sexta-feira, outubro 20, 2006

Angola 1

Suiça ameaça cleptocracia mundial
Bloqueados 100 milhões de dólares do presidente angolano.
Que se passa na banca portuguesa, neste como noutros casos de branqueamento de capitais?


Há dez anos que os tribunais suiços iniciaram um longo processo para bloquear os fundos depositados nos seus bancos por ditadores e políticos corruptos de todo o mundo, cujas fortunas, por vezes colossais, foram obtidas através da espoliação de bens públicos pertencentes ao povos que governam, usando para tal os mais diversos expedientes de branqueamento de capitais. O processo começou em 1986 com a devolução às Filipinas de 683 milhões de dólares roubados por Ferdinando Marcos, bem como a retenção dos restantes 356 milhões que constavam das suas contas bancárias naquele país. Prosseguiu depois com o bloqueamento das contas de Mobutu e Benazir Bhutto. Mais tarde, em 1995, viria a devolução de 1236 milhões de euros aos herdeiros das vítimas judias do nazismo. Com a melhoria dos instrumentos legais de luta contra o branqueamento de capitais, conseguida em 2003 (também em nome da luta contra o terrorismo), os processos têm vindo a acelerar-se, com resultados evidentes: 700 milhões de dólares roubados pelo ex-ditador Sani Abacha são entregues à Nigéria em 2005; dos 107 milhões de dólares depositados em contas suiças pelo chefe da polícia secreta de Fujimori, Vladimiro Montesinos, 77 milhões já regressaram ao Perú e 30 milhões estão bloqueados; os 7,7 milhões de dólares que Mobutu depositara em bancos suiços estão a caminho do Zaire; mais recentemente, foram bloqueadas as contas do presidente angolano José Eduardo dos Santos, no montante de 100 milhões de dólares. É caso para dizer que os cleptocratas deste mundo vão começar a ter que pensar duas vezes antes de espoliarem os respectivos povos. É certo que há mais paraísos fiscais no planeta, mas também é provável que o exemplo suiço contagie pelo menos a totalidade dos off-shores sediados em território da União Europeia, diminuindo assim drasticamente o espaço de manobra destas pandilhas de malfeitores governamentais.

No caso que suscitou este texto, o bloqueamento de 100 milhões de dólares depositados em contas de José Eduardo dos Santos, presidente de Angola há 27 anos, pergunta-se: que fez ele para se tornar o 10º homem mais rico do planeta (segundo a revista Forbes)? Trabalhou em quê para reunir uma fortuna calculada em 19,6 mil milhões de dólares? Se usou o poder para espoliar as riquezas do povo que governa, deixando-o a viver com menos de dois dólares diários, que devem fazer os países democráticos perante tamanho crime de lesa humanidade? Olhar para o outro lado, em nome do apetite energético? Que autoridade terão, se o fizerem, para condenar as demais ditaduras e estados falhados? Olhar para o outro lado, neste caso, não significa colaborar objectivamente com a sobre-exploração indigna do povo angolano e a manutenção de um status quo anti-democrático e corrupto que apenas serve para submeter a esmagadora maioria dos angolanos a uma espécie de domínio tribal não declarado?

Na Wikipedia lê-se:
Os habitantes de Angola são, em sua maioria, negros (90%), que vivem ao lado de 10% de brancos e mestiços. A maior parte da população negra é de origem banta, destacando-se os quimbundos, os bakongos e os chokwe-lundas, porém o grupo mais importante é o dos ovimbundos. No Sudoeste existem diversas tribos de boximanes e hotentotes. A densidade demográfica é baixa (8 habitantes por quilómetro quadrado) e o índice de urbanização não vai além de 12%. Os principais centros urbanos, além da capital, são Huambo (antiga Nova Lisboa), Lobito, Benguela, e Lubango (antiga Sá da Bandeira). Angola possui a maior taxa de fecundidade (número de filhos por mulher) e de mortalidade infantil do mundo. Apesar da riqueza do país, a sua população vive em condições de extrema pobreza, com menos de 2 dólares americanos por dia.

O recente entusiasmo que acometeu as autoridades governamentais e os poderes fáticos portugueses relativamente ao “milagre angolano” (crescimento na ordem dos 21% ao ano) merece assim maior reflexão e sobretudo alguma ética de pensamento.

Os fundos comunitários europeus aproximam-se do fim. Os portugueses, entretanto, não foram capazes de preparar o país para o futuro difícil que se aproxima. São muito pouco competitivos no contexto europeu. As suas elites políticas, empresariais e científicas são demasiadamente fracas e dependentes do estado clientelar que as alimenta e cuja irracionalidade por sua vez perpetuam irresponsavelmente, para delas se poder esperar qualquer reviravolta estratégica. Quem sabe fazer alguma coisa e não pertence ao bloco endogâmico do poder vai saindo do país para o resto de uma Europa que se alarga, suprindo necessidades crescentes de profissionais nos países mais desenvolvidos (que por sua vez começam a limitar drasticamente as imigrações ideologicamente problemáticas): Espanha, Alemanha, Luxemburgo, Suiça, Reino Unido, Holanda, Dinamarca, Noruega... No país chamado Portugal vão assim ficando os velhos, os incompetentes e preguiçosos, os indecisos, os mais fracos, os ricos, os funcionários e uma massa amorfa de infelizes agarrados ao futebol e às telenovelas, que mal imaginam a má sorte que os espera à medida que o petróleo for subindo dos 60 para 100 dólares por barril, e destes para os 150, 200 e por aí a fora...

