terça-feira, julho 15, 2025

Nem sempre galinha...

D. João V
pintado pelo italiano rococó Pompeo Batoni (1708-1787)

A propósito dos sistemas políticos e das discussões sobre o sexo dos anjos.

Diz-se que o bem parecido e riquíssimo D. João V terá dito ao seu confessor, numa passeata na Tapada de Mafra — o primeiro santuário ecológico (não por projeto, mas por consequência) criado por este rei para alimentar o Convento de Mafra, de água, carne, hortícolas, e prazers vários (eu percorri e brinquei naquele incrível lugar quando não tinha sequer 10 anos de idade!) — a seguinte frase lapidar:

—  "Nem sempre galinha, nem sempre rainha."

Diz-se que a rainha austríaca era muito feia (noblesse oblige), e que o rei teve uma paixão insuperável por uma freira e madre do cistercense mosteiro de S. Dinis em Odivelas — onde a minha irmã estudou sete anos. A Madre chamava-se Paula, e dela o Rei D. João V teve três filhos, que perfilhou e educou com esmero.

Ora bem, os sistemas políticos são teorias. A realidade dos equilíbrios sociais e culturais dos povos é sempre mais variada, rica e complexa. Um cozido à portuguesa pode ser preparado com mais carne de boi e porco, chouriço, moira e farinheira, ou com mais batata, nabo, couve, cenoura e feijão branco. Já o arroz, há quem o prefira simplesmente cozido na água de cozer as carnes, ou antes, como o meu ido Pai, um bom arroz de feijão vermelho. A sopa de cozido, com ou sem pedra filosofal, é matéria consensual.

Ou seja, não existem democracias puras, nem regimes verdadeiramente liberais, e até as ditaduras configuram um menu interminavel de opções, mais ou menos violentas, mais ou menos inteligentes, mais ou menos produtivas. O nosso famigerado Salazarismo, que tirou o país da bancarrota sistémica e da balbúrdia violenta do rotativismo e dos golpes militares, foi, como sabemos, ao longo de 48 anos (menos do que a democracia, agora exangue, que se lhe seguiu) uma ditadura 'suave', quando comparada com a bestialidade franquista, fascista, nazi, estalinista, maoista, e um longuíssimo etc. só no século passado!

Neste momento volta-se a discutir Carl Schmitt (1888-1985) e as suas teorias, como diríamos hoje, 'iliberais' e "soberanistas" Estas defendem, no essencial, a necessidade de os estados definirem claramente o que entendem por ação política e soberania, limitando, por assim, o potencial das democracias agirem no interesse dos povos que representam, especialmente em momentos de especial complexidade (excesso e burocracia, por exemplo), aflição (dívida externa, pública e privada excessivas, por exemplo) e, ou, ameaça externa (dos credores, ou de movimentos geoestratégicos desfavoráveis). Schmitt defendeu a figura de 'estado de exceção' para lidar com estas limitações inerentes às democracias liberais, cujos princípios de racionalidade, por vezes, não conseguem lidar a realidade pura e simples de haver bons e maus no mundo e de, por vezes,  os 'maus' rondarem o nosso quintal com o objetivo de nos roubarem as galinhas, e o galinheiro.

A espécie de guerra civil larvar que decorre atualmente nos Estados Unidos, mas também a emergência convulsiva dos movimentos soberanistas na Europa, que não são apenas populistas, xenófobos e racistas, ou até o pânico que conduziu Vladimir Putin e a Rússia imperial e colonial que ainda subsiste a imporem à Ucrânia, contra todos os Tratados, Acordos e Lei Internacional uma guerra canalha de ocupação e usurpação da soberania aí estabelecida na sequência do colapso da União Soviética (que assim perdeu, de facto, a Guerra Fria contra as tais democracias liberais), são testemunhos em carne viva do que pode ocorrer, nas democracias (Europa ocidental e central, Estados Unidos), tal como nas ditaduras (Rússia), quando sobram problemas de endividamento, perda de competitividade, balbúrdia migratória, e alterações radicais nos paradigmas energéticos, de acesso aos recursos naturais e tecnológicos, coroados por problemas de ordem ambiental e climática, que definem o modo de vida dos povos e das suas nações e estados.

