sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Portugal nuclear 1

Hubbert Prediction

O fim do banquete petrolífero



O relatório apresentado nos dias 7-8-9 de Março de 1956, por M. King Hubbert, Consultor Chefe de Geologia da Shell Development Company, ao Encontro de Primavera da Southern District Division of Production do American Petroleum Institute, deve ter soado como uma visão muito pessimista do que então parecia ser o nascimento de uma inesgotável fonte de energia e matéria prima, essencial ao segundo grande bang do Capitalismo. No rescaldo das grandes tragédias mundiais que foram a guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial, o petróleo e o gás natural viriam a ser os principais motores da chamada segunda revolução industrial. Foi este estudo de Hubbert —fundamental ainda hoje para entender o ciclo das três grandes fontes de energia carbónica (carvão, petróleo e gás natural)—, que primeiro previu a crise económica de 1973, que se seguiu ao pico da produção petrolífera nos Estados Unidos. Hubbert previu também a crise energética actual, desespoletada pelo cume da produção petrolífera no Mar do Norte. E previu finalmente o retomar inevitável da opção nuclear para fins energéticos quando já nada nem ninguém conseguir evitar a turbulência bélica crescente causada pelas disputas geo-estratégicas em volta do chamado "peak of oil production" — i.e. o ponto a partir do qual todo o petróleo e todo o gás natural disponíveis no planeta não demorarão mais do que escassos 30-50 anos a desaparecer do horizonte energético da humanidade.

Hubbert Bell Curve
"Se o mundo continuar a depender dos combustíveis fósseis como sua principal fonte energética, podemos esperar que o auge da produção de carvão ocorra daqui a uns 200 anos. De acordo com as estimativas actuais das reservas remanescentes de petróleo e gás natural, parece que a culminação da produção mundial destes produtos possa ocorrer dentro de meio século, enquanto que o pico da produção do petróleo e gás natural, quer nos Estados Unidos, quer no estado do Texas deva ocorrer nas próximas duas décadas" — 1956. Nuclear Energy and The Fossil Fuels by M. King Hubbert (p.38).

O pico da produção de petróleo e gás natural ocorreu nos Estados Unidos em 1970. O pico da produção petrolífera do Mar do Norte ocorreu em 1999-2001. E o pico mundial, se não ocorreu já, deverá surgir entre 2006 e 2007. Tudo somado, temos 30 a 50 anos de petróleo e gás natural pela frente, cada vez mais caro... e com muito sangue à mistura!

A opção pela energia nuclear parece, para muitos, irremediável. Chegará a tempo? Qual o preço que teremos que pagar por ela? Portugal deveria pensar, antes de tomar qualquer decisão, nas consequências terríveis que um acidente nuclear poderia ter sobre a faixa estreita de território onde vivemos. Deveria pensar, sobretudo, num mundo com menos energia e mais feliz!

Como escreve John Howard Kunstler em The Long Emergency (2005), a energia nuclear serve para muitas coisas menos para alimentar o estilo de vida ocidental dos últimos 50 anos. Não podemos fazer voar os aviões a partir da fissão nuclear, não podemos substituir o petróleo pelas energias nuclear, pelo hidrogéneo, pela energia solar, ou pelo vento, na produção de toda a espécie de plásticos, remédios e adubos de que actualmente dependemos. Em suma, o festim da era carbónica, em que nos fomos deixando embriagar desde os primórdios da Revolução Francesa, está prestes a terminar. Menos de 50 anos pela frente e uma inércia capitalista imparável (de que o consumismo e a hiper-concentração financeira são os epifenómenos mais doentios) vão conduzir-nos ao desastre. A um pequeno país como Portugal, inserido numa ilha europeia chamada Ibéria, resta-lhe a perspectiva de uma modificação drástica do seu modelo de crescimento. Isto é, uma revolução económica, política e social (em nome da razão e da sustentabilidade), capaz de controlar a derrapagem em que já entrou e evitar o pior. O pior seria, por exemplo, deixar o país resvalar para uma lenta guerra civil pelo controlo dos recursos imediatamente disponíveis, numa lógica terrível de exaustão acelerada das florestas, dos terrenos agrícolas e da generalidade dos recursos capazes de gerar receitas imediatas, até ao desaparecimento da nossa própria existência nacional. Para evitar o destino que tiveram os povos da ilha da Páscoa (ou deixar-nos envolver numa possível balcanização da Espanha), resta-nos levar a cabo uma discussão urgente sobre o nosso futuro, inverter drasticamente (i.e. através de imposições legais meta-comunitárias) o nosso estilo de vida, e construir um sistema de segurança alimentar e energético organizado em rede. O Estado e as autarquias podem e devem ser os pilares determinantes desta melindrosa operação. Mas para aí chegar terão que passar por uma reforma política radical. Precisamos de uma democracia electrónica poderosa, transparente e em rede, capaz de discutir, legislar e executar, muito para além do actual panorama de atavismo estratégico e corrupção generalizada que ameaça implodir o edifício institucional da nossa própria identidade.

Link 1 (Energy Bulletin)
Link 2 (Limits to Growth)
Peaking Of Oil World Production: Impacts, Mitigation, & Risk Management. Robert L. Hirsch. 2005. PDF (1,2 Mb)
World Petroleum Availability. Office of Technology Assessment (OTA). 1980. PDF (420Kb)
Exponential Growth (fac-símile). M. King Hubbert.1976. PDF (332 Kb)
On The Nature Of Growth. M. King Hubbert 1974. PDF (500 Kb)
Nuclear Energy and The Fossil Fuels (fac-símile). M. King Hubbert. 1956. PDF (2.6 Mb)

O-A-M #107 24 FEV 2006

terça-feira, fevereiro 21, 2006

Coleccao Berardo

Das duas uma...


