sábado, dezembro 22, 2018

Coletes e sorrisos amarelos


A três dias do Natal. Percebe?


Foi uma espécie de ensaio geral. Governo, deputados e Marcelo sossegaram, sorriram e foram até magnânimos. O seu otimismo arrogante e populista joga paradoxalmente a favor da revolta cidadã que, aparentemente, começou hoje em todo o país, apesar do seu manifesto fracasso. Não estamos já na presença de uma geração à rasca, mas de um país à rasca, farto da corrupção, da ladroagem pública e da impunidade de banqueiros e políticos, porém sem liderança, nem energia.

Em França os coletes amarelos surgiram depois de o sistema partidário tradicional ter implodido, abrindo clareiras para três novas forças radicais: Frente Nacional, França Insubmissa e Macron. Em Portugal, nada aconteceu ainda ao nosso anafado e corrupto sistema partidário. Esta diferença é crucial para percebermos o flop do Vamos Parar Portugal. O amadorismo da iniciativa é evidente, nomeadamente na falta de um objetivo unificador claro, e ainda na ingenuidade de convocar uma manifestação agressiva nacional a três dias da Consoada e já com o décimo terceiro mês no bolso! Como se isto não bastasse, o Governo tem vindo a endividar-se à maluca dando tudo a todos, corroendo assim a infraestrutura material e humana do país. A economia continua, por outro lado e ainda, a beneficiar de enormes influxos de capital estrangeiro, receitas do turismo e remessas de centenas de milhar de novos e jovens emigrantes (milhares de milhões de euros por ano), com a decorrente melhoria do ambiente produtivo, laboral e económico, também do outro lado do funcionalismo público. Este, por sua vez, apesar de apaparicado em permanência pela Geringonça, é quem, afinal, agita semanalmente o país com greves e perturbações laborais. Mostrar o papão da extrema-direita, nomeadamente a propósito deste não acontecimento, mostra à evidência o cinismo da classe político-partidária instalada, mas também o estado zombie da maioria envelhecida da população. Portugal encontra-se indefeso perante a invasão pacífica, financeira e humana, em curso. As elites indígenas, na sua infinita preguiça e estupidez, têm o destino traçado: vender o corpo e a alma ao invasor, sem rebuço.

Os coletes amarelos lusitanos deveriam ter reclamado uma e uma só medida ao poder instalado: introduzir na Constituição portuguesa a figura do RIC - Referendo de Iniciativa Cidadã. Sem mudarmos o quadro constitucional na direção de um verdadeiro reforço da democracia participativa, sem acabarmos com o sufoco partidário que tudo controla e corrompe, as movimentações de rua servirão para alertar os políticos da sua falsa segurança e poder, mas não chegarão para mudar o regime, e é de uma mudança de regime que precisamos como de pão para a boca! Os atuais orçamentos participativos municipais são uma caricatura populista da democracia participativa que queremos.

Marcelo, ufano, confunde democracia com demagogia, e continua a sofrer de uma enorme miopia face à grande corrupção. Prefere, como temos visto, andar atrás dos pilha-galinhas de Tancos. Chama-se a isto mostrar serviço!

