“Em 1905, o Governo de Sua Majestade, através dos serviços do notório ‘ás dos espiões’, Sidney Reilly, assegurou direitos exclusivos extraordinariamente significativos sobre o que então se acreditava ser uma vasta e inexplorada zona petrolífera do Médio Oriente. Assim, no princípio daquele ano, os serviços secretos Ingleses enviaram Reilly (nascido em Odessa, Rússia, sob o nome de Sigmund Georgjevich Rosenblum) com a missão de sacar os direitos de exploração dos recursos minerais da Pérsia a um excêntrico geólogo amador e engenheiro Australiano chamado William Knox d'Arcy ” — in A Century of War, de William Engdahl.
“Estimado Lorde Rothschild,
Tenho o prazer de lhe comunicar, em nome do Governo de Sua Majestade, a seguinte declaração de simpatia pelas aspirações Judaico Sionistas, a qual foi submetida ao Gabinete e aprovada:
‘Sua Majestade vê com agrado o estabelecimento na Palestina de um lar nacional para o povo Judeu, e dedicará os seus melhores esforços à consecução deste projecto, ficando claramente entendido que nada será feito que possa prejudicar os direitos civis e religiosos de comunidades não-Judias existentes na Palestina, ou os direitos e estatuto político usufruidos por Judeus em qualquer outro país.’ Ficar-lhe-ia agradecido se levasse esta declaração ao conhecimento da Federação Sionista. Com os melhores cumprimentos, Arthur James Balfour (Londres, 2 de Novembro de 1917).”
Na mais importante e bela reserva natural Portuguesa existe uma águia solitária. É uma fêmea com vinte anos e perdeu o seu companheiro há algum tempo. Cada Primavera, porém, cumprindo um dever genético que a transcende, faz os seus magestáticos voos nupciais e prepara o ninho para a prole que há-de vir. Ela não sabe, mas é a última águia real da Serra do Gerês. Quando um dia desaparecer, desaparecerá com ela muito mais do que uma águia. Tal como a civilização Maia, ou a população da Ilha da Páscoa, ou tantos outros casos documentados de civilizações e comunidades extintas, houve um desequilíbrio grave na paisagem magnífica de que as águias reais do Gerês faziam parte e ajudaram a construir. A pouco e pouco, a falta de alimentos (nomeadamente coelhos bravos, por efeito da pneumonia viral hemorrágica e outras doenças), o abandono das práticas agro-pecuárias tradicionais, a perseguição humana, a electrocução nos cabos de alta tensão, as estradas, as barragens, os parques eólicos, a extracção de inertes, a produção florestal, a instalação de regadios, a invasão alegre dos todo-o-terreno, o turismo... conduziram em poucas décadas ao declínio demográfico irreversível de uma espécie rara residente num dos poucos e ameaçados santuários ecológicos de Portugal. Aquela última águia real, mostrada recentemente num documentário televisivo da SIC, fez-me meditar sobre os limites do crescimento, e em especial, sobre os limites do crescimento da mais predadora das espécies existente à face da Terra, o Homem.
Ao contrário do que escrevera um antigo secretário de estado da energia Português (1), o conhecido relatório de Donella Meadows, Jorgen Randers e Dennis Meadows, encomendado pelo Clube de Roma e financiado pela Fundação Volkswagen, Limits to Growth (datado de 1972 e de que não conheço nenhuma tradução Portuguesa), nunca foi tão dramaticamente actual como hoje. A trinta e quatro anos de distância, e na linha de um outro relatório igualmente fundamental, embora desconhecido da maioria de nós (refiro-me ao estudo de M. King Hubbert, Nuclear Energy and The Fossil Fuels (2.6 Mb), apresentado em Março de 1956 ao American Petroleum Institute), Limites ao Crescimento (e a sequela Beyond Limits, dos mesmos autores) revelam o modo e o quanto fomos caminhando ao longo do século 20 para um beco sem saída aparente. Com alguma probabilidade, este beco poderá mesmo levar-nos, se não a um processo de extinção, certamente a uma redução catastrófica da actual população mundial. O ex-governante Português deveria ler atentamente estes dois estudos, e corrigir rapidamente o seu optimismo leviano.