A recente subida em flecha do petróleo e do gás natural (mas também do ouro, dos diamantes e do ferro) trouxe muitíssimo dinheiro à antiga colónia portuguesa. Seria interessante saber que efeitos esta subida teve na conta bancária do Sr. José Eduardo dos Santos. E que efeitos teve, por outro lado, nas estratégias de desenvolvimento do país. O aumento da actividade de construção já se sente no deprimido sector de obras e engenharia português. As empresas, os engenheiros e os arquitectos voam como aves sedentas de Lisboa para Luanda. É natural que o governo português, desesperado com a dívida... e com a sombra cada vez mais pesada dos espanhois pairando sobre os seus sectores económicos estratégicos, se agarre a qualquer aparente tábua de salvação. E os princípios? E a legalidade?

Se a saída do ditador angolano estiver para breve, ainda se poderá dizer que a estratégia portuguesa é, no fundo, uma estratégia para além de José Eduardo dos Santos. Mas se não for assim, e pelo contrário viermos a descobrir uma teia de relações perigosas ligando a fortuna ilegítima de José Eduardo dos Santos a interesses e instituições sediados em Lisboa (1), onde fica a coerência de Portugal? Micheline Calmy-Rey, ministra suiça dos Negócios Estrangeiros, veio lembrar a todos os europeus que tanto é ladrão o que rouba como o que fica à espreita ou cobra comissões das operações criminosas.



NOTAS

* Fonte original deste post: El País, 19 Out 2006. Link
* José Eduardo dos Santos manda refutar acusações.

1 — Em 19 de Outubro de 2005 rebenta entre nós um escândalo sobre o presumível envolvimento de vários bancos portugueses numa megafraude fiscal e branqueamento de capitais. A coisa, apesar de escancarada em todos os média, foi rapidamente abafada, deixando porém atrás de si a evidência de que Portugal é uma boa praça para operações de fraude fiscal, branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo. Ver este link. E este. Vale também a pena ler o relatório do Finantial Task Force sobre a luta contra o branqueamento de capitais e o financiamento do terrorismo, dedicado à situação actual portuguesa, publicado em Outubro de 2006, e de que destacamos esta passagem:
Adequate powers are available to investigative authorities to gather evidence and compel the production of financial records and files from financial institutions and DNFBPs. Portuguese authorities have sufficient powers to prosecute ML and TF offences; however, the structures, staffing and resources to investigate these offences are also responsible for examining a range of crimes. While legal measures are available to investigate and prosecute for ML [money laudering] or TF [terrorism financing] offences, a relatively small number of cases have been successfully prosecuted. ” — Texto integral (pdf)

Referências
In Angola, new evidence from IMF documents and elsewhere confirm previous allegations made by Global Witness that over US$1 billion per year of the country's oil revenues - about a quarter of the state's yearly income - has gone unaccounted for since 1996. Meanwhile, one in four of Angola's children die before the age of five and one million internally-displaced people remain dependent on international food aid. This report highlights the latest revelations from the ‘Angolagate’ scandal, in which political and business elites in France, Angola and elsewhere exploited the country's civil war to siphon off oil revenues. Most recently, evidence has emerged in a Swiss investigation of millions of dollars being paid to President Dos Santos himself. The government continues to seek oil-backed loans at high rates of interest which are financed through opaque and unaccountable offshore structures. A major concern exists that Angola's elite will now simply switch from wartime looting of state assets to profiteering from its reconstruction.” — in “Time for Transparency”, March, 2004. Global Witness

Os Homens do Presidente. A história devastadora das indústrias petrolíferas e bancárias na guerra privatizada de Angola. Os Homens do Presidente é o resultado de dois anos de investigações da Global Witness e apresenta uma actualização da campanha a favor de transparência total nos sectores bancário e petrolífero, dando prosseguimento às revelações iniciadas em Dezembro com o relatório Um Despertar Cru, sobre o mecanismo de saque estatal generalizado em Angola. Texto integral, PDF (2.7 Mb)

OAM #147 19 OUT 2006

sábado, outubro 14, 2006

Aeroportos 8


Easy Jet, exemplo de uma revolução inesperada...

