domingo, março 27, 2005

PSD reage

António Borges não vai deixar o PS em paz


Marques Mendes é o político de aparelho melhor colocado para ganhar o próximo congresso do PSD. De facto, não vejo como é que Filipe de Menezes, que não consegue manifestamente falar bom português, possa suplantá-lo no próximo conclave de aparatchics. Este juízo não passa aliás de senso comum. Pensa-o toda a gente que segue minimamente a televisão, e não vejo como poderia António Borges ter opinado de modo diferente quando Judite de Sousa lhe perguntou o que pensava sobre a futura liderança do PSD

Falta apenas saber se Marques Mendes será ou não um líder de transição. É bem possível que não resista aos efeitos da derrota eleitoral das próximas autárquicas. Mas também pode suceder que entre ele e a tendência liberal moderada formada em volta de António Borges e outra gente de peso no PSD haja uma aliança tácita com vista a suportar os próximos quatro anos de poder PS — minimizando os estragos e, se possível, capitalizando com eficácia os inevitáveis deslizes de José Sócrates.
A boa notícia desta nova conjuntura no PSD é a promessa de uma oposição adulta ao ciclo de governação que agora começa. O PS precisa dela. Para não cair na tentação, uma vez mais, dos jobs for the boys, e também para evitar a governamentalização do que deve ser deixado à iniciativa privada e à cidadania.

O nome de António Borges há muito que anda nos meus ouvidos. Mas a verdade é que não sabia o que pensava, e sobretudo não sabia como pensava. Ouvi e vi com curiosidade a entrevista televisiva que marca a sua entrada de leão na arena política nacional. Pareceu-me um liberal prudente e avisado (não um neoliberal qualquer). Pareceu-me uma pessoa decidida e corajosa, sobretudo quando denunciou a incompetência, a subsídio dependência e a corrupção endémicas que afectam as nossas elites partidárias, políticas e empresariais. Foi saudavelmente urbano na maneira como endereçou cumprimentos ao novo governo. O modo convicto como falou das novas gerações, nomeadamente de empresários e profissionais qualificados, que afirma serem decisivas para ultrapassar a mediocridade e desorientação estratégica que atingiram este país, tocou positivamente o meu nervo intuitivo. Farto da verborreia gasta e pitonísica dos políticos profissionais portugueses surpreendeu-me positivamente a eloquência pragmática e desassombrada deste político em ascensão. Seria um excelente mandatário de Cavaco Silva. O PSD precisa dele. E o equilíbrio da nossa democracia também.

O-A-M #73 23 Mar 2005

quarta-feira, março 23, 2005

Hora de Lisboa

Sasha by Baruca. Copyright © 2004-2005.

Com Durão em Bruxelas, Mourinho em Londres e Sócrates em Lisboa, bem podíamos estar mais optimistas!


A imagem que acompanha este artiguinho foi desenhada pela minha sobrinha de 18 anos. Pertence a uma categoria de arte chamada Anime, que não consta ainda do universo cognitivo dos nossos museus de ‘arte contemporânea’ (demasiado atentos aos restos da arte do séc. 20 e respectivos especuladores), mas que pode muito bem servir para compreender a missão do Governo que acaba de ver aprovado o seu programa de legislatura.
Ao contrário do que a floresta dos privilégios, da burocracia, do compadrio, da endogamia, da corrupção, da preguiça, da ignorância e da estupidez continua a pretender fazer-nos crer, existe entre nós a energia suficiente para colocar este País diante das suas responsabilidades históricas. Basta, para tanto, tomar um pouco de atenção aos sinais. O mais recente, insistente e óbvio, é a tempestade mental que atravessa grande parte dos decisores e opinadores portugueses desde a última campanha eleitoral. Nunca, como agora, parece ter existido tanta coincidência de pontos de vista sobre os males que nos afligem. Os efeitos obsessivos desta irmandade teórica agitam a generalidade dos canais mediáticos. Fala-se dos poderes corporativos que tolhem a nossa produtividade, e da falta de transparência dos processos produtivos e sociais. Numa palavra, chegou a hora de perceber que a mesada da História acabou. Os ciclos coloniais chegaram ao fim. O ciclo emigratório chegou ao fim. O ciclo do trabalho barato chegou ao fim. O ciclo do turismo bronco e trapaceiro chegou ao fim. O ciclo da integração europeia chegou, para nós, ao fim. O ciclo da energia barata chegou dramaticamente ao fim (e os portugueses pouco ou quase nada fizeram para precaver esta situação.) Enfim, o actual governo socialista sabe que o estado de graça facultado pelos eleitores corresponde muito mais ao medo generalizado de encarar os sérios desafios que temos pela frente, do que a uma verdadeira crença na redenção miraculosa dos nossos pecados culturais. Seja como for, há alguns sinais positivos no ar.

