance um concurso internacional para gestão privada do mesmo. O interesse público poderia ser bem melhor acautelado do que até agora, e pouparíamos o país a episódios lamentáveis como o que ainda decorre na sequência da demissão do diretor do MNAC em vésperas de uma inauguração. Até o sítio web do museu deixou de funcionar!

POST SCRIPTUM

Já depois desta opinião ter ido para a nuvem surgiu uma Petição Pública sem objeto, dirigida à presidente da Assembleia da República e ao primeiro ministro, na qual nada é pedido, mas sim se repudia o fiasco burocrático que empurrou David Santos para uma escusada e lamentável demissão. Não é uma petição, mas uma carta aberta de protesto, da qual se desconhece o primeiro subscritor: “Manifesto de Repúdio pelo Processo Conducente à Demissão de David Santos – Director do MNAC”. O protesto é compreensível, mas como acima escrevi, as causas do fiasco residem nas sucessivas más decisões sobre o Museu do Chiado. Quanto às responsabilidades por este desenlace precipitado devem ser repartidas por todos os intervenientes no mesmo: secretário de estado da cultura, diretor-geral do património cultural, e diretor do museu. Falar de ato censório a propósito deste fiasco é errado, desviando as atenções do que é essencial, ou seja, a necessidade de definir uma política museológica racional, ajustada à economia do país, e tendo em conta prioridades estratégicas outrora outorgadas, nomeadamente ao Museu de Serralves e ao chamado Museu Berardo.

Atualizado: 12/7/2015 16:59

quinta-feira, julho 09, 2015

Grexit a caminho dos BRICS?

Halford Mackinder: “The geographical pivot of history”.
The Geographical Journal, 1904


Poderá Tsipras deitar borda fora o mandato reforçado que detém?


 “Few great failures have had more far-reaching consequences than the failure of Rome to Latinize the Greek.” Halford Mackinder, 1904.

O que está em causa em mais esta tragédia grega é a capacidade do eixo franco-alemão que acelerou a criação da zona euro —no caso da Grécia, promovendo mesmo o seu acesso fraudulento ao clube (1)—, impedir a sua derrapagem, ou mesmo uma implosão de consequências imprevisíveis.

Vale a pena ler o texto da célebre conferência dada por Halford Mackinder na Real Sociedade de Geografia inglesa, em 25 de janeiro de 1904: “The geographical pivot of history”, pois aqui podemos encontrar o paradigma estratégico que ainda hoje determina o essencial das decisões estratégicas dos principais países do mundo: Estados Unidos, Rússia, China, Reino Unido, França, etc.

A ideia central de Mackinder é que o mundo aberto e em expansão da modernidade desbravado pela expansão marítima da Europa ocidental a partir do século 15 voltaria a fechar-se no dealbar do século 20 sob o estatuto de uma cartografia de mundos finalmente conhecidos, onde, sob o ponto de vista demográfico, económico e político, as principais dinâmicas de poder continuavam (e continuam) a residir nas tensões potenciais entre a Grande Rússia e os crescentes que a rodeiam e ao mesmo tempo a separam dos mares: a Europa ocidental (de que as Américas são uma extensão), o Próximo Oriente, a Índia, a China, a Coreia e o Japão.

Curiosamente, a Grécia continua mais próxima da Rússia e dos interesses estratégicos desta, do que da União Europeia e do projeto franco-alemão do euro:
“It is probably one of the most striking coincidences of history that the seaward and the landward expansion of Europe should, in a sense, continue the ancient opposition between Roman and Greek. Few great failures have had more far-reaching consequences tan the failure of Rome to Latinize the Greek. The Teuton was civilized and Christianized by the Roman, the Slav in the main by the Greek. It is the Romano-Teuton who in later times embarked upon the ocean; it was the Graeco-Slav who rode over the steppes, conquering the Turanian. Thus the modern land-power differs from the sea-power no less in the source of its ideals than in the material conditions of its mobility.” Idem

A modernidade pós-medieval e transatlântica começa em 1415 e termina, segundo Mackinder, pouco depois do ano 1900, mas só o perceberemos provavelmente de um modo irrefutável em 2015, no rescaldo do colapso financeiro da Grécia, no meio da maior crise financeira desde 1929, seiscentos anos depois da conquista de Ceuta por Portugal — onde então reinava uma inglesa chamada Filipa de Lencastre, cuja visão estratégica viria a mudar a história do mundo sobre o qual Halford Mackinder elaborou uma notável visão geopolítica, que ainda hoje determina as ações de Putin e de Obama.

