sexta-feira, dezembro 15, 2023

Os três erros fatais do AAE da CTI

PRIMEIRO ERRO FATAL

O Relatório Preliminar da CTI está ferido de morte ao dar uma resposta acrítica ao seguinte pedido do Governo (RCM 89/2022):

— DR Nº 199, 14/10/2022; 2.4 b) "Planificação aeroportuária, incluindo análise de capacidade e planos de desenvolvimento aeroportuário compatíveis com a evolução de um hub intercontinental".

A resposta crítica é esta: a manutenção, ou evolução dum hub inercontinental na Portela não passa duma miragem para políticos ignorantes e arrogantes, e para patos-bravos.

Porquê? Pois, porque 

1) a rede que no Brasil alimenta a Portela é uma situação excecional (herdada da falência da Varig e da entrada da TAP no Brasil) que em breve será acompanhada pela Espanha a partir dos 17 aeroportos brasileiros entretanto conquistados pela AENA

2) depois das ligações ponto-a-ponto nos grandes espaços regionais (Canadá, Estados Unidos, Brasil, Europa, China, etc.) é a vez das ligações ponto-a-ponto intercontinentais entrarem em cena. O Airbus A321XLR pode voar 5400 milhas non-stop, ou seja, ligar São Paulo e Nova Iorque a Madrid, Lisboa, Terceira ou São Miguel, de onde depois podem apanhar aviões Low Cost para toda a Europa. Vários hubs aeroportuários europeus sofreraão a partir de 2024 uma segunda vaga de erosão, e o conceito de grande hub aeroportuário continuará a desfazer-se nos grandes espaços regionais com malhas aroportuárias apertadas;

3) a ferrovia de alta velocidade, que já está a retirar muito tráfego aéreo entre Madrid e Barcelona, é outro fator de mudança nas dimensões e configurações dos aeroportos internacionais.

SEGUNDO ERRO FATAL

Não ter dada a importância devida ao facto de mais de 80% da procura do Aeroporto Humberto Delgado, bem como do seu recente crescimento exponencial, ter origem europeia (PORDATA, 2022). Os 20% de procura intercontinental, além de serem assimétricos (com picos bem determinados nos mercados do Brasil e mais recentemente nos Estados Unidos, e grande rarefação de procura no resto do mundo) não podem determinar o desenho e a estratégia de aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa.

TERCEIRO ERRO FATAL

O facto de cerca de 80% da procura aeroportuária de Lisboa (como aliás dos restantes destinos nacionais) estar associado sobretudo 1) à procura turística; 2) aos movimentos pendulares de uma parte muito significativa da nova emigração portuguesa entre os países onde temporariamente trabalham e o nosso país (mais ou menos 50% dos emigrantes fazem parte da chamada 'emigração yo-yo'); 3) e aos negócios de milhares de micro, pequenas e médias empresas. O que une estas três categorias de passageiros é a adesão às ligações aéreas ponto-a-ponto, preferencialmente de baixo custo (vulgo Low Cost). Existem mais de 50 voos Low Cost, diretos, a partir do Aeroporto Humberto Delgado (todos para a Europa). Ou seja, sem ligações ponto-a-ponto de baixo custo, a Portela não seria o que hoje é, nem a procura do nosso país seria o que é desde 2002 (Ryanair: Dublin-Faro); 2006 (Ryanair: Londres-Porto); 2007 (easyJet: Porto-Genebra).

Em suma, não há mais fatores estatisticamente relevantes para o crescimento da procura dos aeroportos portugueses do que o  turismo, a emigração e as micro, média e pequenas empresas. E esta procura depende criticamente das ligações ponto-a-ponto e do baixo custo das viagens.

Tudo o resto são fantasias dos políticos e de quem os serve, pondo por vezes em causa a ética profissional.

terça-feira, junho 13, 2023

A equação possível: mais renováveis, menos fósseis

 

Image by tawatchai07 on Freepik

A agenda verde está bem e recomenda-se. Putin deu uma grande ajuda!
Mas a produção de petróleo e gás continua bem acima das metas exigíveis...

Os preços de produção das energias renováveis caíram abaixo dos preços das fósseis. Os primeiros que entraram nesta mudança de paradigma enriqueceram à custa dos subsídios pagos pelos consumidores (direta ou indiretamente); os que vieram depois encontram-se perante um negócio com margens de rentabilidade decrescentes, ainda assim interessante, pois tem uma estabilidade de preços potencial, no que toca às respetivas matérias primas, que as energias fósseis não têm... Putin ajudou a acelerar esta tendência, claro!

