Ouçam o Medina Carreira!
Não há pachorra nenhuma para as mesas redondas televisivas protagonizadas por porta-vozes partidários. Eu nunca compraria um carro em segunda mão ao Senhor Coelho, nem a nenhum dos outros e outras vozes de carreira que povoam, até à náusea, os intermináveis blocos noticiosos dos nossos canais audiovisuais. Eles falam sobre tudo como se soubessem do que falam e sobretudo não suspeitassem que nós sabemos que a sua única função ideológica é a de serem simplesmente demagogos mediáticos. Como demagogos que são nunca pensam pela sua cabeça, mas pela cartilha de ocasião do respectivo partido. No caso, os porta-vozes supostamente independentes do centro (PS e PSD) propõem basicamente meias-medidas: subir impostos devagarinho, mexer com muito cuidado nas despesas sociais e cortar simbolicamente alguns privilégios escandalosos. Os porta-vozes comunistas, esquecendo que falharam em toda a parte por onde andaram, insistem alegremente nos seus estafados cardápios maniqueístas (‘os ricos que paguem a crise!’). Os bloquistas (incluindo Francisco Louçã) continuam a revelar uma confrangedora falta de imaginação, num momento em que bem poderiam inovar em matéria de estilo de acção política e metodologias programáticas. Quanto à direita propriamente dita, não existe e ainda bem (mas por quanto tempo?)
Por uma questão de transparência, seria bom que as televisões e os jornais (e os porta-vozes informais eles próprios) esclarecessem em que condição emitem as suas putativas opiniões. Se, como me parece, não fazem mais do que ocupar tempo de antena partidário (ainda que disfarçado de opinião crítica), quem cobra pelo serviço: o opinador, ou o partido de que faz parte? Visto da perspectiva correcta, deveriam ser os partidos a pagar tais tempos de antena, não é verdade? Pelo menos no que toca aos canais públicos, este sistema pantanoso significa apenas mais um subsídio encoberto aos partidos políticos — pago pelos impostos de todos nós!
Vem tudo isto a propósito da cacafonia mediática em torno do anunciado relatório Constâncio e das correspondentes decisões do governo de José Sócrates. Do que ouvi, apenas Medina Carreira, na entrevista de esta noite ao José Gomes Ferreira (um excelente profissional), resumiu simultaneamente o essencial da crise em que estamos e o essencial das medidas a tomar. Dentro de 10 a 15 anos, se nada de sério se fizer, o Estado irá à falência. As medidas anunciadas por José Sócrates são necessárias mas muito insuficientes.
Estou completamente de acordo com Medina Carreira quando afirma ser necessário reduzir drasticamente, e já, o peso do Estado na sociedade portuguesa. A solução, tal como ele aflorou na dita entrevista, existe, pode e deve ser adoptada, a partir do momento em que se esclareça a sociedade portuguesa da verdadeira dimensão do problema.
Um país de 10 milhões de habitantes (menos que uma qualquer grande cidade mundial), 80% dos quais encostados ao litoral, precisa de 315 câmaras municipais? Não, não precisa. Um país desta dimensão precisa de 250 deputados para legislar a sua vida? Não não precisa. Um país destes precisa de 700 mil funcionários públicos? Não, não precisa.
Para governar este país bastam:
1 governo ágil e profissional, com 7 ministérios:
— Finanças
— Economia (secretarias de Estado: Obras Públicas, Indústria, Agricultura, Pescas, Comércio, Transportes e Mobilidade, Turismo)
— Educação (secretarias de Estado: Cultura, Desporto, Investigação Científica e Desenvolvimento Tecnológico)
— Ambiente e Território
— Administração Interna
— Defesa
— Justiça.
4 regiões autónomas: Lisboa, Porto, Madeira e Açores
1/3 das câmaras municipais actualmente existentes
1 parlamento com metade dos actuais deputados
350 mil funcionários públicos (1)
Para resolver o problema do estacionamento selvagem (e de caminho o excesso de consumo automobilístico, consumo de combustíveis fósseis e emissão de gases com efeito de estufa) bastaria condicionar a compra de qualquer automóvel à existência prévia demonstrada, por parte do comprador, do correspondente lugar de estacionamento próprio na localidade onde reside. Tal como sucede no Japão...
Quanto à dependência energética, uma medida apenas: reduzir para metade, nos próximos dez anos, a nossa dependência energética do exterior.
O resto, seria, ou deveria ser, uma forte sociedade civil, consciente dos desafios, dos limites e das suas possibilidades.
Mas haverá ainda gente interessada em discutir estes temas? Temo bem que o número de agarrados ao orçamento do nosso pobre Estado seja já demasiado elevado... e não haja retorno possível à racionalidade democrática.
AC-P
Notas
1 — O presidente do INA, Valadares Tavares, em artigo publicado na edição de 10 Jun 2005 do Expresso, propõe uma redução de 20% no número de funcionários públicos no espaço de duas legislaturas. Seria um bom começo, sobretudo se esse número fosse conseguido como resultado da supressão de serviços redundantes, ineficazes ou meramente dispensáveis, e ainda pela fusão e concentração de todo o tipo de instâncias burocráticas. Neste sentido foi também a posição da equipa do actual Ministro das Finanças durante o debate de ontem na Comissão de Economia e Finanças da Assembleia da República, transmitido pelo respectivo canal televisivo (um dos poucos canais obrigatórios da repetitiva TV Cabo).
11 Jun 2005
AC-P
O-A-M # 75, 27 Maio 2005