Obama Calls Merkel, Reinforces IMF Case Of Debt Haircut Zero Hedge, 07/07/2015 15:26 -0400

Readout of the President’s Call with Chancellor Angela Merkel of Germany

White House:

The President and German Chancellor Angela Merkel spoke by phone this morning about Greece. The leaders agreed it is in everyone’s interest to reach a durable agreement that will allow Greece to resume reforms, return to growth, and achieve debt sustainability within the Eurozone. The leaders noted that their economic teams are monitoring the situation in Greece and remain in close contact.


Russia Asks Greece To Join BRICS Bank
Zero Hedge, Submitted by Tyler Durden on 05/11/2015 12:27 -0400

As Bloomberg reports:

Russian Deputy Finance Minister Sergei Storchak spoke with Greek PM Alexis Tsipras today, proposed that Greece become 6th member of New Development Bank set up by Brazil, Russia, India, China, South Africa, a Greek govt official says in e-mail to reporters.

A Europa e os Estados Unidos vivem há décadas acima das suas possibilidades.

Nada fizeram para corrigir esta mudança estrutural das suas economias, ou por outra, fizeram, aldrabando desde meados dos anos 80 do século passado (invenção dos CDO) os livros de contabilidade e os orçamentos, expandindo para dimensões lunáticas as suas massas monetárias e responsabilidades (dívidas), incentivando o consumo conspícuo e o mais ruinoso dos keynesianismos: ligar os tesouros soberanos (i.e. os governos) à especulação financeira global, esperando que o crescimento produtivo (e não meramente contabilístico, aldrabado) regressasse. Não regressou, e o resultado são borbulhas de mentiras e corrupção que rebentam e continuarão a rebentar por toda a parte, até que uma grande explosão, seguida de implosão geral dos mercados, obrigue a um GRANDE JUBILEU DAS DÍVIDAS, onde os prejuízos não recaiam todos sobre as populações indefesas.

É nestes momentos que os equilíbrios geográficos da política vêm de novo à superfície. A crise grega deixou, já há algum tempo, de ser uma crise económica (2) e financeira, para se transformar numa crise diplomática e estratégica de primeiro plano.

Estes dois notáveis discursos no Parlamento Europeu são uma excelente metáfora do momento crítico que vivemos.


I got angry this morning at Mr Tsipras, because we need to see concrete proposals coming from him. We can only avoid a #Grexit if he takes his responsibility. Watch my speech again here
Posted by Guy Verhofstadt on Quarta-feira, 8 de Julho de 2015




NOTAS
  1. ECB Tells Court Releasing Greek Swap Files Would Inflame Markets
    Bloomberg, June 14, 2012 — 1:32 PM BST

    June 14 (Bloomberg) -- The European Central Bank said it can’t release files showing how Greece may have used derivatives to hide its borrowings because disclosure could still inflame the crisis threatening the future of the single currency.

    Bloomberg News is suing the ECB to provide the documents under European Union freedom-of-information rules. The papers may help show the role EU authorities played in allowing Greece to mask its deficit for almost a decade before the nation’s troubled finances necessitated a 240 billion-euro ($301 billion) bailout and the biggest debt restructuring in history. 
  2. O que não quer dizer que a crise institucional, económica e financeira, não seja gravíssima, porque é. Um dos dos dados económicos invisíveis da incapacidade de a Grécia crescer significativamente é, tal como Portugal, a sua dependência do petróleo, que o gráfico abaixo ilustra dramaticamente. Também por aqui a sua aproximação aos BRICS trará provavelmente mudanças significativas no seu modelo de desenvolvimento.
"What Greece, Cyprus, and Puerto Rico Have in Common"—Gail Tverberg

terça-feira, julho 07, 2015

O mito do perigo comunista




Afinal, o problema da Guerra Fria não teve nada que ver com o Comunismo!