O petróleo e o gás natural continuam a ser imensamente importantes na indústria (por exemplo na produção de betumes, pásticos, fertilizantes, fibras sintéticas, medicamentos, etc.) 

[Products made from Oil and Natural Gas]


EL ECONOMISTA (12.06.2023) — La burbuja de las renovables explota tras hundirse los precios un 25%

El precio de los desarrollos de energías renovables cae con fuerza en España. Según fuentes financieras consultadas por este diario, los proyectos con autorizaciones para la construcción (Ready to build) han pasado de venderse a más de 200.000 euros el MW a cerca de 150.000 euros, lo que supone un retroceso del 25% en tres meses y la tendencia a la baja se mantiene para el segundo trimestre de este año. 

(...)

La coyuntura actual (...) anima a que se produzca una oleada de ventas de proyectos.

El incremento del número de 'curtailments' que se ha registrado en nuestro país supone que una parte de la energía generada por las renovables acaba perdiéndose por problemas en las redes. Un informe de Aurora Research indicó que esta cantidad se ha multiplicado por diez al pasar de 67 GWh a 715 GWh en 2022, lo que supuesto un desembolso adicional para los consumidores de más de 1.100 millones de euros.

Asimismo, otro los factores que está provocando el pinchazo de esta burbuja se sitúa en la creciente presencia de un mayor número de energías renovables en el mix de español -se espera que este año puedan llegar a suponer el 55% de la generación eléctrica-, lo que está provocando un aumento del número de horas en las que el mercado mayorista de la electricidad está volviendo a registrar precios casi cero y en algunos casos cerca de negativos.


WILL LOCKETT/ Medium (9.6.2023) — The End Of Oil Is Nigh

But we are still miles away from saving the planet.

...according to a recent IEA report, back in 2016, investment in clean energy outpaced investment in oil and gas, and last year's investment in solar outpaced investment in the entire oil industry! But why has money started flowing towards clean energy so rapidly? And, is this enough to end oil and save planet Earth from our climate crimes?

On the face of it, this IEA report is excellent news. They found that if the pace of investment in clean energy carries on its upward trajectory, then “aggregate spending in 2030 on low-emission power, grids and storage, and end-use electrification would exceed the levels required to meet the world’s announced climate pledges.” They also found that for some technologies, such as solar, investment is on a trajectory that is on track for a 1.5 °C stabilization in global average temperatures. In other words, we are on track to save the world!

Or are we? This report also found that investment in fossil fuels is double the maximum allowed if nations meet their stated pledges to reduce emissions. So, even if clean energy does grow to the size that can enable a net-zero world, the fossil fuel industry is set to render this gargantuan effort pointless.

To give you an idea of the scale of the problem here, back in 2021, another report from the IEA found that in order to meet our climate target of only 1.5 degrees Celsius of global warming by 2050, investment in new oil, coal and gas projects would need to end that year. But in 2023, just the oil and gas industry is set to spend $950 billion on new unabated (untapped) oil and gas. That is a 6% increase from 2022.

(...)

The main reason countries looked to replace Russian gas with renewables is that renewables are far more independent. A coal, oil or gas-fired power plant needs fuelling for its entire life span, and many Western nations either don’t have enough resources to supply this fuel themselves, or it is too expensive for them to mine/extract them. As such, they need to import these fossil fuels, putting their energy grid at risk of blackmail, as with Russia and the EU. In contrast, a solar or wind farm will deliver power for decades with practically no need to import anything, which increases the energy security of the country they power and helps to give countries back their energy independence.

In this way, renewables have become a key investment for national security for many nations, which has driven investment way up. It also means that investments in the oil industry can undermine national security, particularly those that fund international oil projects.

But renewables are also cheaper and more profitable than fossil fuels! Thanks to continued advancements, economies of scale and some breakthrough developments, the cost of renewables has fallen year-on-year for the past few decades. Thanks to this trend, it now costs less to build new wind or solar farms than to build new oil or gas-fired power plants. So, the upfront investment is now no longer a problem for renewables. But, as solar and wind don’t need to buy tonnes of fuel, their cost of energy is also far less. The Levelized Cost of Energy (LCOE) of wind and solar are up to $75 per MWh and $96 per MWh, respectively. In contrast, gas power costs up to $221 per MWh, and coal costs up to $166 per MWh!

