sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Portugal nuclear 1

Hubbert Prediction

O fim do banquete petrolífero



O relatório apresentado nos dias 7-8-9 de Março de 1956, por M. King Hubbert, Consultor Chefe de Geologia da Shell Development Company, ao Encontro de Primavera da Southern District Division of Production do American Petroleum Institute, deve ter soado como uma visão muito pessimista do que então parecia ser o nascimento de uma inesgotável fonte de energia e matéria prima, essencial ao segundo grande bang do Capitalismo. No rescaldo das grandes tragédias mundiais que foram a guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial, o petróleo e o gás natural viriam a ser os principais motores da chamada segunda revolução industrial. Foi este estudo de Hubbert —fundamental ainda hoje para entender o ciclo das três grandes fontes de energia carbónica (carvão, petróleo e gás natural)—, que primeiro previu a crise económica de 1973, que se seguiu ao pico da produção petrolífera nos Estados Unidos. Hubbert previu também a crise energética actual, desespoletada pelo cume da produção petrolífera no Mar do Norte. E previu finalmente o retomar inevitável da opção nuclear para fins energéticos quando já nada nem ninguém conseguir evitar a turbulência bélica crescente causada pelas disputas geo-estratégicas em volta do chamado "peak of oil production" — i.e. o ponto a partir do qual todo o petróleo e todo o gás natural disponíveis no planeta não demorarão mais do que escassos 30-50 anos a desaparecer do horizonte energético da humanidade.

Hubbert Bell Curve
"Se o mundo continuar a depender dos combustíveis fósseis como sua principal fonte energética, podemos esperar que o auge da produção de carvão ocorra daqui a uns 200 anos. De acordo com as estimativas actuais das reservas remanescentes de petróleo e gás natural, parece que a culminação da produção mundial destes produtos possa ocorrer dentro de meio século, enquanto que o pico da produção do petróleo e gás natural, quer nos Estados Unidos, quer no estado do Texas deva ocorrer nas próximas duas décadas" — 1956. Nuclear Energy and The Fossil Fuels by M. King Hubbert (p.38).

O pico da produção de petróleo e gás natural ocorreu nos Estados Unidos em 1970. O pico da produção petrolífera do Mar do Norte ocorreu em 1999-2001. E o pico mundial, se não ocorreu já, deverá surgir entre 2006 e 2007. Tudo somado, temos 30 a 50 anos de petróleo e gás natural pela frente, cada vez mais caro... e com muito sangue à mistura!

A opção pela energia nuclear parece, para muitos, irremediável. Chegará a tempo? Qual o preço que teremos que pagar por ela? Portugal deveria pensar, antes de tomar qualquer decisão, nas consequências terríveis que um acidente nuclear poderia ter sobre a faixa estreita de território onde vivemos. Deveria pensar, sobretudo, num mundo com menos energia e mais feliz!

Como escreve John Howard Kunstler em The Long Emergency (2005), a energia nuclear serve para muitas coisas menos para alimentar o estilo de vida ocidental dos últimos 50 anos. Não podemos fazer voar os aviões a partir da fissão nuclear, não podemos substituir o petróleo pelas energias nuclear, pelo hidrogéneo, pela energia solar, ou pelo vento, na produção de toda a espécie de plásticos, remédios e adubos de que actualmente dependemos. Em suma, o festim da era carbónica, em que nos fomos deixando embriagar desde os primórdios da Revolução Francesa, está prestes a terminar. Menos de 50 anos pela frente e uma inércia capitalista imparável (de que o consumismo e a hiper-concentração financeira são os epifenómenos mais doentios) vão conduzir-nos ao desastre. A um pequeno país como Portugal, inserido numa ilha europeia chamada Ibéria, resta-lhe a perspectiva de uma modificação drástica do seu modelo de crescimento. Isto é, uma revolução económica, política e social (em nome da razão e da sustentabilidade), capaz de controlar a derrapagem em que já entrou e evitar o pior. O pior seria, por exemplo, deixar o país resvalar para uma lenta guerra civil pelo controlo dos recursos imediatamente disponíveis, numa lógica terrível de exaustão acelerada das florestas, dos terrenos agrícolas e da generalidade dos recursos capazes de gerar receitas imediatas, até ao desaparecimento da nossa própria existência nacional. Para evitar o destino que tiveram os povos da ilha da Páscoa (ou deixar-nos envolver numa possível balcanização da Espanha), resta-nos levar a cabo uma discussão urgente sobre o nosso futuro, inverter drasticamente (i.e. através de imposições legais meta-comunitárias) o nosso estilo de vida, e construir um sistema de segurança alimentar e energético organizado em rede. O Estado e as autarquias podem e devem ser os pilares determinantes desta melindrosa operação. Mas para aí chegar terão que passar por uma reforma política radical. Precisamos de uma democracia electrónica poderosa, transparente e em rede, capaz de discutir, legislar e executar, muito para além do actual panorama de atavismo estratégico e corrupção generalizada que ameaça implodir o edifício institucional da nossa própria identidade.

