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quarta-feira, março 09, 2011

Betão e sucata

Uma casa e mais de um automóvel por cada dois portugueses



A bolha rebentou ao fim de vinte anos de crescimento virtual, especulativo e efémero. E a culpa é, efectivamente, dos políticos. Se não, para que servem e foram eleitos?

A receita, simples, surgiu originalmente para responder aos desafios do pós-guerra do final da década de 1940. Chamava-se o sonho americano: uma casa suburbana, um automóvel, televisão, centros comerciais e fast-food — o círculo perfeito de um capitalismo suportado por energia barata, um imbatível poderio militar e crédito virtualmente ilimitado. Chegou a Portugal com trinta anos de atraso, e duraria menos de três décadas.

Disto mesmo se deu conta Pedro Bingre do Amaral num estudo realizado para ajudar a fundamentar o enquadramento da Nova Lei de Solos, encomendado pelo Ministério do Ambiente e do Ordenamento do Território — “Análise das relações da política de solos com o sistema económico”.

Resumindo algumas das suas conclusões, publicadas pelo Expresso desta semana, em artigo de Carla Tomás, ficamos a saber que temos em Portugal mais de cinco milhões de casas, para uma população de 10,6 milhões, ou seja, um lar por cada duas pessoas. Nos últimos vinte anos construíram-se 80 mil alojamentos por ano, o equivalente a vinte cidades do tamanho de Coimbra, dispersas de forma inconcebível pelo território. Destas casas todas, porém, milhão e meio estão vazias.

Seja como for, o óbvio é que ultrapassámos larga e estupidamente as nossas necessidades em matéria de parque imobiliário doméstico, faltando apenas dizer que tanta compra implicou um endividamento privado (de particulares e empresas) na ordem dos €169 mil milhões, quando o PIB era de €180 mil milhões.

O autor do estudo, professor do Instituto Politécnico de Coimbra, afirma claramente que “houve uma bolha imobiliária portuguesa, ao nível da construção, que rebentou em 2006-2007”.

Uma das consequências desta deflação repentina está à vista de todos: a construção civil de novos edifícios praticamente parou. Outra, menos visível, detectada pelo estudo, é esta: “o valor do parque habitacional português (médio e baixo) poderá continuar a esboroar-se, atingindo os 85% em 2050” — a mais acentuada depreciação entre as economias ocidentais. Assim sendo, uma casa comprada por €200 mil (sobretudo em zonas suburbanas e mal servidas de transportes colectivos) poderá valer pouco mais de €30 mil daqui a quatro décadas. Os compradores e os bancos que sobreviverem a esta crise terão então pago muito caro a euforia iniciada no tempo do governo de Cavaco Silva.

Os bancos portugueses estão de tal modo assustados com esta situação que se recusam a aceitar as desvalorizações realistas dos imóveis —sugeridas por empresas especializadas— para efeito de execuções imobiliárias e outros contenciosos com construtores e proprietários hipotecados. A sua motivação é compreensível, mas totalmente inútil e mesmo contraproducente: querem evitar a todo o custo a desvalorização dos seus activos, que por sua vez foram dados como garantia dos vultuosos empréstimos que obtiveram dos mercados financeiros nacionais e internacionais. Mas a lei da oferta e da procura, que tanto acarinham, não pode ser suspensa quando convém, e fazendo esta o seu caminho, acabará por destruir parte significativa dos activos de bancos, construtoras e profissionais da arquitectura, da decoração e da engenharia civil. Uma pergunta pertinente que devemos fazer neste momento ao Estado é esta: para quem irão trabalhar os profissionais da construção civil nas próximas duas ou três décadas?

Um fenómeno semelhante ocorreu com os automóveis. Há mais de 5,7 milhões de veículos ligeiros no nosso país, ou seja, uma viatura por cada dois portugueses. Para servir e estimular a compra de mais automóveis, e sobretudo para alimentar uma indústria e um capitalismo pouco sofisticados, Estado, bancos e empresas endividaram-se até à desgraça, para construir uma das maiores e mais luxuosas redes de autoestradas por habitante e por área existentes na União Europeia. Resultado: o actual regime político hipotecou a sorte e o futuro dos seus filhos e netos, em nome da ganância e preguiça mental de uma democracia populista iludida pela mancha de demagogos eleitos que alastrou pelo país como autêntica nódoa civilizacional.

Viciados no dinheiro fácil, na irresponsabilidade e na prepotência, os mesmos que conduziram o país à bancarrota insistem ainda, obcecadamente, desesperados, com se nenhuma metadona os pudesse salvar, na tecla do betão e do automóvel. Como as casas já não se vendem, e os deputados europeus viram, escandalizados, as nossas autoestradas vazias, BES, Brisa, Mota-Engil e outros tantos piratas, querem agora um outro brinquedo para estragar, como estragaram tudo o resto onde tocaram. Esse brinquedo chama-se Novo Aeroporto de Lisboa. Ficará, se deixarmos, em Alcochete, e terá à sua volta uma cidade aeroportuária à imagem e semelhança dos devaneios bem pagos do senhor Augusto Mateus.

Só mesmo Angela Merkel nos poderá livrar desta corja!

domingo, setembro 05, 2010

Rumos — 2

Falei na semana passada no enorme stock de habitações construídas, mais de 600.000, que em todo o país aguardam comprador, paralisando toda a cadeia da construção civil, com imediatas repercussões para as autarquias as quais se privam das taxas respectivas.

Qual a fundamentação para o país ter conseguido tão poderoso canal de financiamento da mais de 4.000.000 de fogos ao longo de 25 anos? Como se conseguiu construir e vender mais de 150.000 fogos anuais quando a população portuguesa está estabilizada? O ano passado já nasceram menos de 100.000 portugueses e já morreram mais do 100.000. Os programas de realojamento de bairros degradados e históricos absorveram certamente mais de 1.000.000 de fogos ao longo destes anos, mas concluíram a sua missão. O enorme êxodo dos novos licenciados e profissionais que ocorreu do interior para o litoral, Lisboa e Porto, também se pode considerar já estabilizado. Ao todo terão sido responsáveis por uma procura de cerca de 60.000 habitações por ano, talvez 1.500.000 ao todo. A politica de favorecimento estatal, municipal e bancário da segunda casa, para férias no Litoral, poderá ter sido responsável por mais uns 600.000 fogos. A elevada taxa de divórcios propiciou a entrada no mercado de mais um indeterminado número de fogos, sendo agora a tábua de salvação dos promotores.

Os centros históricos vão-se esvaziando, não se adaptando ao perfil da procura, enquanto crescem os centros periféricos. Agora que quase todas essas fileiras estão paralisadas, a construção sobreviverá se encontrar novos caminhos. As unidades de turismo anual ou sazonal poderão ser um sucesso em zonas de interesse lúdico cultural ou balneário. Tem-se falado muito no mercado da reabilitação urbana. É uma ilusão. Os altíssimos custos de construção (na reabilitação) e os recentes entraves normativos e legais fazem deste mercado um nicho insignificante e de rentabilidade duvidosa. A nossa economia sairá forçosamente da construção civil. Os actuais modelos de crescimento estão esgotados.

Frederico Brotas de Carvalho