This means that investors are now making more from renewables than oil. This is also backed up by the IEA, which found that returns in renewables have been 367% higher than in the oil industry.

(...)


domingo, maio 14, 2023

Um mundo multipolar?

Mapa português (1502), dito Planisfério de Cantino

Bretton Woods and the post-Cold war solidified the position of the United States as the leading, sometimes only superpower in the financial and military world. But it didn’t always do it by force, as many assume, and it didn’t do it alone. Everything settled out that way because that is the lowest energy, the most efficient state for society to be in, and it’s going to take more than Xi’s dreams and Putin’s hallucinations to change it.

Haverá neste momento, ou nos tempos mais próximos, alguma alternativa à hegemonia norte-americana, ou euro-americana, para ser mais claro?


Teoricamente, sim, ou assim pensei nos últimos anos, até que Putin perdeu a cabeça e invadiu a Ucrânia. Seria uma espécie de Tratado de Tordesilhas 2.0. Hoje, porém, não sei como é que a China conseguiria impor aos Estados Unidos e à Europa uma nova divisão do mundo.

Quando portugueses e castelhanos se sentaram à mesa para dividir o novo mundo entre si havia um equilíbrio entre os dois países em matéria de exploração marítima de novos continentes. Os portugueses estavam mais avançados do que os espanhóis nas artes de navegação, mas a tecnologia passou por osmose para o resto da península. Os holandeses precisaram de quase três séculos para disputar o mesmo território 'descoberto' (terminologia inaugurada pelos portugueses) e 'conquistado' (a terminologia espanhola que nunca mudou...). O negócio foi, portanto, possível porque havia uma espécie de paridade tecnológica e mapas de navegação e de marear que só as elites e os marinheiros ibéricos conheciam. E também porque o tratado foi concebido e assinado entre dois estados concorrentes, mas irmanados numa mesma genealogia religiosa e cultural. No caso da China que hoje desafia a América e o resto do mundo com a sua prosápia, tal equilíbrio não existe. Pelo contrário, os países da Ásia e da África que ainda não estavam avisados para o novo perigo chinês acordaram depois da invasão da Ucrânia e depois de perceberem em toda a sua extensão a bestialidade imposta pelos cretinos prepotentes de Pequim a mais de 1,3 mil milhões de desgraçados. O senhor Xi, se queria um Tratado de Tordesilhas 2.0, tê-lo-à porventura perdido depois exibir a sua falta de inteligência (e desespero) na gestão da pandemia, piorando ainda mais as coisas à medida que se foi colocando ao lado da besta de Moscovo. Em suma, estou hoje menos convicto que seja possível dividir o planeta entre dois gigantes. 

Os Estados Unidos e a Europa sairão reforçados desta enorme e sangrenta crise em curso, ao contrário do que sopram as anafadas excrescências do marxismo retardatário da laia do Boaventura Sousa Santos e quejandos. Chomsky, por outro lado, é um moralista obtuso.

sexta-feira, maio 12, 2023

Gentrificação?

Antonio Cerveira Pinto
Basement, #08, 2010

Gentrificação ou falta de habitação social?

“Um quinto dos proprietários venderam as casas que tinham no mercado de arrendamento desde que o pacote Mais Habitação foi anunciado a 16 de fevereiro, conclui o 7º barómetro da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP).”