Da tríade da Ota à nova Portela e ao NAL 21a


De acordo com o Instituto de Estudos Turísticos, as companhias de baixo custo levaram à Espanha 1,85 milhão de turistas nos primeiros meses do ano, ou 11,5% a mais do que no mesmo período em 2005. Trata-se de um avanço muito superior ao registrado pelas companhias tradicionais, cujo percentual de aumento foi de 1,4%.
(...)
As companhias de baixo custo conseguiram, em poucos anos, abocanhar uma fatia importante do mercado de vôos entre a Espanha e outros países da Europa. A EasyJet e a Ryanair responderam, no ano passado, por 23% dos passageiros, ante 6,6% em 2000.
in Universia Knowledge Wharton

Assisti no passada noite 12 de Outubro, em Alenquer, vila a 6 Km da Ota, onde o actual governo pretende construir o chamado Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), a um debate instrutivo sobre o que poderá vir a ser a principal causa da ruína política do PS por muitos anos e um gravíssimo golpe nas finanças e no prestígio de um país pobre mas honrado chamado Portugal.

Aquilo que devo explicar aos cidadãos deste país é que a decisão subscrita por José Sócrates não tem absolutamente nenhum fundamento técnico, nem por outro lado, qualquer justificação económica articulada e séria. Podemos imaginar a pressa mesquinha dos construtores civis, a toleima dos municípios locais, as manobras sibilinas da Maçonaria (e não sei se também dos famosos socialistas do Grupo de Macau), ou a larga influência do Sr. Stanley Ho e do seu projecto para a chamada Alta de Lisboa nas manobras em curso. O que não podemos aceitar é a obscuridade deste processo.

Tudo não passa, do ponto de vista da decisão de José Sócrates, de um equívoco derivado de um relatório preliminar declaradamente inconclusivo sobre impactes ambientais, sucessivamente assinado por Elisa Ferreira e João Cravinho, em razão, creio eu, de convicções estratégicas que já deduzia, mas percebi agora claramente, depois de escutar as explicações do conhecido empresário socialista Henrique Neto sobre a putativa ameaça castelhana à nossa mais querida e fundacional reserva estratégica: a costa e o oceano atlânticos.

Não vou entrar nesta questão já abordada noutro artigo neste mesmo blog, mas uma coisa é certa: a embrulhada da Ota só poderá ser esclarecida desmontando simultaneamente os argumentos do lóbi galeguista e a falta de estudos efectivos que fundamentem a putativa decisão governamental.

O Sr. Xosé Manuel Beiras, chefe do Bloco Nacionalista Galego, pelos vistos tem grande influência no nosso país! Como se a fronteira luso-espanhola não passasse também por Salamanca, Badajoz e Vila Real de Santo António. Como se a União Europeia fosse uma quimera passageira. Como se dificultando e atrasando o acesso de Madrid aos estuários do Tejo e de Setúbal servisse para algo mais do que prolongar a indigência política e empresarial dominantes e ganhar algum “tempo histórico”... até que um dia, finalmente fora da União Europeia, pelo nosso próprio pé, ou expulsos, voltassemos à condição de súbditos envergonhados do verdadeiro poder atlântico de turno. Como se, mantendo a rede ferroviária portuguesa em bitola ibérica, quando a Espanha decidiu mudar toda a sua rede para bitola europeia, ficassemos mais perto dos principais destinos das nossas exportações e dos principais mercados de onde importamos bens e serviços. Como se o atrofiamento inevitável do país, caso um novo isolacionismo pós-salazarista se viesse a sobrepor à razão e vontade natural dos portugueses, fosse defensável, e não fosse tão só a reincidência pura e simples da velhíssima ilusão galega que Afonso de Henriques teve que combater para fundar Portugal: a ilusão de que o então novíssimo poder atlântico poderia manter-se em Salamanca, Lugo, Braga, Santiago ou Porto, e não baixar, como baixou, até Lisboa. Será mesmo este cenário pueril com que sonham algumas das nossas mentes mais brilhantes? A opção absurda de construir o novo aeroporto internacional de Lisboa na Ota (quando serão as low costs e os novos foguetes ferroviários que ligarão, de meia em meia hora, o Norte e o Sul da costa atlântica ibérica) tem, para mim, o seu fraco mas primacial fundamento nesta estratégia suicida. É no rasto da sua implantação que os interesses imediatistas dos empreiteiros, dos autarcas ignorantes e dos especuladores financeiros se juntam formando uma procissão de oportunistas devotos. Se tudo correr mal, pensam, o governo que aumente os impostos para pagar as dívidas e os seus futuros créditos!

Se a questão política precisa de ser urgentemente dirimida no terreno que é o seu, quer dizer, o dos interesses geo-estratégicos de Portugal, não menos importante será promover uma verdadeira discussão sobre as questões económicas, sociais e técnicas associadas à necessidade, ou não, de construir um novo aeroporto na região de Lisboa.

Como outros têm sugerido, seria bom publicar um verdadeiro livro negro, branco ou verde, sobre o futuro dos aeroportos da região de Lisboa, no quadro de uma visão lúcida e actualizada das estratégias de transportes mais adequadas ao século XXI. A crise energética, a crise climática, as novas opções europeias e espanholas em matéria de sistemas de transportes, a emergência das companhias de "low cost", o dinamismo dos chamados "corporate jets", a concentração previsível dos transportes aéreos de bandeira e o simples facto de a população portuguesa, actualmente de 10 milhões e 495 mil habitantes, não dever esperar um acréscimo superior a 228 mil habitantes até 2050 [1], são factos novos que não fizeram parte das preocupações de quem redigiu os documentos superficiais que serviram as irreflectidas decisões governamentais. Neste caso, antes de pensarmos nas vontades corrompidas, seria bom começarmos por falar de estratégia.