Neste momento, os Estados Unidos estão a operar como um 'estado de exceção', sem precisar, porém, de instituir uma qualquer ditadura. A democracia continua a funcionar, como em nenhuma outra parte do globo, mas as decisões que têm que ser tomadas estão a ser tomadas, tanto no que respeita à poda necessária na paquidérmica burocracia e dispersão de poderes pragmáticos que consomem o Estado, como no enfrentamento das ameaças externas vindas de quem fez mal as contas sobre a verdadeira força imperial dos Estados Unidos e dos seus aliados na Europa e na Ásia. 

O ponto de viragem, ou melhor dito, de consolidação da situação estratégica mundial (uma grande potência dominante chamada Estados Unidos da América) deu-se quando os B2 norte-americanos atacaram o complexo de enriquecimento de urânio (com fins obviamente militares) da ditadura teocrática do Irão. Ficámos desde então a saber que os Estados Unidos podem atacar qualquer buraco ou idiota no mundo sem que os potenciais alvos se apercebam sequer quando e de onde vem o tiro. Os B2 podem transportar não apenas bombas anti-bunker, mas ovigas nucleares táticas. Foi isto que calou as cabeças pensantes de Moscovo e de Pequim. Os resultados desta operação começaram a sair em catadupa e estão longe de terminar. Pequim e Moscovo vão ter que mudar de vida, se quiserem prosperar e regressar a um convívio económico e cultural com o resto do mundo. Os BRICS não contam obviamente neste campeonato.

O que importa hoje discutir, regressando a Carl Schmitt, não é a sua filiação no Partido Nacional Socialista, de Adolf Hitler (a convite de Martin Heidegger), mas o contributo que deu ao pensamento filosófico sobre a ação humana e sobre a ação política em particular. O enquadramento racional de Montesquieu sobre a separação de poderes, e a ideia democrática vista numa perspetiva dinâmica, não estão em causa. Devem, pelo contrário, ser bem defendidos sempre. Mas não à custa da soberania das nações e estados. Encurralar um estado soberano, sobretudo se este for historicamente forte, é sempre uma péssima ideia. O erro do Tratado de Versalhes (1919), que ditou uma política de reparações draconianas à Alemanha empurrou a Europa para a Segunda Guerra Mundial. Os Estados Unidos nunca assinaram o Tratado de Versalhes. Seria bom que a Europa não esquecesse esta lição quando for preciso gerir a implosão da Federação Russa.

sexta-feira, junho 13, 2025

Somos todos pretos

Mapa completo: Wikipédia


A costela negra do português

Todos temos (pelo menos uma) costela da África subsariana. E o resto da humanidade moderna, também.

Não apenas desde há 150 mil anos para cá, mas também por via dos contatos múltiplos havidos entre europeus e africanos desde a Antiguidade (fenícia, grega, romana), e depois, desde o século 15 da nossa era até hoje.

No caso português, a mestiçagem está na origem da sua formação cultural e depois religiosa e política, desde a chegada dos celtas, dos povos germânicos, dos vikings e dos mouros muçulmanos. E tornou-se política oficial do reino desde Afonso de Albuquerque (Vila Verde dos Francos ou Atouguia da Baleia, c. 1452–1462 – Goa, 16 de Dezembro de 1515), instalando-se na cultura portuguesa até hoje. Ao contrário dos muçulmanos e judeus, os cristãos portugueses, e por inerência cultural, os ateus e agnósticos portugueses, não estabeleceram nunca, nem estabelecem hoje, algum tabu contra o casamento entre pessoas de origem, estatura, aparência e tradições, nomeadamente religiosas, diferentes. Só assim se explica como foi possível ao milhão de habitantes de uma nação cujo estabelecimento (Condado Portucalense) contava em 1415 (data da conquista de Ceuta) mais de cinco séculos de existência, mas escassamente povoado (durante toda a expansão ultramarina, a população portuguesa oscilou entre um milhão e um milhão e duzentas mil almas), estabelecerem um império global tão vasto durante os séculos 15 e 16.

Significam estes factos que não somos racistas? Depende da definição de racismo. 

O atavismo étnico, que já é uma evolução do atavismo gentílico, é cultural, não é natural. Prende-se, sobretudo, à lógica de formação e preservação das famílias humanas.

Por ser uma espécie de defesa ancestral da integridade das comunidades e dos seus recursos vitais, esta herança cultural manifesta-se frequentemente sempre que famílias, tribos, nações, estados, impérios, se vêem ameaçados na sua estabilidade económica e felicidade por causas que, na generalidade, desconhece, procurando, por causa deste desconhecimento, bodes expiatórios. A xenofobia e o racismo, mas também a falocracia e o patriarcado, surgem frequentemente neses momentos críticos das comunidades como escapismos inevitavelmente míopes, injustos e intrinsecamente violentos.