A trapalhada da colecção Berardo (cerca de 1500 obras de arte do século 20) parece-se cada vez mais com uma novela mexicana. Já se percebeu que a ministra da Cultura não quer nada com o capitalista madeirense. No entanto, de cada vez que soa o telefone de São Bento, Isabel Pires de Lima afirma apressada o seu afã em conseguir um bom contrato com o Comendador. O Primeiro Ministro, por sua vez, deixa que o seu nome seja, nesta matéria, sistematicamente invocado pelo Comendador, que pelos vistos lhe telefona por dá cá aquela palha, fazendo queixinhas da Sra Ministra. Por fim, não se percebe porque é que um homem tão rico, com uma colecção de arte tão importante, se presta a estas andanças caricatas.

Das duas uma, ou a colecção é mesmo excepcional, e não faltarão públicos que paguem os custos da sua conservação e exibição pública — e neste caso o Senhor Comendador não precisaria do CCB para coisa nenhuma — ou então, pelo contrário, a colecção fica aquém do circo intelectual e mediático que em sua volta tem vindo a ser montado — e neste caso, daria muito jeito a Joe Berardo comprometer o Estado português e uma das suas principais instituições culturais nos custos e trabalhos da sua conservação, exibição e legitimação...

A verdade é que, como se sabe (ou deveriam saber os nossos agentes culturais) os públicos da chamada "arte contemporânea" têm vindo a diminuir em todo o mundo, e nada augura uma inversão desta tendência. As excepções ocorrem apenas nas grandes instituições historicamente consolidadas da cultura moderna do século passado: MoMA, Guggenheim de Nova Iorque, Tate e Centre Pompidou. E mesmo nestes casos, só à custa de grandes orçamentos e grandes investimentos em arquitectura, publicidade e merchandizing. Estamos no século 21 e a cultura que ai vem é outra. Não creio, sinceramente, que as mil e quinhentas obras de arte do Senhor Berardo fossem capazes de, por si sós, alterar o panorama deficitário do CCB (ver nota de rodapé). E daí...

Seja como for, talvez fizesse sentido o Estado português negociar com o Comendador a reabilitação de um dos muitos edifícios que possui na cidade de Lisboa, convidando para tal um jovem nome sonante da arquitectura mundial (Herzog & De Meuron, Kasuyo Sejima, François Roche, Asymptote, etc...). A zona de Santos-Alcântara seria uma excelente localização para tal operação. O Estado faria a sua parte, i.e. um novo edifício simbólico para a cidade de Lisboa, que não teria que custar mais de 6 a 10 milhões de Euros, e o Senhor Comendador comprometer-se-ia por contrato a depositar a sua colecção nas novas instalações por um período nunca inferior a 25 anos. A administração (muito tansparente) do novo espaço ficaria naturalmente a cargo de uma fundação expressamente criada para o efeito, e da qual fariam parte o Senhor Berardo e o Estado português. A direcção artística do novo museu deveria, por sua vez, ser atribuída a pessoa competente, escolhida em concurso internacional expressamente convocado para o efeito, e não a dedo, como continua a suceder no círculo endogâmico da cultura lusitana.

Com muita energia e imaginação, até poderia resultar. Como se afigura na telenovela em curso, só podemos esperar o pior. A imortalidade do Senhor Comendador está por um fio!



NOTA — A petição que corre a seu favor desde Novembro passado não conseguiu até hoje mais do que umas magras 283 assinaturas, e a exposição Construir Desconstruir Habitar (realizada com base nalgumas das melhores obras da colecção) atraíu apenas o ridículo número de 8100 visitantes (contra os 24 mil que acorreram à World Press Photo). Vale a pena ler sobre este potencial fiasco os seguintes artigos: Peças de Berardo foram um "fracasso" e Não sabemos o valor das peças da Colecção Berardo


[actualização 03 AGO 2006]
ESTAREI ENGANADO?
Ouvi hoje o comendador Joe Berardo falar, pela enésima vez na SIC, sobre a excelência da sua colecção e sobre a bondade absoluta das suas intenções. Tudo a propósito das objecções do Presidente da República sobre o decreto-Lei que cria a nova Fundação de Arte Moderna e Contemporânea - Colecção Berardo. O comentário, publicado no sítio web da Presidência (um bom sinal de e-government...) sublinha o seguinte sobre o citado decreto-Lei:

“O referido diploma suscita dúvidas, principalmente no que se refere à distribuição de poderes entre o Estado e o coleccionador ou pessoas por ele designadas, no caso de o Estado Português efectuar a opção de compra da Colecção Berardo, a qual será feita, conforme previsto, de acordo com o valor de mercado.
Com efeito, mesmo após o exercício daquela opção de compra, o coleccionador continuará a dispor de poderes muito amplos de intervenção na gestão de um acervo de bens do património do Estado, podendo citar-se, a título meramente exemplificativo, a prerrogativa vitalícia relativa à nomeação do director do museu.&#148

Do ponto de vista dos princípios da legalidade, parece claro que, no caso de o Estado vir a comprar a totalidade ou parte da colecção de Joe Berardo, a posse lhe dá automaticamente o direito de gerir e dispor da propriedade como entender. Caso diverso seria se o comendador oferecesse as obras de arte ao Estado. Nesta hipótese, sim, seria razoável haver no contrato de doação determinadas cláusulas de garantia da vontade do doador. Mas não é este o caso, pois não? Ou será que ouvi hoje, na SIC, Joe Berardo referir-se à hipótese de uma doação? Seria bom conhecer o decreto-Lei e perceber quais são de facto as intenções do comendador, antes de a comunicação social indendiar o assunto. Por mim, se houver a intenção de doar, então Joe Berardo pode e deve impôr as suas condições (pois não estou a ver como é que uma instituição tão falida e volúvel como o CCB poderá algum dia dar conta deste recado). Se, pelo contrário, a intenção é vender as obras de arte ao Estado, então eu dria que o melhor é deixar o assunto em banho-maria, até ver o que tudo isto realmente significa.