quinta-feira, dezembro 13, 2018

Joana 1, Serralves 0

Illustration by Paul Ryding for POLITICO

Uma artista síncrona com o seu tempo político e cultural


Joana Vasconcelos tem vindo a vencer a muralha de silêncio e piadinhas que erigiram contra ela. Desde que a conheço, não sei porquê, há uma elite indígena que detesta esta artista. Sempre vi nela uma profissional determinada, corajosa e comprometida com agendas ideológicas claras. Por exemplo, os direitos das mulheres, também nas artes. A antítese, portanto, dos artistas que pintam, fotografam e instalam por revista. Como artista prolífica que sempre foi, tem uma enorme produção. Peças como Sofá Aspirina (1997), Cama Valium (1998), o lustre construído com tampões de menstruação a que chamou A Noiva (2001-2005), a extraordinária Burka (2002) que vi ascender como Nossa Senhora ao teto do recém inaugurado MUSAC, e cair depois redonda no chão como uma puta apedrejada, Valquíria #1 (2004) e Pantelmina #3 (2004), Coração Independente Dourado (2004)—seguramente, uma das mais inteligentes, irónicas, e tocantes obras de arte produzidas na Europa na primeira década deste século—, a série Sapatos (2007-2010)—onde uma vez mais Gata Borralheira e Cindera dançam de forma sublime um sonho de mulher que a escritores como o pedinte literário António Lobo Antunes só pode mesmo distribuir socos—, e ainda a extraordinária Egéria (2018), da série Valquírias, expressamente pensada para o grande hall do Museu Guggenheim de Bilbau, entre outras, chegam e sobram para definir esta ainda jovem portuguesa nascida em Paris, como a mais importante artista do nosso país no primeiro quartel do século 21. Só falta saber porque carga de água, ou miopia de quem, o Museu de Serralves não viu o óbvio. Nunca dedicou uma exposição individual a Joana Vasconcelos, e a que no próximo mês de fevereiro irá ter lugar, depois de desalojar dois diretores da instituição (Suzanne Cotter e João Ribas), é o desfecho de um longo e silencioso combate que Joana venceu sem ruído e grande elegância. Mais grave ainda, o Museu de Serralves nunca lhe comprou uma obra de arte, até hoje. Agora, que tem menos dinheiro, e as obras de Joana Vasconcelos se cotizam sob a batuta de François-Henry Pinault, vai sair mais caro. Já agora, quantas obras comprou Serralves ao muito datado e nada original fotógrafo Robert Mapplethorpe? Quanto custou a centena e meia de aquisições da polémica exposição que ainda podemos espreitar neste museu portuense?

Joana Vasconcelos
THE VALKYRIE
Politico 
If you could reform one thing about the EU, what would it be?
“First I would change the fact that women don’t earn the same as men. I would make the human rights regarding women the first thing. Then I would change the politics toward immigrants.” 
Tell us something surprising about yourself.
“I’m an artist, but I could have been a karate teacher.” (She’s a 3 dan black belt.) 
What is the biggest loss the EU faces as a result of Brexit?
“The freedom of cultural speech and cultural movement. If we lose that we lose what makes us unique among the other continents.”

JOANA VASCONCELOS/JN: o Papa Francisco é atualmente a pessoa que mais admira e que poderia ter sido professora de Karaté, se não fosse artista. Acrescenta que gostaria de mudar os direitos dos imigrantes e das mulheres. E deixa uma declaração a propósito do Brexit: "Se perdermos a liberdade do discurso cultural, perdemos o que nos torna únicos entre os outros continentes." - Jornal de Notícias.


quarta-feira, dezembro 05, 2018

Las Bejas?

Casino.Org: Elysium City promises to put Spain’s “La Siberia” on the map. Despite having no major cities, airports, or rail connections nearby, a former Disney executive believes he can make it work. (Image: Cora Global)

A construção e novas cidades deixou de fazer sentido, exceto em África


A ideia por mim lançada em 2012 (1) era para Beja: Las Bejas! Ninguém ligou (o pessoal só pensa no OE). Porém, a recém anunciada Elysium City (2), por uma obscura empresa criada em 2015 em Orange, Califórnia (a Cora Global, dum tal John Cora), será provavelmente mais uma tentativa falhada de trazer uma réplica de Las Vegas para a Europa. Em Espanha, houve já duas animações 3D que deram em nada: a Las Vegas de Madrid e a Las Vegas de Barcelona. Castilblanco, o pueblo escolhido para Elysium, fica na Extremadura, a 139Km de Ciudad Real; a 100Km de Talavera de la Reina, a 218Km de Madrid, e a 430Km de Lisboa. Nenhum aeroporto por perto. Parece-me, pois, outro castelo de bits para entreteter um poder político cada vez mais atrofiado e sem ideias.