“Putin’s Fourth of July Bear greeting to Obama.”

FOX News: While the United States celebrated Independence Day, two pairs of Russian bombers flew off the coast of California and Alaska -- forcing the Air Force to scramble fighter jets to intercept both flights, two senior defense officials tell Fox News.

The first incident occurred at 10:30 a.m. ET on July 4 off the coast of Alaska, Fox News is told. Two U.S. Air Force F-22 jets were scrambled from their base in Alaska to intercept two Tupolev Tu-95 long-range strategic bombers, capable of carrying nuclear weapons.

The second incident occurred at 11:00 a.m. ET also on July 4, off the central coast of California. Two F-15s from an undisclosed location were scrambled to intercept another pair of Tu-95 Bear bombers.

O comentário dum funcionário da defesa dos Estados Unidos, acima transcrito, dá bem a ideia do grau de atrito existente entre o grande, mas decadente, imperialismo americano, e o império continental russo, para quem o colapso da ex-União Soviética parece ter sido inteiramente ultrapassado pela recuperação estratégica da velha Rússia.

Lembro-me de uma conversa filosófica de agosto, no Algarve, provavelmente em 1972, da qual participaram, entre outros, Egídio Namorado, físico e filósofo brilhante, Sottomomayor Cardia, intelectual que então despontava no firmamento da esquerda, João José Cochofel, poeta e publicista, António Paulouro, célebre editor do Jornal do Fundão, e alguns ouvintes, entre os quais estava. Eram então todos eles, marxistas, mais ou menos próximos do Partido Comunista. Mas a condição intelectual que os unia obrigava o exercício regular do racionalismo crítico, nomeadamente ao fim da tarde, sobre as areias quentes de Armação de Pêra. Nunca me esquecerei daqueles diálogos.

Numa daquelas conversas discutiu-se o que teria levado o socialismo a implantar-se num país atrasado como a Rússia, ainda por cima trocando a ideia da revolução comunista mundial, idealizada por Trotsky sob o paradigma da Revolução Permanente, pela peregrina doutrina do socialismo num só país. A explicação, dada por Egídio Namorado, assentava basicamente num ponto: a extensão continental da Rússia. Esta extensão permitira não apenas saltar da Idade Média para a Revolução Industrial, como testar misseis intercontinentais sem sair do país. A chamada ditadura do proletariado, por outro lado, foi uma espécie de metamorfose pragmática do czarismo, sem a qual não teria sido possível tamanha aceleração da História: Comunismo = a Eletricidade + Sovietes!

Esta compreensão do mistério do socialismo num só país, permite-nos hoje perceber melhor as tensões leste-oeste.

Sob a divergência ideológica entre capitalismo e comunismo, sob este manto diáfano de fantasia, hipocrisia e propaganda, escondeu-se a nudez forte de uma verdade definida por Halford Mackinder em 1904 como a teoria do coração do mundo: “Even in Asia we are probably witnessing the last moves of the game first played by the horsemen of Yermak the Cossack and the shipmen of Vasco da Gama” (“The geographical pivot of history”. The Geographical Journal, 1904).

A célebre frase de Mackinder,  “Who rules East Europe commands the Heartland; Who rules the Heartland commands the World Island; Who rules the World Island commands the World”, extraída do seu livro publicado em 1919, Democratic Ideals and Reality: A Study in the Politics of Reconstruction, é ainda hoje responsável por boa parte da consciência estratégica mundial.

É por isto que alguns anos depois do colapso da União Soviética, a Rússia aparece de novo como o inimigo público número um da América. Mas a verdade é que o centro do mundo continua e continuará por muitos séculos na Eurásia.


Atualizado: 8/7/2015 01:25 WET

segunda-feira, julho 06, 2015

A rebelião do Norte

Rui Moreira, presidente independente da Câmara Municipal do Porto


Norte inicia guerra pela defesa da propriedade pública da água. E eu apoio!


