quinta-feira, novembro 15, 2007

Espanha

Año horribilis, eso dicen...



Ao contrário do que afirmou um locutor ligeiro da SIC (canal privado da televisão portuguesa), não foram elementos da extrema-direita espanhola que queimaram retratos do rei de Espanha, mas sim jovens universitários, na sua maioria autonomistas convictos, republicanos e tendencialmente de esquerda. O tema é muito mais sério do que parece e a ele me referi em texto anterior. Por outro lado, a recente visita dos reis espanhóis a Ceuta e Melilla pode ser justamente acusada de provocatória com base nos princípios descolonizadores aprovados pela ONU na sua declaração de 14 de Dezembro de 1960 (PDF). Finalmente, o disparate bourbónico em volta das diatribes políticas de Hugo Chávez -- tratando o presidente venezuelano como se fosse um índio do século XVII -- ameaça interromper o ciclo de prosperidade de um país (a Espanha), cujo enriquecimento nas últimas três décadas, embora assente em bases pouco sólidas (segundo alguns, demasiado especulativas), muito deve às intensíssimas relações comerciais e político-económicas que tem mantido com a América Latina ao longo dos últimos vinte ou trinta anos. Não sei se tudo isto foi pensado para ser assim, mas que a figura do rei espanhol entrou, apesar de alguma histeria em torno do macho ibérico, num plano inclinado irreversível, parece-me óbvio. Pior é impossível!



Depois da Cimeira dos Açores, que conduziu à invasão do Iraque, a Espanha proclamou de alguma forma a necessidade de se virar de novo para o Atlântico, depois de perceber que a parte oriental da Eurásia será sempre o resultado dinâmico, frequentemente instável, das triangulações estratégicas entre Paris, Berlim, Moscovo e Istambul, e que a França, por outro lado, não largará de mão a sua especial influência no Norte de África, incluindo, obviamente, Marrocos. Acontece que este movimento da antiga potência imperial, hoje sem a menor possibilidade de recuperar o poder económico e militar que outrora foi seu, encontra inevitavelmente quatro obstáculos pela frente: Portugal e Marrocos, o Brasil (uma das quatro potências emergentes do BRIC) e a contestação cada vez mais visível dos países "ibero-americanos" ao ex-colonizador. A monarquia espanhola, à semelhança da inglesa, mas ao contrário das holandesa e dinamarquesa, entre outras, não é transparente, nem presta contas dos seus rendimentos. O que em democracia é fraco argumento para manifestações de superioridade relativamente seja a quem for.

A única vez que cumprimentei Letizia, em Praga, pareceu-me uma criatura ausente. Antecipação de um reinado improvável?

Ou muito me engano, ou o incidente que marcou a XVII Cumbre Iberoamericana - Chile 2007, vai transformar-se paulatinamente num distanciamento claro da Venezuela, Nicarágua, Bolívia, Cuba, e mais alguns países ibero-americanos, da antiga potência colonial. Na realidade, esta não lhes pode oferecer grande coisa, e mostrou ser capaz, nas últimas décadas, de controlar recursos e empresas estratégicas desses países, apoiando ao mesmo as corruptas e decadentes elites que há séculos se comportam como "burguesias compradoras", insensíveis e autoritárias, principais responsáveis pelo atraso económico, político e cultural da América Latina.

A criação de um mercado comum na América do Sul, iniciando um processo estratégico de longo prazo, semelhante ao da União Europeia, do que menos precisa é de permitir que os recursos estratégicos daquele vasto e riquíssimo sub-continente fiquem à mão de semear de antigas potências coloniais, como a Espanha e a Inglaterra (e em geral a Europa.) A âncora que faltava para este novo projecto de libertação já existe e chama-se Brasil. Por outro lado, a protecção de que a nova América Latina precisa, no grande jogo da estratégia global em curso, até agora imposta de modo hegemónico pela aliança anglo-americana, tem vindo a encontrar na China uma interessada e promissora alternativa. A China precisa da América do Sul e esta precisa da China (1). O noivado vai muito adiantado, e é por aqui que devemos descodificar a cena canalha que acabou com as cimeiras ibero-americanas. Nós, europeus, temos que reaprender o caminho difícil da humildade.



