terça-feira, dezembro 10, 2019

O Natal da TAP


Mas, então, para onde vai a TAP?


Sairam recentemente duas revoadas noticiosas encomendadas sobre a TAP, que são, curiosamente, contraditórias. A primeira, veiculada pelo Jornal de Negócios, Público e Expresso apontava para a saída iminente de David Neeleman da empresa, o qual estaria já a negociar o trespasse da sua parte no negócio da TAP —25% de participação social, mas 70% de direitos económicos— por divergências com o excesso de intromissão dos boys&girls do sócio Estado na vida da empresa e dos seus prémios de produtividade (1). A segunda, publicada pelo Jornal de Negócios de hoje (10 de dezembro), ecoa uma série de preocupações de António Costa sobre a TAP e sobre a ANA, através do seu secretário de estado, Alberto Souto de Miranda, que falou por parábolas natalícias. Os jornalistas, nesta matéria como noutras, não pensam. Limitam-se a papaguear a voz do dono.

Vamos lá, então, tentar perceber esta charada.

  1. Tal como vimos sugerindo, pelo menos, desde 2012, a TAP só tem uma alternativa para se manter relativamente independente, depois de a Lufthansa reiterar que só haverá lugar para três grandes companhias aéreas na Europa: apostar, precisamente, e por um lado, no mercado europeu, com uma frota de novos aviões de médio curso, e por outro, no triângulo atlântico formado pela América do Norte, o Brasil e África, com aviões de longo curso. 
  2. A frota de longo curso, para a TAP Intercontinental, está praticamente renovada com as aquisições realizadas e próximas dos A330 e A321 (ver mapa).
  3. Falta agora tratar de 60% do mercado da TAP, isto é, a TAP Europa, cujas aeronaves, mesmo depois de lhes terem retirado espaço para as pernas, são tudo menos competitivas, pois têm uma idade superior a uma ou duas décadas, consumindo por isso muito mais combustível que a concorrência. Esta operação de renovação crucial da frota da TAP, que depende fundamentalmente de David Neeleman, que é um grande cliente da Airbus (sobretudo no Brasil e nos Estados Unidos) poderá valer mais de mil milhões de euros, o que em comissões é uma pipa de massa. Talvez isto explique a saliva que sobra por aí, e a sua transformação em soundbites.
  4. A TAP Europa só poderá continuar a concorrer com as suas congéneres europeias, sem os insustentáveis prejuízos atuais, se à política de baixas tarifas (Low Fare) que vem seguindo corresponder uma verdadeira estrutura de baixos custos operacionais, incluindo aviões novos capazes de competir com as aeronaves da Ryanair (ou seja, os novos A320), menos consumo energético, ligações ponto-a-ponto, redução dos honorários dos tripulantes e pessoal de cabine, cobrança pelo transporte das bagagens de porão e pelos comes e bebes em voo e, finalmente, a dispensa de aeroportos transformados em centros comerciais e estâncias termais.
  5. António Costa está nervoso, percorre-o um nervoso miudinho, que se fez sentir pela voz do seu mensageiro. E porquê? Ora bem, porque sem renovação da frota de médio curso da renacionalizada TAP e a criação de uma verdadeira companhia Low Cost para a Europa, a nossa querida empresa de bandeira estará condenada a uma irremediável extinção (como qualquer dinossauro, ou outra criatura fora de ambiente).
  6. Por outro lado, sem esta definição prévia, a ANA Vinci não sabe o que fazer na Portela, nem quando começar a renovação do Montijo. Trata-se de pura e dura racionalidade económica. 
  7. Em suma, se António Costa quer mesmo inaugurar o Portela+1, como creio que quer, e deixar o problema da TAP bem encaminhado, em vez de naufragar por causa dele, tem que por em marcha algumas linhas de ação nítidas e sem recuo: impedir que os devoristas do Bloco Central devorem o que resta da TAP; manifestar total apoio a David Neeleman e à sua estratégia (que me parece certeira, fruto da sua larga experiência na metamorfose em curso na aviação comercial); dar sinais claros à ANA Vinci sobre os planos que esta tem para a renovação da Portela e para a renovação/expansão do aeroporto do Montijo e, por fim, dar ordens ao autarca do Montijo para se deixar de ciclovias onde deverá ser reposta a ligação ferroviária entre o Montijo e Pinha Novo!