O documentário "A origem do homem (The real Eve)", realizado com base nas investigações de Stephen Oppenheimer, é uma boa introdução à desmistificação das teorias raciais de origem europeia estabelecidas sobretudo durante o século 19.

PS: vi no FB uma notícia mal amanhada sobre este mesmo assunto com uma imagem IA que nada tem que ver com a descoberta arqueológica.

O Homem Atlântico

Múmia natural de 7 mil anos encontrada na caverna de Takarkori, sul da Líbia
Archaeological Mission in the Sahara, Sapienza University of Rome.

O homem atlântico pertence a uma linhagem de povos única, oriunda do noroeste de África (cordilheira do Atlas) e da Península Ibérica, ainda que com características herdadas de outros povos antigos e modernos que migraram um dia em direção a esta região, sejam os da África Subsariana, sejam os povos da Europa do Norte, Central, Escandinava e de Leste.

O nosso saber sobre o passado, como o nosso saber sobre o futuro têm ambos fragilidades evidentes. E sempre foi assim. O que não implica que saibamos hoje menos do que ontem...

Citação de um artigo da Nature

Published: 02 April 2025

Ancient DNA from the Green Sahara reveals ancestral North African lineage

Nada Salem, Marieke S. van de Loosdrecht, Arev Pelin Sümer, Stefania Vai, Alexander Hübner, Benjamin Peter, Raffaela A. Bianco, Martina Lari, Alessandra Modi, Mohamed Faraj Mohamed Al-Faloos, Mustafa Turjman, Abdeljalil Bouzouggar, Mary Anne Tafuri, Giorgio Manzi, Rocco Rotunno, Kay Prüfer, Harald Ringbauer, David Caramelli, Savino di Lernia & Johannes Krause 

Nature volume 641, pages144–150 (2025)

ABSTRACT

Although it is one of the most arid regions today, the Sahara Desert was a green savannah during the African Humid Period (AHP) between 14,500 and 5,000 years before present, with water bodies promoting human occupation and the spread of pastoralism in the middle Holocene epoch. DNA rarely preserves well in this region, limiting knowledge of the Sahara’s genetic history and demographic past. Here we report ancient genomic data from the Central Sahara, obtained from two approximately 7,000-year-old Pastoral Neolithic female individuals buried in the Takarkori rock shelter in southwestern Libya. The majority of Takarkori individuals’ ancestry stems from a previously unknown North African genetic lineage that diverged from sub-Saharan African lineages around the same time as present-day humans outside Africa and remained isolated throughout most of its existence. Both Takarkori individuals are closely related to ancestry first documented in 15,000-year-old foragers from Taforalt Cave, Morocco, associated with the Iberomaurusian lithic industry and predating the AHP. Takarkori and Iberomaurusian-associated individuals are equally distantly related to sub-Saharan lineages, suggesting limited gene flow from sub-Saharan to Northern Africa during the AHP. In contrast to Taforalt individuals, who have half the Neanderthal admixture of non-Africans, Takarkori shows ten times less Neanderthal ancestry than Levantine farmers, yet significantly more than contemporary sub-Saharan genomes. Our findings suggest that pastoralism spread through cultural diffusion into a deeply divergent, isolated North African lineage that had probably been widespread in Northern Africa during the late Pleistocene epoch.

sábado, junho 07, 2025

Para onde cairá a Rússia depois de Putin?

 


Germany's Merz says some US lawmakers have 'no idea' of the scale of Russia's rearmament. 

By Friederike Heine and Andreas Rinke 

Reuters. June 6, 2025 3:10 PM GMT+2Updated a day ago


Vamos por partes. A Rússia de Moscovo e Putin quer reconstituir o antigo império czarista que Estaline manteve e expandiu na sequência da derrota da Alemanha em 1945. Vê neste fim estratégico a única via para impor à Europa central e ocidental um futuro entendimento estratégico global capaz de travar as ambições da China e dos Estados Unidos. Uma Rússia irrelevante seria uma porta aberta para a entrada da China na Europa. Uma espécie de regresso dos mongóis, nascidos em Pequim!

