sábado, janeiro 14, 2017

O flop teórico da Geringonça

Ricardo Paes Mamede
Foto © autor desconhecido

Orgulhosamente sós m-l


“O Rui Peres Jorge (RPJ, jornalista do Jornal de Negócios) escreveu o melhor texto que li sobre o Novo Banco (NB). Alerta-nos para um facto básico: "o que as ofertas conhecidas até agora nos dizem é que o terceiro maior banco nacional, já aliviado de muitos passivos e perdas, com mais de seis mil colaboradores, 20% de quota de mercado e a maior carteira de clientes empresariais não vale nada!". 
Este paradoxo só pode ser compreendido se assumirmos que não é apenas o NB que está em causa. Não há propostas de jeito para o NB porque ninguém espera que os bancos em Portugal tenham lucro elevado no futuro previsível. Isto por causa do crédito mal-parado que os bancos têm em carteira, mas também porque toda a economia está endividada e as perspectivas de crescimento são fracas (por vários factores, incluindo uma estrutura produtiva débil, que não se muda do dia para a noite).” 
- in Ricardo Paes Mamede, “O presente envenenado de um eventual resgate europeu da banca portuguesa”, 13/01/2017, Ladrões de Bicicletas


Ricardo Paes Mamede é um jovem economista que sofre dos males da maioria dos economistas: é um economista político! Pior ainda, é um economista da Geringonça. Ou seja, engoliu o DVD do Orgulhosamente Sós - versão marxista-leninista - e não consegue pensar. É pena, pois, se pensasse, chegaria à mesma conclusão que todos nós, i.e. que o marxismo leninismo foi um desastre em toda a linha e custou milhões de mortos pelo planeta fora. E quanto ao Capitalismo de Estado que Mamede, Louçã e outras luminárias da Geringonça advogam, a coisa é muito simples de desmontar: o Capitalismo de Estado (forma económica do Socialismo num só país) só é viável em países com escalas continentais, e além do mais submetidos a regimes autoritários (despotismo marxista-leninista), ou, à escala de uma globalização arquipelágica, onde a Europa, se conseguir manter a sua trajetória, será um dos arquipélagos determinantes. Ou seja, as teorias tardias de Ricardo Paes Mamedes e Francisco Louçã são um embuste fácil de desmontar, e revelam sobretudo que não aprenderam nada com a história das ideologias. E ainda, o Capitalismo de Estado não é democrático, nem permite a liberdade, e, portanto, está em permanente desvantagem competitiva com as democracias liberais. São uma espécie de ácaros (e hackers) do capitalismo real. A dívida portuguesa não é uma dívida odiosa, como Bloco e PCP propagandeiam a toda a hora. É mesmo o retrato de um país onde o marxismo-leninismo (estalinista e trotsquista), que durante mais de quarenta anos condicionou a praxis mole do PS e do PSD, representantes de uma burguesia estúpida e indigente, voltou a falhar clamorosamente.

Resposta às duas perguntas de RPM e a uma tese improvável:

RPM -- "como reduzir o peso da dívida pública" ?
ACP -- reduzindo, nomeadamente reduzindo o paquiderme do regime que é a aliança entre a burocracia inútil, o capitalismo corportivo indigente que nada mudou desde Salazar, e um sistema partidário insaciável. E ainda mudando de alto a baixo a filosofia do Estado Social, sem perdas para os que precisam, mas grandes perdas para os intermediários da fome e da ignorância popular. O exemplo do Rendimento Básico Incondicional, por exemplo, seria uma forma experimental de iniciar uma inadiável ‘revolução’ no Welfare State.

RPM -- "como compatibilizar uma estrutura produtiva débil com a participação numa zona monetária dominada por economias muito mais avançadas, sem que sejam criados mecanismos compensatórios"?
ACP -- deixando funcionar a concorrência, limitando a atividade predadora fiscal e acabando de vez com o intervencionismo político-partidário constante na vida das pessoas e das empresas. Desde logo, parando e revertendo a invasão partidária dos média.

RPM:  Isto implica enfrentar a necessidade de reestruturar a dívida pública e de alterar as regras de funcionamento da zona euro (ou desmantelá-la).
ACP: a restruturação está em curso desde que o BCE começou a comprar dívida pública dos países endividados e a prolongar as maturidades das obrigações; está em curso desde que o BCE começou a promover novas regras de confiança no sistema bancário; está em curso desde que todos nós percebemos que o dinheiro fácil para falsos investimentos e falsas necessidades acabou.