NOTAS

1. David neeleman: “Eu pessoalmente em conjunto com a Azul, empresa que eu controlo, acreditamos no futuro da TAP e detemos hoje direitos equivalentes a mais de 70% dos direitos económicos da TAP” — Público, 26/11/2019

terça-feira, novembro 26, 2019

A TAP tão bonitinha...

Humberto Pedrosa e David Neeleman donos de 45% da TAP, até ver...

Quem Quer Casar com a Carochinha?

Notícia do JdN: “Saída de Neeleman da TAP preparada para o primeiro trimestre de 2020” (1)

Desfecho previsto (2), lógico, e agora confirmado (3): David Neeleman, isto é, a Atlantic Gateway, isto é a brasileira Azul, a primeira companhia aérea brasileira em destinos, a segunda em frota, e a terceira em passageiros, vai despachar a posição que detém na TAP. Resta saber quem vai querer casar com uma carochinha coxa, com um buraco na asa de quase 4 mil milhões de euros... O Barraqueiro não será com certeza!

Comentário de um companheiro que sabe destas coisas e vê o futuro com uma bola de cristal —a quatro mãos ;)

Acho piada às alternativas sugeridas quanto a eventuais parceiros.

A Lufthansa desde o road show do ex-CEO Fernando Pinto, na sequência do PEC IV, disse logo ao gaúcho que era ele que tinha de ir ter com a Lufthansa e não o contrário. O gaúcho Pinto, à época, andava com aquela conversa de “quem quer casar com a TAP, uma noiva muito bonitinha”. A Lufthansa que pertence ao grupo da Star Alliance, não se imagina que tenha alterado a posição. Ou seja, de não interesse no casamento com uma noiva sem dote.

A AirFrance pertence a outro grupo e faz parceria com a KLM. Vão dividir frotas para melhor gestão de equipamento. A KLM, com a frota da Boeing, e a AirFrance, com a da Airbus, havendo ainda alguns B777 para as rotas principais.

Quanto à British Airways, na realidade, tratando-se de um episódio andaluz, e da América Latina, a Iberia que o jornalista que deu a notícia escondeu, está a finalizar a compra da Air Europa. Com esta empresa no bolso (do Grupo Globália) fica com o aeroporto de Barcelona e irá atacar o mercado aéreo iberoamericano que lhe faltava dominar na América do Sul: o Brasil! Se a TAP for saneada dos 4 mM€ acumulados em dívida de longo e médio prazo, é possível (mas quem avança com este cacau todo?) Por outro lado, a BA-Iberia, isto é o IAG, só aceitaria considerar este negócio se o Costa e a sua malta (a mulher do Medina, etc.) ficassem clara e definitivamente fora do baralho.

A UNITED Airlines, nem pensar. Não se vai prender pelos 25% da TAP (que Neeleman detém), tem mais que fazer.

A TAP é neste momento uma incumbente da AZUL para o Brazil e para os EUA, estando mais dependente desta do que a AZUL da TAP.

O governo ao querer fiscalizar os brasileiros na administração executiva da TAP, nomeando mais um boy (a mulher do Medina), supostamente para controlar a gestão gaúcha, foi a gota que fez transbordar o copo...

Entretanto, a malta da engenharia da TAP está toda a ser corrida a osso para dar espaço a engenheiros do Brasil. Imagino que a engenharia da TAP deve estar a fazer grandes festas.

O Zé Povinho que vá preparando os 4 mM€ para se chegar à frente.

E ainda queriam oferecer à TAP um NAL da Ota na Ota, e depois da Ota em Alcochete, ou seja, mais 10mM€ de mão beijada (aeroporto e acessos).