[actualização 05 ABR 2006]
NÃO PODIA TER SIDO MAIS HILARIANTE
O anúncio bombástico do novo Museu Joe Berardo de arte moderna e contemporânea, que irá instalar-se no Centro Cultural de Belém (CCB), em Lisboa, que é dele (do Joe Berardo), mas também do Estado Português, em regime de comodato, até 2016. Para o comendador, vai ser o museu mais visitado do mundo (sic!) Para o comissário político Mega Ferreira, actual administrador do CCB, basta que seja o mais visitado de Lisboa (pois já seria bom se ultrapassasse o número de visitantes do Museu dos Coches, mesmo ali ao lado...) Para o Primeiro Ministro, está tudo bem porque fez a vontade ao seu assessor cultural (que é quem sabe destas coisas). Para a antiga Presidente do Instituto Português dos Museus, o homem da Madeira entrou definitivamente no caminho da beatificação cultural e... da IMORTALIDADE!! Em suma, a Fundação que presidirá a tão esperada boda, vai dispor da exorbitante quantia de 1 milhão de euros por ano, a meias, claro, entre o Joe e a Fundação (adivinhem lá os apelidos...), para comprar postais ilustrados de arte contemporânea. Só fica uma dúvida angustiante: se se zangarem pelo caminho (dez anos é muito tempo...), e se se desfizer a tal fundação, quem irá gerir o comodato? Quem é que fica com os postais?

[actualização 04 MAR 2006]
Joe Berardo quer negócio fechado c/ José Sócrates antes de 23/3. Saiba porquê...
Os sucessivos ultimatos do Senhor Berardo ao Governo (devidamente amplificados pelo Expresso...) não só incomodam, como começam a suscitar interrogações e suspeitas sobre o que está realmente em causa nesta telenovela! Ameaçar o Governo, na pessoa do próprio Primeiro Ministro, sobre matéria tão nebulosa como os investimentos em arte de um reconhecido especulador financeiro, é um desses sound bites que dão que pensar ao mais distraído cidadão. Gostaríamos todos de saber exactamente que raio de negócio o Comendador quer fazer com o Senhor Sócrates, às custas da ministra responsável pelo assunto e, sabe-se lá, do País... Qual o papel desempenhado pelo Senhor Melo, melro do nosso Primeiro em matérias de corte & costura e outras relevantes matérias culturais, nesta intriga de pacotilha? Uma coisa é certa: excepto Raquel Henriques da Silva, estamo-nos todos nas tintas para a imortalidade do Joe Berardo e eu, pessoalmente, duvido da excelência da sua colecção de arte (aliás mal conhecida), além de ter dúvidas ainda maiores sobre a sua rentabilidade cultural... e económica. Enfim, só encontro uma explicação para o ultimato de 23 de Março, dirigido pelo Comendador ao Primeiro Ministro: ele leu o meu blogue sobre o crash global previsto para o próximo dia 26!



O-A-M #106 21 FEV 2006

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Barajas T4

Barajas Terminal 4 - Servicios

O pior novo aeroporto do mundo?



O efeito borboleta provocado no tráfego aéreo europeu e mundial pela desastrada inauguração do chamado Terminal 4 do aeroporto madrileno de Barajas continua ao fim de quinze dias de confusão. Os prejuízos económicos e transtornos emocionais causados aos milhares de passageiros que perderam malas, voos e paciência desde o passado dia 5 de Fevereiro, são grandes e significam um monumental fiasco público e empresarial. Há praticamente 15 dias que os desgraçados clientes da Ibéria, que transitam pelas duas novíssimas instalações aeroportuárias, vêm os seus voos atrasados, as portas de embarque alteradas entre o check-in (facturación) e o embarque, e as malas desaparecidas ou enviadas para outro país. Perdem os voos, entre outros motivos, porque a megafonia do aeroporto é completamente inútil na sua extrema dedicação à campanha anti-tabágica, porque são induzidos em erro por uma sinalização contra-intuitiva, ou porque as distâncias a percorrer se medem em milhares de passos, elevadores lentos e escadarias.

Barajas Terminal 4

Usabilidade zero



Só por erro crasso de programa, desenho, usabilidade e comunicação se vem chamando "Terminal 4" ao que na realidade são dois edifícios desproporcionados distando entre si mais de 1Km. No mínimo, haveria que apelidá-los de Terminal 4A e Terminal 4B, para que todos soubessem, sem mais explicações, que há duas realidades físicas inevitáveis quando se chega ou se parte da nova zona aeroportuária de Barajas. Ao que parece a facturación faz-se apenas num dos edifícios. A ser verdade (pois estive apenas no Terminal 4-A), aposto que não haverá sossego em Barajas 4 tão cedo.

19 de Fevereiro. Um pai de família lamenta-se no apinhado balcão de reclamações do Terminal 4-A. Não sabe de onde sai o seu avião para La Habana. A resposta, decepcionante, foi a seguinte: "el vuelo ha salido ya; y además, la puerta de embarque es en el otro edifício". Isto é, duzenos metros a passo, uma viagem de autocarro e 30 minutos depois!

