sábado, junho 18, 2005

A Europa de Blair

2 Tony Blairs, please

O Reembolso britânico e a PAC francesa


Margaret Thatcher pronunciou em 1984 uma frase, que viria a tornar-se célebre, sobre o esquema de utilização do orçamento comunitário, ao verificar que 45% desse orçamento ia direitinho para uma coisa chamada Política Agrícola Comum, da qual o Reino Unido via apenas algumas migalhas (devido à proporção diminuta do seu sector agrícola no PIB e ao elevado nível de desenvolvimento do sector), sendo seu principal beneficiário a França do então Ministro da Agricultura, Jacques Chirac. A frase, que voltou a ecoar depois da crise de confiança suscitada pelos NÃOS de franceses e holandeses no referendo ao Tratado Constitucional, foi esta: " I want my money back!"

Houve outros grandes beneficiários desta PAC, como os alemães, os espanhóis e os italianos. Mas o essencial é que esta grande fatia dos dinheiros comunitários (que para 2007-2013 corresponde ainda a 40% de todo o orçamento comunitário...) tem servido para atrasar o desenvolvimento estratégico da Europa, criando uma subsídio-dependência absolutamente escandalosa, com consequências dramáticas, por exemplo, entre os produtores agrícolas dos países menos desenvolvidos. Os ingleses exigiram, pois, que 2/3 da diferença entre o que dão e recebem da UE regressasse aos cofres de Sua Majestade. E assim foi ao longo dos últimos 20 anos...

Entretanto, nas vésperas da discussão das perspectivas financeiras para o próximo Quadro Comunitário, Jacques Chirac, numa tentativa desesperada de distrair as atenções do mundo, e sobretudo dos franceses, do seu desaire referendário, resolve denunciar o reembolso britânico (conhecido por British Rebate), exigindo uma substancial redução do mesmo. A tempestade desabou então sobre a cimeira, a qual acaba de encerrar os seus penosos trabalhos, sem resultados e ressoando o odor do fracasso por todos os poros nacionais que ali convergiram, ansiosos, muitos deles, pelos dinheiros esperados, se não mesmo contabilizados.

Tony Blair, picado pelo seu putativo sucessor, Gordon Brown, teve uma oportunidade inesperada, mas de ouro, para jogar uma cartada de mestre contra, não apenas Jacques Chirac, mas sobretudo contra a inércia corrupta e subsidio-dependente de boa parte do continente europeu. Sim, disse ele -- estamos dispostos a reduzir o envelope do Reembolso Britânico se, ao mesmo tempo, pusermos na mesma mesa negocial a Política Agrícola Comum. Caiu o Carmo e a Trindade. Blair manteve-se firme nos argumentos. Em suma, não houve compromisso possível.

E agora? Bom, não há orçamento comunitário à vista e os referendos foram adiados em toda a Europa. Por outro lado -- e eis uma consequência positiva de toda esta embrulhada pós-referendária -- temos finalmente reunidas as condições para uma verdadeiro debate europeu, em moldes amplos e democráticos. Resta-nos agora esperar que os dirigentes políticos mais desgastados sejam varridos da cena institucional, e que outros mais jovens, ambiciosos, corajosos e consistentes ocupem os seus lugares. Se assim suceder, a pausa valerá seguramente a pena, e um novo referendo, desta vez sobre um texto porventura menos espesso e melhor conhecido de todos os cidadãos europeus, poderá ser submetido a votação simultaneamente em todos os estados da União.

Ouvi Tony Blair algumas horas depois, na conferência de imprensa que deu sobre o fracasso da cimeira. Para ele, a PAC corresponde a uma visão ultrapassada da Europa, que a impede de assumir reorientações estratégicas essenciais, nomeadamente nos domínios da globalização, da segurança europeia e da defesa estratégica comum. Para Blair, todos estes domínios exigem dar uma prioridade absoluta ao desenvolvimento científico e tecnológico, e ainda à modernização urgente das pequenas e médias empresas europeias. O orçamento da PAC, além de incrementar os fluxos migratórios das populações economicamente bloqueadas de África, e de produzir um desgaste sem precedentes dos solos europeus (devido à intensidade insustentável dos modelos de exploração) impede, pura e simplesmente, o objectivo de tornar a Europa, nos próximos dez anos, na economia mais competitiva do planeta, sem deixar de ser ao mesmo tempo um modelo recomendável de democracia e bem estar social. A Europa precisa, como de pão para a boca, de uma nova visão estratégica. Tony Blair, Gordon Brown e Jack Straw demonstraram possui-la, contra uma esmagadora maioria de países desgraçadamente prisioneiros das suas crises de liderança.