O que vale é que a malta votou PS e agora vai ter de pagar. E pagar bem. Sabe bem pagar tão pouco. Pingo Doce, venha cá!


PS: imagino que o PCP, o Bloco, o Livre, o PAN e o que resta do couve ecológica do PCP vão exigir a nacionalização da TAP. Mas já foi, não se lembram?

POST SCRIPTUM

David Neeleman está claramente a posicionar-se para a venda, salientando as mais valias que trouxe para a TAP

“Eu pessoalmente em conjunto com a Azul, empresa que eu controlo, acreditamos no futuro da TAP e detemos hoje direitos equivalentes a mais de 70% dos direitos económicos da TAP”, salienta.

... “ao longo das últimas décadas o Estado Português fez várias tentativas para privatizar a TAP”

[mas] “durante muitos anos não conseguiu encontrar nenhum interessado em investir na TAP dada a sua situação de iminente falência e falta de tesouraria”.

Como recorda, em novembro de 2015 a empresa tinha a frota mais antiga da Europa, devia cerca de 900 milhões à banca, com aproximadamente 80% a vencer em menos de 1 ano, devia 183 milhões a fornecedores, tinha apenas 79 milhões em caixa, não tendo recursos para pagar os salários dos seus trabalhadores do mês seguinte”.

[...]

David Neeleman aponta ainda que quando decidiu concorrer à privatização “criei um plano estratégico, convidei um sócio português, e reuni capital em conjunto com a Azul e seus acionistas para poder dar um futuro à TAP. Logo na primeira semana sob a nossa gestão, pagámos cerca de 100 milhões de euros de dívidas anteriores à nossa entrada e continuamos a fazê-lo. Hoje a TAP tem 245 milhões de euros em caixa, mais de três vezes o que tinha na data da privatização”.

Em seu entender, o futuro “passa por uma transformação significativa da empresa, continuando a reduzir o peso da sua dívida, reduzindo a dependência relativamente aos mercados africanos e brasileiros, renovando integralmente a sua frota, tornando-a mais competitiva e sustentável num mercado cada vez mais competitivo e no qual desde 2017 fecharam cerca de 92 companhias de aviação em todo o mundo”.


—in Jornal de Negócios, 26/11/2019 16:54


NOTAS

1. https://www.jornaldenegocios.pt/empresas/transportes/aviacao/detalhe/saida-de-neeleman-da-tap-preparada-para-o-primeiro-trimestre-de-2020?ref=DestaquesTopo

2.
https://zap.aeiou.pt/prejuizos-tap-neeleman-governo-281288

3.
https://observador.pt/2019/11/26/acionista-da-tap-david-neeleman-quer-vender-a-sua-parte/

domingo, novembro 24, 2019

Populismo?

Joacine Katar Moreira, líder populista


O populismo é simplesmente “um modo de construir o político” - Ernesto Laclau


Os povos são indestrutíveis, por mais que os explorem, aldrabem, ou espezinhem. Acontece que, ciclicamente, se revoltam contra os seus opressores, sejam estes de direita, ou de esquerda.

Dizia-me um amigo: a democracia representativa foi criada pela débil mobilidade das populações. Hoje, concluo eu, com as redes sociais, o modelo herdado da Democracia Grega, do Parlamento Inglês e do Parlamento Escocês, e finalmente da Revolução Francesa (*) morreu de velho e de corrupção, ou, na melhor das hipóteses, entrou num processo de metamorfose. Precisamos duma democracia estruturada nas redes sociais e nos nossos telemóveis. O populismo atual, não é de esquerda, nem de direita, porque é anterior a esta separação. O populismo de hoje, como os anteriores, é um sintoma e é, por definição, anti-sistema, ou seja, um sinal de mudança.