Tendo esta perspetiva presente, a invasão da Ucrânia serviria, em teoria, simultaneamente, os interesses de toda a Eurásia dominantemente cristã (apesar do Grande Cisma) relativamente ao novo Tratado de Tordesilhas que norte-americanos e chineses querem estabelecer na segunda metade deste século, por tempo indeterminado, e já  agora face ao novo Islão radical e fundamentalista. Mas como, perguntar-se-à? 

Respondo: restabelecendo o poderio militar do que foi a URSS, e do que foi o império czarista. Com ou sem vitória de Vladimir Putin (de preferência, sem), a Federação Russa e a Rússia de Kiev sairão desta guerra civil como duas poderosas forças militares e tecnológicas.

Acontece que o desiderato esplanado por Putin na sua visita a Lisboa, em 2007, de algum modo degenerou em sucessivas campanhas militares e policiais de terror intoleráveis contra aqueles que gostaria de ver como aliados principais na longa caminhada para uma Eurásia toda poderosa entre a China e a América—um imenso poder continental e marítimo finalmente coerente. Como é evidente, esta seria a maior dissuasão dos sonhos imperiais da China e dos Estados Unidos que o século 21 tem vindo a revelar.

Se a velha ideia da grande ilha que domina o mundo, de Halford Mackinder, faz sentido, nomeadamente como travão a um novo Tratado de Tordesilhas, depois do estabelecido entre Portugal e Castela-Aragão no dealbar do século XVI, e da Conferência de Ialta de 1945, a verdade é que a sua capital não poderá estar em Moscovo, nem em Berlim, nem sequer em Bruxelas, mas em Lisboa!

Vladimir Putin talvez esteja ainda a tempo de compreender isto, estancando unilateralmente a hemorragia da invasão da Ucrânia, retirando as suas tropas e desocupando todo o território ucraniano, incluindo a Crimeia, ainda que com garantias de acesso civil e militar ao Atlântico e ao Mediterrâneo, e garantias culturais e linguísticas às comunidades russófilas que vivem na Ucrânia. Não sei. Tudo dependerá da lucidez das elites russa e ucraniana. Sei, porém, que ambos os países teriam muitíssimo a ganhar com a paz e o início de um processo de reconciliação, sobretudo se a Ucrânia aderisse ao mesmo tempo à União Europeia e à NATO. Que melhor via de acesso teria Putin para regressar ao seu antigo desiderato de uma aproximação estratégica às democracias europeias?

Vendo a guerra da Ucrânia numa perspetiva mais ampla, eu diria que está a ser aproveitada para a criação de uma força militar estratégica e tática euroasiática formidável, capaz de travar as ambições imperiais americana e chinesa.

É nesta lógica, ainda que apresentada sob o disfarce de um rearmamento europeu contra Moscovo, que se poderá perceber a urgência do novo chanceler alemão, bem como do holandês que dirige neste momento a NATO. A guerra é sempre um teatro de sombras...

O que acabo de escrever não é uma fantasia, nem um cenário, mas uma hipótese de leitura, através  do denso nevoeiro da guerra, das forças tectónicas geoestratégicas atualmente em movimento.

Última nota e aviso ao futuro presidente Gouveia e Melo: Portugal deve manter uma certa equidistância entre Moscovo e Kiev, ainda que apoiando preferencialmente o país agredido. Não deve pôr-se em bicos de pés. Deve, sim, ser uma Suíça geopolítica no decisivo jogo imperial em marcha.


LINK

https://www.reuters.com/business/aerospace-defense/germanys-merz-says-some-us-lawmakers-have-no-idea-scale-russias-rearmament-2025-06-06/

quinta-feira, maio 22, 2025

O gráfico que mudou o regime

O gráfico que mudou o regime.


DEMOCRATAS PORTUGUESES!

António Costa, oportunista, trabalhando apenas para si, precipitou algo talvez inevitável: o fim do atual regime e a necessidade duma revisão constitucional. Esta será a batalha que condicionará o futuro português até ao fim deste século…

O previsto cataclisma ocorreu mesmo no panorama português da representação parlamentar, à semelhança do que tem vindo a ocorrer em outros países: Itália, França, Espanha, Estados Unidos, etc. Em seis anos apenas um ex-autarca e político saído do PSD funda o CHEGA, a formação partidária nacionalista e populista de direita que viria em apenas seis anos a demolir o 'status quo' do regime constitucional de esquerda fundado na Constituição de 1975.