Quinze dias de confusão deveriam ter chegado para perceber que os passageiros andam perdidos no gigantesco labirinto em que se transformaram dois edifícios tão aparentemente interessantes. E que portanto alguém, ou alguma solução, terá que ajudá-los, pois o cretinismo topográfico não é deles...

No dia 6 cheguei a Madrid via Lisboa, em voo Iberia. O edifício, à medida que se dava a conhecer, impressionava pelo cheirinho a novo, pelo contraste face ao velho edifício de Barajas, pela estética de Richard Rogers e pela escala. Passaram uns minutos, depois meia hora, uma, duas... e meia, antes que o tapete metálico se resolvesse a expulsar as nossas malas. No chão de mármore luzidio, um saco de viagem esventrado, do qual saíam um sapato de salto alto, várias meias de senhora e um pacote de batatas fritas aberto, davam uma nota sinistra a um décor digno de Monsieur Hulo. Funcionários sem missão aparente cruzavam apressados espaços infindáveis e de improvável destino, parecendo apenas fugir das nossas inocentes perguntas. Quando consegui placar um deles, balbuciou envergonhado: "es que ni si quiera tenemos telefonos para comunicar". Percebi então a gravidade da situação. Percebi também porque é que meia dúzia de funcionárrios de limpeza se perfilavam diante de turistas e passageiros sem mover um pé, esperando aparentemente por uma ordem mais do que improvável. Percebi, enfim, o motivo porque o pessoal técnico que cruzava aquela espécie de teatro de guerra desolador, nem sequer olhava para as batatas fritas esparramadas sobre o estreado mármore de Barajas. Não havia cibernética do Terminal 4, apenas um filme de Jacques Tati.

Hotel Silken Puerta de America. Habitación

Chiquérrimo!



Elisabeth, colega e amiga, pouco disposta a esperar por umas bagagens sem hora previsível de chegada, resolvera reclamar. Forneceu os dados e solicitou que lhe enviassem a mala ao hotel, a qual seria previsivelmente entregue 6 a 12 horas depois. Eu, desconfiado, e porque tinha uma câmara Canon Digital reflex na mala (que me custara os olhos da cara), decidi esperar como um andino que o monstro de lâminas de aço inox começasse a mover-se, relativizando desportivamente a importância do tempo e da minha agenda profissional. A grande mala amarela acabou enfim por assomar. Estava intacta. Decidi apanhar um táxi, experimentando desta vez as sevícias de um imenso túnel de refrigeração brilhantemente concebido pelos arquitectos que desenharam esta espécie de Escorial pós-contemporâneo. A minha amiga acabaria por receber a sua mala no hotel mais fashion de Madrid, o Silken Puerta de America, onde a mesma voltaria a perder-se por mais umas 18 horas, desta vez devido a falhas de booking e incompetência dos recepcionistas, dois dias depois de desembarcar no quarto maior aeroporto da Europa.

19 de Fevereiro. 19h50. Estou a escrever este desabafo junto à porta J59 do Terminal 4, onde se espera pelo voo atrasado IB 3106, previsto para as 18:50. Depois de esperar diante de um painel luminoso de informação, junto a uma cafetaria, durante 2 horas, perdi pela primeira vez na vida uma ligação aérea. Quando reparei no aviso de embarque, já piscava ULTIMA LLAMADA! Puerta K58. Os letreiros dizem, da esquerda para a direita, J K L. Corri para a direita, buscando as portas K. As portas reais seguem-se, porém, ao invés: L J K! Teria pois que inverter a marcha e correr agora para a esquerda... uns quatrocentos metros! Cheguei ao balcão que controla o acesso ao avião com o coração aos saltos. A aeronave estava onde se esperava que estivesse. Três outros ofegantes passageiros esperavam como eu a oportunidade de embarcar. As portas do IB 3106 ainda estavam abertas, mas nós já não entraríamos. Porquê? Nunca chegaremos a saber.

Dirigi-me irritado ao balcão de reclamações, para obter novo bilhete e para protestar contra o manifesto desprezo pela economia alheia. Havia umas boas 3 dezenas de reclamantes furiosos. Fotografei-os, para me ater aos factos. Pela dificuldade que tive na entrega da minha queixa, e pelo visível volume de queixas perceptível no grosso livro de reclamações, posso imaginar as centenas ou mesmo milhares de indignações que ficaram no tinteiro.

Como desabafava um norte-americano depois de obter a muito custo um reconhecimento escrito de que perdera o seu voo para Miami por culpa do estuporado Terminal 4 de Barajas, "Iberia sucks!" E no entanto, a grande culpada chama-se, ao que parece, AENA — a entidade pública responsável pela administração dos aeroportos espanhóis. Lá como cá, tudo na mesma, sempre que falamos de paquidermes burocráticos de Estado.