Os técnicos e especialistas devem assumir as suas responsabilidades e contribuir com o seu conhecimento para este debate. O mais importante, como sempre, é a formulação de perguntas pertinentes. Eis algumas delas:

I. Faz sentido, em geral, programar novos aeroportos de raíz em Portugal?

— dados a ter em conta:

1. A evolução previsível do sector espanhol, europeu e mundial dos transportes face ao pico petrolífero (oil peak), que ou já chegou ou, na melhor das hipóteses — segundo a Halliburton — chegará em 2020...;
2. A nova prioridade espanhola, já assumida, de privilegiar o binómio ferrovia-transportes marítimos em detrimento do binómio rodovia-transportes aéreos;
3. a grave crise estrutural de Portugal: endividamento excessivo do Estado, das empresas e das famílias, peso descontrolado da máquina administrativa do Estado, escassa produção e falta de produtividade;
4. As previsões demográficas realizadas em 2005 pela ONU prevêem um acréscimo populacional de apenas 228 mil hab em 2050 (menos do que a população que se transferiu de Lisboa para os subúrbios da AML nos últimos 20 anos!);
5. O quadro económico recessivo na Europa e no resto do mundo;
6. A instabilidade geo-estratégica e militar mundial;
7. Os efeitos dramáticos das alterações climáticas em toda a Península Ibérica, conhecidos e em fase de incorporação no pensamento operacional do actual governo.

II. Os actuais aeroportos continentais não chegam?

1. Na grande Área Metropolitana de Lisboa: Portela+Figo Maduro (companhias de bandeira e low cost) e Tires (corporate-jets);
2. No Grande Porto: Francisco Sá Carneiro remodelado (voos de bandeira, low-cost e corporate-jets)
3. No Algarve: Faro (bandeira e low cost e corporate jets)

Quantificar a perda de mercado na quota de voos domésticos e europeus nos aeroportos de Lisboa (Portela e Tires) por efeito da transferência de passageiros para as linhas ferroviárias de velocidade elevada Lisboa-Madrid-resto de Espanha, Porto-Aveiro-Salamanca-resto de Espanha e Lisboa-Porto-Vigo.
Quantificar a perda de mercado na quota de voos europeus nos aeroportos de Lisboa (Portela e Tires) por efeito do crescimento dos operadores de low cost no Porto e Faro.
Quantificar a perda de mercado na quota dos voos intercontinentais no aeroporto de Lisboa por efeito do novo hub aeroportuário de Madrid.

III. E se fosse preciso um Novo Aeroporto de Lisboa, a Ota seria uma boa escolha?

1. Já em 1999 a Comissão de Avaliação do Estudo de Impacte Ambiental (CA IA) chumbou por falta de fundamentação técnica o Estudo Preliminar de Impacte Ambiental (EPIA) realizado sobre a Ota e em Rio Frio pela empresa pública NAER, Novo Aeroporto SA. No entanto, Elisa Ferreia e João Cravinho forçaram a opção Ota. Porquê?
2. Em 2000 Jorge Coelho e Pina Moura despacharam conjuntamente mais estudos sobre a Ota com base na suposta necessidade de fechar a Portela, por razões de poluição e ruído (!) — como se não houvesse mais ruído e poluição na 2ª circular; ou como se os ouvidos e os pulmões das gentes que vivem à volta da Ota fossem mais resistentes que os dos alfacinhas. Porque seria?
3. Os estudos até agora realizados consideram que nas imediações da Ota vive uma população de 3000 pessoas. Acontece que são 30 mil! Se o novo aeroporto da Ota fosse ali construído, a actual população duplicaria mesmo antes de ser inaugurado. Os argumentos sobre ruído, poluição e catástrofes aéreas caiem assim pela base...;
4. Construir uma grande plataforma aeroportuária em cima de dois rios e três ribeiras confluindo para o Tejo e formando um leito de cheia potencialmente incontrolável, sobretudo tendo em conta o consenso actual em volta dos previsíveis impactos das alterações climáticas sobre a subida do nível dos mares e os aumentos pontuais súbitos e imprevisíveis da pluviosidade, não será pura e simplesmente uma loucura de milionários? Alguma vez Bruxelas viabilizará tamanha estupidez, se for convenientemente instruída?
5. A zona prevista para o novo aeroporto sobrepõe-se, nas suas instalações e corredores aéreos, à Rede Ecológica Metropolitana do PROT-AML;
6. As remoções de terras necessárias para viabilizar qualquer projecto aeroportuário com as características pretendidas na Ota, tornarão este investimento muitíssimo mais caro que qualquer outra alternativa, por exemplo, a Sul do Tejo. Especialistas estimam mesmo um acréscimo de custos na ordem dos mil milhões de euros (200 milhões de contos!)
7. O novo aeroporto projectado não tem nenhuma possibilidade de expansão futura; e além disso, das duas pistas projectadas e possíveis, apenas uma delas servirá para descolagens e aterragens. Ou seja, o potencial de navegação aérea encontra-se à partida limitado em 25%!
8. Quando o governo fala no investimento privado na Ota não contabiliza os custos das acessibilidades, os quais poderão andar na ordem dos 500 milhões de euros (100 milhões de contos) e serão suportados pela inevitável subida dos custo de utilização da nova infra-estrutura e por mais impostos para a generalidade dos portugueses;
9. Se o aeroporto da Portela (ampliado e remodelado) continuar, por decisão dos lisboetas e manifesta viabilidade económica, quem quererá ir para a Ota?
10. As companhias de low cost estão para o transporte aéreo como os porta-contentores estão para o tráfego marítimo, i.e. chegaram à Europa em 1995, viram e venceram! O panorama do transporte aéreo local (veja-se o impacto este ano no aeroporto Sá Carneiro) e internacional vai mudar radicalmente nos próximos anos e é muito provável que a TAP desapareça ou seja pura e simplesmente aborvida pela aliança de que já faz parte...
11. E se aviões mais leves, maiores e movidos a hidrogéneo, permitirem a viabilidade do transporte aéreo de massas, sobretudo intercontinental, para lá do pico petrolífero? Neste caso, não seria prudente, como aconselham especialistas atentos, reservar, em todo o caso, uma generosa aérea a sul do Tejo para uma futura plataforma intermodal de transportes (aéreos, ferroviários, fluviais e rodoviários)? Não o fazendo, a suburbanização descontrolada e em mancha de óleo a que temos vindo a assistir nos últimos 20 anos poderá obstruir qualquer hipótese de construção de futuras infra-estruturas de transporte que permitam a Lisboa contiuar a ser uma das cidades estratégicas da Europa.