Quando o Norte se levanta, São Bento, o Terreiro do Paço e Belém devem mesmo coçar a cabeça, porque alguma coisa acabará por mudar em Portugal num horizonte relativamente próximo


Desconheço os pormenores de mais este processo de concentração capitalista, rentismo financeiro, expropriação fiscal e centralização político-partidária. Mas que cheira mal à partida, cheira!

Rui Moreira, presidente independente da câmara do Porto

Tal como já se provou (...), ao contrário do anunciado pelo Governo, não haverá economias de escala na fusão dos subsistemas.

Pode o Estado, por decreto, violar o código das sociedades comerciais? Talvez o possa fazer, e só os tribunais o poderão impedir. Mas, em qualquer caso, fica o aviso para qualquer investidor. O Estado Português é um mau sócio, e pouco fiável, porque altera, por decreto e a seu bel-prazer, as regras do jogo, a meio do campeonato. Num Estado de Direito, o Governo deve zelar pelo cumprimento da lei e deve ser, eticamente, exemplar. Quando dá este mau exemplo, quando abusa do poder legislativo para comprometer os seus compromissos, é caso para dizer que, infelizmente, não é confiável, e isso exigiria, é claro, que também a presidência da República se interessasse por este caso, se para isso tivesse tempo entre os muitos e variados comentários sobre o caso grego.

Ler mais em Correio da manhã


O Porto é cada vez mais a capital do noroeste peninsular. Pode e deve atrair a Galiza para uma cooperação estratégica cada vez maior com Portugal, reforçando desde logo todas as pontes com o norte do país. O contrário, portanto, da política imbecil dos últimos governos das galdérias e galdérios acomodados em Lisboa, que tudo têm feito para boicotar as ligações naturais entre os dois países ibéricos, apesar de todas as evidências económicas.

Uma das consequências da crise sistémica do capitalismo em curso, que no essencial significará o fim do capitalismo da abundância, o fim inevitável do bem estar improdutivo e discricionário, e o fim da hipertrofia burocrática dos estados, das economias e das corporações profissionais, é também o fim de certos patamares de confiança e delegação de poderes em entidades que revelaram incompetência extrema na administração do bem comum e doses ruinosas de corrupção.

As criaturas de São Bento, do Terreiro do Paço e de Belém vão, pois, ter que provar mais e melhor, na sequência da pré-bancarrrota para que conduziram o país, cada investimento e cada decisão que tomem. O instituto dos referendos nacionais, regionais e locais deve, pois, ser rapidamente consagrado como praxis constitucional comum no país.

Por fim, deveremos tratar de rapidamente desenhar e levar a referendo a criação de duas novas regiões autónomas no país: a região de Lisboa e a região do Porto. Esta será a forma mais racional e desejável de melhorar a democracia e a gestão destes dois pilares fundamentais do país, mas também um caminho desejável para a diminuição da macrocefalia desmiolada dos senhorios partidários acampados em Lisboa.

Esperança à esquerda?

"O BE passou por um processo de renovação geracional que era necessário e durou algum tempo."
Miguel Manso/Público

Mariana Mortágua: a minha personalidade do ano de 2015


Um lapsus linguae revelador da honestidade intelectual latente de Mariana Mortágua: “Não há uma política de direitos sociais sem condições económicas.”

“Se há um pânico nos mercados Portugal não tem como se defender”
Paulo Pena, 06/07/2015 - 07:56 Público

Esta é uma excelente entrevista, esteja-se ou não de acordo com as ideias expostas. Eu, no essencial, não estou, embora reconheça legitimidade a muitas das suas sagazes observações sobre as incongruências e a criminalidade organizada do capitalismo decadente que domina o planeta. Este é provavelmente o único discurso coerente do que resta, e é muito pouco, da esquerda histórica. Não seria mau para Portugal que esta economista-política fizesse o seu caminho, começando, desde já, por ascender à direção do Bloco. O PS morreu, e um vazio na esquerda do arco-íris político (o PCP não conta para efeitos práticos) seria trágico para a democracia portuguesa...