O-A-M #105 20 FEV 2006

sexta-feira, fevereiro 03, 2006

Cavaco Silva 6

intolerancia

Cavaco e Sócrates: coabitar


A vitória de Cavaco foi à tangente. Mas provou que o Centro Inteligente (CI) é uma realidade. Com o passar das décadas foi amadurecendo, deixou evaporar os excessos de pátina ideológica, tornou-se, em suma, um fiel pragmático da balança política lusitana. Ficámos também a saber que o PCP, muito por causa do seu novo líder (ex-proletário, simpático e nada cinzento), fixou por mais uma década o seu eleitorado. O dito bloco central (PS+PSD) está bem e recomenda-se (basta ver as excelentes relações entre o actual Presidente da Câmara Municipal de Lisboa e Jorge Coelho...), apesar das agitadas águas que correm debaixo das suas pontes. Manuel Alegre, pelo contrário, não passou, pelos vistos, de um epifenómeno. Louçã não convence, nem poderá convencer, enquanto não produzir ideias novas e concretas, muita para além das generalidades propagandísticas do seu já irreconhecível trotskismo. Esperamos que a nova coabitação permita salvar o país da imbecilidade, da arrogância institucional, da ineficiência patriótica, da paquidermia burocrática e da corrupção pandémica que corrói o futuro deste país. Esperamos, em suma, por quatro anos de transparência estratégica, justiça, coragem, visão cultural e decisão política. Foi para isso que votámos! Resolvam-se pois, quanto antes, as dúvidas sobre a honorabilidade dos políticos e das demais celebridades do tempo. Pedófilos e corruptos para a prisão! Promiscuidade entre política e negociatas, nunca mais! Ronha burocrática, chega! Cabotinismo, nepotismo, sindicatos sexuais e endogamias são tudo o que não queremos e contribui para nos apequenar. Coragem Portugueses! Confiem no vosso CI...

Mahome: Stop stop We Ran Out of Virgins!

Civilização ou barbárie?


A autosuficiência energética, suportável a prazo pelo crescimento das energias naturais não poluentes (solar, eólica, marítima e hídrica); a autosuficiência alimentar, potenciada por uma nova revolução agrícola à escala europeia (que substitua os cultivos intensivos baseados na erosão criminosa dos solos biológicos, nos pesticidas e adubos químicos oriundos do petróleo e do gás natural, por uma agricultura extensiva, bio-ambiental e socialmente partilhada); a coesão ibérica, de Lisboa a Barcelona; a descentralização política e o conhecimento, são as cinco prioridades do nosso futuro imediato. Não há margem de manobra para hesitações! O petróleo chegará em breve aos 100 USD/barril. Como responderemos a esse desafio quando ele se puser cruamente diante dos nossos decisores políticos e da população em geral? Estaremos preparados para fechar os olhos ao genocídio de 1/3 ou mais da humanidade, em nome da sobrevivência dos mais fortes? E haverá alternativa se continuarmos a dormir sobre os problemas inadiáveis? Os radicais islâmicos (que de facto nos declararam guerra) estão a pedi-las. Os povos ocidentais começam a preparar-se para uma colisão inevitável. O mais provável é que, no rescaldo de uma guerra nuclear limitada, desespoletada muito provavelmente pela imprudência iraniana, todo o Islão venha a pagar, injustamente, pelo radicalismo que deixaram germinar e crescer nas suas entranhas atávicas. Civilização ou barbárie?!

A tecnosfera é incompatível com a corrupção galopante e com o atavismo religioso. Mas, por outro lado, a civilização não é digna desse nome se continuar a ser um campo de rosas alimentado pelo sangue, suor e lágrimas de milhões de despossuídos, explorados e oprimidos. Eis o principal dilema do século 21.

O-A-M #104 03 FEV 2006

segunda-feira, janeiro 16, 2006

Souto Moura

El Souto Moura

Procurador tenaz


Explica-me, como se eu fosse muito burro!

Sou daqueles que, ao contrário do Sr. Jorge Van Krieken (do reporterX.net) --responsável pelo recente furo jornalístico dum pasquim chamado 24 Horas--, creio que não há fumo sem fogo. E no caso que tem revolvido a Justiça Portuguesa, em volta, como se sabe, do escândalo de pedofilia da Casa Pia (no qual, ao contrário do caso Kincora, há um prevaricador confesso --Bibi-- e dezenas de jovens abusados), aquilo que o povinho, como eu, sabe, é que se tem feito a vida negra a todos os operadores jornalísticos e judiciários que se atreveram e atrevem a prosseguir, contra ventos e marés, no caminho do esclarecimento factual e jurídico dos crimes que, com toda a verosimilhança, foram praticados. O povinho também sabe que nenhum pedófilo pobre poderia sustentar advogados a pão de ló, como parece suceder neste caso. Por sua vez, o número de incidentes processuais veio revelar que quem tem dinheiro pode, afinal, entorpecer, vilipendiar e finalmente abafar a justiça, contando para tal com as mais inacreditáveis ajudas. O caso das listas de chamadas detalhadas que cirurgicamente atiraram para cima da secretária de Jorge Sampaio nas derradeiras semanas do seu mandato, mostra, como é bom de ver, um grande desespero por parte de alguns dos intervenientes no processo sujo em que o caso da Casa Pia se transformou. Alguém alguma vez se preocupou com os deslizes técnicos e processuais da Justiça Portuguesa antes deste caso? Lembram-se do caso UGT? Lembram-se do caso Partex? Lembram-se do caso das Facturas Falsas? Lembram-se do Caso Felgueiras? Lembram-se das dívidas fiscais dos clubes de futebol? Lembram-se do caso (que nem sequer levantou voo) das operações de lavagem de dinheiro a que, parece, se vêm dedicando alegremente algumas seriíssimas instituições bancárias lusitanas? Lembram-se do Apito Dourado? E do Isaltino? Não há ainda jurisprudência em tudo o que refere a julgar os poderosos deste país. É um facto. Mas já é tempo de a ter!