Portugal faria bem em restabelecer rapidamente o seu alinhamento estratégico com a velha Albion, na linha dos passos dados por Durão Barroso durante a crise iraquiana. Freitas do Amaral deu sinais de sabedoria em toda esta crise. Pode muito bem vir a ser uma alternativa credível a Cavaco Silva.

O-A-M #81 18 Junho 2005

segunda-feira, junho 13, 2005

Luto comunista

Alvaro Cunhal regressa a Portugal, 1974

Álvaro Cunhal e Vasco Gonçalves despedem-se desta vida descontentes


Dois dos mais emblemáticos representantes de um certo ideal comunista de sociedade, de vida e de cultura morrem no espaço de 24 horas. Lutaram contra o Salazarismo. Lutaram depois por um Portugal fortemente influenciado pelo Partido Comunista — o que conseguiram, pelo menos parcialmente (1).

Nunca estive de acordo com os seus ideários (2), e sobretudo com os seus métodos anti-humanistas (aquilo a que chamavam os “factores objectivos” da Revolução e da Luta de Classes...) Fui trotskista para não ser estalinista. E estalinistas eram os do PCP e toda a ganga maoísta, parte da qual cavalga há algum tempo já a nossa democracia analfabeta, nova-rica e alarve. Os estalinistas (3), pró-russos e pró-maoistas, não trouxeram nada de bom ao mundo. É bom estudar as atrocidades que cometeram, como é imprescindível conhecer a barbárie fascista e nazi. Para que se não repitam... Para que não se repitam!

Notas
1 — Durante a crise complexa que conduziu ao 25 de Novembro eu era membro do Comité Executivo da Liga Comunista Internacionalista (LCI). Nessa qualidade, defendi com outros camaradas uma aliança de emergência com o bloco de organizações partidárias que se opunham à deriva direitista da revolução. Essa aliança pontual (que viria a dar origem à cisão da LCI e ao meu afastamento progressivo da militância política) foi baptizada em 25 de Agosto de 1975 com o nome de FUR (Frente de Unidade Revolucionária). Tratou-se de uma mescla muito heterogénea de projectos de acção política, incluindo as seguintes organizações: PRP-BR, FSP, LUAR, PCP, MDP-CDE, MES e LCI. Algumas destas organizações defenderam e tentaram efectivamente levar a cabo um golpe de Estado, cujo desenlace, criam, seria uma “revolução popular”. Não foi esse o caso da LCI (apesar da posição pró-golpista de Francisco Sardo — já falecido — e da pequena fracção de militantes que liderava no interior da LCI, e sobretudo no interior dos chamados SUV). Não foi também esse o caso do MDP-CDE (visto como agente encapotado do PCP), nem do MES. E não foi certamente esse o caso do PCP (entretanto afastado da FUR), cuja principal preocupação nesta crise foi evitar a sua derrapagem insurreccional. Lembro-me vagamente de umas conversações difíceis na sede do PCP, creio que para convencer Cunhal a romper com o VI Governo Provisório. Lembro-me ainda, já em plena crise insurrecional, i.e. nas vésperas do 25 de Novembro (quando se contavam de facto efectivos e espingardas!) do desabafo de um militante do PCP infiltrado na MDP-CDE, o qual, a propósito da vertigem voluntarista em curso, disse algo parecido com isto: pois é, vocês partem a loiça e depois nós é que temos que colar os cacos!
Serve esta nota para precisar que, na minha opinião, o PCP não esteve em nenhum momento do PREC interessado em tomar o poder pela força e instaurar uma democracia popular. Álvaro Cunhal sabia que as ex-colónias ficariam muito provavelmente sob a influência da União Soviética. Mas sabia também que Portugal não teria essa sorte. O seu objectivo para Portugal, reconhecendo que nunca ganharia o poder em eleições democráticas, foi assim limitado e preciso: garantir o triunfo de uma transição para a democracia burguesa sobre os escombros do anterior regime e ganhar durante esse processo o máximo de influência nos aparelhos institucionais do poder: Estado, sindicatos, cooperativas e associações culturais. Conseguiu-o por um largo período de tempo, nem sempre com as melhores consequências para a emancipação efectiva da sociedade portuguesa.