Concluindo, fechar Portugal para supostamente curar as suas doenças endémicas seria o mesmo que transformar o país numa leprosaria nacional!

PS: que tal um referendo sobre a presença de Portugal na União Europeia e na Zona Euro? Perguntas do referendo:

  1. Quer continuar na União Europeia? 
  2. Quer continuar com o Euro ou prefere mudar de moeda?

sexta-feira, janeiro 13, 2017

Rendimento Básico Incondicional, já!

Robot pelo Rendimento Básico Incondicional - WEF16

Quem diria...


Lembram-se quando, em fevereiro de 2016, mencionei no programa da RTP3, Política Sueca, a necessidade de um Rendimento Básico Incondicional para atacar de frente a deterioração do Estado Social? Pois vejam lá, ontem, dia 12 de janeiro de 2017, os deputados europeus reclamaram isto mesmo!

Meps Want 'Free Cash' To Address Job-Killer Robots Threat 
By Jorge Valero | EurActiv.com  
Pre-Davos report calls for reforming capitalism to survive global backlash. 
A World Economic Forum study warns that democracy is in “deeper crisis” and champions more ‘inclusive’ growth, amid growing inequality fuelled by technological disruption.
The mood will be rather gloomy (again) this year when at least 50 heads of state and government and hundreds of business leaders meet next week (17-20 January) in Davos Switzerland.

MEPs want ‘free cash’ to address job-killer robots threat 
By Jorge Valero | EurActiv.com 
EU legislators today (12 January) called for a universal basic income to combat the looming risk of job loss by the onward march of robots, as well as concerns about European welfare systems. 
Technological progress is no longer seen as safe path toward prosperity. A new generation of robots and the development of artificial intelligence may improve how we manufacture goods or how we spend our leisure time. 
But this new wave of intelligent gadgets and autonomous robots could also destroy thousands of jobs without creating new ones in the same proportion, warned a non-legislative report adopted by the European Parliament’s Legal Affairs Committee (JURI).
The development of robotics and AI has raised “concerns about the future of employment, the viability of social welfare and security systems” and, ultimately, is “creating the potential for increased inequality in the distribution of wealth and influence”. 
MEPs have, as a result, told member states that a universal basic income should be “seriously considered”.

Para seguir o debate pelo Rendimento Básico, que outros chamam de Cidadania, aqui vai um link útil.

Jornalistas à beira dum ataque de nervos

Maria Flor Pedroso, presidente do Congresso de Jornalistas


Passados quase 20 anos desde o último congresso de jornalistas, a classe enfrenta “a mais grave crise das suas vidas profissionais”. Durante este período de tempo abandonaram a profissão duas mil pessoas e há jornalistas que sobrevivem graças ao Rendimento Social de Inserção, afirmou esta quinta-feira o presidente da Casa da Imprensa, Goulart Machado, na sessão de abertura do 4.º Congresso de Jornalistas, que decorre até domingo no Cinema São Jorge, em Lisboa. 
in Público

O mais preocupante desta crise tecnológica do jornalismo é a própria indigência que ameaça o meio, e a auto-censura que se instala a olhos vistos. Outro efeito grave da dependência extrema que as empresas de comunicação social manifestam de modo cada vez mais claro perante o poder político é o assalto de jornais e canais de televisão pela marabunta partidária e pelo futebol. A papa resultante é infumável.

A Internet mudou as regras do jogo da informação, da comunicação, da propaganda e da manipulação ideológica e cultural. Soube-o em 1994, quando pela primeira vez entrei no mundo das BBS, e uns meses depois na World Wide Web. Passei então a mensagem ao principal empório de comunicação social português. Mas não fui entendido. O dinheiro comunitário chegava com fluidez e abundância aos bolsos de políticos, empresários, profissionais, facilitadores e redações (eu era, então, colaborador de O Independente). Para quê pensar no futuro? O problema, como hoje se percebe tardiamente, chegou num ápice de tempo.

Em geral, as empresas de comunicação social do nosso país tardaram a perceber o impacto profundo que o mundo online iria ter nas suas vidas e possibilidades de sobrevivência. Quando as redes sociais explodiram, sobretudo no Facebook (2004) e no Twitter (2006), coincidindo a sua rápida expansão com a mais violenta crise económico-financeira mundial dos últimos oitenta anos (2008 - ...), o jornalismo convencional entrou numa espiral implosiva, com todas as consequências económicas, sociais e culturais que em 1994 já se podiam imaginar, ainda que sem a vertente dramática que desde então viemos a conhecer.