Link 1 (Energy Bulletin)
Link 2 (Limits to Growth)
Peaking Of Oil World Production: Impacts, Mitigation, & Risk Management. Robert L. Hirsch. 2005. PDF (1,2 Mb)
World Petroleum Availability. Office of Technology Assessment (OTA). 1980. PDF (420Kb)
Exponential Growth (fac-símile). M. King Hubbert.1976. PDF (332 Kb)
On The Nature Of Growth. M. King Hubbert 1974. PDF (500 Kb)
Nuclear Energy and The Fossil Fuels (fac-símile). M. King Hubbert. 1956. PDF (2.6 Mb)

O-A-M #107 24 FEV 2006

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Coleccao Berardo

Das duas uma...


A trapalhada da colecção Berardo (cerca de 1500 obras de arte do século 20) parece-se cada vez mais com uma novela mexicana. Já se percebeu que a ministra da Cultura não quer nada com o capitalista madeirense. No entanto, de cada vez que soa o telefone de São Bento, Isabel Pires de Lima afirma apressada o seu afã em conseguir um bom contrato com o Comendador. O Primeiro Ministro, por sua vez, deixa que o seu nome seja, nesta matéria, sistematicamente invocado pelo Comendador, que pelos vistos lhe telefona por dá cá aquela palha, fazendo queixinhas da Sra Ministra. Por fim, não se percebe porque é que um homem tão rico, com uma colecção de arte tão importante, se presta a estas andanças caricatas.

Das duas uma, ou a colecção é mesmo excepcional, e não faltarão públicos que paguem os custos da sua conservação e exibição pública — e neste caso o Senhor Comendador não precisaria do CCB para coisa nenhuma — ou então, pelo contrário, a colecção fica aquém do circo intelectual e mediático que em sua volta tem vindo a ser montado — e neste caso, daria muito jeito a Joe Berardo comprometer o Estado português e uma das suas principais instituições culturais nos custos e trabalhos da sua conservação, exibição e legitimação...

A verdade é que, como se sabe (ou deveriam saber os nossos agentes culturais) os públicos da chamada "arte contemporânea" têm vindo a diminuir em todo o mundo, e nada augura uma inversão desta tendência. As excepções ocorrem apenas nas grandes instituições historicamente consolidadas da cultura moderna do século passado: MoMA, Guggenheim de Nova Iorque, Tate e Centre Pompidou. E mesmo nestes casos, só à custa de grandes orçamentos e grandes investimentos em arquitectura, publicidade e merchandizing. Estamos no século 21 e a cultura que ai vem é outra. Não creio, sinceramente, que as mil e quinhentas obras de arte do Senhor Berardo fossem capazes de, por si sós, alterar o panorama deficitário do CCB (ver nota de rodapé). E daí...

Seja como for, talvez fizesse sentido o Estado português negociar com o Comendador a reabilitação de um dos muitos edifícios que possui na cidade de Lisboa, convidando para tal um jovem nome sonante da arquitectura mundial (Herzog & De Meuron, Kasuyo Sejima, François Roche, Asymptote, etc...). A zona de Santos-Alcântara seria uma excelente localização para tal operação. O Estado faria a sua parte, i.e. um novo edifício simbólico para a cidade de Lisboa, que não teria que custar mais de 6 a 10 milhões de Euros, e o Senhor Comendador comprometer-se-ia por contrato a depositar a sua colecção nas novas instalações por um período nunca inferior a 25 anos. A administração (muito tansparente) do novo espaço ficaria naturalmente a cargo de uma fundação expressamente criada para o efeito, e da qual fariam parte o Senhor Berardo e o Estado português. A direcção artística do novo museu deveria, por sua vez, ser atribuída a pessoa competente, escolhida em concurso internacional expressamente convocado para o efeito, e não a dedo, como continua a suceder no círculo endogâmico da cultura lusitana.

