Há quem diga mentiras caridosas.
Há quem minta por vício.
Há quem diga meias verdades.
E também há quem diga sempre a verdade.
Existem, além destas, um outro tipo de mentiras: as provenientes do chamado mentiroso compulsivo, que mente sistematicamente e aparentemente sem razão.
Aqui estamos já a lidar com alguém para quem a mentira assume contornos de dependência, tal como o álcool ou a droga.
A mentira torna-se um vício, já que é dita de forma compulsiva, ou seja, o mentiroso tem consciência que está a mentir mas não consegue controlar esse impulso.
(...) A situação é, no entanto, passível de tratamento ao nível da psiquiatria e psicologia clínica.
O primeiro passo, tal como em outro tipo de vícios, é a pessoa assumir que mente deliberadamente e que precisa de ajuda para se libertar de algo que lhe tem vindo a estragar e prejudicar a vida. — in Corpo e Mente.
O caso de José Sócrates já vem de longe e não deveria surpreender os angélicos emissários que Mário Soares tem despachado em defesa do actual secretário-geral do PS. Refiro-me, claro está, ao entremeado risível das prestações de ontem e anteontem, respectivamente, de Freitas do Amaral, Alfredo Barroso e Bettencourt Resendes.
As telenovelas são conhecidas:
- licenciatura a um Domingo e implosão da universidade que promoveu tão distinta educação ao actual PM;
- inusitada eficácia em assinar, e sobretudo fazer aprovar em meia dúzia de dias, projectados monstros habitacionais nas desfiguradas cidades e aldeias beirãs por onde andou;
- uma famosa empresa de nome Sovenco, de que foi fundador com Armando Vara, Fátima Felgueiras e Virgílio de Sousa;
- concurso para o sistema da recolha e tratamento de resíduos do Planalto Beirão;
- e agora, recuperação do já antigo mega-escândalo chamado Freeport, que a justiça da treta que temos foi mantendo no congelador, até que as autoridades judiciais inglesas perderam a paciência e entalaram o incompreensível Procurador-Geral da República Portuguesa, começando a soltar provas materiais e perguntas explosivas, destinadas a fatiar José Sócrates até que não fique nada dele, a não ser a memória do pesadelo e vergonha que fomos obrigados a suportar em nome de um regime político totalmente incompetente, estruturalmente exausto e corrompido até à medula.
Que vai hoje dizer o incompreensível Procurador-Geral? Estou em pulgas!
O caso, na minha modesta opinião, é simples: alguém atraiu a Rainha de Inglaterra para um conto de vigário chamado Freeport. Como se não bastasse o colapso de um projecto que qualquer pessoa com dois dedos de testa teria chumbado ao primeiro olhar (da próxima vez consultem-se, porra!), a coisa, para se concretizar, precisou de ser oleada — com luvas! É o célebre e muito tuga "chegar-se à frente". A acreditar nas reclamações inglesas, foi isto mesmo que ocorreu. Investigadores altamente sofisticados ao serviço de Sua Majestade suspeitam, aliás, que José Sócrates esteja no centro deste monumental processo de corrupção. Quatro milhões? O tio do actual primeiro ministro falou mesmo em QUATRO MILHÕES DE CONTOS. Chiça!
Para onde foram? Apenas para os bolsos de José Sócrates? Ou também para os do PS? As perguntas são, como diria Pedro Silva Pereira, ofensivas. Pois são. E a melhor maneira de calá-las é colaborar sem ambiguidade, nem refúgios legalistas, com as duas investigações em curso.
O primo de Sócrates que regresse da China! E Sócrates que se decida a prestar todos os esclarecimentos e a facultar todos os documentos (nomeadamente as contas bancárias) que lhe forem solicitados pelas entidades responsáveis pelas investigações em curso. E já agora tome umas doses de fósforo para avivar a memória.