Recentemente, Rui Rio, por um lado, e Manuel Maria Carrilho, por outro, regozijaram-se pela inexistência de um fenómeno populista no nosso país. Rui Rio saúda esta ausência, em alemão, como uma prova da robustez do Bloco Central, Carrilho (em entrevista ao Sol), como uma consequência da transferência líquida de fundos comunitários para o nosso país, e da sabedoria política de António Costa, que atraiu os comunistas e a extrema-esquerda caviar para o centro político (e para uma maior partilha do orçamento, digo eu). Ambos estão redondamente errados. Basta reparar na eficácia política das intervenções de André Ventura, nomeadamente no coração do poder (parlamento, primeiro ministro e presidente da república), ou na rotura que Joacine Katar Pereira prepara contra o inútil fundador do Livre.

Identidade e novo radicalismo

Joacine Katar Moreira prepara-se para dirigir o Livre. É o melhor que poderia acontecer a este minúsculo partido, pois Rui Tavares não passa dum comentador de televisão e vive para isso, como muitos outros indigentes do regime. Um partido radical, com uma agenda identitária clara, nomeadamente relativamente aos direitos das mulheres e aos direitos das comunidades que são discriminadas no nosso país pela sua cor, poderá duplicar a sua votação já nas próximas eleições autárquicas, corroendo ainda mais o eleitorado do ‘social-democrata’ Bloco de Esquerda. Só vantagens!

Emergência energética

Quando os poderes instalados compram as teorias da conspiração (pondo os funcionários da ciência e os especialistas a soldo a mentir diariamente de forma descarada) fazendo destas fantasias de fanzine um boomerang para as suas agendas de controlo global, eu desconfio...

A ciência-ficção politicamente correta e os profetas do fim dos tempos (a que chamam ‘emergência energética’) têm um objetivo comum: controlar o que julgam ser a chamada economia de transição e os seus recursos.

O caso da prospeção do lítio em Portugal é um exemplo flagrante deste embuste ecológico.

* — os sovietes nunca foram exemplos de democracia.

sexta-feira, outubro 25, 2019

Estará a Binter interessada na SATA?



Interessada está. Resta saber em que condições.



  • SATA com salários em atraso ou pagos em prestações, pela 3.ª vez este ano.
  • Situação de falência da transportadora aérea açoriana e os problemas de tesouraria agravaram-se nos últimos seis meses.
  • A SATA está à beira da falência e acumula prejuízos todos os anos. O sindicato do pessoal de voo acusa a empresa de má gestão, duplicação de despesas, compadrio e desvio de fundos para os cofres e as ações patrocinadas pelo Governo regional. 
  • Dívida acumulada pela SATA chega aos 300 milhões de euros.
(lido na da imprensa)


A situação da SATA é semelhante à da TAP: duas empresas falidas alimentadas com impostos que tanta falta fazem ao investimento produtivo que o país deixou de ter, já para não falar da manutenção de algumas infra-estruturas sociais essenciais: na saúde, como nos transportes terrestres.

O modelo de exploração do negócio aéreo civil mudou radicalmente, e mudou há já mais de duas décadas! Desde então os sucessivos governos e as empresas aéreas indígenas nada mais fizeram do que mentir aos portugueses e engordar a dívida pública. Pelo meio foram pagando acima das possibilidades aos pilotos e pornograficamente aos seus administradores e assessores.

Quando os prejuízos saltam à vista, a culpa é invariavelmente do preço do Jet Fuel, como se os aviões da concorrência que prospera se movessem a água!

É muito simples perceber porque razão TAP e SATA terão que ser despachadas para o setor privado (dados de 2018-2019):

  • Ryanair —Número de passageiros transportados por trabalhador: 8114
  • TAP—Número de passageiros transportados por trabalhador: 1462
  • SATA—Número de passageiros transportados por trabalhador: 769

Os sucessivos governos, em vez de engordarem estes porcos antes de os venderem, forçaram as duas empresas a caminhar sobre pedras e a emagrecerem, deixando ainda assim atrás de si passivos monstruosos. Vender nestas condições será sempre um mau negócio. Mas é melhor um mau negócio (a continuidade das empresas), do que nada (acabar por ter que encerrá-las).