O que precipitou esta implosão anunciada do atual regime constitucional foi, porém, a própria ação aventureira de António Costa e Jerónimo de Sousa, respetivamente líderes do PS e do PCP, ao decidirem formar uma Frente Popular de esquerda e extrema esquerda contra o centro-direita (PSD) que acabara de ganhar umas eleições legislativas (sem maioria), ao arrepio da tradição e linhas vermelhas conhecidas, que delimitavam o espaço de liberdade e estabilidade de uma  democracia sempre frágil, incompleta sobretudo na assunção cultural e cívica da prática democrática, quotidiana e institucional, e que sofreria três bancarrotas (ou pré-bancarrotas, para ser mais preciso) ao longo dos seus 50 anos de vida.

Embora tenha sido o "Memorando de Entendimento sobre as condicionalidades de política económica", assinado por José Sócrates e os credores da Troika, em 17 de maio de 2011 (a famigerada 'austeridade' que travou a bancarrota, e que continua ativa) o principal responsável pelo declínio rápido do atual quadro constitucional, foram os 15 anos de domínio governamental do PS nos últimos 20 anos de democracia, e o oportunismo imprevisto de António Costa ao aceitar a pomba comunista numa geringonça (como lhe chamou Vasco Pulido Valente) ativamente trabalhada por Pedro Nuno Santos, o radical que prometia fazer tremer as pernas alemãs, mas que acabaria por atirar o PS e o resto da esquerda para o que alguns anteveem já como um buraco negro na nossa democracia, a vala comum da esquerda portuguesa saída da Revolução dos Cravos.

A maçonaria portuguesa não dorme, e tem tido muitos pesadelos ultimamente. "Toca a reunir!", defenderão neste momento as várias lojas, presumo. As baratas oportunistas e preguiçosas buscam incessantemente esconderijos e proteções, dispostas a trair as suas, afinal, falsas convicções. É que o crescimento explosivo do Chega não veio apenas do PCP e do Bloco (bizarra ironia...), mas também do PS!

Tudo isto acontece num altura em que a dívida portuguesa volta a subir, e o nosso Produto Interno Bruto depende quase exclusivamente do turismo e do comércio, construção e reabilitação imobiliários. Duas variáveis que poderão mudar repentina se o rearmamento da Europa e as perspetivas de guerra se agravarem, na Ucrânia e nos países limítrofes da Rússia, e se, como parece cada vez mais provável, e o sucessor de Trump não conseguir desanuviar a crise chinesa na Formosa, houver mesmo uma guerra no Mar da China e no Pacífico. Há quem diga que Pequim atacará Taiwan em 2027...

Provavelmente, teremos em 2027 André Ventura na chefia do governo de Portugal, e o ex-almirante Gouveia e Melo na presidência da república.

É melhor começarmos a trabalhar neste cenário, abandonando o ruído dos derrotados às suas próprias consciências.

 Que fazer? E quem poderá reequilibrar o centro político português na viragem populista conservadora e liberal em curso?

Faz falta uma nova formação política, um novo partido, tão espontâneo na emergência como foi o Chega, mas inequivocamente democrata. Precisamos dum verdadeiro partido democrático. Talvez chamar-lhe Democratas Portugueses!

Que dizem?

quarta-feira, maio 21, 2025

A queda dos corpos da Esquerda

Em 2015 CDU + BE tinham 36 Dep. 
Em 2019 eram 31; 
em 2022 eram 19. 
Eram 9 em 2024. 
Agora? são 4... 

— Manuel Ferreira Santos (Facebook)


Mais claro é impossível. A comunicação social indigente que temos, porém, escondeu este desabamento com toda a sua persistente propaganda míope e esquerdista. Creio que avisei bastas vezes sobre o que iria acontecer à esquerda oportunista do nosso país. Este colapso insere-se infelizmente numa dinâmica mais grave: o da dissipação democrática nos países ricos, europeus e americanos, que não perceberam a tempo as consequências da nova globalização, iniciada na década de 90 do século passado, e que sofreu uma aceleração e radicalização sem precedentes após a entrada da China na Organização Mundial de Comércio, em 2001. As elites financeiras, industriais e políticas dos países ricos resolveram exportar não os seus produtos, mas as suas próprias economias para as regiões do globo onde havia recursos humanos baratos, num planeta onde a energia deixara de ser barata, e onde a elevação do bem estar social das suas populações começou a fazer tremer a estabilidade financeira dos setores privado e público. As sociedades democráticas transformaram-se basicamente nos centros mundiais do consumo (boa parte dele conspícuo), do conhecimento e do espetáculo, para onde boa parte da criatividade cultural escorregou. O resultado era previsível, mas preferimos todos olhar para o lado, e comer o último atum...ou a última sardinha.

terça-feira, maio 20, 2025

Braga Romana

Busto romano do imperador Augusto, fim séc. I aC.