Se a já célebre modificação do perímetro da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPE) tivesse sido realizada e aprovada a tempo, conforme propuseram Ricardo Magalhães e Elisa Ferreira, antes de Sócrates ter assumido o controlo do Ministério do Ambiente, não teria havido argumentos suficientemente fortes para chumbar o Freeport — pois a proposta de modificação elaborada por Ricardo Magalhães e Elisa Ferreira, a mesma que mais tarde José Sócrates levaria a conselho de ministros, excluía os terrenos da antiga fábrica Firestone da ZPE, permitindo por este facto a implementação do Freeport na zona escolhida.
Porém, numa perspectiva de obtenção ilícita de contrapartidas, convinha que a modificação do perímetro da ZPE e a aprovação da Avaliação de Impacte Ambiental do Freeport de Alcochete, prévios ao licenciamento camarário, fossem, por assim dizer, sincronizados. Ora comparando os documentos já publicados, foi precisamente isso que aconteceu! Quod erat demonstradum? Quase.
A Rainha de Inglaterra deve ter feito saber aos protagonistas desta trapalhada que a coisa não poderia ficar assim. Que não se brinca com os bens da coroa britânica. Os piratinhas, sejam eles quem forem, demonstraram uma grande leviandade, crendo, porventura, que Sua Majestade ficaria tolhida pelo próprio fiasco. Mas não ficou. E a resposta foi, como se impunha, subtil. Vendeu a sua participação no negócio à Carlyle, e esta, com a fama que se lhe reconhece, passou à acção — certamente depois de ter feito um aviso sério sobre toda esta brincadeira.
No ponto em que está o imbróglio duvido que seja ainda possível devolver a massa aos vigarizados. Mas se não for, podemos estar certos de que os responsáveis pela vigarice serão esquartejados na praça pública! Nem que seja daqui a muitos anos. Os braços imperiais, mesmo decadentes, são como os inspectores de impostos: não desistem!
Há quem acredite na inocência de José Sócrates. Eu, face aos dados publicados, e aos traços de carácter até agora revelados pelo protagonista, inclino-me para a hipótese do seu envolvimento.
Pode José Sócrates estar inocente? Claro que pode? É inocente até prova em contrário e sentença transitada em julgado, se for acusado? Com certeza.
Mas pode o país, por outro lado, percorrer mais um calvário judicial, sabendo-se que o recém revisto código do processo penal foi costurado à medida da protecção infinita da corrupção e do crime praticado pelos poderosos deste país? Não há ou deveria haver um código de honra que obrigasse, por dever de consciência e de cidadania, os titulares de cargos políticos a demitirem-se sempre e quando a sua honorabilidade é publicamente posta em causa por factos dificilmente refutáveis, ainda que susceptíveis de serem refutados em sede judicial, libertando então o suspeito de toda a culpa?
O caso Freeport ameaça não apenas a carreira política de José Sócrates (que vai neste momento a pique). Na minha opinião, se a sangria em curso não for rapidamente estancada, o escândalo Freeport contém ingredientes suficientes para estourar com o actual regime político-partidário.
REFERÊNCIAS
Alteração da ZPE esteve na gaveta um ano e serviu para o Freeport
28.01.2009 - 08h56 José António Cerejo - PÚBLICO — O processo de alteração da Zona de Protecção Especial do Estuário do Tejo (ZPE), aprovado três dias antes das eleições de 2002, esteve praticamente parado durante um ano. A aceleração do processo ocorreu em paralelo com a maratona que levou, no mesmo dia, à aprovação da Avaliação de Impacte Ambiental do Freeport de Alcochete.
Autoridades inglesas consideram Sócrates suspeito e querem ver contas bancárias do primeiro-ministro
28.01.2009 - 19h22 PÚBLICO — As autoridades inglesas consideram o primeiro-ministro José Sócrates suspeito no caso Freeport, de acordo com a próxima edição da revista "Visão" que sairá para as bancas amanhã. Por seu lado, a revista "Sábado" afirma na edição que também será publicada amanhã que "os investigadores ingleses querem ver as contas bancárias do primeiro-ministro". A Procuradoria-Geral da República informou que amanhã será divulgado um comunicado sobre o caso.
OAM 527 29-01-2009 02:13
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