Depois da ascensão à dignidade parlamentar dum partido populista de extrema esquerda, financiado pelos dois últimos ditadores folclóricos da Venezuela, a Espanha vê-se agora confrontada com a inevitável réplica: a ascensão, cada vez mais preocupante, de uma extrema direita populista suportada pelos votos que se irão paulatinamente desviar do Podemos e do PP para a Vox. A queda de Andaluzia é um sinal claro de que se as esquerdas, uma vez implodido o centro partidário, nada têm para oferecer aos povos para além da austeridade, das agendas fraturantes, e da corrupção, então as classes médias empobrecidas acabarão por eleger novos regimes de autoridade. Necessariamente violentos e retrógrados? Não sabemos. A China, Singapura, e o Vietname, são regimes autoritários, e a democracia no Japão nada tem que ver com as democracias ocidentais. Porém, são economias prósperas, e as pessoas parecem conformadas.

As democracias ocidentais têm um enorme problema civilizacional pela frente, e não são as touradas. Este desafio chama-se fim de uma era de prosperidade assente em energias baratas, cuja primeira consequência grave é a contração demográfica e o envelhecimento das populações associado ao aumento da esperança de vida. Também por isto, a criação de novas cidades, ou apostas em novas e caríssimas infraestruturas, são ideias que começam a perder todo o sentido. O Portugal da Mota-Engil, tal como a Espanha da Acciona, FCC, Ferrovial, Sacyr e San Jose, correspondem a um modelo de desenvolvimento esgotado. O futuro na Europa e em geral nas cidades desenvolvidas de todo o mundo chama-se gentrificação, ou seja, reordenar a ocupação humana das cidades, sobretudo dos centros das aglomerações urbanas de média, grande e muito grande dimensão. O contrário, portanto, da suburbanização, que marcou boa parte da economia da construção de edifícios e sistemas de transportes durante os últimos sessenta anos.

A ideia de construir parques temáticos e tecnológicos fora das cidades deixou, pois, de fazer sentido. As novas disneilândias e os novos silicon valleys começam a nascer do próprio processo de gentrificação acelerada em curso em inúmeras cidades por esse mundo fora, incluindo Portugal. Percebi isto mesmo quando visitei pela primeira a cidade de Praga. Foi provavelmente ali que a fantasia urbana de Walt Disney nasceu. Mas enquanto a milenar Praga tem condições geográficas e estruturais para prosseguir a sua vida, e portanto incorporar no seu espaço-tempo um processo mais ou menos duradouro de disneificação, o mesmo não ocorrerá à Disneilândia, cujo futuro antevejo breve.

Las Bejas não será pois viável no tempo pós-contemporâneo de que fazemos parte desde 1993, o ano em que teve início Web. O que escrevi sobre esta fantasia, em 2012 e 2016, não tem futuro, tal como não tem futuro a terceira tentativa de vender ao povo uma cidade-casino na Extremadura espanhola.


NOTAS
  1. Pastel de Nata (2012), Lóbi do novo aeroporto não desiste! (2012); Macau: faites vos jeux (2016)
  2. Rádio Renascença 04 dez, 2018 - 08:57
    A Las Vegas europeia chegará a Badajoz em 2023
    Há uma nova tentativa de construir a próxima “Las Vegas europeia” na região da Estremadura espanhola, onde outro projeto semelhante foi frustrado no último verão, segundo avança o jornal "El País".
    A filial espanhola do grupo norte-americano Cora Global apresentou um megaempreendimento denominado “Elysium City”, em Castilblanco, perto de Badajoz, com um investimento previsto de 3.500 milhões de euros. A primeira cidade inteligente espanhola terá casinos, hotéis, vivendas, um centro comercial, uma marina e até mesmo um estádio.
    O promotor do novo projeto é o empresário John Cora, que trabalhou durante 30 anos na Walt Disney Company e foi vice-presidente dos parques temáticos da Disney. O empresário - como o próprio recordou na apresentação feita em Mérida perante Guillermo Fernández Vara, presidente da região da Estremadura - foi o principal defensor da construção da EuroDisney em Espanha, um parque temático que foi finalmente construído em Paris.

segunda-feira, dezembro 03, 2018

Menos propaganda!

World Bank - Portugal, GNI per capita

Mais gráficos e menos conversa podem ajudar a ultrapassar a ansiedade


Dados essenciais para compreender o que se passa em Portugal:

DEMOGRAFIA — regredimos até ao ano 2000 (o pico demográfico foi atingido em 2010, com 10,573 milhões de habitantes, caindo para 10,294 milhões, em 2017).