Estamos no meio de novos movimentos de substituição social nas áreas residenciais das nossas principais cidades. Em Lisboa, como no Porto, Braga, Viana do Castelo, Funchal, etc., a degradação dos centros urbanos era  há alguns anos gritante, sobretudo ao longo das décadas de oitenta e noventa do século passado. Prédios devolutos, alguns com mais de seis ou sete pisos, caíam literalmente à rua. Milhares de outros exibiam as suas tripas a quem perto dos mesmos passasse. A principal causa deste descalabro era a impossibilidade de os proprietários tirarem qualquer rendimento dos alugueres das suas propriedades urbanas alugadas. Esta circunstância (rendas ridiculamente baratas) convivia com o envelhecimento e o empobrecimento dos inquilinos cujas rendas baratas não estimulavam qualquer propensão para o diálogo com os senhorios, nem qualquer desejo de manutenção das casas, seja pelo senhorios, seja pelos inquilinos. Havia que fazer alguma coisa! E fez-se, acabando progressivamente com as rendas congeladas, e tornando menos morosos os processos de despejo. A partir daqui teve início a afluência expectável de potenciais compradores e de novos inquilinos aos centros urbanos em fase, cada vez mais evidente, de renovação. Dezenas de milhar de proprietários não tinham sequer capacidade de endividamento para assumirem eles próprios a iniciativa da renovação (demolições necessárias, novos projetos, indemnizações de inquilinos, etc.). E assim nasceu o processo de gentrificação à portuguesa! Aconteceu depois de os municípios terem construído milhares de habitações sociais, sobretudo em Lisboa e no Porto, ainda assim muito aquém das necessidades. Segundo o INE, havia em 2015 120 mil fogos de habitação social — 26 mil edifícios —, com uma renda média mensal de 56 euros. Ou seja, 2% do parque habitacional era habitação social. Uma percentagem apesar de tudo ridícula quando comparada com, por exemplo, a situação inglesa, com mais de 16% do parque habitacional em regime de renda social... Não é tentando travar a famosa ‘gentrificação’ que a esquerda falida que temos conseguirá evitar mais um prego nas promessas de Abril: a habitação, mas sim apostando numa profunda reforma do papel da habitação no novo equilíbrio social necessário. Basta olhar para o que se está a passar no resto da Europa!

PS: Portugal teve, de facto, um regime de arrendamento social durante todo o salazarismo e os quase cinquenta anos que levamos de democracia, que ainda não terminou (as rendas antigas permanecem congeladas). Ou seja, o estado social salazarista permaneceu de pé até à chegada da Troika a Portugal (com uma diferença, a inflação salazarista era residual, ao contrário da explosão de salários e preços ocorrida nos quase cinquenta anos de democracia que se seguiu à ditadura). Não me venham, pois, com conversas de esquerda e direita! Dos 6 milhões de alojamentos existentes no país, 923 mil estão legalmente alugados, sendo que 70% destes alugueres estão abaixo dos 400 euros/mês. Apenas 2% dos contratos estão nos mil ou mais euros (pouco mais de 20 mil contratos). Curiosamente, esta forma de socialismo em que os senhorios subsidiam os inquilinos tem um contrapeso liberal: o número elevadíssimo de proprietários de casa própria.  Conclusão: a sociedade portuguesa não gosta do socialismo, mas suporta-o  quando tem que ser — seja na forma salazarista, seja na forma populista de esquerda.

LINKS

Proprietários ‘fogem’ das rendas e começam a vender casas — Expresso

Mais de 70% dos contratos de arrendamento valem menos de 400 euros — Dinheiro Vivo

Proportion of households occupied by social renters in England from 2000 to 2022

Home ownership rate in Germany from 2010 to 2021

Home-ownership in the United States

List of countries by home ownership rate

sexta-feira, janeiro 27, 2023

Carvão—Sines e Pego—dois erros crassos

Central Elétrica do Pego - notícia

Em Portugal, o fecho das centrais a carvão de Sines e do Pego foi uma decisão precipitada e provavelmente um erro grande, provavelmente estimulada pelos defensosres vanguardistas do inicático e problemático hidrogénio.

Segundo Rui Rodrigues: 

— estas duas centrais a carvão produziam por ano 20% da electricidade consumida em Portugal. Em 2022, no mês de fevereiro, foi a importação de electricidade produzida pelas centrais a carvão reabertas e pelas centrais nucleares espanholas, assim como a importação de energia elétrica francesa que impediram os apagões no nosso país. Naquele mês as barragens não tinham água e não havia vento.

A decisão de fechar as centrais a carvão foi um erro histórico.

Galamba diz que a Barragem do Tâmega iria substituir as duas centrais a carvão, mas essa afirmação é falsa. Todas a novas barragens juntas produzem 3% da electricidade consumida em Portugal. A do Tâmega é uma parcela destes 3%.

Em 2022, o aumento da despesa com a importação de electricidade elevou-se a mais de mil milhões de euros. Importou-se diretamente mais eletricidade de Espanha e França, e comprou-se mais gás natural, responsável por 55% da eletricidade consumida no nosso país.

Ainda segundo RR, a nossa Imprensa é que está calada...

Entretanto na União Europeia...

EURACTIV — “In our forecast, despite the recent decline in gas prices, until 2025, coal is still more competitive than gas,” said Carlos Fernández Alvarez, who heads the IEA’s division on gas, coal and power markets.