2 — Pode perguntar-se se Cunhal venceu ou perdeu a sua guerra. No muito curto prazo, ganhou-a, dados os objectivos efectivos que pretendeu alcançar (nunca lhe passou pela cabeça instaurar a ditadura do proletariado no nosso País.) No médio prazo, perdeu-a, pois o ideário estalinista e o socialismo real morreram (felizmente). Do longo prazo, não podemos falar, pois ninguém sabe quais vão ser as consequências para a humanidade da actual anarquia capitalista.

3 — De onde vem o fascínio mediático em volta da morte de Álvaro Cunhal? Em primeiro lugar, da avidez mórbida dos próprios média, na sua assumida qualidade de principais produtores e vendedores de ilusões hiperrealistas. Em segundo lugar, como bem referiu Pacheco Pereira, do processo de beatificação do herói comunista, promovida pacientemente pelo próprio (que a si próprio se referia na terceira pessoa...), e que Jerónimo de Sousa prosseguirá enquanto puder. Em terceiro lugar, da desilusão real que paira sobre largas franjas empobrecidas e confusas da população portuguesa, nas vésperas de uma nova metamorfose das super-estruturas sociais. E em quinto e último lugar, do facto de estarmos na presença de uma personagem inegavelmente sexy. [16.06.2005]

O-A-M #80 13 Junho 2005

Carrilho 1

Lisboa sem rumo: um candidato em família?

Revista CARAS, junho 2005.

Os cartazes revelam uma confrangedora falta de ideias e de bom gosto. O vídeo de apresentação projectado no evento chic do CCB assustou as centenas de crânios politicamente correctos que por lá se apinharam (ao que parece a trucagem entre Bárbara Guimarães e o bébé Diniz Maria foi abusiva e de mau gosto). Ainda não percebi se o candidato Manuel Maria Carrilho tem alguma estratégia para a cidade (bastam duas ou três boas ideias, não é preciso mais...) Mas cheira-me que andam demasiados publicitários e aparatchics borboletando em volta da aposta autárquica do PS. Finalmente, as sondagens têm vindo a descer e a trapalhada desta candidatura parece ainda vir no adro. É pena. Pois, apesar de tudo, Carrilho e Bárbara Guimarães poderiam fazer um bom lugar, não fora a problemática falta de nervo que parece ter acometido o filósofo.

Não vejo nenhum inconveniente no uso da esposa e do filho do candidato na pugna eleitoral que se avizinha. Pode até ser um argumento de peso na comparação com os restantes candidatos. Mas para isso, exige-se cuidado e subtileza, e que em nenhum caso se dê a transparecer qualquer ideia de exploração ilícita da imagem do inocente Diniz. Não sei, porém, o que pensa a maioria dos lisboetas...

Carmona Rodrigues poderá surpreender. Sobretudo porque goza de uma boa imagem junto de quem com ele trabalhou ou interagiu. Vamos ver como será o seu programa para Lisboa. A má experiência por que todos passámos durante o interregno Santana Lopes levará muitos eleitores a evitar o risco de uma nova dose de política tablóide e de imprensa do coração. Uma coisa é governar com o nosso dinheirinho, outra muito diferente, é chafurdar na Quinta das Celebridades. Assim sendo, Manuel Maria Carrilho, cuide-se!

O-A-M #79 12 JUN 2005

sábado, junho 11, 2005

Arrastao

Carcavelos: praia a saque?

Praia de Carcavelos: arrastão ou provocação policial?


Enquanto António Costa dormitava ao som melodramático do bardo presidencial, uma multidão de pretos, negros, ou afro-lusófonos (1), com idades entre os 16 e os 20 anos, presumivelmente oriundos de bairros inumanos da periferia lisboeta (Amadora, Sintra, Cascais, etc.), desencadearam uma onda de assaltos, agressões e pânico entre os banhistas brancos que gozavam umas horas de Sol e mar na minha praia de sempre: Carcavelos. O número de atacantes estimou-se nas centenas e actuaram impunemente entre as 15 e as 18 horas, em toda a extensão da praia, continuando posteriormente a sua acção predadora pela Av. Jorge V, estação de Carcavelos e comboios. Os revoltados eram, como disse, negros e jovens. Os atacados foram, como disse, brancos de todos os matizes, tendo o incidente tido início num ataque violento contra um cidadão ucraniano. Estes são os factos e não vale a pena disfarçá-los com retóricas politicamente correctas que apenas revelam tibieza, cobardia e hipocrisia intelectual.