Ficámos a saber que há uma data de gente importante que tem telefones secretos (coisa de status, claro) numa mesma conta do Estado, e que nem todos são Ministros ou Secretários de Estado. Ficámos a saber que a PT é descuidada (mas sempre foi e daí nunca veio grande mal ao mundo). Ficámos a saber que a parte encriptada da lista de facturação detalhada não foi usada nem achada pelos operadores de justiça que operaram com a disquete do envelope 9. Ficámos também a saber que a dita parte encriptada do documento digital foi violada agora por uma certa fúria jornalística muito empenhada em demonstrar a incompetência do actual Procurador-Geral da República. Entretanto, paulatinamente, o actual Ministro da Justiça tece uma teia muito perigosa, cujo objectivo óbvio é controlar o poder judicial, com o pretexto de que é ao mesmo, e não aos governos e parlamento, que compete em primeiro e último lugar ter uma estratégia, legislar e fazer aplicar uma política de Justiça. Atirar para cima do sorridente Souto Moura o fardo pesado das culpas que aos partidos em primeiro lugar cabe, é um sinal de grande insensatez e cobardia. O Manuel Alegre tem falado muito nesta campanha eleitoral do bloco central dos interesses, do nepotismo e do concubinato entre o poder empresarial e a tropa política. Diz o óbvio, mas foi o suficiente para deixar Mário Soares pelo caminho na actual corrida presidencial. Depois da humilhante derrota do candidato do PS, creio que os seus militantes mais sérios e ambiciosos farão o devido funeral a quem, sem o menor escrúpulo pela idade, prestígio e situação institucional de Mário Soares, lançou o partido do Governo num autêntico fiasco. Eu sempre disse que Cavaco seria o melhor candidato de Sócrates, mas agora convém também acentuar que uma boa votação em Manuel Alegre será a via mais expedita para resolver a crise de valores e de estratégia que actualmente grassa no interior do Partido Socialista.

A poeira que tentaram atirar-nos aos olhos através do Repórter X já assentou e viu-se que resultou apenas de um tiro de pólvora seca. Esperemos tranquilamente que Sampaio evite sair de Belém em bicos de pés. O presidencialismo poderá revelar-se como a única alternativa democrática a um regime que, como o nosso, se encontra ameaçado de escorbuto político até à medula. Sampaio fez boa parte desse caminho. Resta saber se pretende agora empurrar Cavaco Silva para o desfecho lógico desta tendência institucional mais rapidamente do que seria aconselhável nas presentes circunstâncias. Seria de facto um mau serviço à actual maioria e à evolução previsível do nosso regime democrático.

PS -- As notícias das nomeações da filha do antigo Ministro dos Negócios Estrangeiros, António Monteiro, para Londres, à razão de 9000 euros/mês, pagos pelo erário público, e da filha do actual Ministro da Justiça, Alberto Costa, ao serviço do seu próprio gabinete, à razão de 3000 e tal euros/mês, que viajam pela Net a velocidades estonteantes, são ou não verdade? Vão ou não merecer desmentidos? Vão ou não merecer o escândalo dos sempre imprevisíveis e neurasténicos órgãos de informação social que temos? Humm.... :~!

CORRECÇÃO E PEDIDO DE DESCULPAS (12-02-2008) -- acabo de verificar que o caso da suposta filha de Alberto Costa, supostamente contratada para o seu gabinete, não passou de uma atoarda. Transcreve-se o correspondente desmentido, que apesar de tardio, visa repor a verdade dos factos. Peço desculpa aos visados pela pergunta que formulei sobre o assunto. -- OAM

Nota - Contratação de Susana Dutra

"Em relação à contratação de Susana Dutra como assessora do gabinete do ministro da Justiça, cumpre esclarecer o seguinte:
  1. Susana Dutra foi contratada tendo em vista, em primeira linha, a substituição do actual website do Ministério da Justiça por um portal de serviços e informações aos cidadãos e às empresas para a área da Justiça.
  2. Este novo portal, que já está on-line, exigiu a contratação de Susana Dutra, de modo a acompanhar desde já o processo de implementação técnica do portal e a sua gestão editorial.
  3. O novo portal será tecnicamente desenvolvido pelos serviços do Ministério, sem que isso envolva qualquer custo adicional.
  4. Pelo contrário, até ao momento a concepção técnica e a gestão editorial do actual website estavam a cargo de uma empresa externa, contratada pelo anterior Governo, com os custos financeiros e dificuldades de comunicação inerentes a esta situação.
  5. A contratação de Susana Dutra como assessora do Gabinete foi feita com integral respeito dos procedimentos legais e o seu vencimento decorre da lei, sendo até do ponto de vista financeiro mais vantajosa que a manutenção do contrato com uma entidade externa ao Ministério.
  6. Paralelamente ao seu trabalho na gestão editorial do novo portal da Justiça, a Susana Dutra, jornalista com experiência na imprensa escrita e na gestão editorial de websites, colaborará igualmente no trabalho regular de assessoria de imprensa.
  7. O Ministério da Justiça desmente de forma categórica a existência de qualquer relação de parentesco entre o ministro da Justiça, Alberto Costa, e a assessora de imprensa, Susana Isabel Costa Dutra.
09 de Fevereiro de 2006"

in Portal da Justiça

O-A-M #102 15 JAN 2006

domingo, janeiro 08, 2006

desNorte Cultural

Isabel Pires de Lima ao Expresso

PREC de regresso ao MC: vou a uma manif :-)