CRESCIMENTO — apesar da tímida recuperação iniciada a partir de 2014, o PIB encontrava-se em 2017 nos 217,6 mil milhões de dólares, que comparam com 240,17 mil milhões de 2007. Estas duas cifras ilustram a famosa 'década perdida'.

DÍVIDA PÚBLICA — 62,9 mil milhões de euros em 2000; 249 mil milhões em 2017.

* Enquanto o crescimento quase duplicou entre 2000 e 2017; a dívida pública quase quadriplicou. Quer dizer, o crescimento foi de tal modo alavancado em dívida (pública e privada) que, bastou o colapso financeiro mundial de 2008 e a grande recessão que se lhe seguiu, para encostar o país à bancarrota. Desde então vivemos apertados por um cinturão de credores a que não conseguimos escapar. Boa parte da economia deste século, afinal fictícia, faliu, e as suas marcas foram parar a mãos estrangeiras.

RENDIMENTO ANUAL 'PER CAPITA' — andámos 12 anos para trás: 19.820 USD, em 2017; 22.960, em 2010; 19.330, em 2006.

ENSINO: nos útimos 17 anos perdemos 17 mil estudantes no Ensino Primário. Sem olharmos para este declínio com olhos de ver não percebemos a bagunça que reina no setor nem o egoísmo sindical.

ESPERANÇA DE VIDA — 81 anos, em 2017; 78 anos, em 2006; 68 anos, em 1974.

Temos, assim três problemas graves pela frente: 1) envelhecimento, 2) regressão demográfica e 3) um estado partidocrático, burocrático, fiscalmente agressivo, politicamente prepotente e socialmente insustentável.

Soluções prioritárias:

1) simplificar o estado e as leis, tornando a administração pública mais leve e eficiente;

2) diminuir a omnipresença partidária na sociedade;

3) diminuir os impostos sobre as empresas e sobre o trabalho;

4) atacar a corrupção e o nepotismo, favorecendo a transparência de processos e o mérito;

5) desenvolver uma verdadeira indústria de recursos humanos, através de parcerias privilegiadas com os países de língua oficial portuguesa: Brasil, Angola, Cabo Verde, São tomé e Príncipe, Guiné-Bissau, Moçambique e Timor-Leste;

6) reforçar a estratégia atlântica, nomeadamente com o Reino Unido e a Irlanda, e os continentes africano e americano, diversificando ao mesmo tempo as nossas relações comerciais e culturais com os países da Ásia (China, Índia, Japão, Indonésia, etc.)

domingo, dezembro 02, 2018

A IV Revolução Informática

The first prototype of a computer mouse, as designed by Bill English from Douglas Engelbart's sketches. Wikipedia


The Mother of All Demos


A revolução de Douglas Engelbart, Alan Kay, Steve Wozniak, Steve Jobs, Paul Allen, etc., que deu à Microsoft e à Apple, e mais tarde, à Amazon, à Google e ao Facebook, todo o poder de que ainda dispõem, aproxima-se de uma nova fase: a computação quântica. Ou seja, caminhamos rapidamente para a IV Revolução Informática. As que a precederam foram: I - Mainframe computers; II - Personal computers; III - Internet.

O Maio de 68 em Paris não produziu nada de novo para a humanidade, mas The Mother of All Demos, apresentada em São Francisco, em 9 de dezembro de 1968, sim.

On December 9th, 1968 Doug Engelbart appeared on stage at the Fall Joint Computer Conference in San Francisco's Civic Auditorium to give his slated presentation, titled "A Research Center for Augmenting Human Intellect." He and his team spent the next 90 minutes not only telling about their work, but demonstrating it live to a spellbound audience that filled the hall. 
Instead of standing at a podium, Doug was seated at a custom designed console, where he drove the presentation through their NLS computer residing 30 miles away in his research lab at Stanford Research Institute (SRI), onto a large projection screen overhead, flipping seamlessly between his presentation outline and live demo of features, while members of his research lab video teleconferenced in from SRI in shared screen mode to demonstrate more of the system. 
This seminal demonstration came to be known as "The Mother of All Demos." 
Doug Engelbart Institute/ Doug's Great Demo: 1968


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