Esta cópia do modelo brasileiro conhecido por ‘arrastão’, pelo número e grau de organização, coloca-nos diante de um problema muito sério, que as agências de turismo internacionais não deixarão de explorar, e que merece ser discutido publicamente. Foi ou não o ataque desferido na praia de Carcavelos uma manifestação de ódio racista? Foi ou não o arrastão de Carcavelos resultado de uma operação meticulosamente preparada, e neste caso, como podemos analisar a completa inabilidade preventiva da polícia? (2) Estamos ou não a assistir ao início de uma guerra civil atomizada, fruto de uma política de imigração oportunista e irresponsável, cujos patamares de agressividade poderão escalar bem mais cedo do que alguns gostariam de prever? E se amanhã surgir um verdadeiro líder de extrema-direita a reclamar uma resposta olho por olho, dente por dente, de quem é a culpa?

Numa situação de crise económica, liberalismo selvagem e desemprego sistémico, as primeiras vítimas da miséria e da humilhação social e cultural tendem a ser todas as minorias étnicas que o poder político foi deixando entrar no País sem uma verdadeira estratégia de contingentação, acolhimento e protecção. Isto é, as minorias oriundas de África, da América Latina (sobretudo brasileiros) e da Europa de Leste. O liricoidismo ideológico que imputa aos portugueses uma natural ausência de preconceitos racistas não passa disso mesmo: de uma mentira piedosa. Se há pão para todos, Afonso de Albuquerque e o Catolicismo, sobretudo por razões tácticas, ensinaram-nos a ser tolerantes, e não claramente segregacionistas, com as demais raças. Todavia, quando faltam o emprego, tecto, o pão, os snickers da Nike ou o telemóvel de última geração, as coisas podem mudar rapidamente de figura! Se ainda por cima empurrarmos as várias minorias para ilhas étnicas de matiz concentracionário (o caso da Cova da Moura é a este título exemplar), então estaremos mesmo a preparar um caldo de cultura inevitavelmente explosivo.

No caso que nos toca, a rebelião não nasce de uma radicalização religiosa da humilhação social prolongada que, por exemplo, na Alemanha, França, Holanda ou Reino Unido, tem sido imposta às minorias turcas, argelinas e asiáticas que nesses países há décadas fazem os trabalhos mais duros ou rotineiros que os indígenas educados desses paraísos civilizacionais se recusam a fazer. Em Portugal, onde a maioria dos imigrantes é felizmente católica, o problema é outro. Se não houver uma acção inteligente e sistemática do Estado e dos governos face ao problema, sul-americanos, africanos e europeus de Leste, e sobretudo portugueses descendentes destas ondas migratórias, ao serem as primeiras vítimas das crises sociais (precisamente porque os preconceitos étnicos e racistas existem, de parte a parte), tenderão a reagir como puderem. Unidos pela miséria e pela humilhação, verificarão depois que há mais alguma coisa a uni-los: precisamente, a cor da sua pele, do seu cabelo ou dos seus olhos... Para os mais aptos, o mundo do crime (contrabando, tráfico de estupefacientes, armas e objectos roubados, e a exploração sexual) será cada vez mais atraente. Se continuarem acantonados em bairros sem lei, o vislumbre de micro-sociedades com leis próprias, desafiando o Estado e a sociedade dominantes, aparecerá como um cenário cada vez mais tentador. Numa palavra, se nada se fizer, teremos muito em breve nas grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, não apenas cópias fidedigmas dos arrastões de Copacabana, mas verdadeiros contra-poderes sociais dominados por bandos de criminosos, tal como ocorre nas tristemente famosas favelas brasileiras.

Notas
1 — Nos Estados Unidos a palavra negro, ao contrário da palavra preto é considerada insultuosa quando usada para designar um indivíduo de origem afro-americana. Em Portugal, dependendo de quem utiliza o termo, qualquer das expressões acima empregues pode ser considerada politicamente correcta ou insultuosa. O termo empregue pelos próprios, no nosso país, é quase sempre ‘preto’, e não ‘negro’. O uso de qualquer dos termos neste blogue não tem, obviamente, qualquer intenção discriminatória, servindo apenas a necessidade de nomear sem hipocrisia indivíduos de uma determinada origem étnica ou rácica.