Enquanto procurava perceber porque teria o Presidente Francês ameaçado o Irão com a possibilidade de um primeiro ataque nuclear se Ahmanidjad persistir na sua arruaça atómica, tropecei em dois textos especialmente oportunos e actuais. Um deles, mais jornalístico, foi escrito por Jared Diammond para o The New York Times, em 1 de Janeiro de 2005, e chama-se The Ends of the World as We Know Them. O outro, mais antigo e fundamental, foi escrito em 1968 por Garrett Hardin, sob o título The Tragedy of the Commons.
Nos quatro textos que acabo de referir abordam-se os efeitos objectivos e dramáticos das dinâmicas de crescimento exponencial. Citarei neste artigo apenas os últimos dois, porque tive já a oportunidade de me referir em blogues anteriores à importância dos trabalhos de Donella Meadows/Jorgen Randers/Dennis Meadows e de M. King Hubbert.
Assim, e no caso de Jared Diamond, gostaria de vos trazer o sintomático aviso com que começa a sua crónica para o The New York Times:
“Neste ano que agora começa, com os Estados Unidos aparentemente no cume do seu poderio e no começo de um novo mandato presidencial, os Americanos estão cada vez mais preocupados e divididos sobre o caminho a seguir. Até quando poderá a América prosseguir a sua ascensão? Onde estaremos daqui a dez anos, ou mesmo no ano que vem?” (...) “A História ensina-nos que quando as sociedades poderosas colapsam, tendem a fazê-lo rápida e inesperadamente.”
O problema da liberdade associada ao bem comum (quer dizer, à propriedade colectiva, aos baldios, ao domínio público) abordado no polémico ensaio do professor de biologia da Universidade da Califórnia, merece ser recordado no preciso momento em que pretendemos perceber como pode o comportamento de Ahmadinejad ameaçar tão fortemente a economia, a estabilidade política e a segurança mundiais. Tem o temerário líder iraniano a liberdade de ameaçar o status quo energético gerado pelas ‘democracias’ ocidentais ao longo dos séculos 19 e 20 (mesmo invocando os danos que estas produziram)? Estarão estas últimas (quando o entendimento do problema se tornar claro para a generalidade das suas comunidades) dispostas a sacrificar a sua sobrevivência económica, e sobretudo cultural, aos direitos de um conjunto de países que, por junto, não representam mais de 2% da população mundial? O facto de Garrett Hardin analisar o problema do crescimento populacional como um desses problemas que não têm solução técnica à vista... pode muito bem ser a metáfora que nos faltava para entender a complexidade deste momento político angustiante. O grau de generalidade da sua hipótese teórica não poderia ser mais oportuno ao verificarmos como as nossas deficiências analíticas parecem tornar-se óbvias face aos dilemas da confrontação em curso.
“A classe dos ‘problemas sem solução técnica’ tem membros. A minha tese diz que ‘o problema populacional’, tal como é convencionalmente concebido, é um membro dessa classe. O modo como ele tem sido visto merece um comentário. É justo dizer que a maioria das pessoas que se afligem com o problema populacional procuram encontrar uma maneira de fugir aos demónios da sobrepopulação sem abandonar nenhum dos privilégios de que gozam. Pensam que explorar os mares como se fossem quintas, ou desenvolver novas variedades de trigo resolverá os problemas — tecnicamente. Eu procuro mostrar que a solução que procuram não pode ser encontrada. O problema populacional não pode ser resolvido tecnicamente, tal como não podemos vencer um jogo do galo.”
Porque é que a França ameaçou atacar o Irão, enquanto o escol político-militar estado-unidense parece um pára-brisas atingido por um pedaço de brita?