IV. Alternativas de mobilidade ao panorama caótico actual

— ferrovia, transporte marítimo, ciclovia e mobilidade pedestre
— marcha atrás imediata no plano rodoviário nacional
— reconcentração das cidades de Lisboa e Porto
— programas de sustentabilidade local dirigidos a todos os aglomerados populacionais com populações acima dos 10 mil habitantes



Notas
1 — As previsões demográficas da ONU para Portugal dizem-nos que teremos um crescimento insignificante até 2050, ano que em que a população residente no nosso país andará pelos 10 milhões 495 mil pessoas. O acréscimo populacional será assim inferior ao número de residentes que abandonaram a cidade de Lisboa, nomeadamente para as desqualificadas periferias suburbanas, entre 1981 e 2004 — nada mais nada menos do que 278.452 pessoas! Por outro lado, a Grande Lisboa tem neste momento um parque de habitações por vender na ordem das 112 mil unidades! Para quem precisa o Senhor Stanley Ho da Alta de Lisboa?! E a miragem da Ota é para quem? Parece que anda tudo doido!
Referências
Maquinistas, Transportes em debate, Rui Rodrigues — um excelente repositório de documentos sobre a problemática dos transportes em Portugal.
Alambi

Última hora!

OAM #146 14 OUT 2006

Clima no Parlamento


Sistema Europeu de Informação s/ Fogos Florestais. Dia: 2006-10-14 (previsão p/ 3 dias)

Assembleia da República convida a sociedade civil a debater alterações climáticas e estratégias de mitigação


Passei a manhã e parte da tarde de 10 de Outubro de 2006 enfiado no novo auditório do parlamento português. As leis que ali se discutem são cada vez mais subsidiárias da produção seminal do Parlamento Europeu. Da transposição "in extremis" para o nosso edifício legislativo das leis de Estrasburgo tem dependido a melhoria de um país indisciplinado, onde o maior obstáculo à contemporaneidade continua a ser o elevado grau de analfabetismo funcional (fraca escolaridade básica e secundária), o péssimo hábito de depender de miraculosas mesadas externas (coisa que vem pelo menos desde o século XV e ainda não terminou...) e a persistência de um sistema de poder endogâmico irresponsável, muito dado às mordomias e à falta de ética. A ausência generalizada de civismo e o flagelo burocrático são alguns dos corolários inevitáveis destes males. Já não escarramos tanto na via pública como dantes, mas continuamos a estacionar em cima dos passeios, a obstruir as garagens e a estacionar alegremente em todas as esquinas que nos aparecem pela frente.

A promoção de uma discussão pública sobre as alterações climáticas no auditório da Assembleia da República é pois uma boa notícia. Fará parte da nova estratégia de transparência e abertura dos órgãos do poder à sociedade? Se sim, não poderei deixar de saudá-la. O tema inagural ? que fazer perante as alterações climáticas em curso? ? não poderia ser mais oportuno. O auditório encheu...

Das seis intervenções da manhã, destacaria apenas duas, pela sua concisão e relevância: a de Arturo Gonzalo Aizpiri, Secretário-Geral para a Prevenção da Contaminação e das Alterações Climáticas do ministério espanhol do ambiente, e a de Isabel Guerra, auditora de ambiente do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações.