2 — Só um ingénuo poderia acreditar que as nossas polícias não têm agentes infiltrados nos principais bairros problemáticos da capital e arredores, e informadores infiltrados nos próprios gangs que se dedicam aos florescentes negócios do contrabando, contrafacção, tráfico de estupefacientes, prostituição, pequenos assaltos urbanos e... organização de ‘arrastões’. Só este facto explica como foi possível os corpos especiais de intervenção policial chegarem à praia de Carcavelos 20 minutos depois de dado o alarme. Mas este mesmo facto levanta uma dúvida: como é possível que os responsáveis pela ordem pública não tivessem tido conhecimento antecipado de uma operação com semelhante envergadura (número de actores envolvidos) e grau organizativo? Ou será que deveremos ler toda esta surpresa como um aviso premeditado dos lobbies policiais ao poder político, face às ameaças que pendem sobre os direitos adquiridos por estes corpos especiais da Administração Pública? E se assim fosse, não estaríamos perante uma manobra corporativa de matiz efectivamente golpista? António Costa precisa de todo o apoio para tirar isto a limpo e agir em conformidade. Alia jacta est...

3 — Algum tempo depois, viemos a saber que o arrastão teria sido mais virtual (quer dizer, teledramático) do que real. Houve problemas, a polícia veio (há quem afirme mesmo que o esquema nasceu na corporação...), a coisa demorou algum tempo a acalmar, mas depois, as televisões, como um enxame, não falaram de outra coisa, histericamente, durante horas e dias a fio! Seja como for, um aviso aos políticos profissionais: é urgente definir uma política de imigração e uma política de integração, racionais e justas. [5 Ago 2006]

O-A-M #78 11 Junho 2005

segunda-feira, junho 06, 2005

Europa referenda

Chirac e Schroder bebem por qual Europa?

A Multidão Europeia quer votar!


Recebi esta msg do artista holandês Peter Luining:
"ohnoqt@yahoo.com wrote:
'How do you explain the fact that a large majority of people who voted as you did (no), are very fond of populist, raciste and conservative ideas?'
Polls after the French vote show that this explanation is wildly incorrect:

Key paragraph:
'According to SOFRES [a polling institution], the "no" voters made their decision because "this treaty will exacerbate unemployment in France" (46%), "to show they're fed up with the current situation" (40%), "a 'no' vote will make it possible to renegotiate the treaty" (35%), "this treaty is too neoliberal" (34%), "this treaty is particularly difficult to understand (34%), "Europe threatens France's identity" (19%) or "because of Turkey" (18%). Among these reasons, issues of social protection and opposition to neoliberalism are clearly far ahead of xenophobic tendencies and worries about national sovereignty. This is confirmed by the IPSOS poll, according to which the three main reasons for the "no" vote are dissatisfaction with the current economic and social situation in France (52%), the view that the proposed treaty is "too neoliberal" (40%) and confidence in being able to get a better constitution after a renegotiation (39%). One last proof that at the heart of the "no" vote is the desire for another sort of Europe: according to most of the polling institutions, a very large majority of "no" voters (64% according to CSA) want France to ask for a new European constitution to be written.'"
Li entretanto o artigo de Thomas Lemahieu, publicado em Le Web de l'Humanité, com o título "Le véritable message des urnes". Aí encontrei alguns outros dados muito interessantes sobre o referendo francês: 54% dos estudantes votaram a favor do Tratado; 65% dos profissionais liberais disseram OUI, 56% dos reformados e pensionistas estiveram a favor da nova "Constituição", e o mesmo acontece com as pessoas que ganham mais do que 3000 Euros mensais. Os jovens estudantes, tal como as pessoas que criam os seus próprios empregos, os idosos e os executivos bem pagos pensam que a Europa se deve reforçar e tornar-se mais competitiva no contexto actual da mundialização económica e política. Os trabalhadores por conta das empresas e do Estado, por sua vez, querem uma Europa mais social e temem pelos efeitos perversos da actual deriva neoliberal dos políticos socialistas, social-democratas, liberais e democrata-cristãos, e sobretudo dos eurocratas, no Estado Providência.