 

Idade: 2041 anos; fundada pelo imperador romano Augusto (r. 27 a.C.-14 d.C.)

Bracara Augusta, como o nome indica, não foi fundada por padres, mas pelo primeiro imperador romano, Augusto, sobrinho neto de Júlio César. Viveu até aos 75 anos e governou durante 41 anos. O período imperial inaugurado por este primeiro imperador romano duraria dois séculos, e ficou conhecido por Pax Romana.

Braga foi sempre um legado de Roma, da Roma cristã, mas também, na sua estrutura urbana racional, da Roma das inúmeras divindades, por sua vez herdeira doutra grande civilização pagã, a grega. 

Braga, que já é uma das cidades mais procuradas pela imigração recente, nomeadamente brasileira, perfila-se no horizonte próximo como um dos principais destinos turísticos do país. Não está, porém, preparada nem para uma imigração descontrolada, e menos ainda para um crescimento turístico em massa repentino. 

A gentrificação da cidade, na realidade, já entrou numa espiral inflacionária preocupante. 

Ambos os fenómenos são, no curto e médio prazo, imparáveis. E é por isto mesmo que, em vez de polarizações populistas, é absolutamente necessário que a própria cidade-região comece a pensar como os romanos, de forma racional, pragmática, visionária, e criativa. 

Há decisões drásticas a tomar, nos planos territorial, urbanístico, habitacional, social, cultural e turístico. Há que substituir o velho sistema de poder local (laico e religioso) despótico que, mesmo em democracia, subsiste, por uma democracia local verdadeiramente representativa, participativa e sobretudo deliberativa, onde a instituição autárquica conduza a metamorfose democrática sem a colonizar, nem, muito menos, instrumentalizar e subverter, como tem ocorrido nas cosméticas operações de 'democracia participativa' ensaiadas no nosso país.

Braga vê-se a pé em duas horas, numa manhã, num dia. É pequenina e os seus arredores mal comunicados e pouco amigáveis de caminhadas e ciclovías. Não é a Roma alternativa que a propaganda enganosa dos especuladores do turismo apregoam. Nem deve querer ser!

Mas o município de Braga é bem maior do que a cidade das igejas, do Sameiro e do Bom Jesus. Comparando os municípios de Braga e Cascais, ambos em franco desenvolcimento, o que vemos? Vemos isto:

Braga: 183,4 Kmq; ~200 mil habitantes

Cascais: 97,4 Kmq; +214 mil habitantes

Ou seja, há muito por onde organizar a expansão harmoniosa da cidade minhota. Desde logo trnasformando-a numa cidade polinuclear desempoeirada, bem comunicada por automóvel, mas também por transportes públicos gratuitos, com regras cívicas, urbanísitcas, sociais e culturais de elevada produtividade e qualidade ambiental.

Braga é a capital de um distrito com mais de 850 mil habitantes, a meia hora de carro do Porto, em cuja Área Metropolitana vivem mais de um milhão e setecentos mil almas.

O desafio é evidentemente espinhoso. Mas Braga é hoje um importante centro universitário que faz dela uma das cidades mais jovens do país. Convoque-se, pois, esta juventude para adaptar a cidade à nova pressão do tempo.

quinta-feira, abril 17, 2025

Um império de dívidas tem os dias contados

Imagem: in sítio web da Palantir


Já aqui referimos a Palantir e Alex Karp...

Não, não é ficção. A Palantir, co-fundada pela C.I.A., Peter Thiel, Alex Karp, etc. (1), e a rede de satélites de Elon Musk, têm sido responsáveis pela extraordinária capacidade de resposta das forças armadas ucranianas à invasão em larga escala russa decretada por Vladimir Putin. Foi este envolvimento (interessado) dos americanos no teatro de guerra ucraniano que transformou o sonho do déspota do Kremlin num pesadelo. 