O primeiro fez uma exposição muito clara sobre a estratégia espanhola para o ambiente. Retive duas ideias: que não comprometerão as suas metas económicas essenciais aos limites de emissões de CO2 decorrentes do Protoclo de Quioto (tendo já constituído uma reserva financeira para aquisição de direitos de emissão a países terceiros), mas que nem por isso deixarão de diminuir rápida e drasticamente a sua extrema dependência energética dos combustíveis fósseis importados (85%). Para tal, a Espanha levará a cabo uma profunda revolução no sistema de transportes, tendo em vista diminuir a importância dos transportes rodoviários e aéreos relativamente à ferrovia e aos transportes marítimos, promovendo, por outro lado, um conjunto de medidas destinadas a mitigar decididamente a dependência do consumo energético de origem carbónica por parte dos chamados "sectores difusos" (transportes, edifícios e sector terciário). Paineis solares térmicos e fotovoltaicos serão generalizados de forma apoiada, mas imperativa, ao longo desta e da próxima década em todas as cidades espanholas.

Maria Isabel Guerra deu conta do Programa Nacional para as Alterações Climáticas (PNAC, 2006), destacando não apenas alguns aspectos essenciais do diagnóstico e das medidas a implementar, mas ainda, o que não deixa de ser particularmente relevante, a sua característica inter-ministerial e ainda o facto de ter sido implementada uma metodologia de controlo e verificação de resultados.

Finalmente no plano das visões mais acutilantes, críticas e propositivas deste encontro destacaria a notabilíssima intervenção do Prof. Eduardo Oliveira Fernandes (Responsável da Unidade de Estudos Avançados de Energia no Ambiente Construído, da Universidade do Porto), e a militância quase colérica de Carlos Pimenta. O primeiro, não apenas mostrou até que ponto a nossa extrema dependência energética do exterior e das energias de origem fóssil é um factor de grande insegurança nacional, como sublinhou ainda o muito que há fazer no campo da eficiência energética (os chamados negawatts), antes de nos deixarmos levar pelo canto das sereias nucleares e das OPAs. 60% da energia transportada perde-se no labirinto da ineficiência energética, da falta de visão económica e da incompetência política (as palavras são minhas)... O segundo, foi sobretudo corajoso na defesa da necessidade de construir a barragem do Sabor como medida de precaução extrema absolutamente defensável na perspectiva da defesa estratégica da bacia do Douro (objectivamente ameaçada pelas medidas de salvaguarda hidrológica implementadas e em fase de implementação pelos espanhóis na parte que lhes pertence do rio comum).

Não ouvi as primeiras intervenções da tarde. Mas ouvi as que encerraram o encontro. Nota triste: a lenga-lenga dos deputados que ali aterraram para exibirem os respectivos leques partidários, sem que nada de substancial saísse daquelas mentes de eleição (talvez na próxima vez tragam a lição estudada e nos dêem a conhecer quais são efectivamente as posições dos partidos sobre questões tão importantes como as que neste primeiro encontro foram discutidas). Nota feliz: não esperava de Jaime Gama, o presidente da Assembleia da República, uma intervenção tão lúcida sobre o mérito da conferência, e em particular a sua plena consciência dos efeitos devastadores que as alterações climáticas, se não forem mitigadas, poderão ter sobre a nossa própria sobrevivência como país, nação e estado. Subestimei-o.

Resumindo: há uma boa percepção técnica dos problemas; sabe-se que os interesses cegos, egoístas e irresponsáveis do sector estão em pleno movimento browniano, mas desconhece-se se há pensamento económico sobre o assunto; ou se os políticos (nomeadamente este governo) terão a coragem de agir atempadamente e defendendo em primeiro lugar o interesse nacional. O sucesso da União Europeia depende e muito de três tipos de dialécticas: a que vai de cima para baixo (do geral para o particular); a que vai de baixo para cima (do particular, i.e. do estado-nação, da cidade, da freguesia, para o geral) e a que se desenvolve segundo a topologia das redes rizomáticas. Muito em breve a lógica "top down" actualmente hegemónica (e estúpida) do sector energético dará lugar a uma rebelião sem precedentes das novas matrizes de produção e partilha energética à semelhança do que ocorreu na tecnosfera da redes informáticas. Em 1994 tentei avisar um dos patrões lusitanos da comunicação social sobre o tremendo abalo que a sua indústria iria sofrer. Disse-lhe que a webcast iria comer literalmente o broadcast. Ele não me ligou nenhuma. Os resultados estão à vista e ainda vão piorar, para ele, claro! Basta meditar nos 1300 milhões de euros desembolsados anteontem pela Google para adquirir a You Tube , uma empresa web criada em 2005 para partilhar vídeos à escala global. Pois bem, o aviso aos distraídos do sector energético é este: esqueçam a ideia de controlo e comecem rapidamente a pensar em rizomas energéticos livres e cooperantes. Se não o fizerem, acreditem, serão comidos, literalmente, pelos rizomas mini, micro e nanotecnológicos em gestação... em menos de década e meia!