A SATA poderá ter um pretendente. Chama-se Binter, uma companhia em crescimento contínuo da empresa privada canarina Apoyo y Logistica Industrial Canarias SL. Este operador, que tem hoje o monopólio dos voos inter-ilhas das Canárias e Cabo-Verde, e opera a totalidade dos voos entre o Funchal e Porto Santo, parece ser o parceiro lógico da exaurida SATA.

O Governo dos Açores poderia ficar, à semelhança do que ocorreu em Cabo Verde, com 49% do capital, sendo os restante 51% repartidos entre a Binter e, eventualmente, um grupo de empresários açorianos. O importante mesmo é retirar da gestão e administração da futura SATA, as mãos e mentes devoristas e incompetentes do Estado a que isto chegou.

sábado, setembro 21, 2019

Quem vai “resolver” a TAP? Nós, claro!!!



SATA e TAP à beira dum triste fim


Prejuízos da TAP chegam aos 120 milhões de euros no primeiro semestre (ECO)

É o Fundo de Resolução que anda a alimentar a TAP a Pão de Ló e prejuízos. Mas o dinheiro é dos contribuintes, pois são estes que sustentam o Fundo de Resolução do sistema financeiro falido que temos. A TAP nem sequer pagou os 130 milhões de euros de juros que devia em 2017 aos credores bancários, obtendo alegremente um período de carência que afronta todas as normas da concorrência europeia!

A TAP fez uma emissão de obrigações no valor de 400 milhões com taxas de juro muito elevada. Quem comprou tais obrigações arrisca-se a ter uma grave problema no futuro. Já agora convém saber quem adquiriu a maioria de tais obrigações.

Estes são factos que ninguém pode negar. É a realidade.

A TAP devia ter sido reestruturada há muitos anos. Foi o que foi feito na Iberia há seis anos atrás. Em vez disso, um cineasta indigente promoveu uma associação (Peço a Palavra!) para ajudar o Costa e os seus amigos (também do PSD) a re-nacionalizar um fruto podre.

A Iberia tinha prejuízos de 1 milhão de euros por dia, e reservas de mil milhões de euros. Com esta verba despediram e indemnizaram 30% dos pilotos e do pessoal de terra, reduziram em 25% os salários dos funcionários e pilotos que permaneceram na empresa, e suprimiram uma boa percentagem das suas rotas (as que davam prejuízo). A Iberia foi forçada, além do mais, a fundir-se com a British Airways, para não declarar falência.

Entretanto, na TAP nada fizeram até hoje, a não ser aumentar a sua carteira de dívida para patamares inimagináveis. Basta pensar nas encomendas de novos aviões: 71 nova aeronaves por 10 mil milhões de euros). Julgaram (a nossa boa fé é infinita!) que com o passar do tempo o problema seria resolvido por si. Ou, para ser mais claro e preciso, a TAP continua a sugar os recursos dos contribuintes em nome de uma quimera, e sobretudo para encher os bolsos de uns poucos.

A TAP vive à conta de dívidas que não paga Por quanto tempo mais pode esta situação continuar?
Quem vai resolver a TAP?
Nós, claro!!!


[Texto redigido com Rui Rodrigues]

domingo, setembro 08, 2019

Ilha ferroviária, sim, ou não?

Richard Florida: as mega-regiões da nova economia criativa
(clicar para ampliar)

Uma polémica com fantasmas


O presidente do PSD, Rui Rio, disse este sábado que o PSD não fala no seu programa eleitoral na execução do TGV, mas no estudo de uma ligação mais rápida entre Porto e Lisboa, concluindo que António Costa “deixou-se levar pelas notícias”. TVI24, 2019-09-07 19:14

O maniqueísmo é um velho modo de fazer parecer óbvio e simples o que sempre foi e é cada vez mais complexo. Por exemplo, na questão do TGV, sabemos que:

1) a polémica oculta não é sobre os comboios Ferrari, que viriam sempre de fora: Espanha, França, Itália, Alemanha, ou China;