Seja como for, esta entrevista merece resposta à altura dos argumentos que apresenta.

O regresso ao dracma

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Grécia, ilusões de uma noite de verão


Os gregos votaram OXI num referendo populista à austeridade. Na realidade, votaram NÃO à sua continuidade na Eurolândia. Não interessa que gostem muito da Europa, ou do euro. A verdade é que, cercados pela austeridade e pelo desemprego, se precipitaram para um beco sem saída.

O estado grego moderno é uma  economia atrasada, corrupta e sempre endividada, que desde 1821-1829 (libertação do multissecular domínio turco) acumula bancarrotas: 1826, 1843, 1860, 1893, 1932, 2015.

A Grécia tem sido liderada por famílias de piratas sem escrúpulos, incluindo a família 'socialista' lá do sítio. Uma estranha coligação de esquerda e direita radicais liderada por Alexis Tsipras pretende, uma vez mais, não pagar, insultando os credores ao mesmo tempo que lhes pede mais dinheiro!


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Pelo que percebi das entrelinhas deste dia, o Plano B de Tsipras/Varoufakis é mesmo regressar ao dracma, proclamando eventualmente as dívidas astronómicas acumuladas como dívidas odiosas, de acordo, aliás, com um documento produzido no parlamento grego e divulgado a semana passada.

Por outro lado, da declaração do presidente do parlamento europeu, Martin Schulz, a Grécia, além de se ter colocado numa posição negocial insustentável, não terá liquidez do BCE na semana que hoje começa e nos tempos mais próximos, pelo que a Grécia entrará numa fase de emergência humanitária aguda.

Statement by Martin SCHULZ, EP President on the situation in Greece following the Referendum

“The ‘no’ side has won the referendum with an overwhelming majority and we have to respect the vote of the Greek people. In full sovereignty they expressed a clear ‘no’ to the proposals on the table in the eurozone. This is a difficult day: there’s a broad majority in Greece and the promise of Prime Minister Tsipras to the Greek people that with the ‘no’ the position of Greece for negotiating a better deal would become better is, in my eyes, not true...

“...We are in a difficult situation, the Greek people said no, but eighty other states of the eurozone agreed about the proposals to which the Greek people said ‘no’. But this is democracy in Greece and democratic governments and parliaments in other countries had another view a different view. It is now up to the Greek government to make proposals which could convince the eighteen other member states of the eurozone and the institutions in Brussels that it is necessary, possible and even effective to renegotiate, but this depends now on the proposals coming from Greece...”

“... But, nevertheless we have to respect the sovereignty and the will that the greek people expressed today in the referendum. The promise of the minister of finance that the banks will open tomorrow and that money will be available for tomorrow and tuesday seems to me very difficult and dangerous. And, therefore, because I believe that the Greek people will be, during the week and even every day in a more difficult situation, I think we should tomorrow, at the latest on Tuesday for the eurozone summit discuss about a humanitarian aid programme for Greece...”

“...Ordinary citizens, pensioners, sick people or children in the kindergarten should not pay a price for the dramatic situation in which the country and the government brought the country now. Therefore a humanitarian programme is needed immediately and I hope that the Greek government will make in the next coming hours meaningful and constructive proposals allowing that it is meaningful and possible te renegotiate. If not, we are entering a very difficult and even dramatic time.”

Link

A Grécia tornou-se um abcesso que é preciso lancetar, sob pena de contaminar toda a União Europeia. Não há alternativa ao Grexit. No entanto (ouvir esta crónica de Max Keiser), a saída da Grécia do euro e a renúncia ao pagamento das suas dívidas ao FMI e à UE poderá desencadear o colapso da própria zona euro, e mesmo da União Europeia. A menos que a tia Merkel esteja disposta a fazer ao Deutsche Bank o mesmo que Bush deixou fazer ao Lehman Brothers...

Atualizado em 6/7/2015 11:23

quarta-feira, julho 01, 2015

Et in Arcadia ego

Nicolas Poussin. Et in Arcadia est (1637-38)

Estou no Paraíso, ou morto?


