domingo, fevereiro 27, 2022

A Rússia depois do martírio ucraniano

 

JOHN CUNEO — Visual metaphors for beginners.
(Not sure this is a guy who is worried about sanctions)
@johncuneo3

Depois da guerra da Ucrânia a Rússia ou será um súbdito da China ou um futuro membro da União Europeia. As ambições assassinas de Putin não têm futuro.

“Mais de 3 mil pessoas foram presas na Rússia desde o começo da ofensiva na Ucrânia, incluindo 467 neste sábado, por se manifestarem contra a guerra, informou a ONG de defesa dos direitos humanos OVD-Info.” (lista de detidos aqui)

A questão de Putin e da Rússia é simples de perceber: viram o seu império leninista-estalinista, a URSS, fundada em 1922, ruir por dentro, ao fim de 69 anos de existência (1922-1991). 

A ex-União Soviética foi, na realidade, um epifenómeno e uma página breve na existência da Rússia. Uma vez extinta, por implosão, e sem causas externas diretas, toda a conversa de Moscovo sobre zonas de influência e pergaminhos imperiais sobre os povos que se libertaram rapidamente da pata moscovita, não faz qualquer sentido. Os países que se libertaram da Rússia (e apesar das cicatrizes de meio século de corrupção, ditadura e paranóia securitária) querem naturalmente paz, democracia e prosperidade, ou seja, tudo o que a Rússia nunca soube nem sabe o que é. 

Os próprios russos que não constituem a guarda pretoriana do Kremlin, e até uma parte da elite palaciana de Putin, aspiram a pertencer a uma Europa chic e com liberdades jurídicas asseguradas. Veja-se, a título de exemplo, o caso da Barbie que recentemente publicou e apagou (por ordem do papá, claro) um hashtag contra a invasão da Ucrânia. 

A filha do porta-voz de Putin (o dandy Peskov), de nome Elizaveta Dmitrievna (@lisa_peskova), é o que se chama uma beauty russa com todos os tiques da sofisticação urbanita e mediática ocidental. A sua página no Instagram parece saída dos livros de estilo dos filmes de James Bond, ou das mais recentes hipérboles da cultura pop tardia americana e europeia. No entanto, esta pérola da elite moscovita foi também estagiária de Aymeric Chauprade, um deputado nacionalista francês do Parlamento Europeu, ex-iminência parda da presidente da Front Nationale, Marine Le Pen, e um declarado defensor da anexação da Crimeia por parte da Rússia em 2014. Este especialista em 'realismo geopolítico' foi ainda vice-presidente do efémero grupo parlamentar europeu chefiado por Nigel Farage.

Elizaveta Dmitrievna é fundadora e vice-presidente da Foundation for the Development of Russian-French Historical Initiatives, uma organização russa presidida por um ex-legionário, ex-militar e antigo assistente parlamentar de Jean-Marie Le Pen e Aymeric Chauprade, de nome Pierre Malinovsky. 

A agressão militar de Putin está a custar aos russos, a maioria dos quais vive com grandes dificuldades, 20 mil milhões de dólares por dia (ver Nota). A resposta económico-financeira que a Europa e os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia, e muitos outros países estão a dar ao perigoso assassino Vladimir Putin é importante na medida em que tolhe a capacidade da Rússia financiar uma guerra tão cara e com tamanho desgaste psicológico e social. O sangue e os traumas dos milhões de ucranianos que nesta hora sofrem, choram e rezam pelo seu país (pois muitos deles rezam) não será em vão. A sua coragem e determinação são o ponto crítico da vitória ou derrota de Putin. A oposição interna na Rússia à loucura de Putin, também. Nem que seja um post (logo apagado) da filha do porta-voz do senhorio do Kremlin.

Dmitry Peskov e Lisa Peskova
@lisa_peskova

NOTA

O PIB da Rússia é inferior ao do Benelux. O PIB per capita do Benelux é 5x maior do que o da Rússia. O território do Benelux tem 75 mil Km2, o da Rússia 17 milhões. É só fazer as contas...

A Rússia é hoje um país economicamente menor, com uma superfície desproporcionada, em boa parte despovoada de seres humanos, armado até aos dentes, e com um arsenal nuclear construído durante a Guerra Fria, que só poderá servir para acabar com a humanidade. Nunca para dar qualquer superioridade efetiva aos criminosos de Moscovo.

A Rússia tem apenas 144 milhões de habitantes, e a decrescer; o Brasil, por exemplo, tem 212 milhões, e a crescer...

A Rússia, ou se junta à Europa ocidental (que as suas elites, aliás, adoram), ou será capturada pela China, que já há alguns anos começou a ocupar aldeias russas abandonadas nas imediações das suas fronteiras.

