Antonio Cerveira Pinto. Herberto Helder, corpo e alma (2015) Foto original—autor desconhecido |
Palavra, a alma das coisas
“No sorriso louco das mães batem as leves/ gotas de chuva (…)”
45 carateres chegam para sintetizar uma flor no meio da fatalidade. Esta é a grandeza da poesia que por vezes me assusta. O poder que dela emana quando mergulhamos nas suas palavras e espaços brancos tem muito do que as religiões têm: a força de religar o espaço e o tempo, a matéria e o nada, a vida e a morte. A palavra pensada para sentir, proferida para seduzir, escrita para guardar, é o que por vezes sobra de toda uma vida de ilusão, pessoal, familiar e ética.
Jorge de Sena, creio, diferenciava o poeta erótico que é Camões, do poeta álgico que Pessoa foi. Com Herberto Helder, o pêndulo da poesia regressa ao fulgor da carne, fenómeno cru do pensamento, de que só por cobardia, devaneio ou servidão desviamos o olhar, a atenção devida, ou a sabedoria.
Herberto foi reescrevendo uma e outra vez a sua Poesia Toda, amarrada num tijolo único de vida literária, ao longo da sua escrita. Poesia Completa foi o bater da porta, definitivo.
Herberto Helder é um poeta da carne e da terra, mas não da história, nem das ideias, e neste ponto talvez possamos ver em Fernando Pessoa a metade que lhe falta, ou faltava a Pessoa, para serem uma herança acumulada e narcisista—entendida a modernidade e a contemporaneidade exacerbadas dos últimos duzentos e tantos anos, como foram—de Luís de Camões.
“(…) a morte faz do teu corpo um nó que bruxuleia e se apaga,/ e tu olhas para as coisas pequenas/ e para onde olhas é essa parte alumiada toda”.
DA IMPRENSA
- “Morreu Herberto Helder, a voz mais fulgurante da poesia portuguesa”
Luís Miguel Queirós, Público, 24/03/2015 - 11:21 (actualizado às 10:21 de 25/03/2015)
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