Islândia, Chipre, Grécia, e em dramas mais sofríveis, Irlanda, Espanha e Portugal, a que se foram juntando as aflições de italianos, franceses e britânicos, são peças de um dominó em metamorfose.

Este dominó chama-se ocaso da abundância capitalista.

Abundância, porque houve durante meio século, sobretudo na Europa ocidental, nos Estados Unidos da América e no Canadá, sociedades humanas muito produtivas, com elevados padrões de consumo e onde se desenvolveram e instalaram sistemas de segurança social extremamente baratos, representando uma fração exígua na poupança individual e coletiva gerada por uma produtividade económica que teve a sua origem na emergência de várias indutores historicamente excecionais (ao longo dos séculos 19 e 20), tais como a energia barata proveniente do carvão, e depois do petróleo e do gás natural, ou ainda da fissão nuclear, usada na forma de vapor motriz, eletricidade e explosão de gases sob pressão.

Esta enorme capacidade de produzir barato e em grandes quantidades (quantidades industriais) teve na energia abundante, barata e transportável, a sua condição necessária, mas não suficiente. Para que os excedentes que deram lugar à poupança e ao bem estar social pudessem ter existido foram necessários ainda duas condições essenciais: a tecnologia oriunda das primeiras sociedades de conhecimento organizado e capitalizado, e a disponibilidade colonial de matérias primas e contingentes de quase escravos obtidos pela via de um desenvolvimento económico, social, cultural e político desigual. Não podemos, pois, imaginar a extraordinária dimensão e complexidade das infraestruturas materiais e imateriais, e o bem estar do Ocidente e das suas classes médias, nem a ociosidade cultural de franjas significativas e crescentes das suas populações, e muito menos o aumento espetacular da longevidade das gentes destes paraísos que ainda hoje atraem migrações gigantescas, sem pressupormos a conjugação provavelmente irrepetível das circunstâncias descritas.

À medida que esta conjugação de recursos e interações dinâmicas se expandiu por todos os continentes, ao mesmo tempo que se produzia uma equalização tímida entre o primeiro mundo (Estados Unidos e seus aliados desenvolvidos) e os segundo (União Soviética e seus aliados) e terceiro (os países neutros e não-alinhados—em geral, subdesenvolvidos) cresceu, por um lado, a população mundial e diminuiu, por outro, o ritmo de crescimento da riqueza média individual, ao mesmo tempo que os recursos naturais foram sendo submetidos a uma pressão ecológica cada vez mais destrutiva, e aumentaram os custos totais de cada unidade de PIB produzido no planeta.

Capitalista, porque o modo como toda esta explosão produtiva ocorreu e se desenvolveu é um fruto genuíno das sociedades capitalistas nascidas e desenvolvidas na Europa ao longo dos séculos 15, 16, 17, 18, 19 e 20.

As sociedades capitalistas comerciais e a luta pela criação de instituições laicas e democráticas foram determinantes nos séculos 15, 16, 17 e 18, as sociedades comerciais e industriais empurraram os séculos 19 e 20 para a era do crescimento rápido e da modernidade urbana e internacional, finalmente as sociedades comerciais, industriais e financeiras do século 20 expandiram exponencialmente o novo modelo de sociedade afluente e cosmopolita, através de guerras e revoluções brutais. Por fim, o início do século 21 marca o pico e provável ocaso de uma era de crescimento rápido inflacionista, e o início de uma nova era de crescimento moderado: deflação, queda dos rendimentos médios per capita, e absoluta necessidade de um renascimento científico e cultural suficientemente forte para nos convencer de que a felicidade não está no consumo conspícuo, nem no desperdício, nem muito menos na destruição dos ecossistemas, mas numa nova aventura por vir.

