O fim do banquete petrolífero
O relatório apresentado nos dias 7-8-9 de Março de 1956, por M. King Hubbert, Consultor Chefe de Geologia da Shell Development Company, ao Encontro de Primavera da Southern District Division of Production do American Petroleum Institute, deve ter soado como uma visão muito pessimista do que então parecia ser o nascimento de uma inesgotável fonte de energia e matéria prima, essencial ao segundo grande bang do Capitalismo. No rescaldo das grandes tragédias mundiais que foram a guerra civil espanhola e a segunda guerra mundial, o petróleo e o gás natural viriam a ser os principais motores da chamada segunda revolução industrial. Foi este estudo de Hubbert fundamental ainda hoje para entender o ciclo das três grandes fontes de energia carbónica (carvão, petróleo e gás natural), que primeiro previu a crise económica de 1973, que se seguiu ao pico da produção petrolífera nos Estados Unidos. Hubbert previu também a crise energética actual, desespoletada pelo cume da produção petrolífera no Mar do Norte. E previu finalmente o retomar inevitável da opção nuclear para fins energéticos quando já nada nem ninguém conseguir evitar a turbulência bélica crescente causada pelas disputas geo-estratégicas em volta do chamado "peak of oil production" i.e. o ponto a partir do qual todo o petróleo e todo o gás natural disponíveis no planeta não demorarão mais do que escassos 30-50 anos a desaparecer do horizonte energético da humanidade.
"Se o mundo continuar a depender dos combustíveis fósseis como sua principal fonte energética, podemos esperar que o auge da produção de carvão ocorra daqui a uns 200 anos. De acordo com as estimativas actuais das reservas remanescentes de petróleo e gás natural, parece que a culminação da produção mundial destes produtos possa ocorrer dentro de meio século, enquanto que o pico da produção do petróleo e gás natural, quer nos Estados Unidos, quer no estado do Texas deva ocorrer nas próximas duas décadas" 1956. Nuclear Energy and The Fossil Fuels by M. King Hubbert (p.38).
O pico da produção de petróleo e gás natural ocorreu nos Estados Unidos em 1970. O pico da produção petrolífera do Mar do Norte ocorreu em 1999-2001. E o pico mundial, se não ocorreu já, deverá surgir entre 2006 e 2007. Tudo somado, temos 30 a 50 anos de petróleo e gás natural pela frente, cada vez mais caro... e com muito sangue à mistura!
A opção pela energia nuclear parece, para muitos, irremediável. Chegará a tempo? Qual o preço que teremos que pagar por ela? Portugal deveria pensar, antes de tomar qualquer decisão, nas consequências terríveis que um acidente nuclear poderia ter sobre a faixa estreita de território onde vivemos. Deveria pensar, sobretudo, num mundo com menos energia e mais feliz!
Como escreve John Howard Kunstler em The Long Emergency (2005), a energia nuclear serve para muitas coisas menos para alimentar o estilo de vida ocidental dos últimos 50 anos. Não podemos fazer voar os aviões a partir da fissão nuclear, não podemos substituir o petróleo pelas energias nuclear, pelo hidrogéneo, pela energia solar, ou pelo vento, na produção de toda a espécie de plásticos, remédios e adubos de que actualmente dependemos. Em suma, o festim da era carbónica, em que nos fomos deixando embriagar desde os primórdios da Revolução Francesa, está prestes a terminar. Menos de 50 anos pela frente e uma inércia capitalista imparável (de que o consumismo e a hiper-concentração financeira são os epifenómenos mais doentios) vão conduzir-nos ao desastre. A um pequeno país como Portugal, inserido numa ilha europeia chamada Ibéria, resta-lhe a perspectiva de uma modificação drástica do seu modelo de crescimento. Isto é, uma revolução económica, política e social (em nome da razão e da sustentabilidade), capaz de controlar a derrapagem em que já entrou e evitar o pior. O pior seria, por exemplo, deixar o país resvalar para uma lenta guerra civil pelo controlo dos recursos imediatamente disponíveis, numa lógica terrível de exaustão acelerada das florestas, dos terrenos agrícolas e da generalidade dos recursos capazes de gerar receitas imediatas, até ao desaparecimento da nossa própria existência nacional. Para evitar o destino que tiveram os povos da ilha da Páscoa (ou deixar-nos envolver numa possível balcanização da Espanha), resta-nos levar a cabo uma discussão urgente sobre o nosso futuro, inverter drasticamente (i.e. através de imposições legais meta-comunitárias) o nosso estilo de vida, e construir um sistema de segurança alimentar e energético organizado em rede. O Estado e as autarquias podem e devem ser os pilares determinantes desta melindrosa operação. Mas para aí chegar terão que passar por uma reforma política radical. Precisamos de uma democracia electrónica poderosa, transparente e em rede, capaz de discutir, legislar e executar, muito para além do actual panorama de atavismo estratégico e corrupção generalizada que ameaça implodir o edifício institucional da nossa própria identidade.
Link 1 (Energy Bulletin)
Link 2 (Limits to Growth)
Peaking Of Oil World Production: Impacts, Mitigation, & Risk Management. Robert L. Hirsch. 2005. PDF (1,2 Mb)
World Petroleum Availability. Office of Technology Assessment (OTA). 1980. PDF (420Kb)
Exponential Growth (fac-símile). M. King Hubbert.1976. PDF (332 Kb)
On The Nature Of Growth. M. King Hubbert 1974. PDF (500 Kb)
Nuclear Energy and The Fossil Fuels (fac-símile). M. King Hubbert. 1956. PDF (2.6 Mb)
O-A-M #107 24 FEV 2006