Domingo, 08.01.2006, às 20h00, junto ao Teatro Dona Maria, no Rossio, em Lisboa

I
O boy Antonio Mega Ferreira, o boy Antonio Campos Rosado e a girl Margarida Veiga, apesar de serem boys & girls do PS há uma data de anos, tomaram de assalto o CCB com uma sofreguidão que já não víamos há muito. Este elefante branco (o CCB), falido e completamente falho de imaginação, tornou-se agora no principal emblema cultural de um Estado pedinte (o Português).
II
Em vez de ter negociado a tempo e horas um protocolo decente e conveniente para ambas as partes, com o comendador Berardo, o MC deixou, pela mão de uma Ministra que não sei o que fez nem o que faz, apodrecer a tal ponto o dito protocolo, que foi preciso o Primeiro Ministro salvar, in extremis, a possibilidade de o património artístico da Colecção Berardo se manter por cá mais alguns anos. Daqui resultou uma farsa em três actos, de onde ninguém saíu ileso: o nosso Primeiro desautorizou a azoada Ministra, senhora confusa que não soube tirar dali as devidas ilacções (demitindo-se em vez de esperar que a demitam na primeira ocasião); o Sr Fraústo empunhou o único argumento que verdadeiramente pareceu movê-lo neste caso: o direito à indemnização de 40 mil euros!; e, por fim, consumou-se a programada e compassada entrada da dupla António Campos Rosado-Mega Ferreira numa missão afinal tão desprezível quanto seja administrar e dirigir um centro cultural do Estado sem dinheiro, programaticamente à deriva desde que existe, inutilmente caro e sem nenhuma possibilidade de ser outra coisa no futuro que não a sala de visitas pomposa de uma classe política cada vez mais indigente e corrompida.

Entretanto, como uma desgraça nunca vem só, a alucinada Ministra, com o conluío do seu Secretário de Estado (espécie de ex-comunista ansioso), demitiram sem pré-aviso nem explicação o director do Dona Maria, António Lagarto, pessoa de quem tive sempre uma excelente impressão e sei que sabe do seu ofício. Os dois compinchas governamentais preparam-se agora para demitir o Ricardo Paes, que dirige com êxito o São João, no Porto. Os comunistas e os ex-comunistas, quando lhes dá para a censura e para o autoritarismo não passam de criaturas autistas: vêm sempre os estragos que causam como actos justos de uma justiça revolucionária acima de toda a ética terrena! Nem o simpático operário que agora os governa poderá salvá-los desta triste condenação.

Não sei se já repararm que a página de boas vindas do sítio do Ministério da Cultura se encontra em actualização desde que as mencionadas criaturas tomaram posse. Não sei se já repararm que a dita Ministra, acreditando no mesmo sítio web, apenas fez dois discursos até à data. Não sei se repararam que o orçamento ministerial exibido nesta espécie de exemplar caricato do célebre plano tecnológico ainda é o de 2004! Onde vivem, de facto, estes extra-terrestres?

É tudo demasiado lamentável e risível.
Vou até ao Rossio dar um abraço ao António Lagarto e vociferar contra os néscios que, certamente por lapso, governam o pelourinho da cultura portuguesa.

O-A-M #101 08 JAN 2006

sábado, dezembro 17, 2005

Cavaco Silva 5

O Centro Inteligente


As sondagens vêm confirmando aquilo que toda a gente já sabia: o centro social e político do País está farto dos partidos que formam o arco do poder, e acha que os ditos são largamente responsáveis pelo actual estado de coisas. As acções, as omissões e sobretudo a irresponsabilidade do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, mas também a permanente estupidez analítica e o comodismo das oposições (do PCP ao PP, passando pelo Bloco), permitiram que alguns se servissem indecentemente das riquezas à mão de semear (Orçamento de Estado e Fundos Comunitários), sem a contrapartida de organizarem o país para os desafios que, todos sabiam, a integração europeia e a globalização iriam impôr.

O estado actual da nossa comunidade não deixa pois de ser paradoxal: temos uma democracia de pleno direito, temos partidos da situação e partidos da oposição, temos liberdade de imprensa, estamos integrados numa vasta associação de nações e Estados (seguramente a mais rica e a mais democrática do planeta), mas Portugal encontra-se à beira da falência económica, sem Justiça que funcione, com as corporações à solta, sem uma classe política comprometida com o seu País, sem lucidez, sem estratégia. O centro, o centro inteligente, faz o que pode, votando à “esquerda” (PS) e à “direita” (PSD), na busca incessante de alguém que tenha a inteligência, a vontade e a coragem de enfrentar simultaneamente a sonolência nacional e os poderes ilegítimos, em nome, já não digo de um sonho, mas tão só de uma visão realista dos nossos deveres, dos nossos interesses e das nossas reais potencialidades. O mundo caminha para uma mutação dramática do seu modelo energético. Deixaremos em breve o paradigma do desenvolvimento e do progresso assentes na afluência de energias baratas. Vale a pena ler, a este propósito, The Oil Depletion Protocol, proposto à discussão por Richard Heinberg. No mundo que espreita ao virar da esquina teremos que saber redefinir drástica e corajosamente o sentido da vida e as nossas metafísicas. Poderão Cavaco Silva e José Sócrates dar uma ajuda neste transe? Creio que o sentido de voto do centro inteligente alimenta, pelo menos, essa esperança desesperada!

A aposta actual dos eleitores não é pois uma aposta na Esquerda ou na Direita (de que nos rimos todos), mas uma aposta de confiança pessoalmente depositada, outrora em António Guterres, e agora em José Sócrates e Cavaco Silva. Os portugueses esperam sobretudo decisões corajosas, transparência, uma estratégia clara para Portugal e uma autoridade sem hesitações na aplicação dos programas e das leis. Se estes dois políticos tiverem a coragem e a lucidez de seguirem este caminho, o povo não lhes faltará. Mas atenção: há que apertar desde já o freio à corrupção e ao caciquismo que campeiam impunemente pela estepe lusitana!

Ao contrário do que dizem por aí, o nosso futuro não é o Turismo, ou pelo menos não será o turismo de massas, porque este não resistirá ao colapso energético que se aproxima. O nosso futuro passa, neste aspecto particular, por oferecer aos futuros residentes fugidos das crises energéticas, climáticas e bélicas de outros países, um refúgio ecologicamente remendado, com uma relativa autonomia energética e alimentar, pacífico e capaz de vigiar as suas fronteiras terrestres, marítimas e aéreas.

