Bárbara Guimarães em seus verdes anos. |
“Such as it is, the press has become the greatest power within the Western World, more powerful than the legislature, the executive and judiciary. One would like to ask: by whom has it been elected, and to whom is it responsible?”
Em Portugal os portugueses têm vindo a descobrir nos últimos tempos que a sua democracia, ainda jovem de 30 anos, saída de uma ditadura provinciana e paternalista, está a ser pasto devorável de uma corrupção endémica que penetra aparentemente todos os poros da sociedade. Nada escapa: há corrupção nas polícias, no futebol, entre os políticos, ao mais alto nível da nata empresarial, nas repartições de finanças, nos hospitais, e, pasme-se, nos meios de comunicação social. Sim, também os jornais e televisões, alimentados com estagiários à borla e custos mínimos em geral, retroalimentados em cadeia por agências noticiosas e de comunicação sem escrúpulos, surgem agora cavalgados pela fúria ética de um político caído em desgraça, depois de a sorte lhe ter um dia soprado inesperadamente de feição. O político, do Partido Socialista, chama-se Manuel Maria Carrilho e a sua queda decorre de duas causas e dois momentos crucais.
As causas da queda: Manuel Maria Carrilho, candidato favorito a umas eleições autárquicas em Lisboa, perde-as contra um lugar-tenente apagado do principal partido da oposição (o PSD). O agente principal deste resultado foi a incapacidade de o candidato convencer o seu eleitorado potencial, deixando que o número dois do ex-Presidente da Câmara de Lisboa e ex-Primeiro Ministro, Pedro Santana Lopes (homem tão mediático quanto volúvel, vaidoso e incapaz, cujo governo fora poucos meses antes demitido pelo Presidente da República), lhe levasse a palma.
Os momentos cruciais: o político, que um casamento controverso e mediático com uma conhecida e muito sexy estrela de televisão (Bárbara Guimarães), elevara inevitavelmente a uma instância de estrelato bicéfalo, aprova a inclusão da referida estrela de televisão, e do filho que a união entretanto gerara, num vídeo da sua campanha eleitoral. O bébé e a mãe, num diálogo digno do kitsch mais patético de uma qualquer telenovela sul-americana, balbuciam loas ao papá e putativo futuro presidente da edilidade lisboeta. A sorte do candidato-filósofo (não esqueçamos que repetidamente se apresentou sob este manto de integridade) ficaria traçada a partir deste incidente. O estratego da campanha, um brasileiro chamado Edson Athaíde, foi mais ou menos despedido, deixando os comandos da agit-prop nas mãos dum aguerrido assessor de imprensa. As sondagens, até aí favoráveis ao candidato do PS, iniciam uma tendência de queda. As presenças de Bárbara Guimarães em sucessivas acções de campanha não fazem mais do que piorar a situação, ao contrário do que Carrilho e o seu incompetente staff calcularam. O nervosismo espicaça Carrilho. Mal aconselhado, resolve enfrentar na televisão o seu principal adversário com uma agressividade desnecessária e inconsequente. À medida que o debate decisivo decorria só me apeteceu telefonar-lhe para dizer: despede o idiota que te aconselha! Ninguém por aí leu o Robert Axelrod? Ninguém daí conhece nada da pacata sensibilidade lusitana?! Em suma, como se pior fosse impossível, o pior aconteceu. Já depois do debate, quando os candidatos se deveriam despedir um do outro, Manuel Maria Carrilho resolve não cumprimentar o adversário. Não sabia que estava a ser registado? Ninguém acreditou e ninguem acredita em hipótese tão inverosímil. As eleições foram assim e naquele momento ganhas por Carmona Rodrigues.
Uns meses depois, o inconformado Carrilho resolve publicar um livro, responsabilizando em grande medida os média pela sua derrota. Afirma mesmo que houve um conluio entre uma agência de comunicação e interesses imobiliários para provocarem a sua derrota eleitoral. Ainda não li o livro nem sei se vou lê-lo. Mas os principais argumentos têm sido repetidos à saciedade e resumem-se nisto: os órgãos de informação manipulam a informação; incensam e depois massacram os pobres habitantes do limbo mediático; servem directamente interesses económicos e políticos inconfessáveis; não são escrutinados; dependem cada vez mais de umas instâncias mercenárias chamadas agências de comunicação, em suma, ele foi vítima, não da sua própria incompetência político-partidária e eleitoral, mas de uma conspiração mediática patrocinada pelos construtores civis. Não é verdade!
Tudo ou quase tudo o que Carrilho diz sobre a demissão e mesmo a corrupção jornalística actual é provavelmente verdade. Basta ver como os telejornais e os jornais de papel têm vindo a tratar a burla nuclear do Sr. Patrick Monteiro de Barros! Os média tradicionais, sobretudo em Portugal, não passam de pescadinhas de rabo na boca, sem qualquer profundidade jornalística, sem qualquer diversidade informativa, sem uma réstea de integridade ética, totalmente subservientes da publicidade e da imbecilidade consumista, entregues à mais confrangedora endogamia, plagiaristas sem vergonha, em suma, verdadeiros infocaptos. Estou de acordo, e basta ler o que Paul Graham escreveu sobre os submarinos mediáticos, ou a definição que a Wikipedia dá de Payola (se queres informação, paga-a...), para concordarmos com o desgraçado filósofo. Na guerra contra os mass media corruptos estarei ao seu lado sem reservas. Mas que a culpa da sua derrota autárquica é coisa do seu mau feitio e dos péssimos assessores que o rodeiam, disso não tenho também qualquer dúvida. As minhas suspeitas sobre tudo isto foram levantadas neste mesmo blogue e infelizmente confirmaram-se.
OAM #122 23 MAI 2006
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