Growing demand for coal was driven chiefly by the war in Ukraine and the need to reduce gas consumption following Russia’s decision to diminish supplies to Europe, according to the IEA’s 2022 coal report, published in December.

Alvarez said that the demand for coal in Europe was also pushed up by the decline in nuclear power generation coming from France, Germany, and Belgium.

“There is a gap [in power generation capacity] that needs to be filled. And with high gas prices, it’s coal” filling the gap, the IEA analyst said at a meeting organised by the industry association Euracoal.

As a result, coal demand in Europe is set to grow for the second year in a row in 2022, the IEA indicated in its December report.

With Russian gas gone, coal makes EU comeback as ‘traditional fuel’
By Frédéric Simon | EURACTIV.com
26 Jan 2023 (updated:  8:39)


O "Polvo", segundo Garcia Pereira

CEO da TAP, Christine Ourmières-Widener.
Imagem (recortada) de António Cotrim/ Lusa

TAP, uma telenovela sem fim à vista


ANTÓNIO GARCIA PEREIRA — "Há uns anos passou pelas televisões europeias, incluindo a portuguesa, uma excelente série italiana intitulada “O Polvo” (“La Piovra”), que retratava com especial fidelidade a actuação da máfia siciliana e a rede de influências por ela tecida e estendida praticamente a toda a sociedade, dos grandes interesses financeiros aos dirigentes de partidos políticos, passando pelas mais diversas instituições públicas, Justiça e Polícias incluídas. Seguramente não por acaso, é esse título de “O Polvo” que me volta agora e repetidamente à memória perante não só o desfiar de acontecimentos das últimas semanas como também face ao desenvolvimento de toda a sorte de manobras de falsidade, de camuflagem, de contra-informação e de manipulação da opinião pública que estão neste momento em curso."

Garcia Pereira refere neste seu artigo, focado no escândalo da indemnização (e do encobrimento da indemnização) de Alexandra Reis, algo que provavelmente escapa à maioria dos portugueses e dos nossos deputados, e que, pela sua importância, destaco neste post: 

— "...o Advogado de um dos arguidos detidos (o Presidente da Câmara de Espinho) fez publicamente uma denúncia de enormíssima gravidade: no Tribunal de Instrução Criminal do Porto estará instituído um “sistema”, completamente ilegal, de atribuição do 1º interrogatório dos arguidos detidos sempre ao mesmo Juízo, com escalas pré-definidas e, logo, pré-conhecidas,de qual o juiz de instrução que está de serviço em cada um dos dias de semana. A confirmar-se, isto faz com que o Ministério Público possa antecipadamente conhecer quem vai estar de serviço em cada dia e assim efectuar as detenções no momento que lhe convém para ter o juiz “A” ou “B” a presidir a tal interrogatório e a aplicar as medidas de coacção aos arguidos, tudo isto numa flagrantíssima e de todo inadmissível violação do chamado princípio do juiz natural."

Esta situação parece ser, por outro lado, mais geral do que este caso concreto dá a conhecer. Na realidade, o Ministério Público poderá sempre 'escolher' o Juiz de Instrução Criminal, uma vez que as escalas destes são fixas.

Esta será, em suma, a consequência de os TIC terem os mesmos juízes anos a fio, alguns há mais de 20 anos. Conhecendo-se o padrão decisório destes, será mais fácil o MP obter, em cada caso, o que pretende...

TAP: “O POLVO”
António Garcia Pereira
Notícias Online, 26/01/2023

quinta-feira, janeiro 26, 2023

Mapas de democracia. Do outro lado do pessimismo

This Person Does Not Exist

A era dos hiperobjetos

A política vai quase sempre atrás dos factos económicos (demográficos e energéticos, para ser mais preciso). 

Na realidade, a política é o resultado de uma luta de classes um pouco diferente da descrita por Karl Marx, na medida em que se desenvolve como um polígono de vontades e tensões com vários lados e vértices —fruto dos interesses individuais e de grupo — em que alguns vértices são mais pronunciados que outros. 

Estes são, em minha opinião, alguns dos vértices: 

1) energia 

2) procura e oferta de bens e serviços (preços e rendimentos)  

3) produtividade e distribuição da riqueza 

4) pirâmide social

5) atores sociais (poderes, movimentos de massa e eleições) 

6) demografia (pirâmide demográfica) 

7) custos histórico-sociais e culturais (dimensão do Estado e do setor público de bens e serviços). 