Com muita energia e imaginação, até poderia resultar. Como se afigura na telenovela em curso, só podemos esperar o pior. A imortalidade do Senhor Comendador está por um fio!



NOTA — A petição que corre a seu favor desde Novembro passado não conseguiu até hoje mais do que umas magras 283 assinaturas, e a exposição Construir Desconstruir Habitar (realizada com base nalgumas das melhores obras da colecção) atraíu apenas o ridículo número de 8100 visitantes (contra os 24 mil que acorreram à World Press Photo). Vale a pena ler sobre este potencial fiasco os seguintes artigos: Peças de Berardo foram um "fracasso" e Não sabemos o valor das peças da Colecção Berardo


[actualização 03 AGO 2006]
ESTAREI ENGANADO?
Ouvi hoje o comendador Joe Berardo falar, pela enésima vez na SIC, sobre a excelência da sua colecção e sobre a bondade absoluta das suas intenções. Tudo a propósito das objecções do Presidente da República sobre o decreto-Lei que cria a nova Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo. O comentário, publicado no sítio web da Presidência (um bom sinal de e-government...) sublinha o seguinte sobre o citado decreto-Lei:

“O referido diploma suscita dúvidas, principalmente no que se refere à distribuição de poderes entre o Estado e o coleccionador ou pessoas por ele designadas, no caso de o Estado Português efectuar a opção de compra da Colecção Berardo, a qual será feita, conforme previsto, de acordo com o valor de mercado.
Com efeito, mesmo após o exercício daquela opção de compra, o coleccionador continuará a dispor de poderes muito amplos de intervenção na gestão de um acervo de bens do património do Estado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, a prerrogativa vitalícia relativa à nomeação do director do museu.&#148

Do ponto de vista dos princípios da legalidade, parece claro que, no caso de o Estado vir a comprar a totalidade ou parte da colecção de Joe Berardo, a posse lhe dá automaticamente o direito de gerir e dispor da propriedade como entender. Caso diverso seria se o comendador oferecesse as obras de arte ao Estado. Nesta hipótese, sim, seria razoável haver no contrato de doação determinadas cláusulas de garantia da vontade do doador. Mas não é este o caso, pois não? Ou será que ouvi hoje, na SIC, Joe Berardo referir-se à hipótese de uma doação? Seria bom conhecer o decreto-Lei e perceber quais são de facto as intenções do comendador, antes de a comunicação social indendiar o assunto. Por mim, se houver a intenção de doar, então Joe Berardo pode e deve impôr as suas condições (pois não estou a ver como é que uma instituição tão falida e volúvel como o CCB poderá algum dia dar conta deste recado). Se, pelo contrário, a intenção é vender as obras de arte ao Estado, então eu dria que o melhor é deixar o assunto em banho-maria, até ver o que tudo isto realmente significa.

[actualização 05 ABR 2006]
NÃO PODIA TER SIDO MAIS HILARIANTE
O anúncio bombástico do novo Museu Joe Berardo de arte moderna e contemporânea, que irá instalar-se no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, que é dele (do Joe Berardo), mas também do Estado Português, em regime de comodato, até 2016. Para o comendador, vai ser o museu mais visitado do mundo (sic!) Para o comissário político Mega Ferreira, actual administrador do CCB, basta que seja o mais visitado de Lisboa (pois já seria bom se ultrapassasse o número de visitantes do Museu dos Coches, mesmo ali ao lado...) Para o Primeiro Ministro, está tudo bem porque fez a vontade ao seu assessor cultural (que é quem sabe destas coisas). Para a antiga Presidente do Instituto Português dos Museus, o homem da Madeira entrou definitivamente no caminho da beatificação cultural e... da IMORTALIDADE!! Em suma, a Fundação que presidirá a tão esperada boda, vai dispor da exorbitante quantia de 1 milhão de euros por ano, a meias, claro, entre o Joe e a Fundação (adivinhem lá os apelidos...), para comprar postais ilustrados de arte contemporânea. Só fica uma dúvida angustiante: se se zangarem pelo caminho (dez anos é muito tempo...), e se se desfizer a tal fundação, quem irá gerir o comodato? Quem é que fica com os postais?