Mas o pior de tudo será crer que os média convencionais poderão salvar-se numa espécie de corrida populista de lémures em direção à mediocridade e à subserviência. A ideia é fraca e os resultados trágicos, como o Congresso dos Jornalistas acaba de o reconhecer.

segunda-feira, janeiro 09, 2017

Soares, o último estratega



Foi Álvaro Cunhal quem deu a primeira vitória presidencial a Mário Soares.


Na próxima terça-feira o cortejo que acompanhará o corpo de Mário Soares ao Cemitério dos Prazeres será maior ou menor do que o funeral de Álvaro Cunhal? O governo “apela a todos os cidadãos que participem nas cerimónias fúnebres de Estado prestando homenagem a Mário Soares”. 

Independentemente do juízo subjetivo que cada um de nós faça sobre a personalidade em causa, a sua importância enquanto político que influenciou e muito a vida portuguesa ao longo de setenta e dois anos —em 1945 foi um dos organizadores da gigantesca manifestação de regozijo pela vitória aliada contra o nazi-fascismo — é indesmentível. A segunda metade do século 20, mas também a primeira década deste século (mais precisamente até 2012 — ‘Congresso das Alternativas’) têm em Portugal uma marca indelével que é sua. A homenagem a esta figura relevante da nossa História é, assim, inteiramente devida.

A Esquerda estava dividida em 1969 e assim se manteve até hoje. A fratura deu-se, primeiro, entre comunistas estalinistas e socialistas social-democratas, e é a principal. Depois, na sequência do Maio de 68, surgiram inúmeras seitas de extrema esquerda que só muito mais tarde dariam lugar a uma espécie de destilado radical sincrético unido pelas novas causas emergentes de uma sociedade urbana em processo de metamorfose acelerada, e a que chamaram Bloco de Esquerda.

Houve, porém, em 2012, uma espécie de milagre das esquerdas quando Mário Soares resolve aproximar-se de Francisco Louçã, e por via desta aproximação lança as bases estratégicas de uma reviravolta impensável no Partido Socialista: aliar-se aos comunistas e à esquerda radical em nome de uma luta contra os mercados, contra o diretório e a burocracia de Bruxelas, e contra a Direita. A mesma direita com quem formara governo e sobretudo com quem moldara o estado constitucional que temos. Ou seja, aos 88 anos, o único estratega que o PS alguma vez teve, perante o maremoto macro-económico e político-social que atinge de novo o país, deixando-o praticamente sem defesas face aos credores externos, aposta tudo na construção de uma espécie de Frente Popular, pronta a zarpar o país da União Europeia se a tal for forçado pelas circunstâncias!

A Geringonça não nasceu na noite em que António Costa perdeu as eleições, mas na tarde em que Mário Soares percebeu que o PS não voltaria a ser governo com alianças à direita, claras ou dissimuladas. Quem não tem cão caça com gato, e desta vez os gatos estavam à esquerda do PS. O Bloco de Francisco Louçã e Miguel Portas queriam convergir com o PS, e ao PCP, perante a erosão imparável da sua base social de apoio, que a globalização, a evolução tecnológica e depois a crise financeira aceleraram, precisavam uma vez mais de levar o PS ao poder, sob pena de cavarem dramaticamente a sua própria sepultura.

Álvaro Cunhal morrera em 2005. Soares sofrera uma encefalite em janeiro de 2013, e em junho de 2015 a sua esposa e companheira de sempre, Maria Barroso, parte. Mário Soares sabe que a sua vida se aproxima do fim. A sua última crónica no Diário de Notícias, de 29 de setembro de 2015, é um Apelo, um apelo ao voto no Partido Socialista, para remover Pedro Passos Coelho do poder.

“Os atuais governantes devastaram nestes últimos quatro anos e meio o nosso querido país. 
O próximo dia 4 de outubro, dia da eleição para a Assembleia da República, é por isso decisivo. 
Além de ser véspera do aniversário da proclamação da República, é um dia em que deve renascer a esperança no futuro. Há que inverter a marcha para o abismo com o grave empobrecimento e a crescente irrelevância internacional de Portugal a que as políticas dos atuais governantes nos conduziram. 
É inadiável, por razões patrióticas substituí-los. Não há outro caminho.”

António Costa não ganharia as eleições, mas Pedro Passos Coelho também as perdeu ao não conseguir a maioria absoluta. O que aconteceu depois e hoje pauta a navegação à vista do governo que temos é conhecido. Mas importa registar, na hora em que nos despedimos de Mário Soares, que foi ainda ele quem abriu as portas à mutação interna no regime constitucional nascido na Constituinte de 1975. Não é uma mutação constitucional, mas pragmática, que veio provavelmente para durar. Só não podemos prever se chegará a produzir os frutos que muitos desejam.