A política, nesta topografia, é, sim, o resultado da luta de classes (da agonística dos grupos de interesses, para ser mais preciso), e não uma força criativa propriamente dita, salvo quando os golpes de estado e as revoluções se revelam como destruição criativa. 

Por exemplo, os dirigentes e burocratas de Pequim só começaram a pensar em reduzir as emissões de CO2 quando se deram conta de que estavam a morrer asfixiados no excesso de emissões das suas fábricas alimentadas a carvão. E só começaram a reprimir os 'wet markets' quando sucessivas epidemias afetaram gravemente a saúde pública de centenas de milhões de chineses e a credibilidade da China (que nunca foi muita) no mundo. E também, só agora começam a perceber que atingiram o pico do seu crescimento, sobre uma bolha imobiliária especulativa sem precedentes no planeta. Não têm energia sequer para manter o atual estado de prosperidade relativa (veja-se o que está a acontecer com a falta de gás para aquecer as pessoas neste inverno). Dependem criticamente da globalização económica e financeira. Os políticos, mesmo em ditadura, arrastam-se atrás dos acontecimentos. 

Dito isto, longe de mim, ser contra a Política. O que digo e reafirmo é que a gestão política tradicional entrou em decadência acelerada. Precisamos, de facto, de saber aproveitar as novas tecnologias cognitivas para a gestão democrática e livre da complexidade crescente da espécie humana (e das suas possibilidades de sobrevivência). Isto porque, convém sublinhar, a expansão económica e demográfica dos últimos 200 anos é uma consequência direta do desenvolvimento tecnológico alimentado por energias revolucionárias, abundantes e baratas (pelo menos até 1973). Por sua vez, este crescimento e desenvolvimento só foram possíveis em resultado de um lento processo de libertação dos povos europeus das cangas religiosas e feudais. O Renascimento, nascido na Europa, ainda tem algumas oportunidades para evoluir, nomeadamente se souber aproveitar a Inteligência Artificial e as novas redes sociais, bem como o desenvolvimento dos novos materiais, da biogenética, da fusão nuclear e da computação quântica. Estas são algumas das novas extensões da suposta micro-era geológica a que recentemente deram o cognome de Antropoceno. Há, para citar a original reflexão teórica de Timothy Morton, novos hiperobjetos no horizonte. Hiperobjetos positivos!

A crise energética poderá ser ultrapassada à medida que o ajustamento demográfico global, em curso 'natural' desde 1964, for atingido, isto é, quando a população mundial começar a decrescer lentamente até patamares de sustentabilidade demonstráveis. Será por volta de 2060, ou de 2100? Não sabemos. Seja como for, a aproximação da sustentabilidade demográfica antropológica é mais rápida do que a deterioração climática e ambiental. Este é o ponto que, em suma, justifica o meu otimismo.

Post scriptum — este post foi suscitado por um diálogo com o meu amigo José Lacerda Fonseca. Este diálogo prossegue num grupo restrito onde é possível experimentar argumentos e desabafar sem que o céu e o inferno nos caiam em cima. Deixo aqui um pequeno excerto.

José Lacerda Fonseca — Concordo com o teu otimismo tecnológico. Só q sem uma nova filosofia social pouco valerá pois a tecnologia reverterá para os interesses da elite concentracionaria mundial num cenário de progressiva angústia, instabilidade e violência.  As grandes concentrações de poder sempre estragaram tudo até porq acabam por ser propriedade de loucos degenerados pelo seu proprio poder.

OAM — Sim, alguém terá que pensar essa nova filosofia, mas também esta será mais fruta do tempo, do que da mera vontade espontânea da razão. Nós estamos de acordo que esta filosofia terá que passar por uma redefinição dos mecanismos que possibilitam e garantem a estabilidade da democracia e da liberdade (condicionada pela razão democrática). Talvez na direção de uma espécie de democracia deliberativa humana assistida por máquinas inteligentes (cognitivas, mas também sensíveis!) À falta de melhor conceito, chamo-lhe mapas de democracia. Um arquipélago fractal onde todos os organismos humanos praticam a democracia deliberativa racional...

JLF — Concordo em absoluto. Todavia creio q o elan para desenvolver mapas da democracia ou democracia viva como agora lhe chamo, justamente para acentuar a sua complexidade e evolução orgânica, precisa de novas ideias sobre ética, cultura, economia e sexualidade.

OAM — Concordo.