terça-feira, agosto 25, 2020

Energy flat rate

Swanson's Law (Wikipedia)
 

O paradigma energético mudou 

Novo leilão em Portugal bate novo recorde mundial com o mais baixo preço de energia solar

97% menos do que o atual preço grossista da eletricidade na Península Ibérica (!)

Portugal está definitivamente na história do desenvolvimento de projetos de energia solar. Ao que o Expresso apurou, o leilão que decorre entre esta segunda e terça-feira já alcançou um preço de 1,20 euros por megawatt hora (MWh) * em pelo menos dois lotes já fechados, batendo por larga margem a marca histórica de 14,76 euros por MWh de julho de 2019 e o recorde mundial registado em abril último em Abu Dhabi.

Expresso, 24.08.2020 às 16h12

Vamos tentar pensar o tema da energia no nosso país sem a canga de maniqueísmo habitual, mesmo conhecendo os figurões em causa. 

Eu sei que é difícil. Mas vamos fazer este exercício teórico: 

—num país onde desaguam 3 rios internacionais, que tem uma das maiores exposições solares anuais da Europa, mais de 2100 Km de costa, e uma ZEE marítima que corresponderá em breve a 97% do seu território (a 7ª maior do mundo, equivalente à superfície da Índia), numa conjuntura económica ímpar, nomeadamente por efeito de um financiamento europeu à convergência económica portuguesa com os países mais desenvolvidos da União Europeia, na ordem dos 130 mil milhões de euros, entre 1986 e 2019 (1), será realmente um erro apostar nas energias renováveis, nomeadamente hídrica, eólica e solar? 

A nossa dependência energética do exterior anda, em média, desde 2009, nos 77% (25 pontos acima da média europeia, que ronda os 55%), e assenta sobretudo na importação de petróleo, gás natural e carvão. 

Por outro lado, por causa da pressão climática, da poluição e do pico petrolífero, mas também por efeito da queda da procura agregada mundial, que torna inviável continuar a consumir grandes quantidades de petróleo e carvão cuja prospeção e produção são cada vez mais caras, dificilmente poderemos negar que as energias renováveis vieram para ficar (2). 

Substituirão boa parte da energia oriunda do carvão, petróleo e gás natural, e serão tendencialmente gratuitas, assim que nos livrarmos dos monopólios das infraestruturas físicas e financeiras pesadas que ainda regem o paradigma de produção e distribuição de energia à escala global. 

Os custos da produção fotovoltaica têm vindo a cair à razão de 75% em cada década (a chamada Lei de Swanson). Assim que as pessoas e empresas puderem produzir livremente energia sem obrigatoriedade de venda aos atuais monopólios a preços regulados, estes mudarão de natureza, e os preços da energia começarão a cair ainda mais depressa. 

Em Portugal, porém, para que esta mudança ocorra teremos que acabar de uma vez por todas com as rendas excessivas da EDP, renegociando os contratos existentes.


As redes tradicionais de distribuição de energia elétrica terão a mesma sorte que as redes telefónicas anteriores ao VoIP. Ou seja, teremos, em menos de uma ou duas décadas, plataformas de energia renovável (biomassa, eólica, solar, etc.) onde todos podem ser, ao mesmo tempo, produtores, armazenistas e consumidores, pagando um 'small fee' pela gestão das redes de distribuição e partilha. Será, porém, necessária uma super-concentração dos atuais monopólios de energia, nomeadamente através de fusões entre grandes empresas petrolíferas em transição (BP, Total, etc.) e os grandes grupos de produção e distribuição de energia elétrica. Por fim, para que os preços de consumo se aproximem dos custos reais de produção das energias renováveis (sobretudo da energia solar fotovoltaica) será também preciso eliminar a ineficiência física e financeira atual, ou seja, o excesso de grandes empresas como a EDP, e criar verdadeiros monopólios globais à semelhança do que hoje são no mundo das telecomunicações, da informação e da computação, a Apple, a Microsoft, a Amazon, a Google, a Alibaba e a Tencent.

A EDP talvez já saiba que a energia cara chegou ao fim, ou vai chegar em breve...


*— Segundo me foi explicado por especialistas, a informação do Expresso é imprecisa.

Assim o “preço de 1,20 euros por megawatt hora (MWh)” é, em primeiro lugar 1,20 euros por MW (e não MW/h) e, por outro lado, trata-se de uma oferta de um “preço de compensação”...

Transcrevo:

Há três modalidades:

1. CfD é um contrato as diferenças em que há uma conta corrente entre o promotor e o sistema. Saldada  a conta corrente o promotor recebe exactamente o preço fixado no leilão.

2. Compensação Fixa

O fornecedor vende no mercado a energia que produz e paga ao sistema um preço de compensação por conseguir ter um ponto de ligação à rede (recurso escasso). Então o preço de venda que se pode comparar com o preço do ponto 1 é o preço médio da venda da energia em mercado descontado do preço de compensação pela ligação à rede.

É evidente que os promotores vão oferecer preços de compensação baixos, e a confusão gerada foi terem comparado esse preço de compensação muito baixo com o preço de venda a rede! São coisas distintas

3. Prémio Fixo por flexibilidade

É para centrais que tenham acoplado um esquema de armazenamento de energia (...). Neste caso, o produtor vende à rede a preços de mercado e vai receber do Sistema um prémio de capacidade que remunera essa potência de armazenamento que ele oferece, e esse prémio é idêntico às Garantias de Potência que as centrais clássicas recebiam pelo facto de fazerem backup as intermitentes. 

Assim sendo a remuneração é em euros por MW (potência) e não em euros por MWH (energia) como alguns disseram. A dúvida que tenho (...) é esta: quem gere essa capacidade de armazenamento. Se for o promotor, ele ganha por dois carrinhos: recebe o prémio pela potência instalada, e vai vender a energia armazenada quando lhe convier ao preço de mercado elevadíssimo duma hora de maior valia da energia! Assim sendo, se ele recebe esse prémio, quem deveria comandar a entrada em funcionamento dessa potência disponível seria o Despacho, quando precisar desse backup, e não quando convier ao promotor...


NOTAS

  1. Apesar de gigantesco, este rio de dinheiro é metade da dívida pública atual, a qual teremos que pagar, em horas de trabalho, ou em espécie...
  2. "As Mark Lewis of BNP Paribas Asset Management wrote, 'We conclude that the economics of oil for gasoline and diesel vehicles versus wind-and-solar-powered EVs are now in relentless and irreversible decline, with far-reaching implications for both policymakers and the oil majors.' —in Jeff Booth, The Price of Tomorrow, Why Deflation Is the Key to an Abundant Future (2020). See also www.thepriceoftomorrow.com


REFERÊNCIAS

Swanson's Law

EIA—Annual Energy Outlook 2020

De onde vem a energia que move o país, Público (12/11/2019)


Atualizado: 25/8/2020, 23:41 WET