2) nem sobre a bitola europeia, pois, na realidade, a bitola ibérica será descontinuada paulatinamente em Espanha, e uma vez que esta tendência afetará em breve a fronteira com Portugal, o isolamento do nosso país em matéria ferroviária será uma evidência. Os frutos deste isolamento tecnológico, porém, nem sequer ficarão nos bolsos da economia indígena, pois a CP Carga foi entretanto comprada pelo gigante global suíço MSC, o qual irá provavelmente concorrer e ganhar alguns dos concursos para outras fileiras do transporte ferroviário em Portugal, nomeadamente os serviços de passageiros mais rentáveis: Porto-Lisboa, suburbanos de Lisboa e Porto, e algumas explorações dedicadas ao turismo de luxo—Linha do Douro, por exemplo;

3) e que a guerra surda que se vem travando em volta do palavrão TGV, desde Durão Barroso, é afinal uma discussão estratégica entre os iluminados do PS e os menos iluminados do PSD, sobre a Ibéria, i.e. sobre até que ponto a bitola europeia irá abrir as portas a uma captura do nosso sistema ferroviário —e sobretudo ao acesso aos portos portugueses— pela malta da Moncloa. Cravinho defendeu, defende, e convenceu o PS sobre a existência de uma ameaça espanhola na conversão da bitola ibérica em bitola europeia: Madrid seria, por fim, a capital da Ibéria, também na sua rede ferroviária de passageiros, mas sobretudo na rede ferroviária de acesso aos mais importantes portos da Península (“busiest container ports”, “cargo tonnage” e “transhipment”): Valencia, Algeciras, Barcelona, e... Sines.

Esta extensão para SW da centralidade madrilena teria, segundo Cravinho, uma outra consequência: estimular uma ligação mais forte do Norte de Portugal à Galiza, com o enfraquecimento que daí adviria para o centralismo lusitano. A prioridade de Cravinho (e agora, também, de Rui Rio?) resumiu-se, até agora, ao financiamento da melhoria da velha Linha do Norte (por onde passa de tudo: batatas, madeira ardida, cimento e passageiros—nomeadamente nas ligações suburbanas de Lisboa e Porto). Admitem ambos, no limite, a construção de uma necessária, embora muito cara, nova linha ferroviária entre Lisboa e Porto, esta sim, para comboios de passageiros, e alta velocidade. A renovação da Linha do Norte, a que Cravinho presidiu, deu no que deu: centenas de milhões de euros derretidos em obras intermináveis, para continuarmos a ter uma ligação Porto-Lisboa lenta e com um serviço a bordo, pomposo, mas indigente como dantes.

E no entanto, o ponto de vista de João Cravinho talvez esteja a escrever direito por linha tortas. Basta pensar no modo como Richard Florida olhou para a Península Ibéria, e viu a mega-região de Lisboa.

Dividir e reinar é a filosofia que mantém a Espanha católica unida desde os seus fundadores, Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Permitir que esta estratégia secular voltasse a envolver o nosso país é o verdadeiro pomo da discórdia. A nossa vantagem e a nossa independência é o mar a que estamos encostados, não a raia do convulsivo albergue espanhol. Lisboa, Madrid e Barcelona sabem disto o suficiente!

Os comboios entre Lisboa e Porto andam sempre cheios. Entre Lisboa e Madrid, como seria?

Pondo porventura em causa muito do que tenho escrito sobre este tema, pergunto-me: é ou não prioritária a ligação ferroviária em bitola europeia entre Madrid e Lisboa? É ou não prioritário ligar as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto através de uma linha de bitola europeia para comboios de velocidade até 350Km/h? Qual das prioridades tem mais importância estratégica para Portugal?