OAM #145 11 OUT 2006 [originalmelmente publicado no blog de O Grande Estuário

sexta-feira, outubro 06, 2006

Plano B

img from Al Gore's Unconvenient Truth

Verdades inconvenientes. Posturas de avestruz


Quando ouvimos as notícias sobre a performance económica europeia de 2006 (a melhor dos últimos cinco anos) e as imparáveis subidas na bolsa espanhola, ou sobre o frenezim especulativo em torno das OPAs lusitanas que anima a maioria dos canais televisivos, ficamos na dúvida se há ou não uma crise económica de magnitude global a caminho, se as alterações climáticas ameaçam de facto boa parte das regiões do planeta, e se, por conseguinte, o que nos espera, num intervalo de expectativa que não irá além de uma década ou duas, é mesmo uma tragédia de proporções bíblicas, ou outra coisa qualquer, com a qual talvez não valha a pena preocuparmo-nos...

Se tudo vai bem no reino da Dinamarca, isso significa que estamos a passar um atestado de incompetência a centenas ou mesmo milhares de cientistas que nos dizem o contrário. Se o que aí vem é, afinal, mais crescimento ilimitado, mais empolamento especulativo dos mercados financeiros, mais corrupção, cada vez menos redistribuição de riqueza, mais desemprego mundial, a impossibilidade de produzir e criar fora dos campos da concentração capitalista global, mais e mais precoce depressão juvenil, mais fluxos migratórios desesperados, milhões de velhos entregues à solidão e à demência, mais terrorismo e mais terrorismo de estado, maiores paranóias securitárias, e o crescimento subreptício mas imparável do sedutor fascismo mediático, então sim, de nada valeu a racionalidade dos avisos, porque deixámos a inércia atarantada do nosso comportamento colectivo sobrepor-se ao instinto de sobrevivência da espécie.

Fui recentemente ver Uma Verdade Inconveniente, de Al Gore e Davis Guggenheim. Sobre quem não está familiarizado com estes temas, provocará certamente um impacto muito forte. O que ali se evidencia não é nenhuma ficção científica de fim-de-semana! Em breve sairá a tradução portuguesa do livro com o mesmo título, no qual se plasma uma série de conclusões muito sérias sobre o que nos poderá acontecer a todos, ou à geração dos nossos filhos, se nada fizermos nos próximos dez anos. Dez anos?! Será que ainda iremos a tempo? Não sei. Mas sei que quem não estiver bêbado, nem for uma couve, deve ir ver este filme quanto antes, e já agora ler o Plano B de Lester R. Brown (2006), que acaba de ser traduzido para o nosso idioma e será publicamente apresentado em Trancoso no dia 27 de Outubro, no decurso do Encontro Internacional do Tribunal Europeu do Ambiente 2006, subordinado ao tema As Origens do Futuro. Uma comunicação via Skype trará Lester R. Brown até Trancoso.

Se algo me animou no filme de Al Gore foi ter visto ali definido um novo perfil de político. Ao invés de um ventríloco atrelado às sondagens, de um pagador de promessas e dívidas eleitorais, de um mentiroso compulsivo, de um amoral profissional, em suma de um soldado da vã glória de mandar, propenso à corrupção, deparamo-nos com um lutador incessante: mais de mil comícios pelo país e no mundo explicando os problemas sérios que temos pela frente a uma escala até há pouco inimaginável. Uma razão clara para o combate político, uma alternativa credível no seu próprio partido (o Partido Democrata), uma resposta sublime à imundície e ao descalabro da seita dos Bush, uma voz necessária num mundo à beira do precipício ecológico e nuclear.

No prefácio que escrevi para edição portuguesa de Plan B 2.0, a qual terá em breve uma versão electrónica disponível na Net, fiz alguns alertas que aqui antecipo à laia de convite à leitura integral deste livro absolutamente obrigatório.

Futuro anterior

Foi depois de ler, em 2002, "Beyond the Limits" (1992), de Donella H. Meadows, Dennis L. Meadows e Jørgen Randers, os mesmos que em 1972 publicaram "Limits to Growth" sob o patrocínio do Clube de Roma, cuja edição actualizada viria a ler em 2004, que o meu espírito entrou em alerta laranja relativamente aos horizontes do nosso futuro colectivo. As leituras sobre este tema sucederam-se e não pararam mais: o célebre e premonitório relatório de M. King Hubbert — "Nuclear Energy and Fossil Fuels" (1956), "The Long Emergency", de James Howard Kunstler (2005), "Peaking of World Oil Production: Impacts, Mitigation and Risk Management", de Robert L. Hirsch (2005), "Collapse", de Jared Diamond (2005) e "Plan B 2.0", de Lester R. Brown (2006)...