Há que distinguir nesta pergunta duas situações distintas: uma, é a fragilidade actual dos Estados Unidos da América perante a eventualidade da abertura de uma nova frente de guerra, que não pode descartar abertamente, para a qual dispõe de suficiente capacidade de projecção tecnológica, mas não de suficientes meios humanos disponíveis para uma acção prolongada e sangrenta no teatro de operações anunciado. Por outro lado, os Estados Unidos estão a ficar sem petróleo próprio, dependendo cada vez mais de fontes de abastecimento situadas em regiões crescentemente hostis ao seu império. Embora a lista dos seus principais fornecedores de petróleo — Canadá, México, Arábia Saudita, Venezuela, Nigéria e Iraque — não inclua o Irão, a verdade é que as suas recentes manifestações de proteccionismo anti-árabe (caso DPWorld), a criminalização dos imigrantes ilegais, sobretudo mexicanos (que provocou um dos mais massivos e provavelmente duradouros protestos cívicos desde a guerra do Vietnam), o modo desajeitado como vem provocando a Venezuela de Chavez, o atoleiro do Iraque, a sua incontrolável dívida externa e a provável tentativa de monetarização da mesma ($8.421,992.180.187,49 em 17 abr 2006), a recente perda do controlo das reservas energéticas do Mar Cáspio, e o facto de as suas próprias reservas petrolíferas estarem no fim (mais 8 anos de vida se se mantiver o nível de produção actual: 7,6 milhões de barris por dia), têm vindo a reduzir o espaço de manobra global desta super potência militar e tecnológica. Um ataque ao Irão provocaria, muito provavelmente, o caos, como opina um dos mais emblemáticos conservadores estado-unidenses, Patrick Buchanan:
“O que é que faria o Irão? Poderia enviar Guardas Revolucionários para o interior do Iraque para tornar aquele país bem pior do que está para os 135 mil soldados norte-americanos. Incitar o Hezbollah a lançar morteiros contra Israel para ampliar a frente de batalha. Atacar os aliados da América no Golfo. Encorajar os Shiitas do Iraque e da Arábia Saudita a atacar os Americanos. Minar o Estreito de Ormuz. Activar as células Islâmicas adormecidas, trazendo o terror ao nosso país. Numa palavra, um ataque norte-americano ao Irão poderia levar a guerra a toda a região e interromper o envio dos 15 milhões de barris de petróleo/dia que nos chegam do Golfo, o que conduziria a economia mundial a uma paragem cardíaca instantânea.” — Is war with Iran inevitable? — por Patrick J. Buchanan. Abril 11, 2006
A outra questão, diz respeito à França, à Alemanha (que alinhou imediatamente com a declaração de Chirac) e em geral a toda a Europa dos 25. Neste caso, o principal problema reside igualmente na situação energética deste outro gigante económico e populacional. A União Europeia precisa diariamente de 15 milhões de barris de petróleo para manter o seu actual estilo de vida. Todavia, apenas produz (via Noruega e Reino Unido) 3,4 milhões de barris diários. Isto é, precisa de importar quase 12 milhões de barris/dia. Grande parte destas importações, ao contrário do que sucede com as importações petrolíferas dos EUA, tem origem precisamente no Golfo Pérsico (45%) e na Rússia (25%). Ocorre ainda que a Rússia de Putin, depois de ter sabido contrariar e finalmente anular o envolvimento do Mar Cáspio por parte dos EUA, estabeleceu acordos estratégicos de grande importância com a China e com... o Irão, sendo assim cada vez mais nebulosas as suas intenções estratégicas relativamente à União Europeia (o tal sonho que ia do Atlântico até aos Urais). É neste contexto que Paris antecipou uma jogada realmente arriscada. Se a França atacar o Irão com mísseis nucleares (esclarecendo que o objectivo da Europa é apenas o de impedir uma corrida nuclear no Médio Oriente), e Israel levar a cabo uma série de operações de assassinato selectivo dirigidas ao coração do actual poder iraniano, que faria a Rússia? Se a situação continuar a deteriorar-se naquela zona vital para a sobrevivência económica de 4/5 da humanidade, a decisão da França (que é na realidade, e neste caso, porta-voz da decisão implícita de todo o hemisfério ocidental) pode vir a revelar-se como a única saída violenta capaz de limitar os estragos e sobretudo de impedir uma reacção nuclear em cadeia (como seria o caso, se a iniciativa pertencesse aos Estados Unidos, ao Reino Unido ou a Israel).
O consumo mundial de energia depende em 86% das reservas fósseis conhecidas.
A produção de electricidade depende em 64% desses mesmos recursos.
A era petrolífera, por sua vez, dificilmente sobreviverá ao ano 2030, ou segundo os mais optimistas, ao ano 2050.
Neste quadro de referência, a lista dos maiores consumidores mundiais de petróleo, (dados de 2003),
- EUA (20,3 M bpd)
- União Europeia a 25 (14,59 M bpd)
- China (6,4 M bpd)
- Japão (5,6 M bpd)
- Rússia (2,8 M bpd)
- India (2,3 M bpd)
- Mexico (1,7 M bpd)
- Brasil (1,6 M bpd)
- Indonesia (1,08 M bpd)
- Paquistão (365 m bpd)
corresponde à maioria esmagadora da população mundial. Assim sendo, estes países acabarão sempre por exercer o peso das suas decisões sobre a distribuição dos recursos disponíveis. É no âmbito das suas alianças que a tensão em torno da repartição do petróleo remanescente se delineará nas próximas semanas, nos próximos meses e nos próximos anos.