[actualização 04 MAR 2006]
Joe Berardo quer negócio fechado c/ José Sócrates antes de 23/3. Saiba porquê...
Os sucessivos ultimatos do Senhor Berardo ao Governo (devidamente amplificados pelo Expresso...) não só incomodam, como começam a suscitar interrogações e suspeitas sobre o que está realmente em causa nesta telenovela! Ameaçar o Governo, na pessoa do próprio Primeiro Ministro, sobre matéria tão nebulosa como os investimentos em arte de um reconhecido especulador financeiro, é um desses sound bites que dão que pensar ao mais distraído cidadão. Gostaríamos todos de saber exactamente que raio de negócio o Comendador quer fazer com o Senhor Sócrates, às custas da ministra responsável pelo assunto e, sabe-se lá, do País... Qual o papel desempenhado pelo Senhor Melo, melro do nosso Primeiro em matérias de corte & costura e outras relevantes matérias culturais, nesta intriga de pacotilha? Uma coisa é certa: excepto Raquel Henriques da Silva, estamo-nos todos nas tintas para a imortalidade do Joe Berardo e eu, pessoalmente, duvido da excelência da sua colecção de arte (aliás mal conhecida), além de ter dúvidas ainda maiores sobre a sua rentabilidade cultural... e económica. Enfim, só encontro uma explicação para o ultimato de 23 de Março, dirigido pelo Comendador ao Primeiro Ministro: ele leu o meu blogue sobre o crash global previsto para o próximo dia 26!



O-A-M #106 21 FEV 2006

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Barajas T4

Barajas Terminal 4 - Servicios

O pior novo aeroporto do mundo?



O efeito borboleta provocado no tráfego aéreo europeu e mundial pela desastrada inauguração do chamado Terminal 4 do aeroporto madrileno de Barajas continua ao fim de quinze dias de confusão. Os prejuízos económicos e transtornos emocionais causados aos milhares de passageiros que perderam malas, voos e paciência desde o passado dia 5 de Fevereiro, são grandes e significam um monumental fiasco público e empresarial. Há praticamente 15 dias que os desgraçados clientes da Ibéria, que transitam pelas duas novíssimas instalações aeroportuárias, vêm os seus voos atrasados, as portas de embarque alteradas entre o check-in (facturación) e o embarque, e as malas desaparecidas ou enviadas para outro país. Perdem os voos, entre outros motivos, porque a megafonia do aeroporto é completamente inútil na sua extrema dedicação à campanha anti-tabágica, porque são induzidos em erro por uma sinalização contra-intuitiva, ou porque as distâncias a percorrer se medem em milhares de passos, elevadores lentos e escadarias.

Barajas Terminal 4

Usabilidade zero



Só por erro crasso de programa, desenho, usabilidade e comunicação se vem chamando "Terminal 4" ao que na realidade são dois edifícios desproporcionados distando entre si mais de 1Km. No mínimo, haveria que apelidá-los de Terminal 4A e Terminal 4B, para que todos soubessem, sem mais explicações, que há duas realidades físicas inevitáveis quando se chega ou se parte da nova zona aeroportuária de Barajas. Ao que parece a facturación faz-se apenas num dos edifícios. A ser verdade (pois estive apenas no Terminal 4-A), aposto que não haverá sossego em Barajas 4 tão cedo.

19 de Fevereiro. Um pai de família lamenta-se no apinhado balcão de reclamações do Terminal 4-A. Não sabe de onde sai o seu avião para La Habana. A resposta, decepcionante, foi a seguinte: "el vuelo ha salido ya; y además, la puerta de embarque es en el otro edifício". Isto é, duzenos metros a passo, uma viagem de autocarro e 30 minutos depois!