Olhando para estes dois aspectos bem diversos do problema, penso que os NÃO da França e da Holanda forçarão finalmente um grande debate europeu sobre o futuro da Europa e a sua desejável identidade num mundo globalizado. Ora isto não pode deixar de ser encarado como uma boa notícia para todos nós, europeus!

A "multidão" europeia (Antoni Negri and Michael Hardt, autores deste novo conceito, usam a expressão "multitude") começou finalmente a mover-se como uma rede de "inteligência colectiva" alternativa, a qual obrigará os eurocratas e os velhos partidos políticos a redefinir os seus métodos de actuação e as suas prioridades.

Por este facto, julgo que deveremos todos exigir a realização dos referenda agendados em vários países europeus (República Checa, Polónia, Dinamarca, Reino Unido, Portugal, etc.)

A MULTIDÃO EUROPEIA QUER VOTAR!


O-A-M#77, 06 Junho 2005

domingo, junho 05, 2005

Aviso ao PS 3

Jobs for the boys 2


O PS alterou promessas eleitorais fundamentais (aumentou os impostos e promete mexidas abruptas no sistema das pensões e reformas) com base numa encenação caricata em volta do valor do défice esperado das contas públicas. Para isso, contou com a assessoria zelosa, mas suspeita, do Governador do Banco de Portugal. Ao contrário do esperado, a tónica foi para o aumento das receitas, e não para os cortes sérios na despesa pública. E quando digo cortes sérios nas despesas refiro-me, sobretudo, a uma diminuição drástica, mas faseada, ponderada e inteligente, do Estado, contemplando medidas como as que se seguem, e que me parecem inevitáveis, mais cedo ou mais tarde:

— encerramento de todos os Ministérios, Secretarias de Estado, Direcções-Gerais, Direcções de Serviços, Divisões, Institutos, Fundações e Organismos Autónomos manifestamente inúteis ou cujas funções, se não forem de todo inúteis, possam ser realizadas por outros organismos. Por exemplo, o actual Tribunal Constitucional não serve para coisa nenhuma (a não ser para alimentar de mordomias as clientelas políticas do PS e do PSD). Por exemplo, o actual Ministério da Agricultura poderia ser reduzido em mais de metade da sua esclerótica e paquidérmica dimensão. Por exemplo, os actuais Ministérios da Cultura e da Juventude e Desporto desempenhariam perfeitamente as suas funções enquanto Secretarias de Estado do Ministério da Educação. Por exemplo, os actuais Governos Civis, e a Guarda Nacional Republicana, sobrevivências do Estado Novo, não servem rigorosamente para nada, a não ser (no caso da GNR) para duplicar serviços e aumentar a descoordenação das acções, ou (no caso dos Governos Civis) para alimentar a voragem das clientelas partidárias. Etc, etc.

— reduzir drasticamente os postos de nomeação político-partidária na Administração Pública, acabando nomeadamente com todos os regimes de excepção. De Director-Geral para baixo, o acesso às posições de chefia deveria basear-se exclusivamente num sistema universal de concursos públicos.

— reduzir para metade o número das nossas representações diplomáticas (negociando ao mesmo tempo com alguns países comunitários acordos especiais de "out-sourcing" diplomático.)

— criação de duas novas regiões autónomas, dotadas de uma estrutura política e administrativa racional e eficaz, correspondentes às actuais regiões do Norte e de Lisboa e Vale do Tejo.

— manutenção das restantes regiões administrativas sob a responsabilidade directa do Governo, pondo-se fim à demagógica fantochada da Regionalização. Num país com metade da população de Tóquio, só mesmo o triunfo da corrupção, da preguiça e da ganância ilimitada, poderia sustentar a peregrina ideia de aumentar o Estado e as mordomias à conta da tal Regionalização!

— redução radical do número actual de Municípios, adoptando o princípio de que a elevação a Concelho, ou a descida neste tipo de divisão político-administrativa, depende da existência efectiva de comunidades de cidadãos residentes superiores a 10 mil habitantes. As actuais Assembleias Municipais serviriam como ponto de partida da reagregação das comunidades populacionais em torno dos novos Concelhos.

— remuneração dos deputados, vereadores e presidentes de câmara de acordo com escalões de representatividade democrática (< 10 mil eleitores; < 100 mil eleitores; < 500 mil eleitores; < 1 milhão de eleitores; > 1 milhão de eleitores).