Calcula-se que a população mundial crescerá em 200 anos (1850-2050), período que corresponde grosso modo à duração da era industrial, de 1,26 para cerca de 9,1 mil milhões de habitantes. Esta explosão demográfica, que acabará inevitavelmente por regredir, entrou a partir da década de 70 do século 20 num quadro ecológico ameaçado pela escassez de vários factores essenciais à sua própria curva de crescimento: água potável, água para regar os cultivos destinados à alimentação (mas também à produção de bio-combustíveis!), terra arável, combustíveis fósseis baratos (carvão, petróleo, gás natural) e boa parte dos metais que alimentaram até hoje o nosso hiper-desenvolvimento: ferro, cobre, alumínio, níquel, estanho, zinco, prata, platina e ouro. Por outro lado, o crescimento actual gera uma poluição letal, sobretudo nos países emergentes e em vias de desenvolvimento, de que a tonelagem de resíduos tóxicos dificilmente recicláveis e as emissões de carbono para a atmosfera são dois alarmantes indicadores. Do ponto de vista do paradigma actual do desenvolvimento (crescimento contínuo do PIB, concentração financeira e globalização), estamos mergulhados numa crise energética e num dilema sem precedentes.

As energias renováveis de que se tem falado muito ultimamente (eólica e solar) são caras, tendo um EROEI ("Energy Return On Energy Invested") relativamente baixo, ou mesmo negativo, razão pela qual têm dependido de subsídios estatais em todo o mundo. O mais provável é que estes custos venham a ser suportados pelo consumidor através de adicionais às facturas que lhe são apresentadas. Por outro lado, o aumento da procura e a diminuição/encarecimento das reservas de combustíveis fósseis (sobretudo líquidos), não só elevará os respectivos custos, como continuará a repercutir este encarecimento nos custos de produção das próprias energias e combustíveis alternativos, deitando por terra a possibilidade de encontrarmos uma alternativa efectiva (em termos de quantidade, qualidade, potencial, versatilidade e preço) ao uso do petróleo, do gás natural e das centrais hídricas e nucleares na produção de energia. Não nos esqueçamos que 50-60% do petróleo consumido no mundo vai direitinho para o sector dos transportes. Seja como for, pela via da expansão das energias renováveis, complementando, mas nunca substituindo, pelo menos para já, as não-renováveis, assistiremos a um aumento acentuado e contínuo do preço dos combustíveis, sejam eles quais forem. A consequência deste aumento progressivo do preço da energia será a inflação e o aumento das taxas de juro em todo o mundo. A que se seguirá inevitavelmente a destruição de muitas economias nacionais e privadas, decréscimos dramáticos do consumo e do emprego e, finalmente, uma diminuição acentuada da procura de energia. Só não sabemos quanto é que tudo isto vai custar em vidas humanas.

No outro extremo do dilema temos a criação e desenvolvimento de novas modalidades de energia nuclear: reactores de quarta geração (Gen IV), cujas primeiras versões comerciais poderão funcionar a partir de 2030, e centrais de fusão nuclear, cujo primeiro reactor experimental deverá prestar provas em 2016. Tudo somado, pode dizer-se que uma nova alternativa nuclear, mais segura e de altíssimo rendimento, poderia começar a substituir as actuais centrais nucleares a partir de 2050, perfilando-se assim esta forma de energia hiper-tecnológica como o elo de continuidade entre a civilização carbónica e a civilização nuclear. Sucede, porém, que esta alternativa, em vez de empurrar a humanidade para uma espécie de idade média tecnológica, corre o risco de acelerar ainda mais o processo de exaustão dos recursos disponíveis, a não ser que até lá consigamos resolver o problema demográfico (sobretudo em África e na Ásia), o problema da fome e o problema da poluição, revertendo de vez o paradigma económico actual. Por fim, no que à alternativa nuclear (GEN IV e de fusão) se refere, apenas produzirá electricidade, não resolvendo o problema da infinidade de produtos derivados do petróleo e do gás natural absolutamente essenciais ao actual estilo de vida dos países: combustíveis líquidos, plásticos, pesticidas e fertilizantes, tintas, vernizes, decapantes e remédios, entre outros.

Para além da emergência energética que acabamos de descrever sumariamente, num tom mais dramático que o de Plano B 2.0 (que é antes de mais um desafio à criatividade e uma aposta na sobrevivência da nossa civilização), as alterações climáticas que têm vindo a ser detectadas pela esmagadora maioria dos observadores científicos de todo o mundo ameaçam lançar a Terra num período de aquecimento global/arrefecimento local catastrófico. A possibilidade de um colapso da civilização, precedido de crises energéticas e alimentares agudas, de crises sociais gravíssimas, de crises militares brutais, de uma recessão económica mundial de longa duração, da queda em dominó dos sistemas financeiros e da paralisia de boa parte das cidades e redes urbanas existentes deixou de ser um cenário de ficção cinematográfica. Todos os ingredientes da tragédia estão já no terreno. Haverá um Plano B?

O livro de Lester R. Brown é uma excelente e urgente resposta a esta pergunta. Por isso recomendei a sua tradução para português ao Emanuel Dimas de Melo Pimenta, assim que aceitei colaborar com ele na organização do Tribunal Europeu do Ambiente, que terá lugar em Trancoso no mês de Outubro de 2006.



Download gratuito do livro PLANO B 2.0, de Lester Brown (em Português):
— no sítio web d'o Grande Estuário (PDF/ficheiro ZIP: 1,5Mb)
— secção de downloads do Portal de Trancoso, em www.portaldetrancoso.net

OAM #144 06 OUT 2006