NOTAS
  1. 15-11-2007 22:40. VENEZUELA Y CHINA TIENEN APRECIACIONES COINCIDENTES RESPECTO DE LOS GRANDES TEMAS DE ESTOS TIEMPOS. Beijíng, 15 de noviembre de 2007 (Prensa-MPPRE ).

    Al concluir una Visita de Trabajo de tres días a la República Popular China, el Ministro venezolano del Poder Popular para Relaciones Exteriores, Nicolás Maduro Moros, destacó que ambos países tienen apreciaciones coincidentes en cuanto a lo que considera los grandes temas de estos tiempos.

    Durante su permanencia en China, el Canciller venezolano se entrevistó con altos representantes del gobierno del país asiático, incluyendo a su homólogo Yang Jiechi; el director de Relaciones Internacionales del partido Comunista Chino, Wang Jia Rui; el Viceministro del Consejo de Estado para la lucha contra la pobreza, Wang Guoliang, y Li Changchun, miembro del Poliburó del PCCh.

    En una conferencia de prensa que ofreció al final de su visita, expresó su complacencia por los resultados de los acuerdos de cooperación suscritos entre Venezuela y China, como parte de la alianza estratégica que han conformado ambos países.

OAM 277, 15-11-2007, 14:05

9 comentários:

Jose Silva disse...

Novamente parabens!

Anónimo disse...

a análise parece bem feita mas falta esclarecer o desaguisado de Chavez com Lula. Por outro lado sabe-se que Argentina e Brasil são o cão e o gato, pelo que ou muito me engano ou vão haver dois blocos na América do Sul que se vão guerrear e que terão os seus respectivos patronos a saber...mas é óbvio de um lado China Irão e Rússia do outro os marretas de sempre EUA e Europa...vai ser lindo vai

Anónimo disse...

Já que estamos em maré de sei lá o quê, faça uma posta sobre as sabujices pró socrátintas tornadas crónicas do Rangel, no Correio da Manhã, com o debochado intuito de esgadanhar o lugar de Presidente da RTP donde saíu deixando um lastro de despesismo incrível.

António Maria disse...

Chavez e Lula...

são obviamente os 2 protagonistas mais fortes da América do Sul. Um tem espaço, tecnologia, grande potencial militar e população; o outro, tem petróleo pesado, que precisa de muito dinheiro, tecnologia, organização e pouca corrupção para ser extraído em condições. Odeiam-se? Competem? Em si não é mau... Pense-se, a este respeito, na gataria europeia! A deriva populista do Chavez torna a Venezuela um país institucionalmente frágil, economicamente ameaçado, apesar de petróleo, o que vem a ser uma vantagem para Lula. Em suma, o Brasil acabará por ser a locomotiva da América do Sul, e a União Americana do Sul, uma necessidade cada vez mais imperiosa.

Rangel? Quem é?

Anónimo disse...

Bem, não se faça de intelectual blasé pretendendo desconhecer Rangel? Porra tou farto de gajos que vão ao Harry's Bar comer mau beef carpaccio a 60 euros em vez de irem ao Florian beber um licorzinho de café a 18 o copo...depois relendo o blogue assinalo na engraçada resposta em inglês ao Parsons ( ex da Julie Burchill que andava na Face do Nick Logan, em tempos que eu tb por lá andava a sacar umas libras à bifalhada ) algum anti semitismo entranhado ( os Israelis foram para a Palestina para segurar os oil fields? ó António Maria que Nosso Senhor o proteja de pensar semelhante coisa ahahah) e muita emotividade nacionalista contra o Mirrado comentador. Analise-se friamente o comportamento desajeitado da nossa PJ e das nossas autoridades judiciais e a putativa "intelligence" sobre como em Portugal se costumam despachar casos destes momentaneamente insoluveis ( fazendo de frágeis suspeitos, arguidos que são pré culpados e se mediatizados duplos culpados e depois acusando inocentes sem provas coisa até contra o Direito moderno acusações baseadas em bufaria tipo pidesco ) e veja lá se o tubarão tablóide não haveria de escarrar contra nós o veneno da Medusa em defesa dos seus conterrâneos? E lá vêm ao de cima as contradições de uma intelectualidade que ora se põe em bicos de pés a favor das alianças anglófonas ora se coça de comichões antigas em relação aos brits que se esmifra no anti francesismo para depois vir beijar Sarko só porque o Brown e amigos protegem um dos deles ...ficamos onde então, Gatwick ou Boulevard Raspaille, cá por mim como um steak com frites em qualquer capital onde o frio não me ataque as varizes...heheheheh

António Maria disse...