Quinze dias de confusão deveriam ter chegado para perceber que os passageiros andam perdidos no gigantesco labirinto em que se transformaram dois edifícios tão aparentemente interessantes. E que portanto alguém, ou alguma solução, terá que ajudá-los, pois o cretinismo topográfico não é deles...

No dia 6 cheguei a Madrid via Lisboa, em voo Iberia. O edifício, à medida que se dava a conhecer, impressionava pelo cheirinho a novo, pelo contraste face ao velho edifício de Barajas, pela estética de Richard Rogers e pela escala. Passaram uns minutos, depois meia hora, uma, duas... e meia, antes que o tapete metálico se resolvesse a expulsar as nossas malas. No chão de mármore luzidio, um saco de viagem esventrado, do qual saíam um sapato de salto alto, várias meias de senhora e um pacote de batatas fritas aberto, davam uma nota sinistra a um décor digno de Monsieur Hulo. Funcionários sem missão aparente cruzavam apressados espaços infindáveis e de improvável destino, parecendo apenas fugir das nossas inocentes perguntas. Quando consegui placar um deles, balbuciou envergonhado: "es que ni si quiera tenemos telefonos para comunicar". Percebi então a gravidade da situação. Percebi também porque é que meia dúzia de funcionárrios de limpeza se perfilavam diante de turistas e passageiros sem mover um pé, esperando aparentemente por uma ordem mais do que improvável. Percebi, enfim, o motivo porque o pessoal técnico que cruzava aquela espécie de teatro de guerra desolador, nem sequer olhava para as batatas fritas esparramadas sobre o estreado mármore de Barajas. Não havia cibernética do Terminal 4, apenas um filme de Jacques Tati.

Hotel Silken Puerta de America. Habitación

Chiquérrimo!



Elisabeth, colega e amiga, pouco disposta a esperar por umas bagagens sem hora previsível de chegada, resolvera reclamar. Forneceu os dados e solicitou que lhe enviassem a mala ao hotel, a qual seria previsivelmente entregue 6 a 12 horas depois. Eu, desconfiado, e porque tinha uma câmara Canon Digital reflex na mala (que me custara os olhos da cara), decidi esperar como um andino que o monstro de lâminas de aço inox começasse a mover-se, relativizando desportivamente a importância do tempo e da minha agenda profissional. A grande mala amarela acabou enfim por assomar. Estava intacta. Decidi apanhar um táxi, experimentando desta vez as sevícias de um imenso túnel de refrigeração brilhantemente concebido pelos arquitectos que desenharam esta espécie de Escorial pós-contemporâneo. A minha amiga acabaria por receber a sua mala no hotel mais fashion de Madrid, o Silken Puerta de America, onde a mesma voltaria a perder-se por mais umas 18 horas, desta vez devido a falhas de booking e incompetência dos recepcionistas, dois dias depois de desembarcar no quarto maior aeroporto da Europa.

19 de Fevereiro. 19h50. Estou a escrever este desabafo junto à porta J59 do Terminal 4, onde se espera pelo voo atrasado IB 3106, previsto para as 18:50. Depois de esperar diante de um painel luminoso de informação, junto a uma cafetaria, durante 2 horas, perdi pela primeira vez na vida uma ligação aérea. Quando reparei no aviso de embarque, já piscava ULTIMA LLAMADA! Puerta K58. Os letreiros dizem, da esquerda para a direita, J K L. Corri para a direita, buscando as portas K. As portas reais seguem-se, porém, ao invés: L J K! Teria pois que inverter a marcha e correr agora para a esquerda... uns quatrocentos metros! Cheguei ao balcão que controla o acesso ao avião com o coração aos saltos. A aeronave estava onde se esperava que estivesse. Três outros ofegantes passageiros esperavam como eu a oportunidade de embarcar. As portas do IB 3106 ainda estavam abertas, mas nós já não entraríamos. Porquê? Nunca chegaremos a saber.

Dirigi-me irritado ao balcão de reclamações, para obter novo bilhete e para protestar contra o manifesto desprezo pela economia alheia. Havia umas boas 3 dezenas de reclamantes furiosos. Fotografei-os, para me ater aos factos. Pela dificuldade que tive na entrega da minha queixa, e pelo visível volume de queixas perceptível no grosso livro de reclamações, posso imaginar as centenas ou mesmo milhares de indignações que ficaram no tinteiro.