O fim do socialismo como o conhecemos

Os movimentos socialistas, nomeadamente sob influência do marxismo, serviram sobretudo o desejo do proletariado industrial e dos povos mais atrasados e submetidos a formas de exploração e despotismo pré-modernos, de se aproximarem da abundância e da liberdade inerentes ao capitalismo criativo. O maniqueísmo e messianismo judaicos de que vinham impregnados, nomeadamente sob a forma da teleologia hegeliano-marxista, foi e continua a ser para muitos um modo de fé travestido de pseudo cientismo dialético. Daí, aliás, a sua extrema fraqueza pragmática e incapacidade crescente de olhar para a realidade sem o véu da fantasia, da hipocrisia e do oportunismo.

A falência das esquerdas tem pois uma origem que não é apenas conjuntural à crise das democracias do bem-estar, nem sequer apenas um fruto podre do desaparecimento do proletariado industrial entretanto substituído por máquinas inteligentes, ou da emigração do trabalho produtivo para as antigas colónias dos antigos impérios europeus e americano. A falência das burocracias sociais-democratas e socialistas, a falência dos cadáveres adiados do estalinismo e das novas eflorescências geneticamente modificadas da esquerda radical, são uma espécie de resto da História em movimento. Daí o estilo populista e de farsa que as suas encenações cada vez mais exibem.

Os novos revolucionários são, como sempre foram, terroristas. A sua emergência explosiva e suicida no início deste século denota uma realidade, só por distração, inesperada, que precisa de ser estudada e entendida. O desespero que indivíduos, tribos do deserto e urbanas, sociedades inteiras, amanhã países, transportam sob o manto de uma ressurreição religiosa é real e é profundo. Não percamos tempo com os motards do Syriza!

Propagar, pela via da demagogia que reduz e vitupera, anamorfoses ilusionistas da complexidade do momento que vivemos é um erro que poderemos pagar caro. O abrandamento do crescimento mundial é um fenómeno complexo, mas inexorável. Acontece numa fase da humanidade em que as desigualdades económicas entre pessoas, cidades, países e regiões estratégicas continuam muito acentuadas, acontece num momento em que a aproximação dos rendimentos entre os continentes, e sobretudo entre os países mais populosos do planeta e o Ocidente rico, propiciado pelo desenvolvimento rápido dos chamados países emergentes, começa a abrandar. Se não forem a Europa, os Estados Unidos, a Rússia, a China, o Canadá e a Austrália a promoverem novas estratégias partilhadas de equidade económica, social e cultural, quem será?

Houve uma fuga em frente quando nos deparámos nos idos anos 70 do século passado com os limites do crescimento. Essa fuga acabaria por traduzir-se num endividamento astronómico dos governos, das empresas e das pessoas, sobretudo no Ocidente desenvolvido. À queda permanente dos rendimentos do trabalho, mas também do capital, respondeu-se com derivados especulativos sobre o futuro, transformando o imobiliário, as obras públicas injustificadas e insustentáveis, a hipertrofia dos governos e das burocracias, o automóvel, a educação, e a especulação com taxas de juro e moedas, em fichas viciadas dum casino global. As bolhas incharam, são muitas e gigantescas, e estão a rebentar desde 2007.

É por isso que as imagens do sofrimento e da aflição das pessoas, pungentes nos casos das crianças e dos idosos, seja em Nova Iorque, Atenas, no Cairo, Damasco, Lampedusa, ou amanhã em Lisboa, devem servir-nos para pensar e não atiçar os demónios do maniqueísmo partidário e religioso.

Os governos gregos fizeram pouco até hoje para emendar o seu estilo de vida insustentável, uma vez percebido que o mundo mudou. Aos eurocratas e aos burocratas do FMI, por sua vez, faltou melhor comunicação com as populações e com as elites gregas. A senhora Merkel, por fim, talvez tenha razão, mas enquanto não cuidar dos piratas do Deutsche Bank ninguém lhe dará ouvidos!

A bancarrota grega não chega para abalar os mercados de capitais de forma decisiva. Este foi o erro de cálculo de Varoufakis, Tsipras e Putin, e que custou aos pobres pensionistas e desempregados gregos um agravamento brutal do seu dia a dia.

A bancarrota grega vai marcar uma viragem na Europa, e provavelmente no mundo ocidental. Vamos todos perceber até ao fim deste ano que o mundo está mesmo a mudar, e que precisamos de o reinventar.