Caro Anónimo,

por partes:

1) Não tenho tempo para saber quem é o Rangel. Ponto final.

2) Veneza... da última vez que lá fui adormeci no autocarro entre o aeroporto e a ilha, e roubaram-me a mala!

3) Quem foi para a Palestina foram os Judeus Russos (não é por acaso que ainda hoje mantém sólidas cumplicidades com... Putin!). E foram enviados por Balfour, depois de os judeus ingleses, representados por Walter Rothschild, encontrarem finalmente um patrocinador oportun(ista) para a causa Sionista. Os refugiados judeus da Rússia começavam a atrapalhar a comunidade judaica inglesa... e a diplomacia, depois de partir ao meio o Império Otomano, do que precisava mesmo era de um protectorado no meio dos campos de petróleo do Médio Oriente. Foi assim que aconteceu...

4) Não tenho nada contra os Judeus, embora não aprecie raças eleitas, seja de que cor forem.

5) Você tem ido ultimamente ao Reino Unido? Se for, reparará que é um país falido, vivendo de esquemas e a reboque dos EUA, de faca e alguidar, mas com aquela pose irritante que a minha avó nortenha detestava (o meu ódio intermitente de estimação vem dela...)

6) A iniciativa do Sarkozi, a União Mediterrânica, é uma boa ideia. A aliança euro-atlântica (não a NATO do Bush e de alguns idiotas que escrevem sobre política internacional nos nossos jornais) vai precisar de uma reviravolta monumental, a realizar com pinças, triangulando entre a futura União da América do Norte e a futura União da América do Sul. Portugal tem aqui uma oportunidade de ouro para começar a trabalhar...

7) O facto de me irritar com alguns ingleses, franceses, espanhois... e portugueses (!) não me impede de pensar friamente nos jogos de estratégia.

PS: estou a ouvir o Black Dog, dos Led Zeppelin. Nostalgias!

Anónimo disse...

heheeh os velhos Led do Whole Lotta Love ? Tb tenho costeleta de Ponte Lima/Barcelos. Sabe de quem tenho lido umas psotas algures por aí? do Fallorca !!!
Eu gosto dos judeus porque são uma minoria étnica e não gosto dos árabes porque me aborrece aquela ladainha e o cheiro a pele de cabra ahahahaha ou é mentira ? e porra você já sabe mais que o Espada sobre essas coisas da geopolítica heheheh de qualquer modo dos Corridors of Power nacionais sabe de certeza porque lembro-me do seu nome ligado à CGD provavelmente Culturgest depois até ouvi falar bem de um livro seu etc e não o chato mais fique na boa ( Estamos numa idade lixada esta é que é do armário ou nos metem lá dentro ou não paramos de berrar) Thanks !!!

Anónimo disse...

heheh o Brodski adorava Veneza era judeu russo dissidente poeta e resistente escreveu até um livrito giro sobre a cidade. Será que isto tudo se encadeia, como na nova literatura esotérica? ACV e o Império da Mala Roubada, olhe foi o Jacques de Seingault.....diria um detective daqueles lá de baixo de Portimão a suar e a beber imperiais e gambas na esplanada da Praia da Luz.

Anónimo disse...

With what voice
shall I weep the sadness of my fate
The one that in so harsh a passion hath buried me
So that the sorrow with which time hath left me
Disillusioned upon my love, be not greater

But one does not esteem weeping in this state Where sighing hath never been of profit.
I want sadly to live, for into sadness Hath the joy of yesteryear been changed

In this prison my life thus I spend discontented
Hearing the clanging of harsh fetters
That injure my feeling and suffering feet

Of so much misfortune the cause is pure love
Due to someone who is from me absent
For whom my life and fortune in it I venture



Luis Vaz de Camões