— definição do núcleo estratégico do Ensino Superior (Engenharias, Arquitecturas, Matemáticas e Computação, Biologia e Genética, Ambiente e Medicina), a ser sustentado com racionalidade e meios adequados pelo Estado, e correspondente e efectiva privatização de toda a restante fileira da formação superior (Direito, Economia e Gestão, Artes e Letras, etc.)

— imposição rigorosa dos regimes de exclusividade na Função Pública, nomeadamente nos sectores da Saúde, da Educação e da Justiça.

— fim imediato de todos os privilégios corporativos actualmente detidos por diversas Ordens profissionais em tudo o que se refere ao exercício de controlos sobre a formação e acessos dos licenciados ao exercício das respectivas profissões.

— imposição universal de prazos administrativos obrigatórios para todos os actos da Administração Pública.

— publicitação automática, sem excepção, de todos os contratos, subsídios e apoios realizados entre o Estado e a sociedade civil (indivíduos, associações e empresas.)

— responsabilização dos agentes e funcionários do Estado, bem como dos detentores de cargos públicos pelos actos ou omissões praticados, cujos efeitos prejudiquem o bem público, o Estado ou os indivíduos vítimas de má administração pública.

— fim imediato de todos os privilégios e mordomias injustificadas usufruídos pelos altos cargos da administração pública, nos governos, nas autarquias, nos parlamentos, nas empresas públicas, nos organismos públicos autónomos, etc.

— profissionalização e despartidarização imediata das representações do Estado nas empresas públicas e participadas.

— publicitação das declarações de rendimentos de todos os cidadãos residentes no País (medida anunciada que aplaudimos).

— imposição de colectas mínimas em todas as categorias fiscais (medida parcialmente adoptada, mas que necessita de ser aprofundada).

— imposição de taxas moderadoras lógicas e razoáveis no acesso aos bens públicos gratuitos, i.e. financiados pelos sistemas de previdência e segurança social.

— aumento das coimas e multas aplicáveis por infracções ao código da Estrada (nomeadamente no que se refere ao estacionamento ilegal, uso de telemóveis durante a condução, excesso de velocidade, condução sob o efeito de substâncias tóxicas e manobras perigosas).

— aumento das coimas e multas aplicáveis por desrespeito das normas ambientais em vigor.

— redução do serviço público de televisão e rádio à prestação de serviços noticiosos e educativos de interesse geral. Un canal nacional, un canal dirigido aos PALOP e um canal internacional bilingue (Português e Inglês) são mais do que suficientes para assegurar os interesses nacionais. Este serviço deveria ser integralmente suportado pelo OGE e não contemplar nenhum espaço de natureza comercial. Dizer que precisamos mais do que isto é o mesmo que dizer que precisamos de um Diário da Manhã ou de um Diário de Notícias sob alçada do Estado. A agência Lusa é mais uma gordura perfeitamente dispensável na imprescindível revisão estratégica do sistema mediático português.

Estas e outras medidas duras podem e devem ser equacionadas e discutidas. Há maior disponibilidade para mudar do que se pensa. O que não há é pachorra para aturar a arrogância do actual Ministro das Finanças e o clima de guerra civil instalado entre as classes privilegiadas e corrompidas pelo actual sistema político. O que ninguém que votou no PS aceita são as 900 e tal nomeações partidárias já publicadas no Diário da República (alguém sabe a quanto soma o montante das indemnizações previstas?), ou a nova frota de BMWs adquirida pelo Tribunal Constitucional, ou os casos Fernando Gomes, Luís Nazaré e quejandos. Jobs for the Boys 2 é um filme que ninguém quer ver (até porque as continuações são sempre piores — Marx dixit...). Os "nãos" da França e da Holanda foram apenas os primeiros avisos sérios às corrompidas democracias actuais. Algo começou a mexer na multidão de que falam Michael Hardt e Antonio Negri. O Senhor Sócrates que se cuide!

The multitude is working through Empire to create an alternative global society. Whereas the modern bourgeois had to fall back on the new sovereignty to consolidate its order, the postmodern revolution of the multitude looks forward, beyond imperial sovereignty.

in Multitude, Michael Hardt e Antonio Negri

AC-P

O-A-M#76, 05 Junho 2005