Post scriptum (13/1/2017): não fosse o acompanhamento mediático, a coreografia desenhada por José Manuel dos Santos, e os meios a que foi possível recorrer, por serem exéquias de estado, o funeral de Mário Soares teria sido um fiasco. Não houve adesão popular digna do nome, mas apenas presenças protocolares e de serviço, pontuadas por uma adesão citadina dispersa e raramente compacta. Nem o Largo do Rato encheu! Ou seja, o número de pessoas que homenageou in situ o defunto esteve muito longe do número de militantes que o PS diz ter, quanto mais do número dos seus eleitores.  Conclusão: Mário Soares, apesar da sua imegável importância histórica, dividiu, mais do que uniu, os portugueses, sobretudo depois de ter deixado a presidência da república. Em suma, o soarismo morreu.

NOTA

Sobre Mário Soares ver esta sucinta mas esclarecedora cronologia publicada pelo CM

quinta-feira, janeiro 05, 2017

O amigo Juncker

Porto de águas profundas na Trafaria é a alternativa estratégica à estupidez partidária do Barreiro


Precisamos de mais Europa para sairmos do aperto em que estamos


European infrastructure needs more than public funding 
Europe’s leaders are stuck on the horns of a huge dilemma: how to invest more in critical infrastructure without burdening taxpayers further. Private capital is ready to invest in transport, energy, telecoms and healthcare, but existing barriers are holding it back, writes Michael Collins. 
Michael Collins is chief executive of Invest Europe. EurActiv, 2/01/2017

O problema da confiança e da estabilidade das leis e regulamentos, já para não falar do respeito pelos contratos assinados (e responsabilização de quem os assina) só pode avançar com maior, mais coerente, e equilibrada integração europeia, nomeadamente ao nível da regulação e das garantias dadas e a dar no futuro aos atores do crescimento: pessoas, conhecimento e capital. É preciso diminuir a discricionariedade populista dos poderes político-partidários e a sua omnipresença mediática, e para isto acontecer temos também que melhorar as instituições democráticas.

Portugal, um país, dois sistemas!

John Grayken - o abutre do fundo abutre Lone Star

Depois do Banif, entregar o Novo Banco a um abutre seria a dose fatal para uma Geringonça cujo estado de graça começa claramente a definhar.


Então não é que o José Maria do Espírito Santo Silva Ricciardi acaba de defender na SIC, em entrevista conduzida por José Gomes Ferreira, a nacionalização —temporária, diz o figurão— do Novo Banco?! Aquele almoço no Ritz foi uma autêntica epifania para António Costa. O PCP e o Bloco, coitados, devem deambular pelas catacumbas dos seus neurónios marxistas totally lost in translation.

Um país, dois sistemas?

Na China (Macau, Hong Kong) funcionou. O BCE manda cada vez mais no sistema financeiro europeu e nos seus bancos. Por outro lado, se os contribuintes já compraram o lixo do BES, porque não hão-de ficar agora com o lombo? Estamos numa tal emergência mundial (rotação tecnológica e sobre-endividamento) que se justifica algum experimentalismo económico, social e político. Tudo dependerá, neste caso, de Bruxelas e do BCE, pois como sabemos, a corja partidária e bancária que temos conduziu o país à condição de protetorado dos credores internacionais.

Jean-Claude Juncker vem a Lisboa nos próximos dias. A nacionalização do Novo Banco poderá obter nesta ocasião um poderoso aliado. O desairado Carlos Costa que se cuide!

Eis o que reza o comunicado do Banco de Portugal, autêntico trombone onde ninguém consegue já segurar uma informação:

Comunicado do Banco de Portugal sobre o processo de venda do Novo Banco
04 jan. 2017

O Banco de Portugal, no cumprimento do seu mandato relativamente ao processo de venda do Novo Banco, concluiu com base nos elementos disponíveis nesta data que o potencial investidor Lone Star é a entidade mais bem colocada para finalizar com sucesso o processo negocial tendente à aquisição das ações do Novo Banco e decidiu convidá-lo para um aprofundamento das negociações.  
A estabilidade do sistema financeiro e o reforço da confiança no futuro do Novo Banco são objetivos do processo de venda que o Banco de Portugal está a conduzir. No momento atual da negociação, a proposta do potencial investidor Lone Star é a que mais assegura estes objetivos mas apresenta condicionantes, nomeadamente um potencial impacto nas contas públicas, que se procurarão minimizar ou remover no aprofundamento das negociações que agora se inicia. 
Esta nova fase de negociações com o potencial investidor Lone Star não exclui a melhoria das propostas dos restantes potenciais investidores que entregaram propostas no âmbito dos dois procedimentos de venda – Procedimento de Venda Estratégica e Procedimento de Venda em Mercado - e que já mostraram disponibilidade para o fazer.
Lisboa, 4 de janeiro de 2017.

