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quarta-feira, maio 23, 2007

Gato Fedorento

Morrer de plágio



Há tempos, Clara Pinto Correia, bióloga, escritora e articulista de renome, viu a sua carreira no olimpo mediático interrompida por um descarado e injustificável plágio. Depois, alguém tentou assassinar Miguel Sousa Tavares pelo mesmo motivo indecoroso, mas desta vez sem prova, nem argumentos credíveis. Agora, é a vez dos Gato Fedorento serem apanhados com a boca na botija do copianço, abusando de uma divertida criação do conhecido cançonetista francês Claude François, Petite Méche de cheveux. Aliás, em matéria de humor, como aliás em muito do jornalismo preguiçoso praticado entre nós, o plágio, mais do que uma ocorrência vulgar, é mesmo uma praga, típica dum país irrelevante, periférico e dado à aldrabice sempre que há urgência de dinheiro (a falta dele, ou a oportunidade de o ganhar depressa.)

Quem diria, por exemplo, que a célebre Melga Shop do Herman é uma adaptação de um sketch da famosa Brit Comedy? Ou que A Minha História da Guerra (e em geral a comédia telefónica), que celebrizou Raul Solnado, também foi uma adaptação da obra e estilo de um dos mais famosos humoristas espanhois, de nome Miguel Gila? (ver Monólogo de Gila sobre la guerra, 1951-1989).

Também noutros domínios a mania de copiar tarde e a más horas é um vício nacional. Veja-se, por exemplo, a modo atabalhoado como o actual governo socratintas tenta plagiar as receitas falhadas do New Labor e adaptá-las ao nosso país. Há um notável documentário da BBC, dirigido por Adam Curtis, que recomendo vivamente, para percebermos todos até que ponto falta ao actual governo imaginação e sobram plagiarismo e arrogância bacoca. Chama-se The Trap.

Os políticos, os jornalistas e os humoristas portugueses já deveriam ter percebido que a Net veio para ficar, e que a mesma, pelo menos enquanto souber resistir às tentativas actualmente em curso para a domesticar, é uma espécie de nova realidade, tendencialmente mais fina e transparente, e democrática, que o mundo grosseiro das moléculas em que também vivemos. No caso dos Gatos Fedorentos, um conselho: não façam o mesmo que Sócrates. Reconheçam o erro, façam o respectivo acto de contricção e puxem-me por esses neurónios do riso mordaz e sem compromissos.







Direito de resposta
Ricardo Araújo corrige factos

Gostaria muito de, ao contrário de José Sócrates, assumir o meu erro. Nessa medida, se não se importa, pedia-lhe que me ajudasse a identificá-lo.

No dia em que apresentámos o genérico do nosso programa à imprensa, há seis meses, explicámos de onde tinha surgido a ideia e até a razão pela qual decidíramos manter, no início, a frase "Un, deux, trois, quatre". Não escondemos nada, porque não pretendemos ser músicos. Era óbvio que não tínhamos sido nós a compor a música e dissemo-lo. O motivo pelo qual não há referências a Claude François no genérico é muito simples: a canção que Claude François canta é, basicamente, a conhecidíssima música tradicional inglesa "Three Blind Mice". Sendo uma música popular, o autor é, naturalmente, desconhecido. Como foi o maestro Ramón Galarza a fazer os arranjos, é ele que assina esta versão. Nós somos os autores do programa mas não percebemos nada de música. No entanto, quem percebe explicou-nos que era assim, e portanto foi assim que fizemos.

Ou seja, no início do programa, explicámos publicamente o modo como o genérico tinha sido concebido. Seis meses depois, o DN, inspirado por alguns blogues, faz manchete revelando ao país o que nós nunca escondemos, antes omitindo que a música em causa está isenta de direitos de autor.

Resumindo: o Claude François cantou uma música tradicional inglesa. Nós também. Onde está o plágio? Se o genérico fosse uma adaptação de outra canção tradicional, como o Milho Verde, estaríamos a plagiar o Zeca Afonso, que também a cantou? Quem estaremos a plagiar se um dia fizermos uma adaptação do Frère Jacques?
Obrigado,
Ricardo

Nota do bloguista

As nossas desculpas por ignorarmos o facto de os autores de Diz Que É Uma Espécie de Magazine terem referido a origem do genérico quando o programa foi para o éter. Neste caso, não há, de facto, plágio, mas cópia derivativa, ou adaptação de obra alheia, a qual deveria figurar no genérico do programa, o que não sucede, e deveria ter sido objecto de negociação e contrato com os produtores do video clip original, o que sinceramente ignoramos (e não pretendemos apurar.) O reconhecimento da nossa omissão involuntária não significa, porém, que o assunto morra por aqui, em matéria de ética e sobretudo em matéria de ética criativa. Teria sido muito mais bonito e correcto ter-se previamente acordado a inclusão de um fragmento do clip original de Claude François --pois há uma óbvia apropriação da respectiva coreografia (a dança de grupo, o party style, o twist, o picado da câmara...)-- no genérico do programa do Gato Fedorento, do que tê-lo feito da forma subreptícia, agora patente.
De uma coisa os gatos fedorentos podem estar certos: no reino da Brit Com, um deslize destes ter-lhes-ia sido fatal. Viva Portugal! --OAM

PS: sobre Three Blind Mice (ler excelente artigo na Wikipedia), três notáveis exemplos de apropriação criativa do tema:

Three Blind Mice - C. Atkinson, J. Hollis and V. Hastings (animation)/ Fantomas (music)
Three Blind Mice Remix
Three Blind Mice - Peter Gunn

OAM #205 23 MAI 2007