Post scriptum
TGV. A sigla mal-amada de uma campanha eleitoral 
O programa eleitoral do PSD diz que é preciso “estudar, planear e projetar uma nova ligação nacional sul-norte em alta velocidade, em bitola europeia, com as respetivas ligações à fronteira e à Europa, preparadas para tráfego de passageiros e mercadorias”. Mas o presidente do PSD apressou-se a esclarecer que no seu programa “não está TGV nenhum, está a alta velocidade, que é coisa diferente, sujeita a consenso nacional, ibérico e europeu, e não está sequer [prevista] nenhuma execução para os próximos quatro anos”, disse, citado pela RTP, em pré-campanha nos Açores.  
Jornal 1, 09/09/2019 08:04
Quando é que os jornalistas distinguem um Ferrari duma autoestrada?! Os políticos confundem as duas realidades, por conveniência própria. Mas os média escusavam de alimentar a confusão. Precisamos de uma auto-estrada ferroviária para ligar entre si os dois principais centros demográficos do país (Lisboa e Porto), e precisamos de duas auto-estradas ferroviárias para ligarem, respetivamente, o Centro-Norte, e o Centro-Sul do país a Espanha e ao resto do mundo!

Nestas auto-estradas ferroviárias poderão circular comboios de mercadorias com 750 metros de comprimento, a menos de 100Km, comboios inter-cidades de passageiros, a menos de 250 Km/h, e comboios de Alta Velocidade (Lisboa-Porto, Lisboa-Madrid-Barcelona-etc., Porto-Madrid-Barcelona-Lyon-etc.) que poderão atingir ou ultrapassar os 300Km/h.

Para efeitos de planificação, falta tão só, aparentemente, um estudo sobre as vantagens comparativas entre a ligação Lisboa-Porto (a construção mais cara), a ligação Lisboa-Caia (a construção mais barata), e a ligação Aveiro-Salamanca (a menos rentável, pois só poderá dedicar-se às mercadorias, enquanto não dispuser de ligações AV para passageiros em direção ao Porto e a Lisboa).

A divergência estratégica, porém, é esta: João Cravinho e outros defendem a prioridade da ligação Lisboa-Porto, em nome da coesão nacional, e da criação da mega-região Lisboa-Porto (Richard Florida); mas há quem prefira dar a prioridade à ligação Lisboa-Caia, na medida em que tal poria rapidamente e a custos muito interessantes a Alta Velocidade ferroviária a servir as duas capitais ibéricas, retirando por esta via mais de metade do movimento aéreo ente Lisboa e Madrid (cujo impacto nos Acordos de Paris é obviamente notório). Podemos imaginar quem tem travado esta ligação, em nome, claro está, do Novo Aeroporto de Lisboa (que era para ser na Ota) em Alcochete (NAL). Por um lado, caindo a ponte aérea Lisboa-Madrid para metade ou menos, deixaria de haver justificação para a cidade aeroportuária do grande especialista em produtos frescos, Augusto Mateus. Por outro, o lóbi do NAL nunca poderia permitir a construção da Linha de Alta Velocidade (LAV) antes de ganhar a guerra do NAL. Estamos, em suma, num empate, à espera nasçam e cresçam as novas Árvores das Patacas.

sexta-feira, setembro 06, 2019

Um filme gore sobre o estado social


Vale a pena ver ou rever este extraordinário filme de Ken Loach sobre a degradação do estado social no Reino Unido, porque vale exatamente na mesma medida, ou em pior medida ainda, para o nosso país, tomado de assalto por uma cleptocracia sem escrúpulos, servida por uma burocracia de zombies.

Ao atrasar escandalosamente o início do pagamento das pensões devidas, de reforma, invalidez ou viuvez, os governos que temos tido, e em particular o atual governo 'socialista' e a geringonça oportunista que manda no país, estão, na realidade, a promover retenções orçamentais dissimuladas, anti-constitucionais e sobretudo criminosas!

Os motivos são simples e claros:

1. O Estado partidário que temos mexe discricionariamente no dinheiro que não é seu;
2. Não paga juros pelos atrasos que são de sua exclusiva responsabilidade;
3. Sabe, e portanto induz conscientemente, a morbidez num setor social naturalmente mais suscetível à ansiedade;
4. Humilha e rouba, em suma, os cidadãos ao fim de uma vida de trabalho.

Um regime destes não merece o nosso respeito. Pelo contrário, merece uma justa revolta.