Como desabafava um norte-americano depois de obter a muito custo um reconhecimento escrito de que perdera o seu voo para Miami por culpa do estuporado Terminal 4 de Barajas, "Iberia sucks!" E no entanto, a grande culpada chama-se, ao que parece, AENA — a entidade pública responsável pela administração dos aeroportos espanhóis. Lá como cá, tudo na mesma, sempre que falamos de paquidermes burocráticos de Estado.

O-A-M #105 20 FEV 2006

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Cavaco Silva 6

intolerancia

Cavaco e Sócrates: coabitar


A vitória de Cavaco foi à tangente. Mas provou que o Centro Inteligente (CI) é uma realidade. Com o passar das décadas foi amadurecendo, deixou evaporar os excessos de pátina ideológica, tornou-se, em suma, um fiel pragmático da balança política lusitana. Ficámos também a saber que o PCP, muito por causa do seu novo líder (ex-proletário, simpático e nada cinzento), fixou por mais uma década o seu eleitorado. O dito bloco central (PS+PSD) está bem e recomenda-se (basta ver as excelentes relações entre o actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e Jorge Coelho...), apesar das agitadas águas que correm debaixo das suas pontes. Manuel Alegre, pelo contrário, não passou, pelos vistos, de um epifenómeno. Louçã não convence, nem poderá convencer, enquanto não produzir ideias novas e concretas, muita para além das generalidades propagandísticas do seu já irreconhecível trotskismo. Esperamos que a nova coabitação permita salvar o país da imbecilidade, da arrogância institucional, da ineficiência patriótica, da paquidermia burocrática e da corrupção pandémica que corrói o futuro deste país. Esperamos, em suma, por quatro anos de transparência estratégica, justiça, coragem, visão cultural e decisão política. Foi para isso que votámos! Resolvam-se pois, quanto antes, as dúvidas sobre a honorabilidade dos políticos e das demais celebridades do tempo. Pedófilos e corruptos para a prisão! Promiscuidade entre política e negociatas, nunca mais! Ronha burocrática, chega! Cabotinismo, nepotismo, sindicatos sexuais e endogamias são tudo o que não queremos e contribui para nos apequenar. Coragem Portugueses! Confiem no vosso CI...

Mahome: Stop stop We Ran Out of Virgins!

Civilização ou barbárie?


A autosuficiência energética, suportável a prazo pelo crescimento das energias naturais não poluentes (solar, eólica, marítima e hídrica); a autosuficiência alimentar, potenciada por uma nova revolução agrícola à escala europeia (que substitua os cultivos intensivos baseados na erosão criminosa dos solos biológicos, nos pesticidas e adubos químicos oriundos do petróleo e do gás natural, por uma agricultura extensiva, bio-ambiental e socialmente partilhada); a coesão ibérica, de Lisboa a Barcelona; a descentralização política e o conhecimento, são as cinco prioridades do nosso futuro imediato. Não há margem de manobra para hesitações! O petróleo chegará em breve aos 100 USD/barril. Como responderemos a esse desafio quando ele se puser cruamente diante dos nossos decisores políticos e da população em geral? Estaremos preparados para fechar os olhos ao genocídio de 1/3 ou mais da humanidade, em nome da sobrevivência dos mais fortes? E haverá alternativa se continuarmos a dormir sobre os problemas inadiáveis? Os radicais islâmicos (que de facto nos declararam guerra) estão a pedi-las. Os povos ocidentais começam a preparar-se para uma colisão inevitável. O mais provável é que, no rescaldo de uma guerra nuclear limitada, desespoletada muito provavelmente pela imprudência iraniana, todo o Islão venha a pagar, injustamente, pelo radicalismo que deixaram germinar e crescer nas suas entranhas atávicas. Civilização ou barbárie?!

A tecnosfera é incompatível com a corrupção galopante e com o atavismo religioso. Mas, por outro lado, a civilização não é digna desse nome se continuar a ser um campo de rosas alimentado pelo sangue, suor e lágrimas de milhões de despossuídos, explorados e oprimidos. Eis o principal dilema do século 21.

O-A-M #104 03 FEV 2006