Os americanos decidiram desde o início que não poriam a sua própria carne a assar no inferno ucraniano, apesar dos milhares de militares, técnicos, espiões e mercenários que colaboram no terreno com Zelensky na sua corajosa resistência aos psicopatas de Moscovo. Decidiram também que a estratégia de guerra contra Putin seria a do desgaste militar, económico-financeiro e político do regime oligárquico e terrorista russo, tendo por objetivo impor a este grande país continental uma segunda derrota estratégica, depois do colapso da ex-União Soviética. 

Liquidar fisicamente Vladimir Putin seria fácil, mas não tem sido o objetivo do Pentágono, pois esta opção criaria uma incerteza geo-política mais difícil de gerir do que fazer Putin ceder à vontade norte-americana: o reconhecimento russo da soberania ucraniana, ainda que algumas regiões maioritariamente russas e pró-russas pudessem ficar temporariamente sob o domínio de Moscovo. Ou isto, a perda definitiva da Crimeia! 

Por fim, a guerra na Ucrânia tem sido um verdadeiro ensaio geral das guerras do futuro, e em particular, do previsível confronto que norte-americanos e chineses estão a preparar para 2027/28. É por isto que, diga o que se disser, os Estados Unidos irão continuar a apoiar Zelensky. O que não impede que a sua pressão sobre os preguiçosos europeus da UE continue a aumentar, precisamente para aliviar a indústria militar americana do apoio material e humano-militar de que a Ucrânia continuará a precisar nos próximos anos, sobretudo para a criação de uma linha de contenção anti-russa com mil Km de extensão, bem como de um efetivo domínio do céu ucraniano. Como disse Elon Musk, preto no branco, os Estados Unidos estão falidos, e foram incapazes de produzir a quantidade de munições necessárias aos ucranianos para equilibrar o poder de fogo russo. Musk não perguntou, nem afirmou, mas deixou a inteligência WASP a pensar: como é que queremos vencer a China, se nem a Rússia, ainda que através de uma guerra por procuração, conseguimos derrotar?!

É possível, pois, que Trump prefira desde já forçar Putin a uma negociação com perdas e ganhos, por forma a chegar às eleições intercalares de novembro de 2026 com a guerra da Ucrânia resolvida, ou pelo menos, congelada de modo favorável à Ucrânia e aos Estados Unidos. Doutro modo, Trump corre o risco de perder a maioria na Câmara dos Representantes e no Senado, comprometendo definitivamente a sua ambição de ser reeleito para um terceiro mandato e ser 'coroado' como o sétimo imperador americano depois dos portugueses João VI, Pedro I e Pedro II, terem criado a primeira monarquia e o primeiro império na América pós-colombiana.

Doutro modo, e por outro lado, se Trump não vencer Putin agora, depois do gigantesco envolvimento americano na guerra da Ucrânia, o sinal dado a Pequim seria desastroso e uma derrota antecipada no Pacífico.

É possível que o narcisista Trump acredite que pode trocar a guerra com a China por um Novo Tratado de Tordesilhas, e que seja, no fundo, esta a estratégia que tem vindo a desenvolver, mostrando nomeadamente que cortar o cordão comercial e tecnológico que, no fundo, desde o início deste século, liga os Estados Unidos e a China, seria muito prejudicial para ambas as potências, deixando em tal caso campo livre a um outro ator renascido do milhão de mortos na Ucrânia: a Europa. Uma Europa de Lisboa até Vladivostok, e de Nuuk até à cidade do Cabo, aliada ao Brasil, ao Canadá e à Índia, cujo poder militar poderá renascer num ápice, sobretudo no contexto de uma possível guerra no Pacífico entre a China e os Estados Unidos.

Será que a Ursula von der Leyen e os governos da UE serão capazes de perceber a situação e de agir em conformidade? 

Será que perceberão que a Rússia pós putiniana (na realidade europeia) deverá caminhar rapidamente para uma associação à UE com vista a uma futura integração? 

Este cenário estratégico é, sabemos todos, o pior pesadelo que americanos e chineses poderiam ter pela frente depois de 2030/40. Mas seria, por outro lado, a garantia de um novo século de prosperidade, medida agora com critérios distintos do PIB: bem-estar social, democracia, liberdade, responsabilidade, hiper-tecnologia, ética e desenvolvimento sustentável . Estes seriam os koans do próximo período da paz humana, e de uma desejável e possível convivialidade interespécies.