segunda-feira, julho 21, 2025

É a energia, estúpido!

Sem as fósseis, regressaremos à Idade Média


A percentagem das energias fósseis no total da energia consumida é hoje de cerda de 87%. 

Percebe-se, pois, como é virtualmente impossível substituir integralmente o paradigma energético que está na base da era industrial moderna e contemporânea. As energias renováveis solar e eólica não representam mais de 2,9% do total da energia necessária a manter os nossos hábitos de vida.

Gail Tverberg: With the new methodology, the percentage of energy generated directly by fossil fuels is higher than many of us remember from past reports. The portion of fossil fuel consumption that comes directly from fossil fuel generation has decreased from 94% in 1980 to 87% in 2024. Using the old methodology, the fossil fuel percentage in 2024 would have been 81%.


Se deixarmos a China de lado, as estatísticas mostram que o consumo de energia per capita no resto do mundo tem vindo a cair desde 1979, i.e. durante os últimos 45 anos! 

É aqui que se encontram as causas de fundo do empobrecimento das classes médias, do subsequente definhamento das democracias em todo o mundo, dos novos populismos, do regresso das guerras, tarifárias e militares, bem como de uma crise ideológica e cultural porventura sem precedentes.



O grande salto em frente da economia e do poderio mundial da China deveu-se basicmente ao uso do carvão como sua principal fonte de energia.



Worrying indications in recently updated world energy data
Posted on July 14, 2025, by Gail Tverberg

Gail Tverberg — This analysis confirms what I have shown earlier: The world economy is hitting energy limits in many ways.

https://ourfiniteworld.com/2025/07/14/worrying-indications-in-recently-updated-world-energy-data/


domingo, julho 20, 2025

White men are wordy


Conversa com o LLM Perplexity sobre a necessidade e as limitações da ideologia woke

Prompt

Comente esta afirmação que me ocorreu enquanto lia La Potière Jalouse, de Claude Lévi-Srauss, mais precisamente depois de ter lido a frase “White men are wordy”, atribuída aos índios Menomini:

— O pós-Estruturalismo, de Roland Barthes, Jacques Derrida, Michel Foucault, Gilles Deleuze, Judith Butler, Jean Baudrillard, Julia Kristeva e Jacques Rancière representam um regresso, anti-analítico, aos mitos. Nomeadamente ao mito da libertação milenarista por via da razão dialética e da prática da luta de classes, na qual o humanismo é despejado da história humana, com as águas da Revolução. Este fechamento da condição humana é responsável por um atraso assinalável do pensamento construtivo que Lévi-Strauss e Saussure inauguraram e o desenvolvimento posterior das linguagens informáticas e o cálculo computacional prosseguiram conferindo à cultura norte-americana (Estados Unidos), precedida, porém, da filosofia analítica inglesa, uma vantagem bem visível a partir do fim da Segunda Guerra Mundial.

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Perplexity

Sua afirmação toca em um debate intelectual muito rico e complexo, com várias camadas interessantes. Vou comentá-la ponto a ponto, trazendo contexto, nuances e contrapontos:

(continuação no c blog)

terça-feira, julho 15, 2025

Nem sempre galinha...

D. João V
pintado pelo italiano rococó Pompeo Batoni (1708-1787)

A propósito dos sistemas políticos e das discussões sobre o sexo dos anjos.

Diz-se que o bem parecido e riquíssimo D. João V terá dito ao seu confessor, numa passeata na Tapada de Mafra — o primeiro santuário ecológico (não por projeto, mas por consequência) criado por este rei para alimentar o Convento de Mafra, de água, carne, hortícolas, e prazers vários (eu percorri e brinquei naquele incrível lugar quando não tinha sequer 10 anos de idade!) — a seguinte frase lapidar:

—  "Nem sempre galinha, nem sempre rainha."

Diz-se que a rainha austríaca era muito feia (noblesse oblige), e que o rei teve uma paixão insuperável por uma freira e madre do cistercense mosteiro de S. Dinis em Odivelas — onde a minha irmã estudou sete anos. A Madre chamava-se Paula, e dela o Rei D. João V teve três filhos, que perfilhou e educou com esmero.

Ora bem, os sistemas políticos são teorias. A realidade dos equilíbrios sociais e culturais dos povos é sempre mais variada, rica e complexa. Um cozido à portuguesa pode ser preparado com mais carne de boi e porco, chouriço, moira e farinheira, ou com mais batata, nabo, couve, cenoura e feijão branco. Já o arroz, há quem o prefira simplesmente cozido na água de cozer as carnes, ou antes, como o meu ido Pai, um bom arroz de feijão vermelho. A sopa de cozido, com ou sem pedra filosofal, é matéria consensual.