Tenho vindo a reparar nos surfistas que afluem à praia de Carcavelos (onde vivo há mais de trinta anos), na crescente comunidade artística que dá pelo nome de Anime.PT, ou no acréscimo evidente do número de doutorandos que esperam por melhores dias. Embora a endogamia espelhada nas nossas intituições e nos média mostrem o contrário, o país mudou e continuará a mudar rapidamente nos próximos anos. A este Governo, como aos políticos em geral, compete, sem mais adiamentos, preparar o terreno de acolhimento para tais energias. Serão estas, e não as clientelas instaladas, que nos poderão conduzir ao aumento da célebre produtividade. Mais e melhores artistas, mais e melhores cientistas, mais e melhores profissionais, mais e melhores desportistas, são algumas das metas ao nosso alcance e temos a obrigação de atingi-las no menor tempo possível.

Ao confrontar alguns conhecidos paquidermes corporativos, José Sócrates e o Governo deram o tom inequívoco da vontade política reformadora que os levou ao poder. Depois do interregno do inenarrável Santana Lopes, espero, esperamos todos, que Portugal comece finalmente a funcionar numa lógica cultural baseada na igualdade de oportunidades, na responsabilidade, na competência, na gestão por objectivos e na rotatividade funcional das pessoas, façam elas o que fizerem. A limitação de mandatos deve estender-se a todos os domínios do poder, seja ele político-institucional, académico, partidário, corporativo-patronal ou sindical (não é, senhor Dr. Carvalho da Silva?) A transparência de processos, também. Só assim poderemos esperar que o melhor das novas gerações contribua a tempo e horas para o rendimento do sistema.
A conjuntura actual apresenta uma configuração algo propiciatória. Durão Barroso foi para Bruxelas dirigir a Comissão Europeia, abrindo por outro lado a porta ao regresso do Partido Socialista (renovado) ao Governo. José Sócrates, Barroso e Maria João Rodrigues, uma das principais obreiras da Agenda de Lisboa e actual conselheira especial do primeiro-ministro luxemburguês, presidente em exercício do Conselho da União Europeia, estão, no essencial, de acordo com a necessidade de espevitar a dita Agenda, aprovada em Lisboa quando António Guterres presidia ao mesmo Conselho. A crise energética, a necessidade de reformular radicalmente o modelo estratégico do desenvolvimento europeu (mais cognitivo, menos consumista, mais ético, menos liberal e mais sustentável) e a simplificação dos processos de decisão e organização democráticas, são as prioridades essenciais deste velho continente. Só depois virá a necessidade de uma política de defesa comum, em sentido estrito (uma visão estratégica de geometria variável serve, para já, o interesse geral europeu.)

Face a este cenário repentino e tão dinâmico, os partidos da Oposição que se sentam na Assembleia da República vão mesmo precisar de fazer um retiro espiritual. O PSD de Marques Mendes irá certamente mudar. O PP parece que vai mesmo desaparecer. Resta saber o que se irá passar nas fileiras do Bloco de Esquerda e do PCP. A era da política como táctica acabou. Ou vai ser ridiculamente imprestável nos próximos quatro anos. A Oposição tem pois que se preparar para exercer de forma criativa e responsável os seus contraditórios. O que dela todos esperamos são ideias e não bloqueios. Afirmar, como hoje (23.03.2005) ouvi a um deputado do Bloco, na SIC Notícias, que o âmbito das nomeações partidárias para o aparelho de Estado deve incluir os Directores-Gerais, brada aos céus! Não, Senhor Fazenda, as nomeações políticas têm que se circunscrever aos membros dos governos e nada mais! No Estado, tudo o resto deve ser conseguido pelo mérito sucessivamente confirmado de uma carreira profissional claramente definida e exigente. E mais: para evitar a instrumentalização partidária dos cargos directivos, aquilo que há a fazer é introduzir limitações temporais aos exercícios das funções (por exemplo, 8 anos em cada direcção de serviços, direcção-geral, etc.), e submeter as carreiras profissionais a uma avaliação regular.

Entretanto, com as autárquicas no horizonte, esperemos que o Manuel Maria Carrilho ganhe a Câmara de Lisboa, pois a cidade precisa urgentemente de um programa cosmopolita ambicioso e pragmático. Até lá, vamos todos aprender inglês, porque vai ser preciso, e porque assim poderemos interpretar o pesadelo da Vânia (a.k.a. Baruca), minha promissora sobrinha:

“ this character I saw in one of my nightmares... that my boyfriend became evil and that we could transforme in whatever we whanted and I transformed into this , so i could run as fast as a feline.... but my boy friend cought me by doing the same as I.... he was blue with stripes on hes eyes, lots of muscules ”

IMG: Sasha by baruca [ http://baruca.deviantart.com/ ]
O-A-M #72 22 Mar 2005 (actualizado em 23.03.2005)