A China é um país de mais de 1,4 mil milhões de seres humanos, mas a envelhecer rapidamente. O seu pico demográfico já terá sido atingido, prevendo-se que perderá mais de 400 milhões de almas até ao fim deste século. Por outro lado, não tem recursos suficientes para alimentar a sua população. Prospera através da sobre-exploração da sua força de trabalho e dum sistema de produção altamente competitivo, mas muito poluente, ou seja, em última instância, autofágico. Se um dia a Rússia cair na suas mãos, será a China e não a Rússia a ditar os preços do gás natural e demais matérias primas que importa da Rússia. E muito provavelmente pagará com yuans, não com dólares, nem euros...

Putin é uma espécie de urso enjaulado, perigoso e que deixou de raciocinar. Esperemos que a elite que o rodeia, apesar de tão desmiolada e corrupta, acorde a tempo.


#standwithukraine

sexta-feira, fevereiro 18, 2022

A nova emigração

Train World - Bruxelas

Portugal: 100 mil emigrantes por ano!

Estamos a assistir a uma deterioração rápida do país. Os emigrantes de baixas qualificações, oriundos na sua maioria da chamada província, muito sujeitos ainda à influência católica, ainda enviam remessas para os bancos portugueses estourarem na TAP, e construirem, apesar do assalto fiscal, uma casinha na aldeia que provavelmente não irão usar, pois a segurança social portuguesa está em queda acelerada, e os descendentes destes emigrantes jamais virão viver num país estrangeiro...pobre, provinciano, atolado em corrupção e burocracia. Os emigrantes urbanos, com o secundário, formação tecnológica profissional, ou canudos universitários debaixo do braço, normalmente arranhando o inglês, já não pensam em regressar. As suas poupanças vão para a compra de casa e carro nos sítios que os acolheram e lhes deram trabalho, vida digna, creches gratuitas e segurança social a sério (falo de vários casos que conheço na família e entre os amigos). A terrinha, enfim, só para passar uns dias por ano, no verão, para ver os pais, molhar o pé no mar, rios e albufeiras, e apanhar Sol. Isto enquanto não forem os pais a voarem regularmente para a Europa rica e civilizada, nomeadamente para cuidar dos netos bilingues ou trilingues e desemburrar os preconceitos, as ideias e as vistas. Na verdade, a nova geração da emigração deixará em breve de alimentar a pátria ingrata tomada de assalto por piratas de todas as cores e feitios. O declínio per capita das famosas remessas dos emigrantes é cada vez mais evidente. Alguns farão mesmo das heranças investimento local para gozo pessoal esporádico e rentabilização adequada, com o devido envio das rendas, desta vez, da terrinha para os destinos da emigração!

Portugal envelheceu, corrompeu-se e deixou-se corromper, faliu, em suma, está adiado por um século. Nos próximos cem anos o que resta dos lombos suculentos do país (alguns oligopólios, centros urbanos, costa atlântica e terras férteis) será vendido aos credores, aos bolsos fundos da especulação mundial, aos que melhor apetrechados de tecnologia e financiamento global buscam oportunidades produtivas, mas também aos emigrantes bem sucedidos. E este é, apesar de tudo, o melhor cenário...

PS: A percentagem de portugueses que têm casa própria (ainda que hipotecada por via de empréstimo de longa duração) é das mais altas da Europa e do mundo. Trata-se de uma forma de poupança antiga, conservadora e própria de culturas familiares ainda fortes. A maioria dos emigrantes (todos os que conheci até agora em Bruxelas) ou têm casa própria/quinta própria em Portugal, ou têm os pais, ou têm ambos! Até aqui nada de novo. O que é novo é o destino que estão a dar e tencionam dar a esses bens patrimoniais. Ou os rentabilizam, ou os vendem para mudarem de bairro em Bruxelas!

terça-feira, fevereiro 01, 2022

Em suma...


O país é de esquerda (moderada)

Votaram, segundo a CNE, mais de 50% dos eleitores recenseados... e (contas minhas) o conjunto centro-direita+direita+extrema direita tem menos votos que o conjunto centro-esquerda+esquerda+extrema esquerda. A diferença é de mais de 600 mil eleitores (faltam ainda os votos dos emigrantes).

Se nos vamos suicidar coletivamente ou não, continua a ser um tema controverso. Outra coisa é o método de Hondt e as táticas partidárias. Por aqui diria que, depois de recompostas as lideranças do PSD e do CDS, bem como do BE e do PCP, Portugal mantém intactas as possibilidades de alternância democrática. Tudo dependerá da credibilidade das lideranças, à esquerda e à direita, e da capacidade de irmos pagando a dívida descomunal que acumulámos, de travarmos o ritmo de endividamento, e de boas políticas de crescimento sustentado e sustentável, nos domínios da produção e criação de riqueza em geral, da solidariedade social e do desenvolvimento cognitivo e cultural dos portugueses. Vamos precisar de abrir as portas à imigração, com políticas migratórias transparentes, justas e pragmáticas.

Enquanto o pau vai e vem, vigiem o Costa e a sua turma de piratas!