Ou seja, não existem democracias puras, nem regimes verdadeiramente liberais, e até as ditaduras configuram um menu interminavel de opções, mais ou menos violentas, mais ou menos inteligentes, mais ou menos produtivas. O nosso famigerado Salazarismo, que tirou o país da bancarrota sistémica e da balbúrdia violenta do rotativismo e dos golpes militares, foi, como sabemos, ao longo de 48 anos (menos do que a democracia, agora exangue, que se lhe seguiu) uma ditadura 'suave', quando comparada com a bestialidade franquista, fascista, nazi, estalinista, maoista, e um longuíssimo etc. só no século passado!

Neste momento volta-se a discutir Carl Schmitt (1888-1985) e as suas teorias, como diríamos hoje, 'iliberais' e "soberanistas" Estas defendem, no essencial, a necessidade de os estados definirem claramente o que entendem por ação política e soberania, limitando, por assim, o potencial das democracias agirem no interesse dos povos que representam, especialmente em momentos de especial complexidade (excesso e burocracia, por exemplo), aflição (dívida externa, pública e privada excessivas, por exemplo) e, ou, ameaça externa (dos credores, ou de movimentos geoestratégicos desfavoráveis). Schmitt defendeu a figura de 'estado de exceção' para lidar com estas limitações inerentes às democracias liberais, cujos princípios de racionalidade, por vezes, não conseguem lidar a realidade pura e simples de haver bons e maus no mundo e de, por vezes,  os 'maus' rondarem o nosso quintal com o objetivo de nos roubarem as galinhas, e o galinheiro.

A espécie de guerra civil larvar que decorre atualmente nos Estados Unidos, mas também a emergência convulsiva dos movimentos soberanistas na Europa, que não são apenas populistas, xenófobos e racistas, ou até o pânico que conduziu Vladimir Putin e a Rússia imperial e colonial que ainda subsiste a imporem à Ucrânia, contra todos os Tratados, Acordos e Lei Internacional uma guerra canalha de ocupação e usurpação da soberania aí estabelecida na sequência do colapso da União Soviética (que assim perdeu, de facto, a Guerra Fria contra as tais democracias liberais), são testemunhos em carne viva do que pode ocorrer, nas democracias (Europa ocidental e central, Estados Unidos), tal como nas ditaduras (Rússia), quando sobram problemas de endividamento, perda de competitividade, balbúrdia migratória, e alterações radicais nos paradigmas energéticos, de acesso aos recursos naturais e tecnológicos, coroados por problemas de ordem ambiental e climática, que definem o modo de vida dos povos e das suas nações e estados.

Neste momento, os Estados Unidos estão a operar como um 'estado de exceção', sem precisar, porém, de instituir uma qualquer ditadura. A democracia continua a funcionar, como em nenhuma outra parte do globo, mas as decisões que têm que ser tomadas estão a ser tomadas, tanto no que respeita à poda necessária na paquidérmica burocracia e dispersão de poderes pragmáticos que consomem o Estado, como no enfrentamento das ameaças externas vindas de quem fez mal as contas sobre a verdadeira força imperial dos Estados Unidos e dos seus aliados na Europa e na Ásia. 

O ponto de viragem, ou melhor dito, de consolidação da situação estratégica mundial (uma grande potência dominante chamada Estados Unidos da América) deu-se quando os B2 norte-americanos atacaram o complexo de enriquecimento de urânio (com fins obviamente militares) da ditadura teocrática do Irão. Ficámos desde então a saber que os Estados Unidos podem atacar qualquer buraco ou idiota no mundo sem que os potenciais alvos se apercebam sequer quando e de onde vem o tiro. Os B2 podem transportar não apenas bombas anti-bunker, mas ovigas nucleares táticas. Foi isto que calou as cabeças pensantes de Moscovo e de Pequim. Os resultados desta operação começaram a sair em catadupa e estão longe de terminar. Pequim e Moscovo vão ter que mudar de vida, se quiserem prosperar e regressar a um convívio económico e cultural com o resto do mundo. Os BRICS não contam obviamente neste campeonato.

O que importa hoje discutir, regressando a Carl Schmitt, não é a sua filiação no Partido Nacional Socialista, de Adolf Hitler (a convite de Martin Heidegger), mas o contributo que deu ao pensamento filosófico sobre a ação humana e sobre a ação política em particular. O enquadramento racional de Montesquieu sobre a separação de poderes, e a ideia democrática vista numa perspetiva dinâmica, não estão em causa. Devem, pelo contrário, ser bem defendidos sempre. Mas não à custa da soberania das nações e estados. Encurralar um estado soberano, sobretudo se este for historicamente forte, é sempre uma péssima ideia. O erro do Tratado de Versalhes (1919), que ditou uma política de reparações draconianas à Alemanha empurrou a Europa para a Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos nunca assinaram o Tratado de Versalhes. Seria bom que a Europa não esquecesse esta lição quando for preciso gerir a implosão da Federação Russa.