LINK

PS: Entretanto, no dia 5/1, Pedro Santana Lopes escreveu no Jornal de Negócios uma crónica que repete ipsis verbis o recado de Ricciardi. É improvável que não tenha sido previamente combinado. Seja como for, esta colagem ao PCP e ao Bloco não deixa de ser cómico-trágica. No fundo, também eu defendo, no estado a que coisa chegou, a nacionalização temporária do Novo Banco!

segunda-feira, janeiro 02, 2017

Política Sueca (2015-2017)


Política Sueca: 10 de outubro de 2015 - 1 de janeiro de 2017.


A última emissão foi para o ar na madrugada de 1 de janeiro de 2017 (ver em RTP Play).

Não poderemos continuar a analisar o fascinante e perigoso ano de 2017 no Política Sueca, pois este programa de televisão acabou na madrugada do ano que agora começa. Cada um dos protagonistas terá certamente outros palcos onde revelar as suas ideias e análises, pelo que a amizade construída ao longo de mais de um ano de prestações televisivas na RTP3 é certamente terreno fértil para futuras aventuras.

Foram 57 edições, mais ou menos semanais, cujos horários mudaram talvez demasiadas vezes e sem aviso, mas onde foi possível exercer análise política séria, sem agendas partidárias escondidas, nem encomendas — em suma, independente.

Caminhámos sem rede, tentando esclarecer a complexa situação política nacional que emergiu do fim do Memorando de Políticas Económicas e Financeiras, conhecido como Plano da Troika, o qual teve início em maio de 2011 e terminou em maio de 2014, e foi subscrito por Portugal, pelo FMI, pela Comissão Europeia e pelo Banco Central Europeu. Dos 78 mil milhões de euros disponíveis sob a forma de empréstimo, Portugal viria a gastar 75 mil milhões.

A consequência mais relevante do otimismo económico registado em 2014, coincidindo com o início da queda abrupta do preço do petróleo (junho de 2014), permitiria ao PSD ser o partido mais votado nas eleições de 4 de outubro de 2015, apesar da enorme contração no défice orçamental acordado no mencionado Memorando.

Esta vitória eleitoral foi, porém, insuficiente, deixando ao PS a oportunidade de levar a cabo uma aliança parlamentar improvável, com o PCP/PEV e com o Bloco de Esquerda, a qual viria a dar origem ao atual governo PS apoiado por uma maioria parlamentar de esquerda e extrema esquerda. Esta inesperada bi-polarização do poder político, de certo modo antecipada e desejada por Mário Soares, muito antes de António Costa ter sido colocado na direção do Partido Socialista, é a principal ocorrência política que recorrentemente exigiu a nossa análise política.

O segundo grande tema debatido no Política Sueca foi a profundíssima crise financeira e bancária do país, que os colapsos sucessivos do BES e do Banif e a crise profunda da Caixa Geral de Depósitos viriam a evidenciar de forma dramática. O Banif foi literalmente oferecido ao Santander num momento em que este precisava urgentemente de reforçar os seus capitais. Hoje, quase metade do sistema financeiro português é propriedade de não nacionais. Um panorama bem diferente, portanto, dos retratos cor-de-rosa que os mais variados responsáveis do país —Governador do Banco de Portugal, Governo PS liderado por José Sócrates, Presidente Aníbal Cavaco Silva e o então Conselheiro de Estado e comentador político Marcelo Rebelo de Sousa— pintaram sobre o nosso 'sólido e moderno' sistema bancário.

Por fim, três agradecimentos: à RTP, ao Daniel Deusdado, que imaginou o programa e nos convidou a fazê-lo, e à brilhante profissional que moderou com grande segurança jornalística o Política Sueca: Sandra de Sousa.

Ao público fiel e crescente que nos seguiu semalmente, um grande abraço e votos de um próspero e feliz Ano Novo.

António Cerveira Pinto
Cristina Azevedo
Nicolau Pais
Ricardo Jorge Pinto