As maiores reservas estratégicas de petróleo conhecidas não se encontram nestes países (à excepção da Rússia e do México). Encontram-se, na realidade, em países e regiões geralmente pouco povoados (neste caso, à excepção da Rússia, México e Nigéria). São estas as principais reservas de petróleo conhecidas em 2005 (em mil milhões de barris):
- Arabia Saudita = 262,7
- Canada (inclui areias betuminosas) = 178,9
- Irão = 133,3
- Iraque = 112,5
- Emiratos Árabes Unidos = 97,8
- Kwait = 96,5
- Venezuela = 77,2
- Rússia = 69
- Líbia = 39
- México = 33,3
- Nigeria = 36
- Casaquistão = 26
- Angola = 25
Assim sendo, seria totalmente suicida a ideia de deixar evoluir estes países para o estatuto de potências militares sofisticadas. Seria menos perigoso e mais barato negociar um novo Tratado de Tordesilhas entre os grandes aglomerados populacionais e as grandes economias do planeta, que fosse ao mesmo tempo capaz de regular os seus interesses e equilíbrios, mantendo no seu devido lugar boa parte dos produtores líquidos de petróeo e gás natural. De um lado, o Ocidente, ficaria a União Europeia (de Istambul a Lisboa), a metade ocidental de África, o Atlântico e as Américas. Do outro, o Oriente, ficariam a Rússia, a China, a India, a Indonésia, a Austrália, a metade oriental de África e o Japão. As principais interfaces petrolíferas (e de gás natural) ficariam fora desta divisão, mas obrigadas a servir o bem comum! Talvez assim fosse possível ultrapassar o actual jogo do galo, que como sabemos todos, do ponto de vista da guerra, e da tecnologia, não tem solução.
A presente crise de recursos (pois é fundamentalmente disso que se trata) talvez possa ter uma resolução não catastrófica. Pelo menos, deveríamos procurá-la com toda a nossa imaginação. Ganharíamos, se tivéssemos êxito nesta desesperada tentativa de negociação a quente, algum tempo para enfrentar a questão, bem mais radical, da nossa sobrevivência como espécie. De contrário, e bem mais cedo do que seria verosímil crer, estaremos na situação da última águia real que sobrevoa (sem saber o que a espera) a bela serra do Gerês.
Notas
1. Nuno Ribeiro da Silva, “Petróleo A 70 dólares ou mais?”, in DN,5 Set., 2005.
Post Script [18 abr 2006] — Em vez da guerra, sempre possível ao virar da esquina, sempre terrível (autêntica pornografia negra!), sempre desejada por alguns dos mais insuspeitos amantes da beleza e respectivas artes, seria bem mais inteligente optar por uma nova e urgente agenda de cooperação global. Pois a agenda energética que actualmente ameaça lançar o mundo numa recessão económica de proporções dantescas tem um horizonte histórico muito curto (e sobretudo nenhum ciclo expansivo que lhe suceda). Que sentido faz lançar a humanidade numa carnificina planetária por causa de algo que não tem solução, o fim anunciado das energias carbónicas baratas e a ameaça climática global? Não deveríamos, pelo contrário, começar a desenhar planos de contingência bem mais radicais? Por exemplo, para fazer uma revolução social contra o crescimento? À contínua obsessão dos corruptos e bimbas do poder com a liberdade de enriquecer às custas da pobreza crescente das maiorias, à sonolência demonstrada pelos autoproclamados ‘especialistas em energia’ que enchem os écrãs de ilusões, oponho uma recomendação, que me chegou de um amigo: leiam o último livro de James Lovelock, The Revenge of Gaia. Deixo-vos com esta esta aterradora passagem:
“Os centros climáticos de todo o mundo, que são o equivalente dos laboratórios de anatomia patológica dos hospitais, enviaram um relatório sobre o estado físico da Terra. Os especialistas climáticos consideram-na gravemente enferma, à beira de entrar num estado de morbidez febril que poderá durar cem mil anos. Tenho que vos dizer, como membros da família terrestre e uma parte íntima dela, que todos vós e em especial a civilização enfrentam um grave perigo. ”
OAM #118 16 ABR 2006