O ano de 2007 poderá trazer notícias muito más nos planos energéticos e imobiliário, com consequências inimagináveis no que se refere ao agravamento do desemprego, do ritmo das falências empresariais e do crescimento das nossas dívidas, pessoais e nacionais, internas e externas. É por isso que as aventuras da Ota e do TGV poderão afocinhar muito antes de começar. É por isso, insisto, que as nossas prioridades estratégicas passam por assegurar, doa a quem doer, segurança energética e alimentar. É por isso que o famoso plano tecnológico não poderá ser mais uma anedota política e um mero pretexto para desviar e desbaratar os fundos nacionais e comunitários. A nossa inteligência, o nosso conhecimento e os recursos financeiros disponíveis devem confluir nos três objectivos estratégicos prioritários mencionados: autonomia energética, autonomia alimentar e capacidade de vigiar e controlar as nossas fronteiras, sobretudo marítimas.
Precisamos de diminuir o desperdício energético em todos os segmentos da nossa actividade. Precisamos de reformar imediatamente o modelo de financiamento das autarquias locais (elos essenciais da sustentabilidade que teremos que adoptar mais cedo do que pensavamos). Precisamos de lançar um vasto movimento agrícola de proximidade, que inclua, entre outros objectivos imediatos, a recuperação radical das cinturas verdes de todos os aglomerados urbanos com mais de 10 mil habitantes e um vasto plano educacional dirigido a toda a população. Precisamos de recuperar e estimular os circuitos de distribuição local, apoiando-os, desta vez, contra as condenadas mega-superfícies que quase destruiram o comércio (e a produção) local e nacional deste País. Precisamos, finalmente, de atrair conhecimento e financiamentos externos, dando como contrapartidas efectivas um período de 20 anos de isenção de impostos e um quadro legislativo que aponte sem ambiguidades para um modelo de sustentabilidade ecológica à escala nacional.

Aos meus concidadãos um conselho de Natal: gastem pouco (nada de telemóveis novos!) e sobretudo apostem no comércio de proximidade. Se tiverem uns dinheiritos poupados, não o desbaratem em planos de poupança cantados pelas sereias bancárias, mas antes na compra de terra, de terra agrícola, se possível perto de onde vivem. Depois vão pensando em frequentar uns workshops sobre a origem dos nossos alimentos. Por exemplo, os mini cursos de jardinagem promovidos pelo Jardim Botânico da Ajuda, Lisboa (contacto: Enriqueta Coelho). Além de divertidos, ser-vos-ão muito úteis no futuro que ainda conhecereis.

Bom Natal!

Post Scriptum (24 dez 05) — Que se passa na cabecinha deste Primeiro-Ministro? Desatou a despachar compromissos irrealizáveis: Ota e TGV. Desdiz por dá cá aquela palha as posições do PS sobre uma questão energética tão sensível como a anunciada barragem do rio Sabor (depois da campanha que alimentaram contra Foz Coa). Atropela uma ministra no fim-de-semana, em nome de um acordo obscuro com um putativo benemérito das artes (algum melro lhe anda a dar muito maus conselhos...). Em suma, autoriza ou pressiona o seu ministro das obras públicas a fazer sucessivamente uma figura cabotina no dossier dos transportes (a última pessegada foi esconder do festival burlesco da Gare Marítima um estudo fundamental da ANA, realizado em 1994, sobre as alternativas possíveis para o novo Aeroporto Internacional de Lisboa). Como se isto não bastasse, o dossier tecnológico, objecto de encenações igualmente festivas, continua encalhado no jogo do empurra, afundando ministros e sucessivos responáveis que não chegam a sentar-se no lugar. O famoso plano foi agora chamado para a área de competência directa do Primeiro Ministro. Que sucederá quando voltarmos a perceber que não há nenhuma ideia decente para o mesmo? Entretanto, o essencial, i.e. a defesa imediata da nossa autonomia energética, alimentar e territorial, parece um assunto ausente da agenda de Sócrates. Grave! Muito grave, Senhor Primeiro Ministro! Talvez venha a tombar da sua cadeira por causa de tamanha distracção. E já agora, mais um aviso: não antecipe decisões cuja importância crucial para o País merecem, e sobretudo precisam, de um bom entendimento entre o Governo e o futuro Presidente da República. Quem avisa, seu amigo é...

Post Scriptum (20 dez 05) — Não gostei nada do modo obcecado como Soares atacou Cavaco no debate desta noite. Fez um triste papel de demagogo barato, de agressor indelicado e de velho senil (é preciso dizê-lo!), agitando espantalhos ridículos sobre a perigosidade de Cavaco Silva e lançando suspeitas indecentes sobre a legitimidade democrática das eleições que aí vêm. Não disse nada sobre o futuro (seguramente, porque não pensa fazer coisa alguma), enquanto o seu adversário explicou pacientemente como espera não defraudar os seus eleitores, se for eleito. Cavaco já disse que não vai cortar fitas, nem deixar os Governos, a Assembleia da República e os Tribunais descansados na doce incompetência que conduziu o País ao lamentável estado de irresponsabilidade, corrupção e indecência em que se encontra. Toda a gente percebeu há muito o que ele pretende, menos os candidatos que se lhe opõem. Repito: a sua eleição é a melhor notícia que os eleitores poderão dar a Sócrates na longa e dolorosa caminhada que o espera nos próximos três anos.

O-A-M #100 17 DEZ 2005